Clarinha ficou muito preocupada depois de saber o que aconteceu com Joaquim e Samuca, isso fez com que as visitas dela à casa dos Civil se tornassem ainda mais frequentes. Apesar disso,  os gêmeos realmente pareciam ter superado tudo. Joaquim só ficava entediado com o castigo, mesmo. Téo, por outro lado, andava meio estranho. Desde que os irmãos contaram que viram a dona Carmen, ele vinha tendo pesadelos com ela e até com Ian. Mas não tinha coragem de contar pra ninguém, pois achava que seria considerado um bebezão.

Mas um dia, ele acabou contando. Primeiro pra Eleanora, que percebeu que ele estava comendo mais do que o normal e sabia que isso acontecia quando ele estava nervoso (era o que costumava acontecer com ela também). Depois, contou pra Clarinha, Davi e os irmãos, em casa. Ao contrário do que havia pensado, todos foram muito compreensivos com ele. Nem mesmo Joaquim fez piada. Ele disse que entendia que às vezes as pessoas tinham medo mesmo que soubessem que não precisavam mais ter medo, como era o caso de Sandy, que, mesmo depois de tanto tempo, ainda tinha um pouco de medo que Flora fizesse alguma coisa com ela e com as irmãs. Sim, ele deixou escapar essa informação. Não era nada de mais, Sandy não tinha pedido que ele guardasse segredo, mas, por precaução, Joaquim pediu pra ninguém contar a ela que ele contou isso.

Acontece que, ao saber disso, Clarinha começou a ficar preocupada com as Chiquititas. Ela realmente acreditava que Flora tinha mudado, mas e se Sandy tivesse um motivo específico pra sentir medo? Clara já tinha visitado as meninas depois que voltaram a morar com a tia, mas decidiu fazer isso mais vezes. Até se sentiu um pouco mal, pois, por conta do noivado com Davi, estava passando muito mais tempo com os meninos do que com elas, apesar de se importar igualmente com as 6 crianças.

Aliás, não só com essas, mas também com seus alunos da Escola Mundial; estava sempre envolvida com a vida e as famílias de todas. Algumas pessoas, como a diretora da escola, se incomodavam com isso, achavam que era inconveniente da parte dela. Alguns pais de alunos, no começo, também, mas logo se apegavam à professorinha assim como seus filhos. Davi adorava que ela fosse assim. Depois que se reencontraram, ele ficou um tempo receoso de que ela se sentisse na obrigação de cuidar dos meninos junto com ele, mas finalmente tinha entendido que ela se sentia muito bem em ajudar todas as crianças que conhecia.

Por isso, não via mais problema quando ela se oferecia pra ficar com os meninos quando ele precisava sair pra fazer compras, por exemplo. Certo dia quando isso aconteceu, ele acabou encontrando Suzana no mercado. Ela começou a conversar com ele e tocou nesse assunto de Clarinha estar sempre envolvida com a vida dos outros. Enfatizou o quanto ela era próxima dos pais dos alunos da escola. E mencionou que alguns deles eram solteiros. Ih... Davi começou a perceber que ela não tinha ficado assim tão legal quanto parecia. Por sorte, ele ignorou esses comentários, afinal, ele entendia, conhecia bem e confiava na noiva que tinha.

— Vocês devem passar bem pouco tempo sozinhos, né? — Perguntou Suzana.

— Mais ou menos... Mas eu tenho 3 filhos, não teria como ser diferente.

— E você se sente bem com uma relação assim?

— Sim, eu me sinto muito bem.

— Ah, que bom! — Essa frase soou tão falsa quanto as coisas que ela dizia quando era adolescente. — Vocês são um casal muito bonitinho!

A última frase soou como se fosse continuar assim: "Parecem um casal de primário, mas tudo bem. Não sei como vocês aguentam!". Davi teria ficado muito incomodado com isso se ainda fosse adolescente, mas percebeu que não se importava. Uma vantagem em ter relacionamento depois de ser adulto e já ter filhos é que a opinião dos outros não faz diferença. Depois que voltou pra casa, até já tinha se esquecido dessa conversa esquisita com Susana. Só ficou feliz em passar um tempo com os filhos e a noiva.

***

Depois que acabou o castigo de Samuca, ele chamou Bel pra ir na casa dele. Foi um pouco estranho receber uma menina que não era da banda das Chiquititas lá, isso nunca acontecia. Mas ela gostou de ficar lá, foi bem recebida e também era uma pessoa muito agradável, então ninguém se incomodou com a presença dela. Justamente nesse dia, Clarinha estava na casa das Chiquititas, então não a conheceu, mas com certeza teria gostado dela.

Só teve um momento nessa visita que não foi muito legal. Bel queria ver os artefatos científicos de Samuca e a maioria deles estava na casinha da árvore. Ela achou muito legal e ficou doida pra subir lá, mas o menino não quis levá-la. Usou a desculpa de que Téo estava lá desenhando, o que era verdade, mas ele não se importaria nem um pouco com a presença deles. Acontece que, por alguma razão, Samuca achava muito errado levar Bel pra casinha da árvore. E essa razão era Janete. Foi pensando nela que ele teve a ideia da casinha, era por causa dela que a árvore ainda estava lá. Levar outra menina lá parecia um tipo de traição...

Sendo assim, ele foi sozinho lá em cima buscar o que achava que Bel pudesse se interessar e levou pra baixo pra mostrar pra ela. Apesar de ficar um pouco decepcionada por não poder subir na árvore, Bel gostou muito do que Samuca trouxe. Principalmente da câmara escura que ele tinha feito à mão. Coincidentemente, ela também já tinha feito uma, gostava muito de fotografia. Isso levou a uma longa e interessante conversa sobre física. Eles falaram sobre várias de suas teorias preferidas. Teve um momento que Samuca se lembrou de que sempre que falava sobre essas coisas com Janete, ela dizia que tudo parecia mágico. Outras pessoas de exatas poderiam achar esse comentário uma grande besteira, mas Samuca sabia que Janete realmente entendia e se interessava por ciência, só que via as coisas do jeito dela, o que deixava tudo muito interessante.

Não tinha jeito! Por mais que tentasse, Samuca não conseguia mais parar de pensar em Janete. Talvez fosse por conta da conversa que Davi teve com ele ou por ela não estar mais parecendo uma patricinha... Um tempo atrás, quando estava com Bel, pelo menos, ele conseguia esquecer um pouco dela, mas agora nem assim. Teve um dia, na escola, em que a professora pediu pra Janete ler o poema "O Sonho", de Olavo Bilac, na frente da sala. Mesmo que estivesse um pouco contida por conta de sua timidez, dava pra ver que ela lia (ou melhor, interpretava) com emoção. Samuca ficou com tanta cara de bobo, que Joaquim disse que era melhor pegar um babador pra ele não inundar a sala.

Estava complicado pra Samuca. Ele queria voltar a falar direito com Janete, mas simplesmente não conseguia. Achava que ela não gostava mais dele e que seria inconveniente. Queria muito saber direito como ela estava, se estaria com medo da tia como Sandy... Pelo menos, pelo que Clarinha falava e pelo que as três meninas demonstravam, estava tudo bem, o que era um alívio.

As meninas estavam bem felizes com as visitas da mulher, mas Sandy, desconfiada do jeito que é, começou a achar que era "bom de mais pra ser verdade" e acabou deduzindo, por conta própria, que Joaquim tinha contado alguma coisa sobre a insegurança que ela sentia. E foi conferir com Clarinha se era isso mesmo. Esta não queria que as crianças brigassem, então deixou claro que ele não falou de propósito e só estava preocupado com ela.

Sandy não sabia como se sentir. Ela realmente não queria brigar com Joaquim de novo. Mas ele era a única pessoa pra quem ela demonstrava todas as suas fraquezas e agora parecia que não podia mais confiar totalmente nele. Sandy não gostava de se sentir fraca e vulnerável e quanto mais pessoas soubessem sobre seus medos e inseguranças, mais ia parecer que ela era uma menininha indefesa.

Enfim, apesar de tudo, decidiu deixar essa história pra lá, afinal, Joaquim não fez nada de errado dessa vez. Sandy ia fingir que estava tudo bem. Talvez não fosse difícil, já que as coisas realmente estavam bem, só na cabeça dela que não...

***

Samuca podia negar o quanto fosse, mas Davi estava certo sobre ele tentar "controlar racionalmente os sentimentos que tinha pelas meninas". O garoto, porém, insistia para si mesmo que não gostava mais de Janete apesar de pensar nela o tempo todo e apesar do que Davi e Joaquim falavam. E resolveu provar isso. Convidou Bel para assistir à gravação de um clipe das bandas. Ele nunca faria isso ainda gostasse de Janete. Tudo bem, ele não deixou Bel subir na casinha da árvore, mas isso são detalhes... O que Samuca não esperava era que essa ideia dele traria um grande problema.

Davi, os meninos e algumas outras pessoas da gravadora estavam cientes de que uma convidada assistiria à gravação; as Chiquititas, no entanto, ficaram surpresas quando chegaram no estúdio onde tudo seria feito e viram que Bel estava lá. Janete tentou não demonstrar nenhum descontentamento, não queria que Bel não se sentisse bem-vinda. Mas, por dentro, estava muito mal. Uma coisa era vê-la com Samuca na escola, mas agora tudo parecia mais... real. Será que eles estavam namorando??? Janete estava fazendo um esforço muito grande pra não chorar ali.

Eleanora não viu nada demais em Samuca levar Bel pra lá, afinal, Janete nunca demonstrou seus sentimentos pra ele. Porém, por saber o que a irmã sentia, ficou com muita pena dela. Tentou mostrar animação com o clipe, que, a propósito, era da música "Sabe Assim", que é bem animada, então quem sabe isso não quebrava o gelo e animava a irmã?

Sandy, por outro lado, estava achando tudo um absurdo. Tudo bem que Samuca e Janete nunca tiveram nada, mas era muita cara de pau dele trazer outra menina pra ver a gravação de um clipe que ela ia participar. Começou a perguntar pra Janete se ela não ia dizer alguma coisa, se não ia reagir. Esta só disse que estava tudo bem e que não queria pensar nisso.

— Se eu tivesse no seu lugar... — Disse Sandy.

A verdade é que se estivesse no lugar de Janete, ela também ia tentar fingir que estava tudo bem. Mas hoje não ia dá. O fato da irmã estar triste pelo que Samuca fez acabou sendo a última gota. Sandy não gostava de Bel. Não importava se Joaquim dizia que não gostava dela, se ele já gostou alguma vez e já saiu com ela, isso era motivo suficiente pra Sandy não suportar essa menina, e o fato dela ser super legal e bonita só deixava tudo ainda pior.

E isso combinado ao rancor que ainda sentia pelo abandono de Flora e aos dias que passou tentando fingir não se incomodar por Joaquim ter contado aos outros sobre o medo secreto que ela sentia fizeram com que Sandy explodisse. Ela até tentou se concentrar na gravação do clipe por um tempo, mas ao ver o flash da câmera fotográfica de Bel, teve seu primeiro ataque de estrela.

— Queridinha, quem te autorizou a tirar fotos durante a gravação do clipe? Você é da equipe por acaso? Não tá vendo todo aquele pessoal? Eles são pagos pra isso e têm autorização pra divulgação!

— Desculpa, eu não sabia... — Bel respondeu, morrendo de medo.

— Não fala com ela desse jeito! — Disse Samuca.

— Por que você trouxe ela pra cá, hein? A gente tá trabalhando e ela tá atrapalhando!

Todos no estúdio estavam chocados com a atitude de Sandy. Os outros meninos e suas irmãs tentaram repreendê-la, mas ela continuou dizendo coisas arrogantes, só parou quando Davi disse que era melhor continuar a gravação outro dia e falou, de uma maneira bastante séria, que precisava conversar com ela. Então a menina se tocou de como tinha agido mal.

— Por que você fez isso? — Ele perguntou e ela não soube responder. Davi continuou: — Eu sei que você é uma menina muito responsável e focada no trabalho, mas não é você quem manda aqui. Eu não quero um comportamento como esse de novo, viu?

— Desculpa — Ela disse, bem baixinho e de cabeça baixa pra tentar esconder as lagriminhas que escapavam.

— Tudo bem. Eu já liguei pra sua tia, ela tá vindo buscar vocês.

Como nas outras vezes em que Sandy se comportou mal, Flora não sabia como agir. No caminho pra casa, ela e as meninas ficaram em silêncio. Quando chegaram, Sandy foi direto pro quarto. Queria finalmente chorar sem ter que ficar disfarçando.

Depois de um tempo, ouviu batidas na porta. Pensou que fosse uma de suas irmãs e deu permissão. Mas ficou decepcionada ao ver que era Flora. A tia chegou dizendo que estava preocupada com ela, queria saber por que ela havia se comportado daquele jeito na gravação do clipe e por que chorava tanto.

— Eu não te devo satisfação nenhuma, você não é minha mãe! — Foi a resposta da menina.

***

Clipe musical: "Bruxas Feias" por Sandy e Flora.

***

Flora não ia falar com Sandy. Só foi porque Janete e Eleanora a convenceram. As duas mais novas perceberam que ela não parecia querer conversar com Sandy sobre o que aconteceu e perguntaram o porquê. A tia não soube o que responder e, depois de tentar dar algumas desculpas, Eleanora perguntou se ela tinha medo de Sandy. E, realmente, ela tinha. Não admitiu isso pras meninas, mas percebeu que era verdade. Então resolveu colocar seu dever acima desse medo e foi falar com a menina.

A resposta malcriada de Sandy era justamente o tipo de coisa que Flora tinha medo de ouvir se falasse com ela. Porém, pela primeira vez depois que voltou a morar com as meninas, finalmente teve coragem de repreendê-la. Com uma voz firme, disse:

— Olha só, Sandy, eu entendo porque você me trata assim. Tá? Eu fiz uma coisa horrível, eu sei! Eu me culpo todos os dias por ter deixado vocês e tô tentando concertar o que eu fiz. Eu posso não ser sua mãe, mas eu sou responsável por você,  então, sim, você tem que me dar satisfação! Até agora eu aguentei calada toda sua grosseria, não disse nada quando você ficou de castigo na escola nem quando começou a namorar sem me contar antes... tudo porque eu achava que essas coisas eram inofensivas pra comparar o com o que eu fiz com vocês, e talvez sejam mesmo, mas eu percebi que, se eu quero cuidar de vocês de verdade, cumprir com o meu papel como responsável, eu não posso passar a mão na sua cabeça pra tudo que você faz!

Sandy não soube o que dizer. Achou que no momento em que Flora brigasse com ela ou com alguma de suas irmãs, a tia estaria errada, então a menina ia poder dizer que sabia que ela não tinha mudado. Mas não foi assim. Antes de apontar o erro de Sandy ela mostrou o quanto se arrependia. A menina, então, voltou a chorar.

— Eu não sei o que deu em mim! Eu fiquei descontrolada lá e descontei tudo na menina que não tinha culpa de nada! Passei a maior vergonha! Eu sou uma pessoa horrível! — Sandy colocou as mãos sobre os olhos e não percebeu quando a tia se aproximou dela.

— Você não é horrível. As pessoas erram. O importante é se arrepender e lidar com as consequências.

A menina tentou (sem muito êxito) enxugar as lágrimas. Então olhou pra tia e perguntou:

— Que nem você?

Flora confirmou com a cabeça. A essa altura, estava se segurando pra não chorar com a menina.

— Desculpa, tia! Eu não consegui acreditar que você tinha mudado de verdade! — Ela disse, abraçando a tia, que desistiu de tentar conter as lágrimas.

— Tá tudo bem aqui? — Perguntou Eleanora, que apareceu na porta com Janete.

Percebendo que estava mesmo tudo bem, as Chiquititas mais novas se juntaram ao abraço.

Sandy estava mais tranquila. Mas sabia que logo, logo teria que lidar com as consequências do que fez. Só esperava que estivesse preparada pra isso...