Além do Castelo escrita por LC_Pena, SpinOff de HOH


Capítulo 21
Capítulo 21 Castelobruxo


Notas iniciais do capítulo

Meio grandinho (demorou para revisar), mas acho que está divertido.

— Em Castelobruxo a gente tem uma pequena rixa entre o grupo de Clara e seus amigos x o de Iara, que agora foi assumido por Yolanda Calixto;
— A família Calixto atualmente é a acionista majoritária do Conglomerado FerrZ, ultrapassando até mesmo os Ferraz;
— Tony agora é um dos patrocinados do conglomerado, finalmente abrindo o caminho que eles tanto queriam para o mercado de jogadores de Hogwarts;
— Cesc pediu para ele ficar atento a qualquer atividade suspeita da FerrZ;
— E como Iconoclasta, tem que ficar também atento a qualquer coisa ligado à profecia e a caixinha de música e suas "premonições".

Vamos lá:



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Pavilhão Lab, Castelobruxo, 20 de outubro de 2021

O horário do café da manhã estava quase se encerrando e qualquer aluno da escola ficaria impressionado ao ver alguém da Expertise de Esportes longe da comida farta de Castelobruxo - todos os atletas só paravam de comer quando eram obrigados - mas Tony havia saído mais cedo do refeitório por uma boa causa.

— Eu não sei se acredito muito nessa suposta melhoria sua em Poções... - Rose Weasley falou com um sorrisinho desconfiado do outro lado da tela do computador usado pelo batedor do quinto ano.

— Romena pode atestar a meu favor, eu não mentiria em algo tão simples quanto isso, Baunilha, eu realmente, literalmente e indubitavelmente estou chutando bundas nas aulas de Poções! - Tony falou com as duas mãos atrás da cabeça, em sua posição típica de desleixo e superioridade sonserina. Rose apoiou o queixo sobre as mãos, analisando se aquilo era verdade ou não.

— Vou te dar esse voto de confiança, ainda mais que aquela sua foto com as criancinhas no campo daquela vila bruxa derreteu mesmo meu coração. - Ela falou com uma dose de doçura, mas depois seu sorriso se transformou em algo mais malicioso. — Vou usá-la para ilustrar meu artigo sobre os intercâmbios culturais que estamos fazendo fora de Hogwarts.

— Não se atreva, senhorita Weasley, eu não te dei permissão! - Tony se ajeitou na cadeira, apontando com falsa raiva para a tela. Rose continuou com o mesmo sorriso de quem estava aprontando de antes.

— Você me enviou a foto voluntariamente e é meu namorado, essa é toda a permissão que eu preciso. - Ela rebateu divertida, arrancando uma expressão horrorizada do sonserino.

Na verdade, Antony era um ator bastante ruim, muito exagerado na opinião de Rose.

— Estou sendo usado! - Ele falou ultrajado e a garota ruiva em Ilvermorny apenas deu de ombros. — Você, mocinha, vai se ver com meus advogados!

— Bem... Então talvez eu deva esquecer completamente o que estou preparando para o seu aniversário. - Ela falou como quem não quer nada, então o garoto a olhou desconfiado.

— O que você está preparando para o meu aniversário? - Ele perguntou curioso, porque sempre adorou surpresas, embora nunca tivesse tido a paciência de esperar que elas acontecessem no tempo certo.

— Ah, não tenho nada a declarar, ainda mais que falta exatamente um mês para tal data e nunca se sabe o que o senhor Zabini irá aprontar até lá. - Ela falou irônica, mas depois mordeu os lábios, levemente ansiosa. — Mas falando sério, não posso mesmo usar sua foto no jornal? Eu queria muito aproveitar o rastro desse último artigo do Ocaso para falar sobre eles na minha coluna no jornal de Ilvermorny...

— Baunilha, você pode até usar meu nu artístico na primeira capa de qualquer publicação, se você quiser! O que é que você me pede que eu não te dou? - Tony falou de braços abertos, fazendo a grifinória o olhar de olhos franzidos.

— Que tal aqueles doces que você conseguiu naquela loja de doces lá no centro de Salem?

— Meu Paracelso amaldiçoado, você ainda não esqueceu aqueles benditos doces? Aquilo tem meses, Baunilha, o que te faz pensar que eu ainda tenho alguma coisa daquela piñata? - O sonserino perguntou exasperado e Rose riu, com certo deboche.

— Eu sei que você ainda tem, Antony! Minha veia investigativa percebe um esquema de ocultação de doces, ainda mais se estivermos falando de chocolate, que é um item essencial na minha vida! - Ela falou teatralmente, depois o olhou acusadora. — Sabia que há celas em Azkaban só para namorados que negam chocolates para suas amadas?

— Espero que tenham vista para a baía dos lamentos, porque...

— EU SABIA! Ocultação de doces bem aqui! - Ela chamou os aurores invisíveis do seu lado da tela, depois deu risada junto com o garoto, que realmente admitiu o crime. — O senhor está muitíssimo errado, não ria não!

— Bem, Baunilha, vou compensar esse crime dedicando o primeiro dente que eu arrancar nessa temporada a você, eu vou gritar: essa ação violenta, gratuita e sem sentido é para a ruiva mais linda de todas! Rose, nenhum sangue de inimigo é mais vermelho e brilhante que os seus belos cabelos ruivos! - A garota agora estava vermelha de tanto rir da cena e da interpretação canastrona de seu namorado, mas assim que ele acabou de falar, ela fez que não com o dedo indicador.

— Pelo amor de Morgana, não faça uma coisa dessas! - Tony ia argumentar contra o pedido, mas ela fez o sinal de pare para a câmera. — Não quero que você dedique um dente arrancado para mim!

— Mas é uma honra enorme!

— Pode dedicar alguma coisa, mas não um dente quebrado, por favor, estou te implorando, Antony! - Ela não estava implorando, estava vermelha e risonha, então Tony resolveu se despedir dela desse jeito.

Era uma boa imagem para se ter da namorada que não via há meses.

— Dedicarei uma perna quebrada ou uma espinha torcida então... Serei criativo! - Ela fez uma careta e ele se aproximou bastante da câmera para se despedir dela. — Tchau, Baunilha, tenha um excelente dia!

— Você também! Se comporte, não quebre os ossos de ninguém e me mande um chocolate pelo correio vespertino! - Ela falou com carinho, sorrindo feliz de verdade, Tony podia dizer com facilidade.

— Quantos desafios para um só dia... Prometo que vou tentar! - Ele falou, já se aproximando para desligar a transmissão do vídeo. — Tchau!

— Até mais! - Rose desligou antes dele, porque parecia que para a garota era mais fácil do que para ele.

O sonserino conferiu a hora no seu recém chegado celular e viu que já estava dois minutos atrasado para o encontro com Sofia Coralina, a garota o iria trucidar dessa vez! Pediu a Gab para encerrar sua sessão e saiu correndo em direção a orla do rio Iça, em frente ao PD 2, onde tinham marcado.

Atravessou os corredores e pavilhões correndo em uma velocidade alucinante, que não surpreendeu nenhum colega, afinal os esportistas pareciam ter uma necessidade absurda de fazer qualquer coisa com todo ímpeto possível.

Sofia estava aguardando Tony encostada em uma das canoas usadas pelos alunos da escola para se locomover rio acima. Ela não parecia preocupada com o atraso do colega, estava distraída lendo um livro que não parecia nada didático a primeira olhada.

Tony empurrou o barco para a água, da maneira trouxa mesmo, fazendo a garota se desequilibrar com a retirada repentina de seu apoio.

— Já estamos atrasados, se você não percebeu. - O garoto falou sonso, recebendo um olhar acusador em troca.

— Eu não estou atrasada, estou esperando você aqui há horas! Achei que britânicos fossem pontuais. - Tony pulou para dentro da canoa assistindo a garota repetir o gesto de sua forma elegante de sempre, enquanto reclamava.

— Se nenhum de nós está na Vila, então ambos estão atrasados, logo não vou ficar ouvindo lição de como ser ou não um bom britânico. - Resmungou para uma Sofia já distraída novamente com o seu livro. — Não vai me ajudar a remar?

— Que tipo de lorde britânico é você? - A garota provocou de novo, dessa vez abaixando o livro, o colocando no colo, enquanto pegava um dos remos enfeitiçados.

— Do tipo que não rema barcos para goleiras! Vamos, Lins, estamos atrasados, toda ajuda é válida! - Ele falou como um verdadeiro treinador carrasco, então a garota revirou os olhos, antes de dar as primeiras remadas na água. — Isso, garota, muito bem, remando!

— Cala boca, Zabini! - Sofia disse divertida, vendo a coloração da água mudar nos locais onde os remos encostavam na superfície. — Você vê, é sempre assim: nos livros, vocês, lordes britânicos, parecem tão pomposos e na vida real...

— Na vida real nós somos reais. - Tony respondeu debochado, mas apontou com o nariz para o livro que a garota tinha no colo. — Que tipo de livro está lendo dessa vez?

— Sobre vampiros! - A menina de olhos de cores diferentes falou animada e Tony fingiu que estava dando uma remada na própria cabeça para morrer. — Não, para! Esse é muito divertido, de verdade!

— Só se divertido significar criaturas bestiais rasgando a garganta de suas vítimas enquanto riem banhados de sangue! - O garoto falou cheio de entusiasmo e Sofia o encarou com nojo e... Bem, o sentimento principal era nojo mesmo.

— Não é esse tipo de vampiro horrível não. Alistair é um vampiro engraçado, que resolve mistérios entre uma taça e outra de sangue de grandes carnívoros. - Ela falou com sentimento, como se o próprio lorde vampírico demandasse uma defesa adequada de sua honra.

— Não me diga que ele se apaixona por uma mortal, mas se nega a ficar com ela porque tem medo de machuca-la... - Agora quem estava com nojo era Tony, mas Sofia desfez do palpite com a mão de apoio que estava um pouco mais livre da tarefa árdua de remar para abrir o portal do rio.

— Eca, não! Nesse volume, Alistair está resolvendo o crime das viúvas de Cartagena, doido para provar, nesse meio tempo, o sangue fresco de uma legítima jaguatirica. - Ela pintou o fato com os dois olhos bem abertos, porque essa era uma informação importante para o desenrolar da trama.

— Então ele não bebe sangue humano? - Tony perguntou desconfiado, por isso mesmo a menina o deixou remando sozinho para pegar o livro e mostra-lo.

— Sangue humano é nojento! Nesse capítulo que eu estou lendo, Alistair chega numa cidadezinha que todos têm medo de vampiros e ele diz que só bebe sangue de animais de grande porte. - Ela começou a contar, então Tony nem sequer reclamou de estar fazendo todo o trabalho sozinho. — “Serve sangue de vaca?”, perguntou o cozinheiro da taberna mais famosa da cidade, limpando as mãos sujas no avental ainda mais sujo, no que Alistair respondeu prontamente, com um de seus sorrisos ladinos, “Só se for de vacas canibais!”.

Os dois jogadores riram, ao mesmo tempo que sentiam o friozinho do portal que os levara direto para a beira de uma vila de pescadores no lado brasileiro da floresta. Os jovens bruxinhos do lugar já estavam esperando seus “professores" dentro d'água, alguns correndo para se secar em pés de vento feito por algumas nativas trançando cestos de cipó, de cócoras.

Sofia guardou o livro de volta na mochila, pôs seu apito de treinadora no pescoço e assistiu Tony fazendo o mesmo, passando para ela a prancheta de anotações e relatórios. O garoto pulou no rio, molhando as calças do uniforme de Esportes até os joelhos, para poder empurrar o barco o suficiente na areia, para que fosse amarrado na beira d'água.

Tanto Sofia, quanto Tony cumprimentaram as mulheres mais velhas respeitosamente - como mandava o protocolo da atividade comunitária que ambos estavam fazendo em nome do patrocinador - e o sonserino usou seu apito para juntar as crianças em um só círculo.

— Onde está Kauani? - O garoto perguntou e imediatamente uma mãozinha se destacou entre as milhares de crianças pulando ao redor dos dois. Tony abriu passagem para falar com a pequena índia orgulhosa pela deferência no tratamento. — Fez o que combinamos, mocinha?

A garota de 4 anos não entendia completamente a língua do forasteiro, mas sabia muito bem o que ele estava pedindo a ela. Kauani estava orgulhosa, porque, embora os mais velhos tivessem dito que ela era muito pequena para participar dos jogos, o forasteiro havia lhe dado uma tarefa bastante importante, sem a qual ninguém poderia jogar.

A menina levou os dois por entre as ocas erguidas em semicírculo ao redor da morada do pajé, passando pelo alguidar ainda quente pela produção de farinha de mandioca recém feita, até a borda da floresta, onde um grande cesto estava amarrado em um majestoso ipê.

Tony acariciou gentilmente o cabelo da garotinha, enquanto Sofia tratava de trazer, com um accio rápido, as vassouras que haviam deixado sob a guarda dela no último encontro. Obviamente ambos só haviam confiado uma tarefa de guarda a uma criança tão jovem, justamente por saber que todos ali tinham um enorme respeito pelos ensinamentos dos mais velhos.

Era um contraponto interessante, tendo em vista que Gaia havia lhes contado experiências estressantes nessas mesmas ações em outras vilas, algumas até mesmo urbanas, mas as crianças daquela aldeia pirahãs eram gentis e obedientes, embora às vezes começassem conversas altas e cheias de energia em uma língua que Tony nem sequer se deu ao trabalho de tentar começar a decifrar.

Nas duas primeira vezes que ele tinha vindo, Sofia, muito mais experiente, com pelo menos um semestre de atividades comunitárias nessa aldeia, havia tentado explicar que ali não se tinha conceitos matemáticos, como números, soma, subtração, multiplicação ou divisão.

Ou de passado e futuro.

A verdade, verdadeira, era que Tony não fazia ideia de como iria ensinar um esporte sem falar de soma e subtração ou como planejaria atividades para a próxima semana com pessoas que só viviam no presente, mas o desafio era interessante demais para ser ignorado.

Ainda não tinha entendido por completo como era possível que uma comunidade bruxa - ou trouxa - pudesse conseguir levar a vida sem os conceitos mais simples de todos, mas soube que, ao que parecia, eles eram únicos no mundo, descobertos pelos trouxas na década de 20, se comunicando com os forasteiros através do português, da língua nativa deles e a língua oficial da Mata - nheengatu— tudo misturado.

Mas a mímica, até onde o britânico via, funcionava bem melhor.

Havia escrito para os amigos e para a namorada, cartas sobre como o mundo bruxo era extenso e diferente, como havia tanta coisa para descobrir e aprender. Tony tinha ido para Castelobruxo com toda a intenção de implantar uma célula do Ocaso na escola, mas era bem capaz de estar saindo com mais marcas do lugar, do que as deixando.

O sonserino ajudou Sofia a distribuir as pequenas Nimbus doadas pela escola para as atividades de cunho social, até quase dois terços das crianças estarem montadas, ainda que a maioria delas não soubessem muito bem como fazer para que elas voassem.

— Quem se lembra como faz para a vassoura funcionar? - Sofia havia se afastado um pouco, para subir em um pequeno cocho de madeira emborcado. A língua não era um empecilho real, porque ela estava apontando para vassoura com uma entonação interrogativa e foi todo o necessário para Rudá se pronunciar confiante.

Sofia apontou para o garoto de uns 7 anos, que pediu para seus amigos se afastarem um pouco dele. Assim que foi prontamente atendido, o garoto jogou a vassoura no chão com pouco cuidado - fazendo Tony e Sofia se entreolharem risonhos - mas depois ele estendeu a mão para a vassoura, a fazendo levitar rapidamente para sua mão.

Os adolescentes de fora bateram palmas para a façanha, enquanto os outros apenas celebraram de sua maneira peculiar. Tony convocou sua própria vassoura do barco - arrancando alguns ofegos impressionados - e a montou para dar o exemplo a ser seguido.

Não precisaram retomar as lições do início, a maioria lembrava bem como se içar para cima e ele e Sofia haviam reforçado os feitiços nas vassouras, para que elas não voassem muito acima de dois metros do chão.

Sofia se dirigiu para a água e ficou pairando sobre o leito do rio, não demorando muito para ser seguida pelos seus alunos cheios de energia. Tony conferiu se todos os que estavam na vassoura conseguiam se manter equilibrados, então se juntou a turma, do lado oposto da colega.

— Lembram do Derrubada?— Ela deu ênfase na palavra e a repetiu mais duas vezes, fazendo os garotos olharem entre si, animados. — Sim, é exatamente o que vamos jogar hoje. Tony, me ataque.

— Como?

— Ora, você nunca jogou Derrubada antes? Você tem que tentar me derrubar da vassoura! - Sofia falou animada e o sonserino continuou a encarando confuso. Eles supostamente tinham que explicar as regras do jogo antes, não? — Assim, olha!

Ela fez um voo certeiro, rápida como uma flecha e ao se aproximar do batedor, tentou arranca-lo da vassoura pelo braço. Tony chegou a se desequilibrar da vassoura, mas travou as pernas nela no último momento.

— Mas você tá louca? A gente tem que ensinar as regras primeiro! - Ele falou exasperado, mesmo que fosse o único ali que não tivesse gostado do ataque da goleira de olhos bonitos.

— A gente vai ensinar na prática ou você acha que eles vão entender alguma coisa que a gente disser, cabeçudo? - Ela se aproximou novamente, dessa vez mais devagar, tocou de leve no peito dele e apontou para Rudá. — Sua vez, tenta derrubar ele!

O garoto focou em seu alvo e Rudá o olhou entre o confuso e desafiador. Tony apontou para ele maliciosamente, fazendo o menino dar a volta com a vassoura para escapar de seu ataque, não precisava ser nenhum gênio para prever o que vinha a seguir.

— É melhor correr mesmo, garoto!

***

Passaram os primeiros minutos escolhendo quem derrubaria e quem fugiria e assim que a maioria já estava bem esperta - e cheia de truques divertidos para escapar e pegar os adversários - Tony e Sofia começaram a esboçar mais ou menos um jogo de acordo com as normas internacionais.

A Derrubada não era um esporte, estava mais para uma brincadeira divertida de crianças, mas era importante para começar a trabalhar a competitividade e trabalho em equipe com os meninos e meninas pirahãs.

Obviamente não era o objetivo da FerrZ retirar a cultura e o modo de viver da comunidade, introduzindo conceitos estrangeiros, mas muitas daquelas crianças iriam entrar em Castelobruxo em breve e precisavam pelo menos ver outras perspectivas de mundo.

A escola já estava mais do que acostumada a lidar com o caldeirão de culturas que era a América Latina, mas os FerrZ, especificamente, ainda tinham uma certa dificuldade em lidar com os talentos dos lugares mais escondidos e de difícil acesso, por isso mesmo estavam investindo o mais cedo possível nisso.

Levar esporte e voo para essas crianças, significava levar também um vislumbre de um futuro jogando em um dos muitos times patrocinados pela indústria de poções argentina e isso era tudo o que eles queriam: estar na vanguarda do mercado, como sempre.

Tony continuou supervisionando os jovens aventureiros de perto, com algumas boas surpresas pelo caminho. Não gostava tanto de fazer essa parte do trabalho, quanto gostava de jogar com os meninos, mas sabia que era necessário para os objetivos de seus patrocinadores:

Niara possui um bom jogo de corpo e reflexos, uma natural na vassoura.

Ikal é destemido e tem senso de oportunidade, bom estrategista, espera o

— Os FerrZ são uns escrotos, não são? - Sofia se aproximou e pairou ao lado do colega de time, assistindo com atenção seus pupilos se divertindo, derrubando uns aos outros dentro do rio. — Colocar a gente para fazer o trabalho sujo por eles...

— Não é trabalho sujo se eles oferecerem uma oportunidade honesta e um contrato justo. - Tony deu de ombros, continuando com suas anotações obrigatórias.

— Olha para eles, Tony, eles não se importam com coisas caras e pessoas gritando seus nomes, que tipo de contrato a FerrZ vai oferecer? Que tipo de perversão eles vão ter que fazer para conseguir que esses meninos e meninas anseiem por isso? - Sofia perguntou fazendo um movimento de varinha calculado, para devolver um garotinho de 6 anos de volta a vassoura depois de um grande mergulho.

— Calixto tem razão, você é uma das guerrilheiras infiltradas... - Ele respondeu brincando, mas a garota o olhou séria.

— Sim, Calixto é o anticristo encarnado, então eu sou uma das voluntárias bem dispostas a destruir seu reino de terror na Terra, mas, shiu, não conte a ela! - Falou com falso segredo, piscando no final com diversão. — Mas falando sério, não conte mesmo. Se ela souber o que eu disse, nem mesmo Alissa irá conseguir segurar meu nome no patrocínio.

O garoto soprou a pena até a tinta secar o suficiente para ser guardada na prancheta, depois encarou a brasileira do sétimo ano com curiosidade.

— Falando nisso... Qual é o lance entre Alissa e Yolanda? Nunca entendi porque uma nascida-trouxa causa tanta comoção na herdeira dos Calixto, acionistas majoritários da grande FerrZ! - Ele falou as credenciais de Yolanda com exagero, principalmente porque naquela parte do mundo aquilo equivalia a realeza.

— Ué, Yolanda não te contou a história toda não, foi? Que engraçadinha ela, só conta o que é conveniente... - Sofia sorriu, apitando duas vezes para chamar a atenção das crianças para si novamente. — Alissa é a verdadeira herdeira dos Calixto.

Ela se afastou batendo palmas para os meninos focarem nela e apontou para a praia fluvial, deixando Tony sozinho com essa revelação.

Kauane veio correndo para assumir seu posto de guardiã das vassouras, assistindo cada um de seus conterrâneos colocarem suas Nimbus de volta no grande cesto.

Após Tony e Sofia fazerem um esforço conjunto para levitar o cesto de vassouras de volta ao topo do ipê, se despedir dos meninos e agradecer a hospitalidade de suas mães, ambos retornaram para o barco. O sonserino retomou a conversa de antes.

— Como Alissa pode ser a herdeira dos Calixto, se o sobrenome dela é Martins? - Ele perguntou do nada, fazendo Sofia levar alguns segundos para entender do que ele estava falando. — E até onde eu sei, ela é do Rio, enquanto os Calixto são do Chile...

— Ah, bem... Essas coisas estranhas acontecem, suponho. Alexey Calixto saiu em uma noitada, conheceu uma brasileira, eles... Você sabe, se divertiram um pouquinho e nove meses depois nasceu a nossa adorável Alissa lá no Rio de Janeiro. - Ela falou ajeitando melhor a mochila na canoa, se sentando despojadamente na embarcação de madeira.

— Sério?

— Tudo menos a parte do adorável, Alissa é uma peste. - Sofia falou divertida, prendendo o cabelo  curto em uma tentativa de coque. Estava começando a escurecer na mata e logo os pernilongos iriam começar a atacar. Aplicou uma poção repelente no rosto, pescoço, braços e pernas, depois passou o frasco para Tony fazer o mesmo.

— Não me refiro a isso e sim ao lance do sexo casual! Se ele não a assumiu, como ela pode ser herdeira de alguma coisa? É alguma lei do governo brasileiro ou algo assim? - Ele perguntou confuso, passando a loção contra os insetos, que naquela época do ano, quase verão II ou III - porque essa era a única estação que havia na Amazônia - atacavam todos sem piedade.

— Ele a assumiu sim, mas só que tardiamente! A mãe de Alissa não sabia como entrar em contato com ele, então ela cresceu a maior parte da infância sem conhecer o pai, até que um belo dia um dos metidos da família Calixto se casou e quando foram olhar a árvore genealógica da família enfeitiçada, tchan rã! Alissinha surgiu toda faceira e dona da porra toda!

Sofia vibrou as mãos em um gesto teatral, que coincidiu com a passagem dos dois pela barreira que levava de volta ao rio que circundava Castelobruxo. Tony apoiou o remo no colo também, porque não queria voltar tão cedo assim para o dormitório, queria saber mais sobre os Calixto e Sofia não abriria o bico desse jeito tão perto de Yolanda e sua turma.

— Ela foi revelada numa festa de casamento? - Ele perguntou divertido e Sofia confirmou com a cabeça e um sorriso de escárnio, ela adorava essa história. — Suponho que Yolanda até hoje se ressinta por isso...

— Ah, mas Yolanda ferve de raiva, porque ela sabe que tem a criação de dama filha da mãe, mas Alissa tem o carisma e estilo que falta a ela. - A garota falou sarcástica e Tony resolveu alfinetar.

— Mas Yolanda tem o fator sereia ao seu lado... Fora as Artes das Trevas. - O sonserino apontou, tentando tirar mais alguma informação sobre a família poderosa por trás do grande Conglomerado FerrZ.

— Grandes merdas! Você vai ver na festa... As pessoas se deslumbram com Yolanda e a temem, eu até diria que respeitam a grande demônia, mas as pessoas gostam de Alissa e amam Clara e isso é muito importante no fim das contas. - Ela piscou com sabedoria, pronta para atracar o barco no pequeno porto perto do PD 2, onde ambos ficariam. — Vai anotando aí no seu relatório.

— Clara e Alissa também foram convidadas para a festa? - Tony perguntou impressionado e Sofia apenas estalou a língua nos dentes com desdém.

— Alissa é presença garantida porque nem Yolanda tem tanta coragem para afrontar o próprio tio, patriarca da família. Já Clara vai ficar de fora dessa vez, mas não é exatamente ruim, né, não se você levar em consideração que a maioria da escola também fica. - A setimanista concluiu com certo deboche, desfazendo da estratégia de jogo adotada pela rival de seu grupo de amigos.

Sofia colocou a mochila nas costas e fez um bom nó de marinheiro para segurar o barco no lugar certo. Tony pegou suas coisas também e a seguiu trilha a dentro, de volta para os terrenos já familiares da escola. O garoto ainda tinha uma última pergunta para fazer, aproveitando que ainda não tinham chegado em território vigiado.

— Sofia, uma última coisa: se conhece tanto assim dos Calixto, sabe dizer qual é o misterioso tema da festa de Yolanda? - Tony deu de ombros ante o cenho franzido da garota. — Você sabe, não quero fazer feio perante a dona das nossas almas e tudo mais.

Sofia revirou os olhos fazendo pouco caso, porque aquela pergunta não poderia ser mais simples.

— Com Yolanda no controle da festa? Se vista como um vampiro do século XIX e se sentirá em casa no meio do drama grego que ela irá fazer. - A menina falou com cinismo, dando as costas e seguindo para seu próprio corredor no grande pavilhão dormitório.

E Tony ficou para trás se perguntando se a goleira estava sendo sarcástica ou não.

***

No fim das contas, qualquer uma das vestes mais formais que tinha trazido no malão - e ignorado sumariamente desde que chegara ao Brasil - viria a calhar, então Tony escolheu camisa, calça e sobretudo negros, dando apenas um toque de cor com o bordado intricado em um verde metálico em seu colete também, que surpresa, negro.

Seu pai costumava dizer que era uma cor que caia bem na família, quase como uma marca registrada que começara no primeiro luto de sua mãe. O homem admitia que tinha sido um pirralho arrogante, olhando todos por cima do nariz e embora já tivesse melhorado um pouco seu comportamento, não tinha conseguido deixar de lado totalmente seus velhos hábitos.

E de todos os seus velhos hábitos, usar preto era o mais inofensivo, certo?

Outra coisa inofensiva, marca registrada dos Zabini, era usar artefatos que pertenceram a outros, sem se importar com o que aquilo significaria para terceiros. A avó de Tony, por exemplo, adorava usar relíquias de outras famílias, usava como troféus de guerra e Blaise também tinha adquirido o mau hábito, usando um ou outro pertence “emprestado” dos falecidos maridos da mãe.

Tony tirou, de um estojo de veludo onde guardava tudo embolado mesmo - não estava nem aí - uma  dessas relíquias, uma pequena serpente envelhecida, prateada como se mergulhada no metal líquido, mas se movendo lentamente como se ainda buscasse vingança pelo destino cruel que lhe fora oferecido.

— Você vai me proteger nessa festa, amiguinha? - A serpente deu um bote, fazendo o sonserino rir, ao tirar rápido a mão de sua linha de ataque. Colocou a corrente por cima da cabeça, deixando o pingente vivo repousar sobre o peito até se enrolar em um nó quase górdio.

Levantou o olhar atento ao ver um corvo negro pousar na janela em forma de trapézio no seu dormitório, com um pequeno tubo de ensaio enrolado em um bilhete. Pegou o objeto, liberando a ave da tarefa ingrata. Deu risada ao ler o recado:

Beba

Letra cursiva, sexy e escarlate, com uma ordem e nada mais. Se aquilo não era um recado de Yolanda Calixto, Antony Drian Zabini teria que aposentar suas credenciais de espião triplo do Ocaso, porque nada mais faria sentido. Bebeu o conteúdo escuro e opaco do frasquinho sem nem pensar nas consequências.

Péssima ideia.

Assim que o gosto amargo passou da língua para a garganta e então mais para baixo, Tony sentiu a visão ficar turva, os músculos trêmulos, os ouvidos entupidos... Droga, iria desmaiar!

— Calixto, sua filha da...

Abriu os olhos ainda desorientado, sua mão estava sobre a boca, seu corpo jogado desleixadamente sobre uma espécie de trono de ferro - que era o exato gosto de sua língua nesse segundo - na floresta.

Olhou para a clareira em meio a árvores gigantes - maior do que era suposto que fossem - e escuras como se saídas de um conto de horror. Percebeu tardiamente que não estava sozinho, ao ver pessoas acordando igualmente perdidas em todo o canto, névoa e escuridão os envolvendo, dando um aspecto macabro a cena.

— Mas que porra...

— Bizarrices da minha prima, fazer o quê? - Tony olhou para o lado, esperando ver uma Alissa dissimulada, com seu sotaque carioca marcado, mas no lugar encontrou sua versão pálida e fantasmagórica, lhe fazendo dar um salto no lugar. — Ora, não seja tão covarde! Como se você estivesse muito melhor!

A garota estava muito bonita, ainda que morta, para todos os efeitos: o vestido que usava era preto e curto, translúcido com rendas em um corte assimétrico, mas para combater o frio úmido da floresta, uma meia calça preta com a mesma renda do vestido tinha sido elegantemente colocada sob coturnos despojados.

E claro, um belo corte profundo e sangrento na garganta, que Tony tinha certeza que estava dando para ver a traqueia dela se mexendo, se você olhasse com atenção.

— Por acaso eu também fui... - Ele passou a mão no pescoço com uma careta e a garota o olhou sem expressão.

— Degolado e deixado para sangrar em um abatedouro como uma porca? Não, você recebeu uma machadada na cabeça. - Ela apontou para o local, que com alguns toques, o sonserino percebeu que era onde o tal machado ainda repousava. — Não se preocupe, Tony, até que a morte lhe caiu bem.

— Yolanda perdeu completamente o juízo? Então o tema da festa é o que? Como ela gostaria de nos matar? - O garoto perguntou exasperado, finalmente levantando de seu trono, sentindo a cabeça um pouco mais leve sobre os ombros. — Eu tenho que perguntar: estamos mortos de verdade?

— Gente, acabei de mandar um recado para Ariel, não...

— PORRA! Caralho! Desculpa... Merda! - Tony mordeu o punho para não continuar sua lista de xingamentos, enquanto Sofia o encarava com revolta. — Que merda houve com você, garota?

— Aparentemente ela levou um tiro de baioneta bem no olho. - Alissa começou séria, depois se engasgou com a própria saliva ao tentar prender o riso. — Ai, amiga e você gastou tanto tempo para fazer a maquiagem dos dois olhos! Se soubesse que isso aconteceria, tinha feito só de um, né?

— Yolanda é uma desgraçada mesmo... Vocês acreditam que ela adora elogiar os meus olhos de duas cores? Ela diz “A cada dia mais bonitos, Sofia!” - A garota fez uma pausa dramática, para por as mãos na cintura indignada. — Puta!

Cuspiu o xingamento com raiva, mas Tony tinha que admitir, se o plano de Yolanda era abater suas principais concorrentes em quesito beleza, ela não tinha conseguido o feito. Bem, ao menos não inteiramente.

A goleira da seleção brasileira juvenil de quadribol usava um vestido justo no busto, como uma regata com espartilho, que levantava seus seios até que eles estivessem no foco da ação. Já a saia era rodada, com lindas flores feitas a mão, tão perfeitas que quase pareciam...

Bem, ao que parecia, eram mesmo reais!

Ou ao menos tão realistas quanto o pescoço dilacerado, que deixava o visual de Alissa macabro e o enorme buraco sanguinolento onde antes era um bonito olho castanho, que a deixava como se saída de seu pior pesadelo.

A setimanista jogou seu cabelo ironicamente trançado na frente - para deixar seu belo rosto a mostra - para trás do ombro, tendo feito um feitiço de aumento nos fios, os deixando um pouco mais comprido essa noite.

— Ela deve ter mentido sobre gostar dos seus olhos... Yolanda odeia qualquer coisa que chame mais atenção do que seus “atributos” tão naturais quanto uma usina nuclear. - Alissa deu de ombros, conformada. — Quando ela me conheceu, disse que eu parecia a Branca de Neve, “tão linda!” e olha o quão branca ela me deixou hoje!

A carioca deu uma volta para mostrar o quão pálida estava, então Sofia fez que sim com a cabeça e Tony jogou as mãos para cima, irritado.

— E o que supostamente é a porra de um machado no meu crânio? Quer dizer que ela acha... - Ele parou de falar, finalmente se tocando do que aquilo significava. Pinçou o nariz com frustração. — É uma metáfora para a minha cabeça dura, não é?

— Uma mente difícil de abrir... - Alissa disse debochada, conferindo as próprias unhas, como se aquilo não a afetasse em nada.

Os três adolescentes se encararam em silêncio por dois segundos, então explodiram na risada, porque estavam absurdamente ridículos!

— Maldita seja, a desgraçada da escuridão é boa! - Sofia elogiou, batendo palmas lentas. — Bem, mas já que estamos na merda, ao menos vamos nos divertir!

— Tirou as palavras da minha boca morta, querida amiga! - Alissa ofereceu o braço direito para a outra garota segurar. — Na falta do bom e velho Ariel...

— Idiota! - Sofia resmungou para a piadinha antiga com a idade de seu namorado universitário, mas aceitou o braço mesmo assim.

— Zabini... - A sextanista brasileira ofereceu o outro braço para Tony, que aceitou prontamente. — Obrigada, milorde.

— Por nada, Alissa, minha cara. - Ele falou com pompa, fazendo as meninas rirem de leve. — É o que dizem: quando no inferno, abrace o capeta.

— Assim que ela aparecer a gente abraça. - Alissa respondeu sem se ofender, então finalmente os três passaram através do portal que encerrava o “cemitério Calixto". — É bom Yolanda fazer essa noite valer a pena...

Assim que os três pisaram na festa, concordaram que a garota chilena ao menos não havia poupado esforços ou dinheiro. O espaço continuava na mesma temática sombria da entrada, mas agora haviam pontos de cor aqui e ali, bem como caveiras mexicanas e rosas negras e vermelhas espalhadas em coroas de flores fúnebres.

Uma névoa estranha subia do chão e o cheiro do lugar lembrava a vela, sombras e luto. Tony avistou alguns colegas explorando os diferentes ambientes em grupo, provavelmente ainda com medo do que mais Yolanda poderia aprontar com todos eles até o final da noite.

— Sua prima sabe mesmo como ser deprimente, hein? - Sofia falou enquanto já se encaminhava para a mesa de drinks borbulhantes, com fumaças que se perdiam no escuro da noite.

— Yolanda sempre foi uma criança muito indecisa, sempre quis tudo. - Alissa tinha aproveitado os braços livres, agora que Tony e Cora haviam se separado para pegar as bebidas suspeitas, para enquadrar todo o cenário. — Como podem ver, aqui ela quis Halloween, dia de los muertos e nosso funeral.

— Eu gostei, tem estilo. - Tony falou analisando a atmosfera sombria, com uma música animada tocando ao fundo. Deu mais um gole na bebida azul, com uma fumaça ondulante sobre ela. — E a bebida é gostosa.

— A bebida é gostosa, Yolanda é gostosa... Até eu sou gostosa, se devidamente temperada e marinada! - Alissa falou para ninguém em particular, aceitando uma taça da mão de Sofia. — Obrigada. Agora só nos resta saber: onde está o abominável monstro da selva que montou todo esse circo?

— Como acha que foi a morte dela? Uma delicada zarabatana envenenada, enfeitada com um diamante bem na altura da jugular? - Sofia falou irônica, usando o canudo para sugar metade do conteúdo de seu drink de uma vez.

— Se a vida for justa, ela terá morrido decapitada e só teremos seu corpo hoje como anfitrião da festa! - Alissa falou esperançosa, Tony a olhou de soslaio. — Não custa sonhar, né? Ah! Lá vem ela! Juro que se ela não estiver sendo carregada por escravos, eu vou ficar muito surpresa...

De fato, era Yolanda Calixto surgindo de um canto mais afastado, como se invocada de um portal infernal, com labaredas vermelhas e laranjas, fumaça e uma grande comoção de seus convidados.

Alissa tapou a boca com força, porque de tanto dizerem que a garota era do inferno, a bichinha finalmente tinha acreditado. Sofia a olhou parecendo adivinhar o que se passava em sua cabeça.

Nenhuma das garotas disse nada, porque Yolanda assumiu o centro das atenções, em um pequeno palco circular no meio do salão de baile. E ela estava simplesmente deslumbrante. A garota parecia que não havia recebido o próprio memorando, porque onde deveria haver morte violenta e sangrenta, havia apenas a sua representação mais romântica e sofisticada:

Para começar, o vestido era branco com incrustações de um dourado rosé, formando rosas abertas como as das animadas celebrações mexicanas para seus mortos. Todo o vestido parecia uma segunda pele desenhada sobre o corpo, com exceção da saia, aberta na frente para exibir as belas pernas, mas volumosa nas laterais e fundo, como se tivesse vindo de outra época.

O cabelo de Yolanda Calixto estava solto em ondas perfeitas, adornados por uma tiara grega de louros dourada, fazendo jogo com os fios mais claros que lhe eram tão característicos entre os castanhos.

Na boca, o forte batom vermelho, marca registrada e para não dizer que estava completamente fora do tema, metade do seu rosto ostentava uma artística caveira mexicana feminina e delicada.

— Eu a odeio. - Sofia virou o copo de uma vez e fuzilou a garota com toda a fúria possível em seu único olho bom. — A odeio muito mesmo.

— Não me tirou do sério, se quer saber. - Alissa deu de ombros, pouco impressionada. — Tão surpreendente quanto a chuva de açoite na mata todo dia no crepúsculo.

— Está gostosa, mas o que me consola é que a morte ali está por dentro. - Tony disse discretamente, mas as duas meninas o olharam impressionadas pelo comentário, Sofia até mesmo o cumprimentou com sua taça vazia. — Mas vocês não ouviram isso de mim.

— Jamais!

— Não mesmo...

— Boa noite a todos, gostaria de agradecer a presença de cada um de vocês e dizer que desejo que essa noite seja muito divertida e cheia de... Aventuras. - A garota chilena sorriu misteriosa com seus lábios carmins, sob os aplausos de seus convidados, porém Tony sentiu um mau presságio naquele sorriso. — Mas antes de mais nada: Iara, que a vida de adulto a tenha em bons termos, já que sempre nos proporcionou grande diversão em seus anos de anfitriã da festa de abertura do ano letivo de Castelobruxo. Eu, humildemente, espero poder estar a altura de sua majestade: um brinde a Iara Ferraz!

— Puxação de saco da noite? Confere. - Alissa marcou sua lista imaginaria sussurrando de canto de boca, fazendo Tony e Sofia rirem, já o restante dos convidados brindaram a “falecida" homenageada.

— Porém, embora adore o estilo de Iara, hoje resolvi fazer uma coisinha um pouquinho diferente... - Yolanda falou divertida, mostrando o quão pouquinho diferente seria a noite com os dedos. Os convidados riram, olhando uns aos outro com deboche, já que estavam todos assustadores e aquilo nunca havia acontecido nas festas anteriores! — Ah não, queridos! Não é a isso que me refiro!

Todo mundo voltou a prestar atenção integral à garota, que desceu do palco com a ajuda de dois puxa-sacos profissionais. O palco ficou vazio, embora o facho de luz ainda estivesse sobre ele.

— Não, não, meus caros! Além de boa música, comida, bebida e companhia, tudo que é de praxe em uma festa de excelência, eu trouxe para vocês... Um enigma! - Ela falou animada, apontando para um volume que acabara de surgir no palco. — Vamos, se aproximem, se aproximem todos, não tenham medo!

Nem mesmo os convidados, que eram seus amigos de verdade, estavam bem certos se podiam ou não ter medo, porque Yolanda não era conhecida por ser uma pessoa razoável quando havia risco real a vida e integridade das pessoas.

Muito pelo contrário.

Tony nunca foi um sonserino típico, se gabava até pela sua coragem desmedida - e desajuizada - então foi um dos que mais se aproximou do embrulho misterioso.

Teve que colocar o punho do sobretudo sobre o nariz, porque havia um mal cheiro forte vindo do que quer que estava debaixo daquela lona.

Sofia e Alissa se empoleiraram atrás dele, cada uma em um ombro, o usando como escudo contra o mal. O grasnar agourento de um corvo soou ao longe e por isso mesmo Alissa se juntou ainda mais ao britânico. Detestava principalmente corujas, mas corvos também não estavam na sua lista de criaturas favoritas.

Corujas, corvos e abutres, todo mundo sabe e Alissa Martins acima de todos, são mensageiros de mau presságio!

Yolanda fez a lona desaparecer com um toque de sua varinha negra com rajadas vermelhas, dando lugar no espetáculo, a um corpo bem vestido e galante nos primeiros estágios de putrefação.

Alissa sentiu o jantar voltar na garganta e Sofia deu dois passos para atrás, aquilo era nojento! Já Tony permaneceu onde estava, de cenho franzido. O garoto notou que, para um feitiço de ilusão, aquele ali parecia bastante realista.

O cadáver - muito possivelmente real, já que Yolanda era insana de carteirinha - estava bem vestido, como se fosse convidado da festa. Usava o traje de gala bruxo completo, com um lenço azul amarrado no pescoço e sapatos de dança de salão.

Yolanda esperou o burburinho enojado diminuir um pouco, para retomar seu discurso.

— O que acham que aconteceu com nosso querido amigo? - Perguntou, cínica. Cada pessoa que a garota olhava, se retraía, discretamente ou não, para longe da inspeção. — Algum palpite?

— Dado o jeito como chegamos até aqui, eu diria que ele foi envenenado. - Tony havia terminado sua observação breve do corpo, que não possuía marcas de agressão como as dele e as das meninas atrás de si. Olhou Yolanda nos olhos e viu que ela estava sorrindo maliciosamente. Sorriu de volta. — Acertei?

A garota chilena sustentou o olhar, prolongando o tempo de sua resposta com um sorriso preguiçoso, chegou até mesmo a mordiscar de leve o lábio inferior.

Não que Tony tivesse acompanhado o movimento dos dentes na boca carnuda, longe disso!

— Além de belo, elegante e talentoso, ainda é perspicaz? Sim, meu caro lorde Zabini, nosso querido amigo aqui foi envenenado... Assim como todos vocês. - Yolanda decretou com falsa tristeza e um biquinho teatral. Pelos sons as suas costas, os outros receberam a notícia com assombro, mas Tony continuou segurando o olhar da anfitriã. — O enigma consiste então, em descobrir a tempo, como vocês vão conseguir escapar desse mesmo destino cruel.

Yolanda riu de sua própria brincadeira macabra, depois piscou charmosamente para Tony e então olhou para seus outros convidados, que a encararam esperando ela desmentir aquela história absurda.

— Curtam a festa, se divirtam muito e... Não me decepcionem. - Yolanda disse a última parte deixando o sorriso morrer no rosto bonito, não inteiramente deste mundo, antes de se encaminhar para o trono de ferro onde Tony havia acordado há alguns minutos.

Aquilo era algum tipo de sinal?

O sonserino se virou para as duas garotas brasileiras se encarando com assombro. Todos os outros convidados haviam se juntado em grupinhos iguais ao seu, para discutir baixo ou o mistério do enigma ou a insanidade de Yolanda.

Tony optou por discutir o primeiro item.

— Então, o que acharam do mistério? Eu devo perguntar, vocês reconhecem o corpo? - Ele disse com bom humor e as meninas olharam para o defunto apenas se inclinando para o lado para a ver as partes cobertas pela presença do batedor.

— Não é um dos nossos, provavelmente Yolanda achou em alguma aldeia ribeirinha, pagou para trazerem e o vestiu com trajes de gala. - Gaia havia se aproximado daquele jeito seguro de líder dela, mas uma pequena larva saída de seu cabelo comprido estragou o efeito de autoridade. Os três a encararam com nojo. — Já sei, estou bizarra! Acho que Yolanda apenas quis fazer uma conexão com meu nome de deusa mãe da terra e a minha morte.

— Yolanda é uma artista mesmo, mas vamos deixar isso de lado, porque precisamos solucionar esse enigma. - Alissa disse prática, soando mais como a estrategista que sempre foi. — Conseguiu ver mais alguma coisa no morto, Tony?

— Na verdade não, mas algo me diz que deveríamos dar uma olhada mais de perto. - Ele respondeu solicito, feliz de estar no grupo aparentemente mais sensato do lugar. — Alguém topa vir comigo?

— Eca, não! Prefiro a morte! - Sofia falou se tremendo de nojo, então todos a encararam sem paciência. — A morte de novo, digo.

— Vamos todos olhar, sete olhos procurando pistas é melhor do que apenas um par! - Gaia disse enérgica, mas Tony e Alissa riram da contagem de olhos no grupo.

— Só para constar, meu olho ainda funciona mesmo por baixo de toda essa meleca sangrenta, ok? - Sofia fuzilou os amigos, contrariada, segurando a barra do seu vestido de princesa para que ela não arrastasse no chão. — Já o cérebro de vocês eu não tenho tanta certeza de que ainda funciona...

Tony e Gaia subiram no palco para analisar de perto o corpo, já as outras duas meninas apenas se aproximaram o tanto que puderam, ainda na parte de baixo do tablado de madeira de um metro de altura. Era um bom ângulo para ver também.

— E então? - Alissa demandou fazendo uma careta bonitinha com seu rosto pálido de garota sem sangue. — Alguma pista?

— O rapaz parece mais velho e indígena, de alguma tribo ribeirinha mesmo. - Gaia, vestida como a grande deusa da terra que era - em um vestido em estilo grego verde e dourado - pegou, com dois dedos, a mão do rapaz. — As extremidades não parecem arroxeadas, o que significa dizer que ele não morreu envenenado, de fato.

— Mas isso a gente meio que já sabia, nem Yolanda é tão louca a ponto de matar alguém só para satisfazer seus caprichos. - Sofia disse e foi encarada novamente, o que a fez se sentir constrangida. — Bem, ao menos não publicamente.

— Não acho que a gente tenha que ir tão fundo nas investigações, isso supostamente deveria ser divertido, então ela deve ter deixado uma pista superficial. - Tony falou tapando o rosto com um braço e vasculhando as vestes do morto com a outra mão. Encontrou um pequeno objeto no bolso interno do fraque. — Opa, aqui está!

— Tire discretamente, não queremos que os outros vejam. - Alissa sussurrou por sob o fôlego, então Gaia executou um leve feitiço de confusão ao redor do quarteto. Foi o suficiente para Tony pegar o objeto e colocá-lo dentro de seu próprio bolso, sem nem ver o que era. — Perfeito, agora vamos nos afastar frustrados por ter perdido nosso tempo cheirando esse fedor.

— Não vai ser uma mentira completa... - Sofia foi a primeira que deu uma volta completa para seguir para o mais longe possível do palco. — Eu preciso de outra bebida.

Os outros três a seguiram, Tony pulando do palco, ajudando Gaia a descer com cuidado em cima de seus saltos. Foram de volta ao bar, onde cada um pegou uma bebida, menos a monitora dos FerrZ, que pegou duas. Segurou a mão de Tony e derramou o conteúdo de uma taça verde veneno, lavando a mão que havia tocado no cadáver.

— Higiene nunca é demais. - Gaia disse com diversão e o britânico agradeceu discretamente, já que ela havia feito isso sem que ninguém notasse o gesto. — E agora, para onde vamos para dar uma olhada no que achamos?

— Vamos dar um tempo primeiro, dançar e nos misturar, até mesmo colocar algo no estômago. - Alissa falou por cima da taça, depois sorriu com o gosto de maçã verde da bebida que escolhera. — Vamos, gente, ainda estamos em uma festa depois de tudo!

Ela começou a dançar, indo de costas em direção a pista de dança, Tony deu de ombros e a acompanhou, sendo seguido por Sofia e Gaia e esse foi todo o chamado que os outros convidados precisaram para declarar que a pista de dança estava oficialmente aberta.

O feitiço musical aumentou de volume e os adolescentes, com diferentes tipos de morte trágicas, começaram a se balançar ao ritmo das batidas, como se não tivesse nenhuma ameaça pairando sobre suas cabeças.

Talvez nem tivesse mesmo!

Sofia avistou seu namorado, Ariel, entrando pelo portal e foi intercepta-lo antes que ele se perdesse na multidão de adolescentes nos primeiros estágios de embriaguez. Ela o recepcionou com um beijo rápido e o trouxe para o grupo.

— Então você recebeu meu recado para não beber a poção convite? - Ela perguntou animada, mas depois revirou o olho, já que o rapaz ainda encarava o outro com horror. — Ah, isso? É só uma brincadeira sem graça, eu ainda tenho os dois olhos.

— Graças a Morgana! Eu já estava aqui me perguntando se você não estava sentindo um ventinho estranho dentro da cabeça. - Ele falou entrando na naturalização da bizarrice, cumprimentando as meninas e se apresentando a Tony, único que ele ainda não conhecia. — Ariel Ortiz, namorado de Cora e pocionista em formação, prazer em conhecê-lo.

— Pocionista? Então sabe nos dizer que porcaria foi aquela que Yolanda nos enviou para que bebêssemos? - Tony apertou a mão do rapaz, que aparentava ter um pouco mais de 20 anos, depois se lembrou que ainda não tinha dito seu nome, havia se empolgado com a palavra que tinha desvendado em meio a todo aquele espanhol. — A propósito, sou Antony Zabini, apenas amigo de Sofia, aluno da Expertise de Esportes, como ela.

— Você é um dos que vieram de Hogwarts, não é? Isso explica o inglês... Vou tentar falar na sua língua, acho que você ainda não fala muito bem a nossa, certo? - Ele perguntou com simpatia e Tony deu de ombros.

— Falo um pouquinho, quase nada de português e um pouco mais de espanhol, por causa do meu melhor amigo que é da Espanha. - Ele falou a título de explicação, depois completou. — Mas o meu portuinglêsnhol é fantástico!

— Essa língua eu não conhecia... - Alissa falou risonha, a bebida já começando a fazer efeito em seu estômago vazio.

— Pessoal, foco! Ariel, você trouxe a poção convite com você? Pelo visto você não a tomou, não parece morto, nem machucado... - Gaia falou enquanto fazia uma inspeção rápida no veterano da sua época de caloura em Castelobruxo, mas ele apenas fez uma careta como primeira resposta. — Você tomou a poção, não foi?

— Eu não vi sua mensagem, Cora, desculpe! - Ele disse olhando dessa vez para a namorada e depois para o grupo. — Então eu não pareço fugido de um necrotério como vocês?

Ele deu uma voltinha para ser analisado e assim que suas costas ficaram visíveis, todo mundo fez caretas iguais para o grande rombo no paletó, que deixara exposto músculos, a coluna vertebral e algumas porções de carne queimada e dilacerada. Sofia achou melhor ser ela a dar a notícia.

— Amor, infelizmente a mesma baioneta que atingiu meu olho fez um estrago ainda maior nas suas costas. - Falou com cuidado, mas depois sorriu, maliciosa. — Não está sentindo um friozinho aí atrás não?

Ele riu, porque ela havia devolvido suas próprias palavras, sempre mordaz a sua Cora. Ariel tentou olhar o estrago por sobre os ombros, mas só conseguiu ter alguns vislumbres da porção de carne queimada que circundava a enorme ferida. Resolveu deixar para lá.

— Você ainda parece ótimo, Ariel, não se preocupe. Mas e a poção? Conseguiu ver do que se tratava antes de bebe-la igual a um retardado? - Alissa falou terminando com um biquinho, depois se consertou. — Quero dizer, como um de nós?

— Na verdade, dei uma olhada rápida, nada sofisticada e não achei que oferecia um perigo grande. - Ele falou sem grandes alardes, conseguindo a devida atenção de todos. — É uma variação da polissuco, ao menos a base lamacenta parece a mesma, mas havia umas modificações aqui e ali.

— Polissuco não é considerada uma poção das Trevas? - Tony perguntou curioso e o universitário fez que sim com a cabeça, um pouco de sua franja castanha com reflexos dourados caindo sobre a testa, o incomodando.

— É considerada das Trevas, embora não seja ilegal. Seu uso tem que ser mediante a justificativa e está mais associado a trabalhos de espionagem e essas coisas. - Ele falou com precisão e assim que percebeu que ninguém tinha mais dúvidas, continuou. — Essa poção de Calixto tinha um gosto residual de detergente, o que geralmente significa que a poção está atrelada a um feitiço.

— Tipo esse que nos deixou assim? - Alissa perguntou segurando a barra de sua saia mais curta e vaporosa, se balançando de um lado a outro.

— Não... Acho que isso é efeito da polissuco modificada, o feitiço provavelmente está atrelado ao fim do encantamento. - Ariel completou com simplicidade. — Às vezes quando você altera poções, você altera também a forma como os efeitos vão acabar. Atrelar feitiços a poções é uma das coisas mais básicas a se fazer. Clara deve ter mencionado algo sobre isso em algum momento, não?

— Acho que ela falou algo sobre os efeitos passageiros das poções da família dela. - Sofia respondeu ao namorado, mas depois explicou a informação para o restante do grupo. — A família de Clara produz poções orgânicas sob encomenda, Ariel aqui é estagiário deles, não é, amor?

— Sim e a gente lá tem bastante oportunidade para explorar os diferentes tipos de reações, nossos clientes são os mais variados possíveis! - Ele falou animado, como só um pocionista maluco poderia fazer. — Mas sobre essa poção, é provável que o encanto acabe com um feitiço de Calixto no fim da festa.

— O problema não é esse encanto aqui. Segundo a própria Yolanda, nós fomos envenenados e vamos acabar mortos até o fim da noite. - Gaia informou com pouca emoção, porque achava aquilo tudo uma idiotice sem tamanho. — Morto como aquele cara no palco.

— Que cara? - Ariel perguntou confuso, então todos olharam para o palco e constataram que sim, não havia mais “cara” nenhum por lá. — Calixto conseguiu trazer um cadáver dos laboratórios de Obrumbação para cá?

— Ah, então foi um cadáver da escola! - Sofia bateu no peito do namorado com a constatação. — Ela só queria dar um efeito dramático... Que satanazinho mais esperto!

— Menos uma coisa para nos preocupar, pelo menos. - Gaia falou com displicência, depois encarou Tony, mais especificamente seu colar, que ainda se mexia preguiçosamente em seu peito. — E então? Será que já podemos ver o que você achou do defunto?

— Discretamente. - Alissa avisou e todos fingiram que estavam olhando para o lado, assobiando ou apontando para a decoração. — Não tão discretamente assim, gente.

Tony riu, ao mesmo tempo que enfiava a mão no sobretudo para tirar o tal objeto. Era a mesma ampola de poção de antes, só que vazia e com um bilhete enrolado em si. Nem precisava abri-lo para saber que tinha muito mais coisa escrita nele.

— E então, o que diz? - Ariel havia aceitado o frasquinho vazio para uma investigação mais minuciosa, com seu parecer de pocionista, mas não havia nada para ver, a dica deveria estar no bilhete.

— “Quem é aquela dama, que dá a mão ao cavalheiro agora? Ah, ela ensina as luzes a brilhar! Parece pender da face da noite como um etíope! Ela é bela demais para ser amada e pura demais para esse mundo!” - Tony declamou e levantou o olhar para ver se todos estavam entendendo sua leitura. Continuou. — “Como uma pomba branca entre corvos, ela surge em meio às amigas. Ao final da dança, tentarei tocar sua mão, para assim purificar a minha. Meu coração amou até agora? Não, juram meus olhos. Até essa noite eu não conhecia a verdadeira beleza.”

— Que? Dá isso aqui! - Alissa pegou o bilhete da mão de Tony, nada discretamente, e devorou as palavras com os olhos, com toda a fúria de seu ser. — Que bosta é essa?

— É Shakespeare. - Sofia disse entediada, Yolanda era mesmo muito teatral. — Romeu e Julieta, para ser mais exata.

— Tá, mas fala de pombos e corvos, a gente vai ter que comer a cabeça de uma ave que nem Ozzy Osbourne? - A carioca perguntou enfurecida para a amiga, então Gaia pegou o bilhete de sua mão para ela mesmo avaliar.

— Obviamente você está bêbada, Alissa, não tem nada a ver com pombos e corvos, embora tenha alguns por aqui... - Sofia terminou a colocação, incerta, porque parte da decoração eram corvos em cima das dezenas de fileiras de luzes flutuantes. — O que acha, Gaia?

A garota, colega de Sofia do último ano, olhou o trecho de uma das obras mais famosas do grande escritor trouxa britânico e teve que admitir, Yolanda era bastante sofisticada em suas armações.

— Acho que ela é a pomba branca, dona da verdadeira beleza e nós somos os corvos. - A garota concluiu, passando o bilhete para Sofia, que entregou diretamente para o namorado, porque já conhecia a obra.

— Claro! O que me surpreende é ela nos considerar suas “amigas" corvo! Quem tem amiga piranha de beira de igarapé é anzol e rede! - Sofia falou com as mãos na cintura, revoltada. Todo mundo deu risada e seu namorado deu um beijo em sua bochecha ensanguentada. Tinha que amar aquela garota!

— Ok, mas voltando ao bilhete... Acho que a resposta está bem na frente de nossos narizes! - Ariel falou, enquanto abaixava a nota para sua namorada e os outros verem do que ele estava falando. — Aqui, vejam: “Ao final da dança, tentarei tocar sua mão, para assim purificar a minha.”

— Uau, que presunçosa! Mas até aí, nenhuma surpresa, não é? - Alissa falou com deboche. — Bem a cara de minha querida prima se achar a dona da beleza, purificadora de mãos.

— Acho que é mais do que isso. - Gaia falou, séria. — A mensagem de Yolanda é clara e bastante simbólica.

— Sim... Quem está com ela, quem toca em sua mão, vai se purificar, vai ficar bem, já quem não toca... - Tony deixou a frase em aberto, para quem quisesse completa-la, apesar de não ser necessário.

— Yolanda nunca vai querer tocar na minha mão, se tiver mesmo um veneno na poção, pode me enterrar com esse vestido, que foi Gui que fez e está muito lindo. - Alissa deu uma voltinha meiga, depois finalizou com um biquinho triste.

— Não vou deixar minha amiga morrer, antes disso eu decepo a mão de Yolanda fora! - Sofia falou com sentimento, então abraçou sua amiga com carinho. — Promete que vai me visitar na prisão?

— Prometo! Ou melhor, decepo a outra mão dela para acabar na mesma cela que você! - Alissa declarou, arrancando um “awnnn" de Sofia, as duas já deviam estar bêbadas, não era possível!

— Ok, hum... Meninas? Antes de vocês colocarem esse plano incrível em prática, gostariam de tentar algo mais razoável? - Tony perguntou sarcástico, então as duas brasileiras o encararam intrigadas.

— Tipo o quê?

— Tipo... Um plano de três partes. - Ele sorriu malicioso para as expressões de inocente confusão de seus novos amigos.

Oh, coitados! Eles ainda não viram nada!

***

Tony atravessou o mar de gente ao redor de Yolanda, havia um séquito de populares e algumas pessoas com cara de desespero, realmente achando que a menina iria ser a mais nova responsável por um massacre no meio da Floresta Amazônica.

— Calixto, preciso falar com você. - O sonserino falou com clareza, chamando a atenção de todos no círculo formado ao redor do trono da rainha da festa.

— Conseguiu desvendar o meu enigma, lorde Zabini? - A garota perguntou, então bebericou a taça com um líquido da cor de sua boca. — Alguma pista?

— Na verdade eu não tenho, mas sua prima, Alissa, disse que solucionou o mistério. - Tony falou solicito e depois de notar o leve franzir de cenho interessado de Yolanda, continuou. — Ela me deu as seguintes instruções: vá até Yolanda, tem que ser você e mais ninguém, traga ela até aqui, que eu conto qual é a resposta do enigma.

— Ela disse isso? - A garota perguntou com apenas uma dose sutil de sarcasmo.

— Sim e eu tenho que dizer, estou muito curioso para saber o que ela tem a dizer. - Ele falou demonstrando interesse, o que a fez estalar a língua nos dentes, conformada.

— Certo, vamos ver o que Martins tem para mim dessa vez. - Yolanda se levantou de seu trono e já iria ser seguida por todos, quando os parou com um aceno de mão. — Acredito que deva ir sozinha com Zabini, não é assim, querido?

— Isso, precisamente. - Ele falou com um sorriso charmoso, entregando o braço para que ela segurasse elegantemente.

— Então vamos.

Os dois abriram a multidão com graça, passavam como se fossem o rei e a rainha da festa, ninguém ali parecia ter dúvidas disso.

Os olhares curiosos os seguiram até a orla da floresta, passando pelo portal do cemitério de entrada, onde Alissa e Sofia os esperavam pacientemente.

Alissa estava com algo escondido atrás das costas, Yolanda notou.

— E então, prima, o que descobriu? - Yolanda perguntou irônica, sabendo muito bem que a outra garota não havia descoberto nada.

— Bem, percebi que essa aqui é a festa de aniversário que você sempre pediu ao seu pai, mas ele nunca te deu, por achar macabro demais, logo, a única forma de ter o antídoto do veneno é... Te oferecendo um presente de aniversário. - Parecia uma cena final de filme de terror, onde a garota morta oferecia, com uma mão sobre a outra, um presente que você não deveria aceitar de forma alguma.

Yolanda olhou desconfiada para a mão dá prima fechada em concha.

— O que é isso? - Perguntou com desdém.

— O que você mais quer atualmente. - Alissa respondeu doce e Sofia teve que juntar os lábios em fenda para não rir da piada interna das duas. — Vamos, Yoyo, não temos a noite inteira!

Yolanda revirou os olhos, mas estendeu a mão para o que quer que a retardada da prima tivesse a oferecer. Alissa abriu a mão e a garota chilena só sentiu uma picada, antes do seu suposto presente cair no chão e se rastejar para longe das duas.

— O que foi isso? - Yolanda perguntou assustada, olhando para os dois pequenos furos entre seu indicador e o polegar. — Você me deu uma cobra, sua vagabunda?

— Não se preocupe, prima, você vai ficar bem, mas já sabe: um antídoto por outro. - Alissa disse vitoriosa, sendo encarada com ultraje pela sua adversária de mesmo sangue Calixto.

Tony correu para tentar enfeitiçar a cobra, precisariam dela caso Alissa não tivesse mesmo um antídoto e só estivesse blefando, certo? Yolanda pediu para ele se apressar e então fuzilou a sua rival sem escrúpulos e totalmente desvairada!

— O que pensa que está fazendo? Minha poção só vai dar uma ressaca nas pessoas, você me envenenou de verdade! - Apontou para a mão, que já começava a inchar pela mordida. — Você perdeu completamente o juízo, Alissa?

— Sim, mas e o antídoto, minha linda? - A carioca estendeu a mão, para que a outra a tocasse. Sofia interpretou seu papel na cena.

— Alissa, você não me disse que era isso que iria fazer e se... Oh, meu Baltazar, seu rosto! - A garota apontou para a face de Yolanda que não tinha a maquiagem, a menina tocou na própria bochecha, assustada. — Dá logo o antídoto para ela, sua louca!

— Só depois que ela me passar o que eu preciso! - Alissa balançou a mão enfaticamente para a prima. — Vamos, Yolanda, você não tem muito tempo!

— Está bem, está bem! - A garota falou horrorizada, com as mãos nas têmporas, já se sentindo tonta por conta do veneno. — Tudo que você precisa é tocar em um dos corvos da festa, qualquer um!

— O que? - Alissa franziu o cenho, sem entender nada, bem na hora que Tony retornou com algo na mão. — E o bilhete no cadáver com o texto de Romeu e Julieta, criatura?

— Sim! Isso mesmo! Lá dizia corvos e pombas e o que entregou o convite para vocês foram os corvos, então vocês tem que toca-los, só isso! - Yolanda falou ansiosa, olhando para Tony com desespero. — Conseguiu achar a cobra?

— Sim, consegui... E você não vai acreditar. - Ele mostrou o suposto animal que não tinha nada de perigoso. O sonserino a encarou contrito. — É apenas o meu colar! Não faço ideia de como ela o tirou de mim, mas eu sinto muito, de verdade, eu não...

— Mas essa merda todo para o meu palpite do Ozzy Osbourne estar certo? - Alissa jogou as mãos para cima e depois puxou a mão de Sofia para que ela fosse na frente, para ajuda-la a caçar as malditas aves. — Pelo menos não são corujas, mas corvos definitivamente estão apenas um degrau abaixo na minha lista de criaturas odiosas!

— Mas... Mas... E quanto a cobra? - Yolanda parecia confusa, coisa que nunca nenhum dos três adolescentes tinham testemunhado antes. — Eu não preciso de um antídoto?

— Não, minha querida, foi tudo uma brincadeira, foi uma... Metáfora para toda a história de Romeu e Julieta: o que eles mais precisavam acima de tudo para seu amor dar certo? - Alissa falou chegando bem perto, com um tom de voz bem doce. — União familiar! Eu te amo, sua bobinha...

Falou abraçando uma Yolanda estática, depois estalou um beijo na bochecha que não estava maquiada de caveira mexicana da garota chilena.

— Mas você também pode interpretar o presente como sendo a cobra de Tony. - Depois a sextanista carioca completou divertida, já na entrada da festa. — Boa noite, crianças! E se cuidem...

As duas meninas saíram do campo de visão de Tony, que esperou elas entrarem através do portal, para depois se voltar para Yolanda.

— Você está bem? - Perguntou com cuidado, porque a garota ainda parecia muito parada para ser saudável. — Olha, não deixe sua prima te tirar do sério, foi só uma brincadeira inofensiva, ela...

— Ela sempre faz isso, sabe? - A voz embargada pegou Tony de surpresa. Yolanda limpou uma lágrima, frustrada. — Alissa é sempre perversa, mas as pessoas a desculpam, por causa da carinha de anjo dela.

— Alissa é apenas uma boa estrategista, enrolou todo mundo! Eu, Sofia, você... Não precisa ficar chateada, ela só usou uma tática meio esquisita para conseguir resolver a charada. - Falou enquanto recolocava o colar, cuja cobra se fazia de santa agora que havia conseguido cravar as presas em alguém.

— Mas ela faz isso o tempo todo! - Yolanda retrucou exasperada, fungando de um jeito que não era nada sexy. — Desde que ela chegou na nossa família, enfeitiçou todo mundo com a lábia dela e agora nos faz parecer monstros para os outros! Precisa ver como tio Alexey nos trata agora...

A voz dela diminuiu, forçando Tony a se aproximar, oferecendo apoio. Achou por bem executar a terceira e última parte de seu plano elaborado, depois de conseguir o antídoto com inteligência e eximir a ele, Sofia, Gaia e Ariel de qualquer culpa: convencer Yolanda de que ele era confiável.

Claro que o plano que havia apresentado aos outros tinha sido mais simples e prático e era só a primeira parte do seu plano a serviço do Ocaso: surpreender a garota com a cobra falsa, levá-la ao limite do estresse com a picada e então fazê-la abrir o bico com a chantagem.

Não era um triplo espião só no nome, não é mesmo? Tinha que fazer jus ao título com dois planos, com complexidades distintas, um dentro do outro.

— Seu tio Alexey foi aquele que você me contou que contratou os atletas rebeldes? O tal patriarca da família? - Perguntou com uma curiosidade respeitosa, mas Yolanda desfez da informação com a mão.

— Não foi ele quem fez essa besteira, foi o meu pai e o de Iara. - Ela falou a contra gosto, depois se voltou completamente para Tony. — Mas ele descobriu depois de trazer Alissa para família e eu juro, Zabini, se não fosse por ela, ele já os teria perdoado há tempos!

— O que há para não perdoar? Foram só contratações ruins, eu não acho que...

— Dezenas de contratações ruins, gente problemática, sob a promessa de um falastrão que prometeu a meu pai e a Ferraz que podia consertar a todos com uma poção milagrosa. - A garota falou com desdém, então Tony franziu o cenho, resolveu dar corda para Yolanda se enrolar ainda mais.

— Nossa! Isso parece bom demais para ser verdade, nenhum dos dois desconfiou de nada? Sério? - Ele perguntou bastante intrigado, o suficiente para forçar Yolanda a defender sua família.

— Como poderiam? O cara fazia pesquisa pelo Ministério britânico! Era contratado por Azkaban, a prisão de vocês! - Ela falou, quase como se colocasse a culpa em todos os ingleses. — Todo mundo acreditou nele, mas a verdade é que ele não passava de um maldito impostor!

— Como assim? - A última palavra praticamente cuspida pela garota fez um batimento de Tony para por um segundo. Cesc havia pedido para ele ficar atento a qualquer coisa que se parecesse minimamente com algo relacionado a caixa de músicas e uma das palavras que estava associada a ela era... — Como assim impostor, Yolanda? Explica isso melhor!

— O tal pesquisador tinha boas credenciais e o trabalho estava indo muito bem, obrigada, tanto que foram os resultados dele que fizeram o meu pai e o senhor Ferraz apostarem tudo nesse projeto. - Ela contou ainda revoltada, mas agora um pouco mais calma. — Estava tudo dando certo, então o homem enlouqueceu e resolveu desistir de tudo: “Agora quero ser professor das criancinhas!”, foi o que ele disse!

— Professor das criancinhas? Como em...

— Em Hogwarts, sua escola! Ele largou tudo para ir para lá! O que é bastante irônico e cruel, se você for para pensar, porque desde sempre a gente quer expandir nossos negócios para as escolas europeias. - Ela falou sarcástica e Tony continuou piscando ainda tentando absorver todas as informações. — O que foi? Por quê essa cara?

— Eu tenho uma leve desconfiança de que sei de qual professor de Hogwarts você está falando. - Ele falou anestesiado. — Como disse que era mesmo o nome dele?

— Não disse. Era algo como Braide... Bridiibu...

— Bradbury? - Tony sugeriu, já sabendo da resposta. — O nome era Michael Bradbury?

— Acho que era esse sim... Mas... Por que todo esse interesse nessa história? - A garota perguntou desconfiada, então Tony sorriu malicioso, cuidaria das implicações desse nome misturado às loucuras da profecia depois, tinha algo mais importante a tratar agora.

— Ah, minha doce Yolanda... Por acaso você ficou sabendo do escândalo de Hogwarts com poções que quase nos deixou de fora do campeonato mundial de quadribol? - Ele provocou, segurando os ombros da garota, a encaminhando de volta a festa, que era um lugar seguro para ter aquela conversa com Yolanda Calixto.

Não podia correr o risco de ser seduzido justo agora, não é?

— Ouvi alguns boatos... Soube que vocês usavam poções ilegais no campeonato interno, certo? - Ela chutou e Tony deu risada do palpite, a chilena se ofendeu um pouco. — O quê? Não foi isso?

— Foi, mas advinha quem estava fornecendo essas poções para os trapaceiros? - Ele falou sarcástico e assim que a garota abriu os olhos, finalmente percebendo o que ele queria dizer, Tony exibiu seu já famoso sorriso tubaranino. — Vamos, Calixto. Temos algumas boas figurinhas para trocar...

E mais tarde trocaria figurinhas com o seu verdadeiro grupo, os iconoclastas.


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Notas finais do capítulo

Yay!

Como o capítulo está grande, vou pedir para vocês lembrarem de falar suas opiniões nos seguintes pontos:

— Rose x Tony
— Ações da FerrZ nas comunidades indígenas
— Família Calixto
— Festa de Yolanda
— A descoberta de Tony sobre um possível novo impostor para a caixa e por consequência, para a profecia.

Bjuxxx



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