Quadras escrita por Alisson França


Capítulo 13
Elefantes


Notas iniciais do capítulo

Caso você tenha de fato pesquisado de que países os irmãos de cluster do Luis são, sinto informar que foi esforço inútil porque aqui ele fala quais são os países.
Unlike Pluto - I Need A Win



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Novamente no topo daquele prédio em Amadora, Roberta despertou sem pressa. Ainda sem abrir os olhos a garota estalou os ombros e respirou fundo. Mal havia acordado e já foi assombrada pela preocupação com os irmãos, mas estava grata mesmo assim pelo sono que Lune lhe havia proporcionado. Rodeada pelos pensamentos ruins, ela nem reparou que havia mais alguém ali, tanto que pulou de susto ao ouvir a saudação.

“Oi.” Pebre meio sem saber o que dizer.

A garota logo fechou a postura “O que você tá fazendo aqui porra?”

“Calma, calma. Eu só quero conversar na verdade...”

“Como me achou?” Roberta se aproximou de Luis com os punhos cerrados e sussurrou ameaçadoramente “E onde estão os meus irmãos?”

Luis suspirou, sabia que a comunicação seria difícil “Bom, o Rafael eu sei onde está.”

Ele apontou com a cabeça para a cama onde Rafael dormia e Roberta correu para ele no mesmo instante, sussurrando palavras de apoio e acariciando-lhe os cabelos. Ela correu os olhos pelo irmão reparando nos hematomas espalhados pelas pernas e pelo torso, além do olho roxo.

“Caralho o que você fez com ele?” Ela dirigiu os olhos enfurecidos para Luis que estava encostado na janela e só então reparou que não estava mais no terraço daquele odioso prédio. “Você é um sensate?”

“Já não era sem tempo de você reparar! Enfim, como você já sabe o Miguel tá devendo o Braz, daí pra chantagear ele a gente teve que sequestrar os seus parentes. Eu tentei convencer o Braz a não sequestrar os gêmeos, ele concordou se eu descobrisse onde a sua mãe está internada. Aí eu tive a idéia do jantar.”

“Tentando se fazer de vítima?” Roberta perguntou com voz ríspida.

“Não haja como se eu gostasse do que eu faço ta bom? É um trabalho foda, mas é o que eu consegui arranjar aqui com a ajuda do meu cluster.” Luis ficou uns instantes olhando pro nada, relembrando de parte de sua trajetória, mas logo prosseguiu “De qualquer forma, era pra ser um simples jantar, mas tudo mudou quando eu descobri que você era uma sensate.”

“Desenvolveu empatia só porque tem gente na minha cabeça igual tem na sua? Que fofo.”

“Eu não sou o monstro que você acha que eu sou Roberta! Eu faço o que é preciso pra ter o que comer e é só isso.”

“Porque ta me contando tudo isso?”

“Ela é bem direta, né?” Emir comentou.

“Fazia bastante tempo que alguém era minimamente páreo pra gente numa luta e você se provou um desafio no jantar. O Braz procura por gente assim.”

“Você não está realmente me proponde isso, está seu fudido?”

O número de palavrões que saiam da boca de Roberta estava genuinamente incomodando Luis, mas ele prosseguiu. “Vou falar das suas habilidades para o Braz, talvez você possa tomar a dívida do seu irmão pra si.”

“Eu não to pedindo isso!” Roberta se levantou.

“O Rafael não vai acordar tão cedo, mas vai acordar com fome. Os gêmeos estão desaparecidos, mas o Miguel está na casa de vocês. Deve ter alguém lá esperando que algum de vocês vá visitar o irmão então tome cuidado. E ainda não sabemos onde está a sua mãe. Pode me visitar enquanto eu estiver falando com o Braz. E esse prédio fica na Rua Silveira, número quarenta e seis.”                   

“Mas eu nem sei que rua é essa porra!” Ela tentou ler aos pensamentos de Luis como ela havia feito com Lune mais cedo, mas não conseguiu. “Porque não consigo ler a sua mente?”

“Isso só acontece com as pessoas do seu cluster.” Ele saiu do quarto e Roberta se materializou ao seu lado nas escadas. “Aliás quantos vocês são?”

“Porque acha que eu vou te falar?”

“Eu to tentando construir uma base solidificada em confiança aqui, dá pra me ajudar?”.

“Eu não confio em você, Pebre! E nem em ninguém desse lugar de merda.”

Roberta o empurrou na parede ainda na escada e lhe metralhou com os olhos. Nesse momento Koji surgiu encarando a menina com igual rispidez e, pela primeira vez em muito tempo, a pessoa do outro lado foi capaz de sustentar o olhar. Koji recuou e sussurrou para Luizito “Ela tem fibra.” e Luis a empurrou de leve o ombro prosseguindo escada abaixo.

“Eu começo então. Eu descobri meu cluster tem dois anos, somos seis contando comigo. Colômbia, Japão, Egito, Polônia, e Turquia, todos com vinte e quatro anos.”

Os dois chegaram na calçada e Roberta olhou ao redor procurando algum tipo de sinalização ou ponto de referência que a ajudaria a andar por ali. Sem esperar, Luis começou a adentrar as ruelas do lugar. De volta ao topo do prédio a garota não sabia o que fazer, até que se viu na sala de estar da casa de Danila. A sua frente no sofá, Anna e Danila estavam sentados, agora vestidos, com uma atmosfera bem constrangedora.

“Foi culpa minha, de verdade. É só que...” Anna tentava achar uma desculpa para justificar o súbito pulo de susto que dera durante as preliminares por causa da Elô, mas parou de falar ao ver Roberta “O que houve?”

“Eu to perdida e preciso chegar a Rua Silveira.”

Anna deu (mais uma) desculpa para Danila e foi embora, mas não sem antes dar-lhe um beijo de despedida particularmente abrasado. Roberta sentia um desejo bem forte de Anna sobre o homem, e um pequeno traço de atração romântica, mas resolveu não comentar. A corredora rapidamente ligou para Aleksei pedindo para ele procurar no mapa pela Rua Silveira como Roberta havia informado e se sentou no ponto de ônibus. De volta a Amadora, os três participaram de um jogo interessante: olhando para o mapa, Aleksei ouvia descrições de Anna sobre o que Roberta via e baseado nisso, as conduzia pela cidade.

O primeiro ponto de parada foi uma lanchonete há duas esquinas do prédio onde Rafael estava dormindo. Roberta ficou encostada numa parede próxima esperando que algum cliente saísse dali com uma quentinha em mãos. Juntando a discrição de Roberta e a agilidade em fuga de Anna, roubar a quentinha foi uma tarefa fácil. Ela finalmente foi até o prédio onde Rafael estava e se sentou ao lado do irmão.

“Apesar de querer muito ir pra casa, não posso deixar o Rafael aqui sozinho.”

“Vai ter que esperar ele acordar não é?” Anna perguntou.

Roberta fez que sim com a cabeça e respirou fundo, se preparando para pacientemente esperar o irmão despertar, mas foi interrompida pelo súbito surgimento de Luis a sua frente.

“Eu já cheguei.” Ele disse

“Eu não vou te visitar. E nem quero que você fale de mim pro Braz.”

“Com quem você ta falando? Espera, você conheceu algum sensate?” a possibilidade atingiu Anna como um raio.

“Sim, o Pebre. Ele quer que eu o visite, está indo se encontrar com o Braz.”

“Pebre? Luis Pebre? Aquele cara do jantar?” Comfrey apareceu ao lado das duas meninas, com o seu violão no colo.

“Ele mesmo.”

“E o que ele vai falar para o Braz?”

“Ele acha que eu posso trabalhar no tráfico como forma de pagar a dívida do Miguel.”

“O que? Ele está louco de propor algo assim.” Anna ficou alarmada.

“Não tanto assim na verdade.” Comfrey disse receoso

“O que quer dizer?”

“Pensa bem Anna, que chance o Miguel tem de pagar essa dívida? Além do mais, assim a Roberta pode proteger A mãe e os irmãos.” Ele falava num tom melancólico, mas honesto.

Comfrey, Anna e Roberta ficaram em silêncio analisando a proposta. De fato, apesar de ser um trabalho sujo, Roberta teria alguns benefícios disso. Mas a que preço? O que estaria disposta a fazer para ajudar a família?

Quando Roberta decidiu enfim por visitar Pebre ela se viu em pé ao lado dele numa ruela silenciosa e apertada onde carro nenhum conseguiria passar. “Resolveu aparecer?” Luis sussurrou antes de entrar por uma simples porta que poderia facilmente passar despercebida durante o dia. Ela dava para uma ampla casa de shows que, por conta do horário, tinham suas luzes acessas e suas cadeiras viradas para cima enquanto o chão era varrido e os copos limpos.

“É aqui o escritório do Braz? A musica não atrapalha ele?” Roberta perguntou.

“Um dos escritórios.” Luis afirmou.

O traficante passou pelo local direto e rumou para uma porta dupla que se encontrava meio aberta, mas foi abordado pelo homem de ombros largos que a guardava. “Deixa os braços e as pernas abertos.”

“Qual é, Sidnei tu me conhece cara. Eu to sempre aqui!” Luis reclamou, mas acatou a ordem.

O segurança apalpou todo o corpo de Luis desde os braços, o tronco e as pernas. Quando estava para terminar, porém passou as mãos de forma especial entre as pernas do traficante, o olhando nos olhos. Luis retribuiu com uma piscadela e um sorriso de canto de boca. Sidnei disse que ele estava limpo e saiu da frente da porta, Roberta o seguiu de perto.   

A sala não era pequena, mas também não chegava a ser grande, tinha apenas o tamanho ideal para o seu propósito. A mobília era luxuosa e incluía uma poltrona de camurça vermelha perto de uma das três estantes infestadas de livros velhos, pastas com documentos (decerto não tão importantes assim para estarem guardados ali) e enfeites meio bregas, como elefantes multicoloridos de porcelana e jarros de vidro cuneiformes. De fato, o lugar tinha cores por todo ele que contrastavam com o terno cinza que Braz usava. O homem que parecia estar nos seus quarenta anos e analisava metodicamente alguns papeis que repousavam na mesa a sua frente (que aliás era amarela) junto de uma xícara de café.

“Olá Braz.” Luis fez uma discreta reverência sem nem perceber.

“Pebre.” o homem não tirou os olhos puxados dos papeis que analisava “Faz um tempo. O que você me traz?”

“É sobre o Miguel Sales, senhor. Eu fui jantar na casa dele.”

“Ah sim, claro.” Braz cessou sua leitura e tomou a xícara de café na mão esquerda, seus olhos penetrando Luis como uma lâmina. “Comprava bastante cocaína, começou a revender em festas nos dando 60% de lucro, mas acabou cheirando mais do que vendeu. Clássico. Suas dívidas ficaram grandes demais e você deveria descobrir onde a Sra. Sales está internada.”

Roberta não pode deixar de notar como aquele homem era sábio, o que definitivamente o fazia muito assustador. Braz tomou um gole do café sem açúcar e, de olhos fechados, apreciou a bebida quente descendo sua garganta até o estômago. Pondo novamente a xícara na mesa ele pediu para que Luis prosseguisse, e Roberta achou interessante como o traficante havia esperado permissão para continuar falando.

“Eu não descobri onde a mãe dele está senhor, mas acabei por fazer uma descoberta mais importante.” Luis deu uma rápida olhada de canto de olho para a fantasma ao seu lado. “Eu acredito que a irmã dele possa cumprir um papel mais importante conosco do que o Miguel.”

“Você sempre foi misericordioso, Pebre. Por isso gosto de você. Faça logo a proposta.”

“Bom, senhor.” Luis evitava olhar Braz diretamente nos olhos, e Roberta entendeu perfeitamente a sensação. “Ela é uma ótima lutadora e provou ter fibra, apesar de ainda precisar de treinamento, mas acho que ela pode trabalhar conosco como forma de pagar a divida do irmão.”

“E se eu não me engano essa é a hora que você mesmo se voluntaria para ensiná-la não é?”

Luis se sentiu um idiota e quis responder o Braz, mas não o fez. Naturalmente ele não havia sido dado permissão para tal. Braz se recostou na cadeira e juntou os dedos sobre a mesa, os olhos vagos como se estivessem a ler equações no ar. Foi possível ouvir os faxineiros do lado de fora conversando e os instrumentos de limpeza passeando pelo local tamanho foi o silêncio criado no pequeno escritório.

“Leve essa garota pra a arena, assim eu verei se ela é tão boa quando você diz.” Braz voltou a sua leitura e Luis fez uma leve reverência antes de sair.

“Você parece tenso, quer relaxar em minha casa?” Sidnei lhe lançou um olhar sedutor, mas foi ignorado.

“Tenho meus motivos.” Luis disse sem parar de andar.

Antes mesmo de saírem da casa de show Roberta já bombardeou Luis “O que é essa arena? Porque você ficou tão tenso com isso? E puta que pariu o Braz da muito medo!”

Luis esperou que eles saíssem da casa de show para que ninguém o visse falando sozinho. “Roberta me escuta.” Ele pôs as mãos nos ombros da menina de forma gentil “O Braz vai querer que você lute contra a Lidia na arena. A gente precisa treinar muito.”

“O que você ta dizendo? Eu não vou pra essa porra de arena. O que vocês vão fazer ein? Me arrastar pelo cabelo?”

“Sim.” Luis disse com o rosto vazio.

“Eu nunca vou te perdoar por ter me enfiado nessa porra.” Roberta disse com a mão na cara de Luis, então respirou fundo e lhe deu as costas, voltando para o lado do irmão.


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