Light — King Kill 33° escrita por Charbitch


Capítulo 7
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

Os acessos despencaram, infelizmente. Sendo assim, vou postar a história toda de uma vez só. Já estou com outros projetos. Esse é o último capítulo da fic. Agradeço os reviews que recebi, fiz o melhor que pude. Não é a melhor fic que esse site já viu, mas enfim, minhas fics sempre caem no limbo de alguma forma.



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ℒight
King Kill 33°~*~

Eu, filho do carbono e do amoníaco
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!❞.

—Augusto dos Anjos

~*~

EPÍLOGO

•••••••••••••••••••••••••••••••••••••

₮óquio – Japão, 05/11/2047

rezada humanidade,

ⅉÁ SE PASSARAM QUARENTA ANOS desde a morte de ℒ ℒawliet; vinte desde a morte de Light Yagami. Pode parecer que não, mas as coisas mudaram muito desde tais marcos: assim que Kira foi dado como morto, houve comemoração por parte dos rebeldes – e luto por parte dos servos.

Todavia, nenhuma comemoração ou pesar durou muito: tem sido difícil reerguer quaisquer nações, uma vez que as linhas imaginárias que dividiam os territórios não existem mais. Agora é anarquia total: nenhum país pertence oficialmente a ninguém. Eu, numa inútil tentativa de parecer otimista, pensei que essa nova chance faria as pessoas refletirem sobre como dividir os integrantes da espécie humana em nações é uma atitude completamente burra, pois todos os humanos formam, juntos, um organismo maior, funcionando em conjunto. Pensei que as pessoas não mais brigariam por territórios nacionais e decidiriam todas se dar as mãos, fundando um país único, harmônico e eficiente. Eu realmente pensei que as crianças palestinas abraçariam as judias, ou que as americanas abraçariam as iraquianas... Os adultos, seguindo o exemplo, teriam a chance única de recomeçar o mundo, de passar a borracha na distopia trágica deixada pelo caderno de Kira. Assim, usá-lo-iam para escrever poesias sobre paz, amor, respeito e humanidade.

Seria excepcional que escrevessem com flores, ainda que as pautas fossem de sangue.

Nada disso aconteceu.

Os humanos nunca aprendem; é da natureza deles rasgar os livros de História e cometer os mesmos erros que levaram pessoas como o Kira ao topo. Mesmo após terem desabado no mais profundo abismo do sofrimento, esses seres desprezíveis ainda sangrarão milênios até aprenderem a escalar, com sabedoria, a cordilheira da paz mundial.

A valiosa lição que poderia ter sido aprendida com as graves consequências do egocentrismo de Kira foi engavetada. A história, hoje, se repete. Voltamos ao período das grandes navegações: humanos rapidamente começaram a se dividir, a formar grupos, a criar novas rivalidades, a competir entre si. Homo sapiens é uma espécie racional, mas mais animalesca impossível. Seus genes são selvagens e imploram por dominância. Querem recolonizar o mundo, conquistar e pilhar o que julgam ser deles por direito. Ledo engano. Nada pertence a eles. Quando estiverem diante da morte, verão que seus anéis de brilhantes não podem comprar o sossego. Terão que falecer para finalmente descansarem.

...

Que as vítimas do sistema descansem em paz.

~*~

ℋÁ GUERRA, muita guerra.

Um grupo de cientistas deu um jeito de corromper o sistema de segurança do galpão de armas, aquele mesmo que exigia as dez digitais do Light. Como haviam sido os próprios cientistas os responsáveis por desenvolver o sistema de segurança, foi-lhes muito fácil burlá-lo. Eles pegaram as armas e começaram a usá-las para tomar territórios para si. Porém, a própria comunidade científica começou a se divergir entre si, pois os propósitos de cada cientista com as armas não eram idênticos. Aquilo foi o estopim de uma guerra nuclear entre os homens mais inteligentes – e menos sábios – da Terra.

Confesso sentir um pouco de vergonha alheia ao ver homens e mulheres desperdiçando seus intelectos brilhantes com disputas tão inúteis. Seus cérebros são de adulto excepcional; seus egos, de criança mimada.

Qualquer semelhança com o Light é mera coincidência.

Enfim, após o lançamento das primeiras bombas nucleares, o caos se instaurou na Terra – numa proporção nunca antes vista. Dois terços da população mundial foram dizimados; algo muito pior do que a peste negra, que dizimou um terço da população europeia no passado.

O suicídio de Kira significou o homicídio de milhões.

Eu sinceramente não sei dizer se foi melhor o reinado de Kira ter terminado ou não. Há prós e contras. Com ele, estava terrível para os humanos. Era todo tipo de humilhação desnecessária. Estavam acorrentados. O Estado máximo não funcionou. Porém, sem Kira, ficou pior ainda. Os grilhões foram rompidos, entretanto a população não soube lidar com tanta liberdade ilimitada despejada de uma vez só. Milhões de civis morreram. A ausência de Estado também não funcionou. Isso porque extremos nunca foram uma boa ideia; nem na política, nem em situação nenhuma.

Julgo-me um pouco culpado por toda essa chacina em escala mundial. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse derrubado o Death Note no mundo dos humanos. O planeta teria seguido o seu curso natural, ainda que aos trancos e barrancos. O crime continuaria derramando seu sangue e seu esperma, os políticos continuariam mentindo para seu povo, os cidadãos continuariam passando por maus bocados para criar seus filhos. Mas os professores continuariam dando aulas para as crianças e adolescentes, os médicos continuariam salvando milhões de vidas, as ONGs continuariam tentando proteger o meio ambiente. No fim das contas, os humanos estariam progredindo, por mais lentos que os seus passos parecessem.

Hoje em dia, reconheço que o velho mundo não era tão podre quanto Kira pensava. Light fechava os olhos para as coisas boas e só enxergava as ruins, por isso nunca estava satisfeito com nada. Era um eterno desassossegado. Mas e o novo mundo que ele havia proposto? Ficou ainda mais podre do que o antigo! As crianças não vão mais à escola; poucas sabem ler. Os médicos não conseguem curar nem um décimo de seus enfermos; estão perdendo a esperança. O meio ambiente se tornou um latão de lixo a céu aberto; a radioatividade cada vez mais presente extinguiu milhões de espécies e tornou pelo menos três continentes inabitáveis.

Já o crime... Ah, o crime retornou com força total.

Foi no momento que eu chequei as estatísticas mais recentes sobre a taxa de criminalidade que eu descobri uma coisa terrível sobre os humanos: quando Light era vivo, eles não pararam de cometer crimes porque se conscientizaram de que aquilo era errado. Eles só pararam por medo de morrer. Kira não educou ninguém, não mudou a mente de ninguém. Ele apenas apavorou todo o mundo; interditou todas as saídas até que ninguém mais tivesse escolha senão andar na linha. Infelizmente, aquele tipo de “educação” não possui efeito a longo prazo. Kira agiu basicamente como uma mãe que vive pondo o filho de castigo, mas não explica claramente seus motivos para pô-lo de castigo. Resultado: a criança não aprende nada, apenas assente, como um robozinho. Ela passa a entender que roubar os lápis dos colegas significa ficar sem videogame, mas não entende o que significa roubo, não é instigada a se colocar no lugar de alguém que sofreu roubo. Logo, essa criança não refletirá sobre a situação; apenas traçará estratégias para continuar roubando sem que a mãe descubra.

O processo descrito acima foi justamente o que aconteceu com os humanos nos últimos tempos: eles antigamente entendiam que cometer crimes significava morrer. Mas depois que Kira se foi, passaram a entender que cometer crimes não significava mais morrer. Dessa forma, as coisas voltaram à estaca zero, pois a mudança proposta por Light se deu de fora pra dentro, não de dentro pra fora. Mudanças assim, tais como as promessas de Ano Novo, não possuem raízes. É como construir castelos no ar e esperar que eles se sustentem por magia. Inviável. Mudar por medo é fácil, mas a mudança é temporária. Mudar por amor é difícil, mas a mudança é imortal.

E por falar em amor, hoje visitei a Catedral de São Basílio – ou o que quer que tenha restado dela. O esqueleto de Light ainda estava lá, seco, oco e um pouco empoeirado. Sentei-me sem pudores no crânio dele e filosofei um pouco. Não havia ninguém lá além de mim. Respirei fundo. A radiação intensa não era tóxica para mim. Pensei em como eu havia mudado durante todos aqueles anos. Antes eu era tão apático e entediado... Apenas o sofrimento alheio me dava prazer. Mas depois de ter presenciado toda aquela desgraça, eu teria mais prazer se visse uma... Uma...

— Uma flor? – exclamei.

Minha nossa, uma flor! Eu a vi rachar o chão da catedral e resplandecer bem na minha frente! Mas... Mas como? Não havia condições de existir vida num ambiente contaminado como aquele.

— Será alguma espécie de milagre? – indaguei.

Até que eu ouvi a voz de alguém:

— Preso à minha classe e a algumas roupas, vou de branco pela rua cinzenta... Melancolias, mercadorias, espreitam-me! Devo seguir até o enjoo? Posso, sem armas, revoltar-me?

— Quem está aí? – perguntei.

A voz se empolgou:

— Olhos sujos no relógio da torre: não, o tempo não chegou de completa justiça! O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera. O tempo pobre, o poeta pobre... fundem-se no mesmo impasse!

— Cadê você? – insisti.

— Em vão tento me explicar, os muros são surdos. Sob a pele das palavras há cifras e códigos. O sol consola os doentes e não os renova. As coisas! Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase!

— Não estou entendendo...

A voz se enraiveceu:

— Vomitar este tédio sobre a cidade! Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado! Nenhuma carta escrita nem recebida. Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres, mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

— Está falando sobre o mundo de Kira? – interpelei, ainda sem entender de onde vinha a voz.

— Crimes da terra, como perdoá-los? Tomei parte em muitos, outros escondi. Alguns achei belos, foram publicados. Crimes suaves, que ajudam a viver... Ração diária de erro, distribuída em casa. Os ferozes padeiros do mal! Os ferozes leiteiros do mal!

— Não compreendo... Eu ouço, mas não vejo ninguém...

A voz gritou, em cólera e desespero:

— Pôr fogo em tudo, inclusive em mim! Ao menino de 1918 chamavam anarquista! Porém, meu ódio é o melhor de mim! Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima.

Olhei para a flor e me perguntei:

— Será que todo esse discurso poético tem alguma coisa a ver com a...

— Uma flor nasceu na rua! – alertou a voz – Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego! Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto! Façam completo silêncio, paralisem os negócios! Garanto que uma flor nasceu.

— Sim, estou vendo que nasceu, mas...

— Sua cor não se percebe! Suas pétalas não se abrem! Seu nome não está nos livros! É feia! Mas é realmente uma flor!

— É... – sorri – Não tem como ser outra coisa...

A voz de repente se encheu de energia, a fim de concluir, triunfante, a última estrofe de sua poesia:

— Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia! Mas é uma flor... Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio!

Levantei-me do crânio de Light e aplaudi de pé o talento daquela voz:

— Belo poema...

— Nem sei se devo agradecer, pois não é meu. Pertence a Carlos Drummond de Andrade. Não sou e jamais serei poeta. Mas admiro quem consegue ser, ainda que num mundo decadente como o nosso.

— Posso ver seu rosto? – interpelei.

Virei-me de costas para o crânio de Light, fitando o teto. Ainda estava tentando encontrar o dono daquela misteriosa voz.

— Não – disse a voz – Para o teto não. Olhe para o crânio.

Olhei.

Ué...

Havia uma pena em cima do crânio.

Uma pena de arco-íris?

— Que pena bonita! – peguei-a com delicadeza e a olhei fixamente – Ela não estava aqui antes... Foi você que a jogou em cima do crânio enquanto eu não estava olhando? Que voz esperta! Mas a que pássaro pertence essa pena?

— Cuidado! A pena pode refletir a sua alma!

— Eu não tenho alma.

— Ah, é mesmo, esqueci.

— A que pássaro pertence essa pena? – repeti a pergunta.

— Pássaro? Errou. Essa pena é... minha – sussurrou a voz.

Antes que eu pudesse perguntar qualquer outra coisa, uma imagem se materializou em meio aos destroços da catedral.

Um anjo!

— Meu nome é ℒ ℒawliet. – ele voou baixo e pousou sobre o crânio de Light, acariciando-o enquanto falava brevemente com ele: – Corte meus pulsos e me envie ao paraíso. Eu sou... a primeira flor após a inundação.

Observei a situação e tive uma epifania; entendi tudo numa fração de segundo. ℒ e Light mantinham, um pelo outro, um amor proibido, um amor além da vida.

Tentei me segurar, mas explodi em gargalhada:

— Os humanos são tão interessantes...

~*~

ℰU SOU UM SHINIGAMI. Isso significa que, ao menos em tese, sou imortal. Essa vantagem me ofereceu de mão beijada uma oportunidade única: sobrevivi ao Apocalipse, a fim de retornar ao meu mundo e orgulhosamente compartilhar com meus semelhantes a maior reviravolta da História da humanidade – e a mais trágica história de amor já escrita.

Tenho pena de vocês,

ℜyuk.

 


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Notas finais do capítulo

Adeus.



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