Castelobruxo e o Bracelete de Ouro escrita por RRCORVINAL


Capítulo 2
Capítulo 2 - Ponto de Vista


Notas iniciais do capítulo

Castelobruxo é uma grande escola que recebe a todos os alunos da América Latina. Essa é a principal premissa, mas será que os humanos, bruxos ou colonos respeitam isso. Mergulhe numa visão além de Duda, nesse capítulo cheio de novas cores.



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           PARTE I – AS FRONTEIRAS

 A Cidade de Dionísio Cerqueira ficava longe de Florianópolis, Santa Catarina. Fazendo divisa com Barracão, ao norte, cidade do Paraná; e ao oeste Bernardo de Irigoyen, cidade argentina.

    Já era noite quando o policial Fábio deixava o amigo Leandro Boscolli em casa. O turno de Fábio estava acabando mais cedo aquele dia, eram apenas 22:00 de uma quinta-feira. Estava cansado de várias patrulhas e de ter caçar alguns fugitivos argentinos perto da fronteira.

Seu parceiro fora condecorado como herói, e saiu até no jornal. Conseguira capturar três fugitivos, mas o que os jornais abafavam era que um jovem, um argentino de catorze anos tinha morrido e a culpa era de Fábio.

Ele se lembrou: Fábio estava apontando a arma para o jovem carregando uma mochila e vestido com uma japona pesada.

“Señor, por favor, de me deja ir, no quiero lastimar a nadie”. – disse o jovem assustado.

“Meu jovem, largue a mochila e vamos conversar...” – pediu Fábio.

O jovem estava retirando as mãos dos bolsos do casacão e algo vez um volume estranho. Foi nesse momento que um tiro ocorreu, não foi Fábio que disparou, seu parceiro Leandro o fizera.

O jovem foi morto com um tiro e com ele foi encontrado uma espécie de cabo de madeira, livros estranhos e cadernos. Na central da polícia, eles receberam a visita de dois homens que se diziam agentes federais da capital, Fábio foi esperto e não falara nada, ele não conseguia nem falar. Já Leandro saiu do interrogatório convencido que o que o jovem estava portando material perigoso, drogas e morrera por tentar agredir um policial.
Fábio não contou a ninguém a verdade.

O rosto daquele jovem ficara marcado em sua retina. Estava havendo alguma coisa diferente no mundo, só no ultimo mês ele recebera relatórios da capital com sete fugitivos argentinos, classificados como muito perigosos. E o mais estranho, dentre eles haviam adolescentes. Isso deixava Fábio muito preocupado, pois ele era pai solteiro. Sua filha deveria estar na casa da senhora Madeleine, esperando ele para jantar. Fábio vivia trabalhando para dar uma vida digna a filha, mas sabia que em muito deixava a desejar, mas sua filha era um presente de divino que nunca reclamava.

Chegou em casa, e estranhou o fato das luzes da sala estarem acesas. Sacou sua arma e adentrou sorrateiramente, porém na sala de visitas haviam três pessoas. Sua filha, Yasmim, a Sra. Madeleine e uma Senhora altiva vestida em um belo vestido verde escuro, cabelos arrumados e sapatos altos. As três o viram, ele era o único assustado, mesmo sendo o único com uma arma na mão.

“Boas noites, Sr. Martins” – disse a elegante mulher com um sorriso comedido. “Espero que não se importe, estamos tomando um bom e delicioso chá, estávamos a sua espera. Sra. Alba, obrigada por nos fazer sala”. – disse de forma cortes tomando um gole de sua infusão de ervas.

“Quem é a senhora? Yasmim, você está bem?” – perguntou ele nervoso, vendo a senhora Madeleine sair de casa, ela parecia vibrante.

“Estou, papai.” – disse Yasmim timidamente.

“Sente-se e nos acompanhe, Senhor Martins”.

“Eu prefiro ficar de pé”. – disse ele confuso.

“Bem, eu devo insistir...” – disse a mulher de forma enérgica e arqueando a sobrancelha.

Fábio mal pode acreditar, foi num piscar de olhos e ele estava sentado no sofá ao lado de Yasmim que lhe servia uma xícara de chá.

“Eu...”

“Temos muito para conversar, e espero que o senhor me escute atentamente. – disse colando a xícara na mesa da sala, ela segurou a bolsa e tirou uma carta. – Querida, pode ler para nós?” – pediu com um sorriso bondoso.

ESCOLA MUI ANTIGA DE MAGIA CASTELOBRUXO
                               Diretora: Olga J. Garibaldi

Srta, Yasmim Rosalina Martins,

É por meio desta carta que gostaríamos de informar que sua Matrícula em Castelobruxo foi efetuada com sucesso para o vigente semestre. Sendo oriunda de família inteiramente Colona, um representante de nossa instituição, ou do Ministério de Educação Brasileiro, irá lhe fazer uma visita e lhe dará maiores explicações sobre a situação extracomum de sua fortuna de ser uma Bruxa. Junto da carta de orientação, a senhorita encontrará a lista de materiais necessários, livros e equipamento. Ser uma aluna da Castelobruxo é uma honra e esperamos que a senhorita esteja pronta para se tornar a bruxa que você poder ser, que quer ser, e precisa ser. O ano letivo se iniciará dia 5 de Fevereiro. 

 Atenciosamente, Miranda Assis.
         Vice-Diretora.

Yasmim parou de ler a carta pois o silêncio na sala de estar estava crítico. O pai estava com olhos arregalados e Yasmim sentia que seu coração ia sair pela boca.

“Eu sou uma bruxa?”

“Exatamente, minha jovem. Meu nome é Olga Joana Garibaldi, sou a Diretora de Castelobruxo, devo dizer que é muito incomum uma visita minha na casa de um aluno novo, ainda mais sendo um Colono. Mas esforços devem ser feitos em tempos de crise. Yasmim irá para a Escola Mui Antiga de Castelo bruxo no próximo ano, a Carta deveria ter sido entregue na metade deste ano, mas... – fez uma pausa. – A comunidade bruxa está em vias de uma guerra civil e as Araras e Corujas estão sendo interceptadas.”

“Guerra Civil? Comunidade Bruxa? Araras?”

“O que é um Colono?”

“Colonos são pessoas como seu pai, minha jovem. Pessoas não mágicas, mas você é uma bruxa. E sim, senhor Martins, A comunidade Sul-americana tem tido alguns problemas. O senhor deve saber que nossa Escola é uma das grandes escolas de Magia no mundo, e a única em continente Latino-Americano. E mais antiga que o nosso próprio país”.

“Yasmim não vai para essa escola!” – disse ele nervoso e sobressaltado. “Ela é tudo o que eu tenho”.

“Acredite, Senhor Martins, nós sabemos. Acontece que o senhor tem caçado muito dos nossos, os fugitivos argentinos são bruxos, e o Governo Colono está tentando abafar o caso. Sua filha estará muito mais segura conosco, vivendo em uma cidade fronteira, ela está exposta e sua magia não se esconderá como tem se escondido ou se manifestado, não serão mais apenas pequenos truques e coisas que vocês possam explicar.”

“Mas... Eu não tenho como pagar uma escola particular para ela.” – disse ele pensando no jovem bruxo morto semana atrás.

“Não se preocupe, a Escola recebe fundos do ministério e nós temos uma bolsa para objetos particulares como varinha, vestes e livros. Ela é uma de nós, e prometemos cuidar dela. Ela se tornará o que quer, o que precisa ser e o que desejar”. – disse Olga recitando a parte final como se fosse um lema.

“Yasmim, saia por favor...”

“Papai...”

“Filha...Me obedeça.”

Yasmim saiu da sala e foi em direção ao quarto, deixou a porta entreaberta e ficou a escutar tudo dali, ou pelo menos tentar.

“A senhora quer que eu acredite nesse conto de fadas? A senhora vem a minha casa, a essa hora para dizer que minha filha é uma bruxa? E que...

“Daniel Velásquez, Senhor Martins. Esse era o nome do bruxo que foi morto na operação de captura dos ‘fugitivos’. Daniel Velásquez, catorze anos. Excelente aluno, iria se tornar um Representante de Tribo este ano. Ótimo jogador de Quadribol, seu sonho era ir para o Peru jogar para o Rasa-árvores de Tarapoto. Era um menino com muitos sonhos, Senhor Martins, sonhos estes que ele não poderá mais cumprir. 

“Daniel...”

“Pelo que pude constatar, Yasmim além de extremamente doce e esperta é muito sonhadora".- ela fez uma pausa e depositou a xícara na mesinha. - Está acontecendo uma briga política na América-Latina. Os países hispânicos estão com pensamentos separatistas, diferente do seu Governo Colono, nós bruxos nos reportamos a ‘MISAM’, Ministério Sul-Americano de Magia. Cada país tem um ministério próprio mas temos um ministério central para assuntos gerais. E a situação está um verdadeiro caos graças a corrupção, muitos brasileiros tem acabado cada vez mais com as chances de equilíbrio entre todos. No Brasil, um dos maiores pólos mágicos, tem surgido graças a um grupo Intitulado “Junta Vermelha”, um sentimento xenófobo anti-hispânico . Porém, Castelobruxo está tentando se manter firme quanto a isso tudo. Porém, famílias de toda América Espanhola tem, com freqüência, proibido os alunos de irem ou voltarem para Castelobruxo”.

“Então... por que quer que Yasmim vá para essa escola, esse mundo?”

“Primeiramente, por que é o lugar dela. E por fim, por que quero proteger todos meus alunos. Todos aqueles que eu puder, salvar. Daniel fora o último a aluno que nós perderemos. Temos que fortificar nossas alianças, no meu mundo não existe fronteiras de sangue, mas as fronteiras geográficas ultraconservadoras tem se expandido. Temos que nos educar, e acreditar num futuro melhor...”

“Mas não é só por isso... Não é mesmo...?’

“Acho que o subestimei, Senhor Martins...”

“Uma guerra pode acontecer, e as fronteiras serão as primeiras atingidas. Minha menina tem que saber se proteger... em qualquer mundo em que estiver...”

“Exatamente... E nossa maior esperança... Senhor, Martins é que a doçura de sua filha restabeleça os laços perdidos em ambos os lados...”

“O que devemos fazer... Bem, eu lhe explicarei o que deve fazer...o Rio de Janeiro é seguro e...”

 A Diretora Olga parecia cansada, mas explicava tudo que o Fábio faria nos dias que se seguissem, e ele o fez. A Diretora parecia realmente preocupada com seus alunos, Fábio sentia que poderia confiar sua filha àquela mulher. Para Olga, ainda haviam alguns outros alunos para se visitar. Ela incumbira alguns professores para irem às casas dos alunos brasileiros e os professores de origem hispânica aos alunos latinos. Mesmo assim eram missões arriscadas, o sentimento anti-brasileiro estava crescendo por todos os países, e Castelobruxo era uma escola brasileira. Mas acima de tudo, Olga confiava em seus professores.

 PARTE II – O EXPRESSO C-SUDESTE.

Yasmim tinha acabado de embarcar no Expresso em direção a sua nova vida. Ela viu seu pai na plataforma. O policial estava chorando e acenando. Ela mandou-lhe um beijo. E ele segurou o beijo no ar e guardou no coração. As lágrimas cascatearam sua face. Mas alguém a segurou para não desabar, a jovem carioca falante e exagerada estava ao seu lado.

De uma certa forma, Yasmim se apaixonara pelo jeito de tão irreverente da nova amiga. Afinal, nunca tinha tido amigos. Ela costumava ser a garota esquisita que ninguém queria ficar perto. Sua vida estava mudando. E ela sentia que Castelobruxo seria sua nova casa, e ela queria se readaptar.

Ela conhecera os irmãos de Duda, Cadu que parecia muito interessado em acabar com o estoque de Feijõeszinhos de todos os sabores por mais que tivessem gostos bem estranhos. Yasmim comera um que podia jurar que era de purê com espinafre ao molho madeira. Já o outro irmão era reservado e parecia muito que gostava de ler. Ele era bonito e seu jeito educado deixava Yasmim com o rosto vermelho. Na correria de embarcar e com Duda e Cadu brigando, Yasmim quase se desequilibrou e seu destino seria o chão, mas Rodrigo a segurara pela cintura. Os dois ficaram vermelhos na hora, depois disso não trocaram olhares significativos ou mais nada.

Yasmim era a única que ainda não estava de uniforme, e Duda disse que iria ajudá-la. As duas saíram da cabine procurando o banheiro. Yasmim percebera algo estranho; Por mais que o Expresso C-Sudeste só recolhesse os alunos do Sudeste, Castelobruxo não deveria ter muitos alunos. Os vagões estavam praticamente vazios. Várias cabines vagas, ela viu alunos mais velhos, mas se tivesse cinqüenta alunos seria muito. Alguns pareciam tão maravilhados quanto ela. Ela logo descobriu que pouquíssimos alunos eram de famílias inteiramente bruxas, ela mesma só viu os Oliveiras.

Yasmim era calma e muito tímida, mas Duda era seu oposto. Ela admirava a nova amiga, seu jeito de fazer novos amigos era realmente diferente. Todo mundo que ela via a sua frente era um amigo em potencial, ela perguntou para vários presentes sobre suas opiniões e foi se apresentando. Yasmim cogitara que se houvesse um concurso de Popularidade, Duda com certeza ganharia.

 As duas caminhavam de volta a sua cabine, e Yasmim fora convencida até mesmo dançar funk na cabine dois com um grupo do segundo ano, mas logo voltaram para Cabine delas.  Assim que abriram a porta, Rodrigo e Cadu pareciam discutir, Cadu falava sobre as Tribos de Castelobruxo, mas Rodrigo se negava a responder perguntas.

“Eu não posso falar, ou influenciar vocês. A experiência da Seleção deve ser de vocês, algo único”.  – disse Rodrigo sem alterar a voz.

“Rodrigo... Posso fazer uma pergunta?” – interrompeu Yasmim.

“Claro, Yasmim... Se eu puder ajudar” – disse ele ficando ligeiramente surpreso.

“Percebi que o trem parece vazio... Quantos alunos tem em Castelobruxo?” – disse Yasmim.

“Realmente, muito perspicaz, Yasmim, porém devo dizer que esse é o Expresso com maior contingente brasileiro de bruxos. Seguindo pelo expresso sul, depois o Nordeste e por último Centro-Oeste e norte.” – explicou de forma bem analítica.

“Por que?” – indagou a menina loira.

“As capitais econômicas, culturais e de poder mágico não estão tão separadas do Mundo Colono. O Sudeste capitaliza muita renda de ouro e manda em muita coisa, as principais famílias bruxas estão aqui... mas há núcleos bruxos em todos os estados, uns menores e outros maiores”. – continuou Rodrigo.

“É muito importante esse negócio de ser nascido-colono, nascer bruxo...é problema?” – Yasmim parecia preocupada.

“Não se preocupe Yasmim, a miscigenação entre colonos e bruxos foi uma política muito forte no Brasil nos séculos XVIII e XIX, já que a comunidade brasileira mágica era pequeníssima, assim bruxos italianos, alemães, holandeses e africanos também se misturaram a comunidade mágica. Acho que em São Paulo, a comunidade Japonesa ainda está muito dividida, várias famílias tradicionais preferem mandar seus alunos para Mahoutokoro...  E no Sul, algumas famílias de origem norte-européia tentam vagas em Durmstrang. – disse ele sorrindo para tirar a preocupação do rosto dela.

“Não conheço esses lugares.” – ela corou, ele era muito inteligente e ela nem era do seu mundo.

“Bem, são escolas como Castelobruxo. Mas o que precisa ter em mente é que a maioria dos alunos são mestiços ou nascidos-colonos. Existe apenas vinte famílias inteiramente mágicas no Brasil, acredito que há mais, mas são consideradas menos tradicionais, o chamado Circulo Bragança”. – explicou ele lembrando das Aulas de História bruxa.

“O que é isso?”

“Bem, Como eu disse o processo de miscigenação foi bem forte. Então, famílias advindas da Europa e seu pensamento de diferença sanguínea mudaram seus nomes no acordo com a família real.

“Família Real?”

“Sim, o próprio Dom Pedro foi um bruxo nascido-trouxa, como dizem na Europa. Para fingir uma mistura, muitas famílias adotaram nomes considerados naturais para se disfarçarem e manterem sua ancestralidade sanguínea intactas. Famílias com nomes de planta principalmente, Oliveira, Pereira, Lima e etc...”

“Mas são nomes tão comuns...”

“Está ai o quão brilhante é isso. Por que você acha que esses nomes estão espalhados por todo o território brasileiro? Eles criaram praticamente Feudos, como a política era se misturar, os escravos e colonos ganhavam o nome da terra em que viviam. Algumas famílias foram além, queriam se mostrar melhores e superiores. A família Mattos, por exemplo admitia que seus Colonos recebessem seus nomes mas com uma diferença... por isso é fácil encontrar Mattos com dois T, e Matos com um T apenas. Questão de lógica. Mas o nome não era importante e sim a pureza do sangue... o bem maior”.

“Entendo...”

“Mas isso é passado, não tem como diferenciar bruxos e colonos por nome”.

“Obrigada, Rodrigo...” – disse ela desviando o olhar.

“Não por isso...” – disse ele finalmente percebendo-se vermelho.

Duda apenas observava, seus olhos iam de um para o outro. E apesar do papo chato e longo sobre aquilo. Ela só escutava um blá, blá, blá da boca dos dois...e uma linguagem corporal que na sua opinião era bem precoce.

“Mas o que você disse não é mentira... ouvi dizer que tem um projeto de lei querendo que os outros expressos parem de funcionar, fazendo que todos fossem obrigados a ir para apenas um ponto e ir todos juntos.” – calculou ele.

“Economizaria...” – disse Cadu entrando na conversa.

“Acho que sim, porém o Brasil é um país grande, e os Expressos atendem muito bem a população não só para Castelobruxo, os expressos vão para muitas cidades satélites. Famílias que não aparatam viajam sempre por esses trens”. – explicou o irmão mais velho.

“Acho que isso reduziria a chance dos alunos mais distantes irem para Castelobruxo...” – Duda entrou na conversa também, mas ela estava mais preocupada com o nó que achara em seu cabelo enquanto penteava-se.

“Eu também acho...” – disse Yasmim, pensando que todo ano teria que ir ao Rio de Janeiro, seu pai não conseguiria bancar sempre essa viagem.

“Ouvi dizer que um representante do MBM que quer concorrer a Ministro da Magia, quer também acabar com o Expresso Andino e cobrar pela educação de alunos hispânicos”.  – disse Rodrigo lembrando do que lera no jornal.

“Como assim?” – Yasmim estava confusa.

“Bem, ele diz que o Brasil é para brasileiros. E que os impostos não devem ser para beneficiar alunos e países da Sul-América” – explicou Cadu que também escutara no rádio. “Bem...Ele não está de todo errado...”

“Cadu, não diga isso. Isso levanta ânimos, segrega mais que unifica. A comunidade bruxa brasileira está se tornando altamente xenofobica. Ano passado, no Campeonato de Quadribol no Maranhão, meu amigo Hernandez tinha ido com a família para ver a final, Lobo Rubro contra Agoureiros Argenta. Ele foi acidentalmente atingido por um feitiço e está em coma. – exemplificou Rodrigo.

“Espera, mas você sempre disse que o Hernandez do quinto ano era chileno. Mas até onde eu sei, Lobo Rubro é carioca, meu time, melhor do mundo e o Agoureiros Argenta é da Argentina. O que ele tem a ver com isso?”. – Cadu conhecia Hernandez.

“Sim, mas o Lobo Rubro tem torcedores em todos os lugares do Brasil. Hernandez também torcia para o Lobo, e após a derrota ele falou em espanhol com os pais e os ânimos exaltados, a derrota e tudo mais os brasileiros presentes acharam que ele estava infiltrado na torcida, eles começaram uma discussão. O ódio gera preconceito, o preconceito gera irracionalidade, e a irracionalidade destrói as coisas. Hoje ser hispânico no Brasil não é muito convidativo. Para os Bruxos brasileiros, cor de pele e linhagem sanguínea não diz muito, somos todos misturados... Mas o sentimento ultra-nacionalista tem gerado todo esse caos.

“Um evento familiar e esportivo virou uma briga de torcidas, que virou uma briga” – lamentou Yasmim.

“Então, a briga agora é dos dois lados?” – pensou Cadu.

 “Sim, Hispânicos querem a implantação de uma política sem o Brasil, o único pais de origem lusitana. E os brasileiros querem diminuir o poder e a comunidade bruxa hispânica, tirando-lhe educação e tudo mais, até mesmo saúde, já que o único hospital bruxo sul-americano fica em Brasília. – disse Rodrigo.

Rodrigo tinha apenas doze anos, mas diferente dos irmãos ele adorava aprender coisas. Yasmim notou que sempre que ele falava ou explicava algo ele parava e por um milésimo de segundo, parecia ponderar e pensar em cada palavra. E enquanto pensava ele segurava o cristal roxinho em seu pescoço.

Não muito longe daquela cabine, três jovens alunos conversavam muito rápido em Inglês.

PARTE III – O EXPRESSO ANDINO.

Dois adultos, uma menina, um malão de viagem, e uma estação vazia. A estação de LaFontana em algum lugar da Colômbia, no escondido vilarejo de Eldoro. Apesar de vazia o lugar não estava exatamente silencioso. Oficiais do congresso Colombiano de Magia, guardavam o local. Gritos eram ouvidos do lado de fora.

A menina de 10 anos, se chamava Amanita Flores, sua pele era da cor da canela, origem hispânica e indígena. Os cabelos negros e extremamente liso, olhos felinos e tremia um pouco nervosa. Faltava alguns minutos e o Expresso Andino chegaria.

“Falta muito, papa?” – perguntou ela.

“Bem, aguente firme, mi cariño, e lembre-se de falar português evite o espanhol, mi angelito”.

“Tudo bem?”

“José, tem certeza? Acho que os outros estão certos. Podemos educar Amanita em casa. Ela não precisa ir...”

“Juanita, quero que minha filha tenha uma boa educação e Castelobruxo é o lugar dela”

“Escreva para nós, e se alguém for mal com você avise ao professor DelMarino, por favor”.

“Sim, Papai... Eu...”

O Expresso Andino chegara a estação e isso pareceu aumentar a fúria que vinha lá de fora. As portas se abriram, e o maquinista gritou que eles fariam uma parada de 10 minutos. Uma jovem vestida com os uniformes de Castelobruxo saiu de um dos vagões e sorriu para a menina. A jovem deveria ter seus 16 anos, era muito bonita era visivelmente uma mistura de belezas europeias e latinas. Ela se aproximou sorrindo e educadamente cumprimentou a família flores.

“Você deve ser Amanita Flores. Meu nome é Isabella Garibaldi, Sou a Chefe dos Representantes de Castelo bruxo, Sexto ano. Venho agradecer ao nome de minha mãe e de toda a escola, pela coragem que tem. Castelobruxo está te recebendo de braços abertos. E senhor e senhora Flores, nós cuidaremos bem dela”. – disse a jovem com um sorriso encantador no rosto.

Logo, um rapaz saia do três parecendo procurar alguém, até que viu Isabela e a família flores. O jovem sorriu e se aproximou meio atrapalhado.

“Pensei que fosse me esperar, Bella” – disse ele ajeitando os cabelos. – Ah, sou Ricardo D’Angelo, Sou chefe dos Representantes de Castelobruxo junto com a Bella. – disse ele orgulhoso de si mesmo. “Somos um casal, uma dupla, um time...quer dizer. Trabalhamos juntos”

“Ricardo, ajude Amanita a levar as coisas dela... por favor. E Amanita...acho que você vai querer se despedir deles. Estou te esperando lá dentro... Com licença Senhor e senhora Flores...” – disse ela saindo elegantemente e indo atrás de Ricardo. “Eu já te disse que não somos um casal... – e a voz foi se distanciando.

Ricardo ajudou e guiou o malão da jovem para dentro do trem enquanto escutava a Isabella dando gritos de reprovação. Amanita por um momento esqueceu que lá fora o mundo parecia desabar por causa dela. Ela era a única de toda Colômbia a aceitar ir para Castelobruxo.

“Mi hijita, não precisa ir se não quiser...” – disse a mãe.

“Eu quero mamãe, eu vou orgulhar vocês, eu juro. Vou me tornar uma grande bruxa...” – disse ela.

Amanita abraçou os pais segurando as lágrimas, se despediu e adentou o trem, a porta se fechou e a próxima parada era Auramina. A estação LaFontana foi invadida por manifestantes, e foi a ultima coisa que viu... a multidão esbravejando e seus pais conseguindo fugir aparatando.

Amanita respirou fundo. Alguém lhe tocou o ombro. Era Isabella que lhe sorria docemente. Ela olhou o vagão, estavam sozinhos. Apenas, Amanita, Ricardo e ela.

“É está meio vazio. Você pode andar por ai, e descansar ou comer um pouco em algumas horas iremos chegar lá.

“Quantos somos?” – perguntou ela.

“Dez, Dez com você”  - disse Isabella parecendo sem-jeito. – “Olha, o que eu falei para seus pais está valendo, eu vou cuidar de você. Todos vamos. Se quiser andar e conhecer os outros alunos, esteja a vontade.

 Amanita agradeceu as palavras de Isabella e começou a andar, era meio deprimente o Expresso Andino. Antes de se distanciar o suficiente ela escutou Ricardo e Isabella conversando.

“Coitadinha... Está assustada. E ela é a única Colombiana.” – disse ele se sentando frente a Bella.

“É... Mamãe está bem preocupada. Apenas 10 alunos novos no primeiro ano, perdemos 23 desde a matrícula no ano passado”.

“Você é brasileira Bella, você deveria ver como era alegre isso aqui. Os Argentinos cantavam e tocavam músicas desde Buenos Aires, os Chilenos sempre traziam comidas típicas, era uma grande festa...”

“E os Uruguaios como você?”

“Você sabe, somos os primeiros a chegar. Nós organizávamos a festa”.

“Estou no meu sexto ano de Castelobruxo, e somos apenas 6 seis ao todo...e praticamente um de cada ano, vi amigos indo embora, e vi amigos não podendo voltar.”

“Não fica assim, Ricardito...” – disse ela abraçando ele como uma amiga.

Amanita deixou os dois sozinhos e continuou andando pelo que parecia um trem fantasma. Viu alguns poucos alunos aqui e ali. A alegria que Ricardo descrevera parecia ter abandonado o Expresso Andino. Ela ficou sentada sozinha olhando a paisagem lá fora que era mais um rabisco dada a velocidade, as vezes adentrava uma floresta ou túnel e tudo ficava escuro.

"Por favor, prepárense, estamos llegando a Auramina, un buen año lectivo para todos"... “Por favor, preparem-se, estamos chegando em Auramina, um bom ano letivo para todos. Deixem suas coisas no trem elas serão devidamente levadas para o Castelobruxo”.

 Amanita se reuniu timidamente a alguns alunos que se aproximavam da saída. E finalmente quando o Trem parou numa estação feita de árvores e blocos de ouro maciços. Era lindo o local, Isabella voltou a aparecer e pediu que o alunos do primeiro ano se reunissem, os mais velhos caminharam para o Porto dos Botos.

“Os caiporas levarão vocês em segurança até a Escola. Estão seguros aqui, vocês vão ver os cidadãos da cidade recebendo vocês, é uma tradição o desfile inicial, acenem se quiserem e curtam o passeio rápido, ano que vem não tem isso. Só quando se formarem... Bem, qualquer coisa que precisarem procurem o chefes de Tribo e se eles não resolverem podem me procurar, boa seleção para vocês” – disse ela sorrindo e se afastando indo em direção ao Porto dos Botos junto com os alunos mais velhos.

Fora da estação foram recebidos pelos Caiporas que os cercaram e caminharam pelas ruas da bela cidadela. Amanita viu os cidadãos bruxos de Auramina e alguns outros seres acenando e desejando boa sorte. Muitos balançavam bandeirinhas com a bandeira da escola. Amanita respirou fundo e diferente dos outros alunos ela acenou e estampou seu melhor sorriso. Estaban Iglesias, da Bolívia viu seu gesto e o imitou. Os dois estavam compartilhando de um momentos. De um mesmo ponto de vista e de vidas diferentes eles queriam deixar o passado para trás.

PARTE IV – A CHEGADA.

 Vários grupos dos alunos que desfilavam estavam reunidos a frente dos pilares do portão da escola, os Alunos do expresso andino foram os últimos. Os alunos, do nordeste, do sul, do centro-oeste e do sudeste estavam conversando e já pensando em como seriam solucionados.

Vários deles tentavam arrancar informações dos mais velhos mas era tradição da escola não contar nada aos calouros.

Estaban Iglesias, um menino gordinho e baixo para sua idade era um dos poucos bolivianos do grupo de estrangeiros, estava visivelmente nervoso e o desfile dos calouros não ajudou muito. Muitas pessoas o olhavam e a vontade era de sumir. Ele não era tímido, ele estava tímido. Até que ele viu uma menina acenando, e pensou que queria ser como aquela menina. Corajoso. Ele fez o mesmo. Ele curtiu o desfile, adorou ver as Iaras cantando, os lobos de fogo deram medo, e a Harpia Hrasvelger parecia querer se alimentar dos recém chegados. Assim, que encontraram ao encontro com todos os alunos do primeiro ano. Uma mulher meia-idade, com um longo vestido, cabelos fartos, bem mulata e traços mestiços se dirigiu a eles.

"Finalmente, os Alunos de Andino se juntarão a nós. Eu sou Miranda Assis, Vice-Diretora de Castelo bruxo. Ao adentrarem os pilares de nossa amada escola. Vocês deverão honrar o principal voto daqui. Seja o que quer ser, Seja o que precisa ser, Seja o que tem que ser. E seja você mesmo.  Acompanhem-me... As regras serão explicadas... mas já de antemão eu vos aviso. Nenhum aluno é diferente para Castelobruxo, não importa de onde são, se os pais são colonos, se seus pais são influentes. Vocês são alunos aqui. São cabeças vazias cheias de estrume que faremos o favor de transformar em adubo para o futuro. Uma pirâmide não se sustenta com as pedras do topo, então não se esqueçam disso..." - disse a mulher de forma altiva e séria. 

 Esteban escutou uma menina a seu lado assobiar e fazer um comentário em Inglês. A menina percebeu que o jovem a olhava e ficou encabulada.

“Não é muito educado no meu pais ficar encarando”. – disse ela em português cheia de sotaque.

 Era uma menina magrinha com os cabelos loiros que mordiscou o lábio um cacoete que herdara da sua avó. Sempre fazia aquilo quando estava nervosa.

“Oi, meu nome é Iglesias, Esteban Iglesias”. – disse ele.

“Prazer, meu nome é Alison... Alison Kowalski, aluna de intercâmbio dos Estados Unidos”.

“Se continuarem conversando vão perder o discurso” – disse um terceiro jovem se aproximando. Mas desta vez cheio de atitude diferente do jovem Esteban. - “Sou Carlos Eduardo Oliveira, muito prazer...” – disse se apresentando sorridente e confiante. “Ah, vem, daqui da para escutar melhor” – disse ele puxando a jovem, que deu de ombros e se despediu de Esteban ando um tchauzinho para Esteban.

Esteban viu os dois se distanciando. E bem na hora, por que agora ele ia de encontro ao chão, dois alunos mais velhos o empurraram direto numa poça de lama. Ele conseguiu escutar “Oink, Oink, Lixo Hispânico” seguido de risos debochados.

Uma jovem bonita e mal encarada o ajudou a levantar. Era uma menina que ele reconhecera do Expresso Andino. Ela parecia muito brava.

“No dejes que esos idiotas te disminuyan, hermanito hispano. Vamos a balancear esas estructuras. Por la Revolución y la fuerza de los Andinos”. - disse a jovem séria. 

Aquela era Verônica Guerra, uma argentina que ele não poderia ignorar. Ele aceitou sua ajuda, mas apenas com medo de entrar no caminho dela. Verônica parecia aquelas guerrilheiras com sua trança estilo Lara croft, e ele não deixou escapar que a boina em sua cabeça carregava o brasão da Magia Argentina. Ela encabeçava um pequeno grupo de alunos hispânicos.

“Obrigado por esperarem pacientemente! A seleção começará... em breve”.  – falou a professora.

“Finalmente!” – essa era Duda, que falou bem alto aquilo quando todos caíram em silencio.  A professora a olhou com reprovação. “Epa...”

“Tinha que ser a monstrenga” – disse Cadu alto.

“Isso ae, Miss-Esquentadinha” – disse Victor Mattos.

Muitos a sua volta riram.

“Desculpa, fessora”. – disse ela baixando a cabeça e ficando, em suas palavras, extremamente meio vermelha.

“Vamos começar...Finalmente...como a Senhorita Oliveira deixou bem claro...Sigam-me...

A Vice-Diretora Miranda se virou séria e guiou os alunos para dentro dos portões que ficavam entre as duas pilastras enormes, e o arco acima das pilastras de entrada  de Castelobruxo poderia se ler em letra antiga.

“O Espírito Aventureiro é livre e Natural, assim como a Magia deve ser. Seja o que quiser, seja o que pode, seja o que precisa, mas não se esqueça da sua origem, de quem você é. Ao entrar aqui, deixarás toda a ignorância e o caos para trás”.


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Notas finais do capítulo

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