Quadras escrita por Alisson França


Capítulo 11
Cadeira


Notas iniciais do capítulo

Se quiser saber o quão bonito o Pebre é, procura pelo instagram do Kaine Buffonge. Aliás o capítulo de hoje volta um pouco no tempo então fique atento!
Shape of You - Fame on Fire



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Miguel Sales era um frequentador assíduo da Cova da Moura, sempre ia lá para comprar e usar drogas, em especial maconha. Entretanto, ele não pagava no mesmo ritmo que comprava a droga, o que resultou num rápido aumento de sua dívida. Assim, por mera tradição, Braz Caldeira mandou que raptassem os familiares de Miguel para servir de reféns enquanto ele não pagava a dívida.

Eles raptaram o irmão mais velho da família ainda pela manhã, enquanto ele ia para o restaurante onde trabalhava como garçom. Rafael não disse onde sua mãe estava, foi bem leal, mesmo diante de espancamento. Luis Pebre foi designado a descobrir essa informação, e para tal, sugeriu um jantar na casa da família. O irmão bobinho, Miguel, foi bem fácil de convencer. Luis pretendia apenas pegar a informação e ir embora educadamente, sem que ninguém saísse ferido, mas não foi bem o que aconteceu, pra variar.

Quando já se aproximava da casa dos Sales pôde ver Miguel olhando pela janela ansioso pela sua chegada. Luis foi recebido calorosamente pelo mesmo e fez uma sutil piada com os irmãos gêmeos antes dês e sentar a mesa. Só então olhou para uma cadeira já ocupada, onde uma menina de cara emburrada estava sentada. Quando ele a olhou nos olhos, porém, sentiu um calafrio subir pela espinha: ela era uma sensate!

Naquele momento uma série de pensamentos explodiram em sua cabeça de uma só vez. Ela já tinha cordado? Ela já havia enfrentado o BPO? Será que ela trabalhava para o BPO? Ele ficou imóvel por menos de um segundo, mas ao perceber que a menina não esboçava reação nenhuma ao olhá-lo nos olhos resolveu fingir que nada estava acontecendo.

“Olá você.” ele disse, mas a garota simplesmente lhe acenou e Luis se sentiu pessoalmente atacado pelo gesto, principalmente quando tinha acabado de ser bajulado pelo irmão mais velho da garota.

Ele tentou ao máximo ser descontraído durante o jantar, mas a garota (aprendeu que o nome dela era Roberta) continuava o encarando sem nem disfarçar. Pebre não entendia porque ela estava fazendo aquilo. Porque não simplesmente o visitava de uma vez? Qual era a necessidade de fazer aqueles jogos mentais? Será que ela estava consultando seus irmãos de cluster? Pebre se sentiu tentado a fazer o mesmo, mas já estava cansado de ser tratado como a criança do seu cluster, queria fazer alguma coisa pelo próprio mérito. Assim que concluiu a linha de raciocínio, porém, Melissa apareceu atrás de sua cadeira.

“Uma sensate?” Ela exclamou.

E Pebre riu bem alto para disfarçar o susto. Para sua sorte, a risada saiu na hora que Miguel contava alguma piada, o que o fez rir junto. Esse foi basicamente o resumo da noite, todos na mesa rindo e comendo com voracidade enquanto Roberta o encarava com aquele olhar desconfiado. Quando finalmente Luis viu a brecha para perguntar onde a Sra. Sales estava internada, Roberta se pronunciou com rispidez. Nesse momento Koji tomou a frente da situação (como sempre fazia quando Luis precisava ser um pouco mais ameaçador) pondo sobre o rosto do português uma feição sombria e até um pouco sádica.

“Muito sagaz Roberta.” Ele disse “Você sabe o quanto o seu irmãozinho aqui ta devendo pra gente?”

Depois disso, tudo aconteceu muito rápido. Tanto Koji quanto Irenka controlaram aquela situação com rapidez. Ao final do combate, Miguel estava desmaiado com o rosto caído ao lado do jantar, Roberta estava desacordada no chão e os gêmeos haviam fugido. Luis respirava com as mãos nos joelhos.

“Ela é uma sensate.” Koji apontou preocupado.

“Isso não é bom!” Melissa disse temerosa. “Encontrar outros sensates nunca é bom.”

Rada surgiu no meio deles “Luizito, leve ela pra onde tem que levar e conversaremos depois. Todos nós.”

Os quatro sensates assentiram e se foram, deixando Luis sozinho novamente. Ele detestava ser chamado de Luizito, só reforçava a idéia de que ele era o mais jovem do cluster, o que não fazia o menor sentido, visto que eles todos tinham vinte e quatro anos e haviam nascido exatamente no mesmo momento. Mas a autoridade de Rada não era algo que se questionava. Não que ela fosse autoritária, muito pelo contrário, era na maior parte do tempo muito doce com o resto de seu cluster. Mas ao longo desses dois anos que eles haviam se conhecido, ela acabou se tornando uma figura materna pro grupo, sendo a mediadora das decisões que envolviam todos eles, o que é claro inclui achar outro sensate.

O homem ligou para um traficante (que ele sabia que era meio incompetente) e ordenou que ele levasse a Roberta para onde ela seria interrogada, e pediu estritamente que ninguém tocasse nela até o próprio Luis chegar. Ele queria se certificar de que teria Roberta como uma aliada, caso ela não tivesse pacto algum com o BPO. Luis voltou para a Cova da Moura para negociar maconha e outras drogas até a alta madrugada (e visitar seus parceiros de cluster ocasionalmente) como de costume. Mas durante todo esse tempo Roberta não saia da sua cabeça, ele precisava saber de que lado ela estava, do BPO ou dos sensates. Havia também a possibilidade de ela ser um desses sensates idealizadores que sonham com uma cidade só de homo semsoriums, mas não se prendeu a essa idéia.

Quando chegou a sua casa lá pelas quatro da madrugada, só o que queria era uma boa noite de sono. Sua casa era como a maioria das casas da Cova da Moura, mal acabada por fora, luxuosa por dentro. Luis morava sozinho desde os vinte e dois anos quando, graças a ajuda do seu cluster, pôde ascender na hierarquia do tráfico, sendo agora o mais competente capataz do maior revendedor de drogas da região, Braz Caldeira. O homem esquentou o resto do almoço, comeu com pressa e logo se deitou para dormir.

No dia seguinte, Luis acordou com todos os seus companheiros de cluster sentados na sua cama formando uma meia lua ao redor dele. “Não podiam esperar eu tomar café?”

“Nós te deixamos dormir.” Emir deu de ombros.

“E são três da manhã no meu fuso horário.” Disse Koji.

O cluster de quinze de julho tinha seis sensates: Luis, um traficante de Amadora; Melissa, uma professora de zumba de Calamar; Koji, um membro da yakuza de Tóquio; Rada, uma fotógrafa e pintora de Zagazig; Irenka, uma lutadora de box de Koszalin e; Emir, um tatuador de Konya.

“Então, quem é a garota?” Rada perguntou.

“Roberta Sales. Um dos irmãos dela estava devendo ao Braz então eu fui lá pra descobrir onde sua mãe estava internada. Foi aí que eu conheci ela.”

“E ela não te visitou desde então?” questionou Irenka.

“Não.”

“Já tentou visitá-la?” Koji sugeriu.

“Não. Eu acho que ela não sabe que eu sou um sensate, senão já teria me visitado.”

“Ela poderia estar fazendo de propósito, para nos fazer pensar que ela é uma recém nascida.” Irenka rebateu.

“Ela parecia estar recebendo ajuda durante a luta.” Koji completou.

“Eu acho que devíamos arriscar.” Disse Emir.

“Já esqueceu o que aconteceu da ultima vez que nós ariscamos?” Koji levantou um pouco a camisa revelando, em meio as tatuagens, uma cicatriz causada por um golpe de espada. Uma lembrança de quando ele encontrou um sensate não tão amigável que eles foram obrigados a matar para não serem expostos para o BPO.

“Sim, eu sei eu sei. Doeu a beça. Eu senti a perfuração também, lembra? Mas, cara, essa garota tem o que, dezoito anos? A velinha do arquipélago disse que sensates muito jovens raramente são acordados.”

Melissa tomou a palavra diante do possível conflito “Apesar de ter encarado você a maior parte do jantar, Luizito, ela pareceu estar mais se defendendo do que atacando. Eu voto por visitá-la.”

“Votação é uma ótima idéia!” Rada olhou para os cinco “Então?”

Melissa manteve a mão levantada, Emir levantou a sua logo em seguida. Luis desviou o olhar uns instantes e, mesmo que receoso, levantou a mão. Todos o olharam com descrença.

“Você mesmo disse que ninguém de Amadora é realmente confiável!” Irenka disse, e todos viram em suas mentes o exato momento em que Luis havia dito isso. Ser um sensate era muito irritante as vezes.

“Como não sabemos quem ela é, eu acho que o melhor seria uma abordagem amigável. E se eu for o primeiro sensate que ela vê fora do cluster? E se ela nem tiver acordado ainda? Eu não sei vocês, mas eu gostaria de ter alguém pra nos guiar quando acordamos”

A mãe do cluster de Luis havia morrido uma semana depois de ter dado a luz a eles, ela não teve tempo de ensinar muita coisa. Os seis ficaram em silêncio ponderando a questão, até que Rada se pronunciou.

“Eu voto por visitar a Roberta.”

“Se alguma coisa acontecer eu estarei contigo.” Koji disse.

Luis assentiu com a cabeça e, como sua mãe o havia ensinado, se concentrou no Psycellium, o sistema nervoso psíquico que todo sensate tinha, sentindo o coração acelerando com a incerteza que estava por vir. Logo se viu no topo de um prédio que reconheceu ser ainda na Cova da Moura, a sua frente Roberta dormia sentada. O homem soltou um suspiro de alívio. “Ela está dormindo. Não está onde eu mandei botá-la, mas ainda está aqui na Cova da Moura.” Ele informou o seu cluster e os cinco então soltaram um suspiro de alívio em uníssono.

“Visite ela mais tarde então. Por enquanto, tente agir naturalmente, para o caso de ela resolver te visitar.” Rada disse.

“Não.” Luis rebateu “Eu vou até o irmão dela, Miguel. Ficarei com ele até ela acordar. Se ela souber onde o irmão está e que ele está bem poderá confiar em mim.”

“É um ótimo plano, mas você esqueceu um detalhe importante.” Emir debochou “Os seus amigos espancaram o irmão dela!”

“Isso é verdade.” Irenka concordou.

“É por isso que eu tenho que ir logo. Eu preciso cuidar dele antes que a Roberta acorde.” Luis se defendeu.

“Eu te apoio.” Melissa disse.

“Muito bem.” Rada sentenciou “Faça isso então. E nos chame quando for visitar ela.”

Todos assentiram e foram embora, deixando Luis novamente sozinho em sua cama. Ele tomou um banho, cozinhou um almoço bem rapidinho com a ajuda de Emir e foi logo para onde Rafael estava sendo cativo. Era um prédio de três andares cheio de apartamentos abandonados que foram tomados pelo Braz. É um prédio bem famoso por lá, pois tem apenas uma função. Miguel com certeza sabia onde ele ficava, o que significava que no momento em que Roberta voltasse pra casa e encontrasse Miguel ela saberia onde Rafael está, mas isso não aconteceria já que Roberta agora saberia onde o irmão estava por meio de Luis.

Ele subiu as escadas apressado e, chegando a porta, foi recebido por uma mulher que conhecia muito bem. Lídia era uma capataz de renome, assim como Luis, mas ela não precisava de nenhum sensate para fazer cara de mal por ela, ela era uma sociopata por si só. Ela estava suada e tinha o cabelo castanho preso num rabo de cavalo, o seu uniforme de trabalho. O apartamento era pequena como as outros, mas não fazia mal, eles usavam apenas a sala de estar, que também não tinha móvel algum. Com exceção de uma geladeira, uma mesa de jantar sem pano e uma cadeira, onde Rafael estava amarrado.

“Olá, Pebre! Seus olhos me sempre me encantam, especialmente o direito. Qual é o motivo dessa maravilhosa visita?” Lidia sorriu debochada.

“Oi, Lidia, eu imaginei que você estaria aqui. Olha, eu preciso falar o nosso amigo aqui em particular.” Ele acenou com a cabeça para Rafael “ Se importa de nos dar umas duas horas?”

“E porque eu deveria fazer isso?” ela se aproximou com as mãos nos bolsos, os seus rostos próximos um do outro.

“Porque você e eu sabemos que você está morrendo de tédio aqui.” Eles ficaram um tempo se olhando, até que Koji encarou Lidia com olhos ameaçadores, o que finalmente a convenceu.

“Tudo bem.” Ela deu de ombros “Vê se não mata ele antes dele falar o que a gente quer saber. Aliás, o que o Braz quer saber mesmo? Enfim eu nem me importo!”

Assim que Lidia saiu pela porta Melissa correu para a geladeira e levou um copo d’água para Rafael. Apesar de estar consciente, o homem estava fraco e com hematomas por todo o corpo, mal respondia a estímulos externos. Luis se apoiou na mesa, os dedos tamborilando com nervosismo. “A Lidia não deve ter deixado ele dormir.” Luis concluiu.

“Ele está péssimo mesmo!” Melissa, doce como sempre, deu de beber a Rafael “Vamos, beba essa água. Ele precisa de comida também, não tem nada na geladeira.”

“Deve ter uma cama no quarto de algum dos apartamentos. E eu posso buscar comida enquanto ele dorme.”

Rada se abaixou para ficar na altura de Rafael e puxou o seu queixo para que ele a olhasse diretamente “Escuta aqui, Rafael, eu preciso que você se levante tudo bem? Eu te darei comida e te levarei pra dormir em algum lugar.”

“Porque está me ajudando?” ele tossiu entre as palavras.

“Eu estou com a sua irmã.” Luis disse “Vamos, se levante!”

Com a ajuda inesperada de Luis, Rafael conseguiu se levantar. Ele foi levado até o apartamento da frente onde, em um dos quartos, um colchão velho o seduziu. Assim que se deitou, Rafael dormiu, estava realmente exausto.

“Parece que ele vai dormir muito.” Emir surgiu “Não precisamos ter pressa para trazer comida.”

De repente os cinco estavam no quarto encarando Luis. “Vai visitá-la agora?” Koji perguntou.

Luis se encostou na grande janela do quarto e encarou Rafael sujo, ferido e adormecido no colchão sem lençol “vou.”


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