Acho que a Sakura e o Pirralho ficaram mais abalados com o fato do Yuki não ter voltado do que eu. Digo, não é como se não sentisse que uma parte minha me foi arrancada, mas como eu sabia que isso aconteceria, não foi um golpe tão brutal assim... Já para Sakura e Shaoran...

Yue também não está ajudando, sempre com essa expressão culpada quando me olha.

Algum tempo depois do choque inicial, enquanto jantávamos, sugeri de voltar a morar com meu pai, para Yue ficar à vontade na casa, já que ela era originalmente do Yuki, de qualquer forma, mas Yue pareceu ficar ofendido e irritado e disse que era bom que eu não voltasse a sugerir tal coisa.

E assim, estávamos vivendo juntos. Como eu morava com Yuki. Mas diferente de antes, arrumei o quarto ao lado do que dividia com Yuki e passei a usá-lo. Yue não pareceu muito contente, mas não reclamou, então me mudei de quarto.

Ele passou a ir para faculdade, como Yuki ia, e a trabalhar nos dois empregos do Yuki. Ele comentou que tinha as lembranças, então sabia bem o que tinha que fazer, mas ainda assim parecia em dúvida em relação a atitudes e comportamento.

“Estou sorrindo direito?”, “Yukito falava assim?”, “O que devo fazer se perguntarem o que quero comer?”, “Acho que as pessoas estão notando que não sou o Yukito.”

Eu até tentava ajuda-lo com essas coisas, o ajudando a não falar tão formal, o ensinando a comer (ou algo do tipo), mas o complexo de não ser “Yukito” o suficiente eu só ignorava e ele parece notar que eu não daria auxilio em relação a isso, já que parou de me perguntar o que devia fazer para parecer mais “Yukito”.

Jantávamos juntos todos os dias, por insistência dele, ainda que não goste muito de comer, disse certa vez: “quando fico na forma Yukito, sinto fome, mesmo que não me apeteça comer.”, e normalmente era a hora em que ele me contava sobre seu dia e me perguntava se tinha feito algo errado, algo que eu normalmente ria e dava de ombros.

Um dia, enquanto eu lavava a louça e ele secava (devia, pelo menos, já que estava parado me olhando em conflito).

— Diga logo, ta me deixando agoniado. — Comentei, com troça, o olhando de rabo de olho.

Ele pareceu surpreso e então constrangido e desviou o olhar, começando a seca a louça, então tomou folego:

— Touya-sama, prefere que eu fique como Yue-

— Você é o Yue na forma que for, então fique como achar melhor... E não use o “sama”, por favor. — Murmurei, antes que acabasse a frase, dando de ombros e lhe sorrindo.

Yue ficou parado, no meio do movimento, antes de voltar a secar o prato que tinha nas mãos e assentir, fazendo uma expressão de quem sente culpa.

— Quando ao honoríficos, pretendo manter.

Fiz uma careta e me apoiei na pia, de lado, atraindo seu olhar.

— Não fode, Yue, não sou seu mestre pra precisar usar o “sama”, nem alguém superior para usar “san”... Só me chame de Touya e está tudo certo, sim?

Yue balançou a cabeça, voltando a sua expressão séria de sempre.

— Sinto muito, Touya-sama, mas isso não está em debate.

— Porra. — Resmunguei, puxando o pano de sua mão e secando minha mão nele e o devolvendo, antes de ir para sala.

Para além das milhares de vezes que lhe pedia que não usasse honoríficos comigo, nossa convivência era bem pacifica.

Yue tentava fazer as mesmas coisas que Yuki e pareceu realmente se interessar pela série que eu e Yuki estávamos assistindo, quando ia escolher filmes, sempre escolhia os que Yuki escolheria e quando o pegava distraído lendo algo, eram sempre os mesmos tipos de coisas que Yuki leria. E depois de um tempo ele se acostumou a falar como Yuki.

Era algo entre irritante e consolador isso. Se eu não me atentasse aos detalhes, como sua expressão, ou não pensasse a respeito e só olhasse a cena, era como ver Yuki ali. Era como ouvir Yuki falando, quando conversávamos sobre filmes, já que Yue pegara gosto por alguns e parecia animado quando conversávamos, não sei até onde era fingimento ou interpretação, mas gosto de pensar que é sincero. E a parte irritante é justamente essa. Eu não sei aonde acaba o fingimento e é Yue. E olhá-lo agindo assim e lembrar que não é o Yuki realmente, ainda que seja de certo modo, é como levar apunhaladas.

Mas sei que vou me acostumar. É o que me resta, afinal.

Não separar Yue e Yuki. Me acostumar com Yue e seu jeito mais frio.

Está tudo bem. Eu consigo.