O Protetor escrita por Pedro Haas


Capítulo 7
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Voltei



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Era o décimo dia de Duda no Lar Arsalein, e ela já estava de saco cheio. Ela não entendia, claro. O lar era um lugar ótimo, crianças usando os poderes, aprendendo a controla-los, professores simpatizantes vinham e ensinavam a eles coisas básicas de escola. Havia comida todos os dias, era uma vida boa de verdade.

Mas, por que ela estava tão incomodada? Parecia ser de uma ingratidão infinita pensar assim, é isso também a deixava irritada.

— Hey, Duda – uma garota ruiva, com sardas no rosto e cabelo encaracolado e grande, que Duda não se incomodou em decorar o nome, estava chamando seu nome com um pouco de animação – Tá acordada? Tá na hora do café da manhã!

A garota olhava da cama dela para Duda com os olhos brilhando. Duda estava na cama de baixo da beliche, com o braço no rosto e com cara de sono. Por hábito, sentiu o volume de sua pistola se destacando embaixo do travesseiro. Ela não havia contado à garota que tinha uma arma, pra evitar que ela se assustasse. Duda ainda se esforçava para fazer amizades... Do jeito dela.

— Eu já vou, é...

— Luana – a menina respondeu contente.

— Luana... Isso, desculpa, tô com sono – ela deu essa desculpa, mas a verdade é que já era a vigésima vez que esquecia o nome da garota.

Luana saiu da beliche, que ficava num dos quartos do dormitório feminino e seguiu para o refeitório. Era bem aconchegante é pequeno, do jeito que a Duda gostava. No entanto, O quarto era decorado com adesivos das princesas Disney, o que a irritava bastante, mas as camas eram confortáveis e a luz do sol não invadia seus olhos. Duda era uma criatura noturna, então gostava de baixa luminosidade.

Duda se sentou na cama, não querendo se levantar. Todos esses pensamentos pareciam exigências ingratas, não importava como ela pensasse nisso. Pela primeira vez na vida, ela começou a se importar com os outros.

— Aquele Carlos, filho da mãe... – murmurou ela, enquanto se levantava e caminhava ao banheiro do dormitório.

Ela atribuía a culpa disso totalmente a ele. Em alguma parte dentro dela Duda sabia que esses pensamentos eram pura imaturidade, mas não conseguia mais bancar a valente como antigamente. Ela odiava admitir, mas sentia saudades de Carlos.

Também o culpava pela falta de vontade de usar seus poderes. Semana passada, influenciar qualquer pessoa era rotina, quase involuntário, como piscar os olhos. Porém, agora, ela não tinha vontade de influenciar ninguém. Ela não tinha mais esses desejos, perdeu o porquê de lutar. Suas necessidades haviam sido supridas, estava livre — Dentro do Lar — e, mais importante, segura.

— Segura... – ela sussurrou, pensando alto enquanto lavava o rosto – É... Eu estou bem – sorriu para o espelho, enquanto amarrava o cabelo curto em duas pequenas tranças simétricas.

No final, ela se sentia muito mais bonita agora do que nunca.

As crianças e pré adolescentes do Lar já faziam bastante barulho, mesmo sendo nove da manhã. Eram crianças energéticas, brincalhonas e especiais. Cada uma com uma habilidade diferente, cada uma com pais que confiavam suas crianças únicas nas mãos do único homem que lhes parecia confiável. Henrique.

A rotina era leve e simples, de manhã eles tomavam café da manhã, às dez horas começavam as aulas, e as crianças se separavam em salas diferentes de acordo com seus níveis de escolaridade. Alguns professores eram Não-Humanos — ou Nomans, como eles falavam internamente —, outros eram pais de algumas das crianças, alguém que simpatizava pela causa. Depois de cinco horas de aulas diversas, com um intervalo no meio para o almoço, as crianças tinham uma aula de Educação física especial. Consistia em pequenas atividades, esportes, onde poderes eram liberados, e essa era a hora da maior gritaria que Duda já havia presenciado desde seus tempos na escola fundamental.

As competições em si eram uma espécie de gincana super poderosas. Claro que as crianças não poderiam usar seus poderes para machucar — Ao menos, não machucar seriamente —, mas poderiam usar para qualquer outro fim. As crianças corriam na mini pista de corrida de várias formas, com os pés presos num saco, 100 metros livres ou com os pés amarrados com o de algum amigo. Na quadra, jogavam Handebol ou vôlei, tudo misto, sem discriminação alguma. Tudo isso dentre outras brincadeiras para as dezenas de crianças que haviam ali não se entediarem.

Ao cair da noite, as brincadeiras e treinos paravam, e as crianças jantavam e assistiam a algum filme ou desenho, nas salas de lazer por toda a instituição. Era uma rotina saudável, longe de toda sociedade que poderia agredir essas crianças de maneiras indescritíveis. A cada dia que se passava, Duda respeitava mais e mais Henrique. Ali era realmente o paraíso Noman.

Henrique fora embora no dia em que deixou Duda no Lar, ele não havia mentido, ele realmente era o dono daquilo tudo, e aquele Lar não era o único que havia pelo Brasil inteiro; ou seja, ele era um homem bem ocupado. Quando chegou ali junto de Duda, todas as crianças correram para cumprimenta-lo, todas elas agradeciam a ele por estarem ali, e deveriam. Depois que todas elas estavam dormindo, ele foi embora por um dos portais que Lucas construiu. Como um pai, esperando ver todas as suas crianças dormirem em segurança para ir trabalhar em paz. Isso fez Duda o admirar um pouco mais.

Agora era a noite do décimo dia, as crianças iam dormir pouco a pouco, suas conversas iam ficando cada vez mais baixas. Contudo, Maria Eduarda estava deitada numa rede na varanda do casarão, olhando para a cintura, onde sua arma costumava descansar, pronta para ser usada. Depois de suas respostas curtas e grossas, apenas as crianças mais inocentes ainda vinham trocar algumas palavras com ela. Ela fechou os olhos, não sabia o porquê de estar assim, ela não era naturalmente grossa, pelo menos achava que não; porém não conseguia dar nenhuma resposta não-ácida para ninguém. Os adultos e coordenadores do lugar também evitavam o contato com ela, a ajudaram a se enturmar no primeiro dia, a entender das regras e deveres do Lar, e ela entendeu. Depois disso, voltaram aos seus afazeres gerais, enquanto ela continuasse em sua condição de fantasma, ninguém tentaria lhe dar mais atenção que o devido. E ela não estava interessada em nenhum deles, exceto Lucas. Lucas tinha algo que nenhum deles ali — ao menos nenhum dos que ela havia espionado — tinha, experiência com o Hospital.

Ela havia visto na última luta contra Wesley, o Agente, o quanto Lucas lidou bem com os movimentos do inimigo. Duda era uma lutadora, já havia feito aulas de diversas lutas antes e depois de sua fuga. Sabia técnicas e as aperfeiçoava nas diversas brigas que já se meteu, mas até ela tivera dificuldades em se desviar das investidas dos FAN, e dos poderes perigosos dos Agentes. Lucas não, Lucas havia lutado de igual para igual com Wesley, que ela achava ser invencível; e também havia feito isso lutando sob a influência do Vazio.

No seu quinto dia no Lar, antes de Lucas entrar por um de seus portais esquisitos, Duda espionou sua mente. E, mais uma vez, seus instintos não falharam com ela. Na mente do homem havia muitas, grandes e complexas, sobre o funcionamento e dia a dia no Hospital. Duda não conseguiu espionar por tempo suficiente para discernir e processar as informações, mas não restava-lhe dúvidas, Lucas é, ou já foi, membro do Hospital. E provavelmente alguém importante lá dentro, porque ele sabia muito.

Duda cansou de olhar para a Lua, embora fosse relaxante, ela tinha outra preocupação em mente: Invadir o quarto de Lucas e espiona-lo durante o sono. Naquela hora da noite, não era realmente muito difícil passar sem ser percebida, e, se alguém a visse, ela poderia influenciar a pessoa a fingir que não viu nada. No entanto, preferia evitar fazer isso.

Finalmente aquele esquisito vai dormir aqui hoje, é perfeito. Ela ficou pensando nisso o dia inteiro, até jogou com mais empenho no jogo de Vôlei com as crianças. Ela estava ansiosa, mas nem mesmo sabia o porquê. Por que queria tanto saber sobre o que acontecia no Hospital? Ela não conseguia chegar por si mesma na resposta, então resolveu não pensar mais nisso.

Ela caminhava pelos corredores do dormitório ouvindo alguns sussurros e barulhos de mensagens ou chamadas de telefone, graças ao Luiz, as crianças tinham telefones com uma rede segura, e ajudar na manutenção das comunicações do Lar o fazia ser mais do que só uma criança qualquer. As crianças conversavam com seus amigos e parentes todas as noites, o que apagava qualquer chance de revolta lá dentro.

Duda passou pelo dormitório feminino e masculino, caminhando até a outra repartição do casarão que ficava os dormitórios dos coordenadores. Lucas dormia no primeiro quarto à esquerda, o que diminuía as chances dela ser pega. Ela se esgueirou pelo quarto dele lentamente, usando de todos os seus macetes para fazer menos barulho, alguém como Lucas não deveria ser subestimado, ela sabia disso. O quarto do rapaz era muito básico, com uma cama bem grande e uma televisão pequena, ele não ostentava nada. Talvez porque estava sempre viajando entre os lares e outros lugares pelos seus portais.

Duda fechou a porta devagar e sentou-se ao lado da cama dele, Lucas dormia como se tivesse sido amassado contra o colchão. Duda cruzou as pernas e fechou os olhos, tentando entrar em sintonia com o homem. Seus poderes de "espionagem mental" eram relativamente fracos, então ela queria dar tudo de si para decifrar as informações que veria.

***

Sua consciência viajou naquele momento. A mente de Lucas trabalhava numa velocidade incrível, Duda viu pensamentos passando por ela, a rodeando, se transformando em imagens e então, desaparecendo. Ela caiu num lugar totalmente branco, o subconsciente, de lá, ela poderia acessar qualquer memória escondida sobre o Hospital na cabeça dele.

Contudo, algo a impediu.

Lucas estava lá, sentado, olhando para cima. Porém, não estava sozinho. Na branquidão do subconsciente dele, não existia apenas ele, outra pessoa, um rapaz, alguns anos mais novo do que Lucas, estava lá sentado olhando para cima. Roupas totalmente pretas destacando sua pele muito branca, ele parecia uma cópia mais nova e mimada do verdadeiro homem. Ao seu lado, outro rapaz, mais moreno que o original, mas era o que mais se aparentava com o verdadeiro. Suas roupas eram totalmente brancas, destacando sua pele parda.

— Mas que porra é essa... – Duda exclamou, em todas as mentes que espionou, nunca havia visto alguém com duas entidades de subconsciente. Será que ele tem dupla personalidade? Meu Deus, já vi de tudo agora.

Os dois, que estavam lado a lado, se viraram automaticamente para ela, logo após ela falar. O de branco apenas sorriu gentilmente, enquanto o de preto a fuzilou com o olhar. Duda se sentiu um pouco incomodada, mas essas entidades não poderiam fazer nada contra sua influência.

— Contem para mim – ela estendeu a mão à frente do corpo, com as palmas abertas, direcionando sua influência – Tudo sobre o Hospital.

Os dois se entreolharam e relaxaram, e caminharam lentamente até ela. Logo, eles tocariam seu ombro e imagens e informações viajariam diretamente à sua cabeça. Espionar dessa forma era o jeito mais seguro, a pessoa se sentiria confusa, mas não se lembraria de nada, o subconsciente não é capaz de avisar sobre qualquer roubo de informações que possa acontecer. O ser humano não tem esse tipo de defesa. No entanto...

— Você sempre foi esperta, não é? – o homem de camisa branca falou, enquanto andava na direção da garota. Sua postura era basicamente militar, mas tinha sempre um sorriso gentil no rosto.

Duda o olhou, confusa, não era sempre que alguém podia conversar durante a influência.

O homem de roupas pretas segurou o ombro dela, ele ainda estava sério.

— Se quisesse mesmo saber, era só ter perguntado para ele – o de branco falou, apontando para o de preto – Ele é o Lucas que você conhece. É um bom garoto, eu prometo. É culpa minha que ele é tão mau humorado, me desculpe.

Ele se aproximou da garota e apertou seu rosto levemente, de um jeito carinhoso. Duda se afastou um segundo depois, sem reação, um pouco ruborizada.

— Não faça isso!

— Me faça um favor – ele deu de ombros e se virou, andando de volta ao lugar onde estava – Lucas está incompleto, me ajude... Ajude-nos a recuperar o que falta – Duda conseguiu ver seu olhar se direcionando a um espaço preto, que aparentava estar longe naquele momento.

A conexão entre eles foi se tornando cada vez mais fraca, a branquidão do subconsciente foi se afastando, e logo depois, Duda abriu os olhos em seu próprio corpo. 

Lucas estava sentado na cama, e estava muito bravo. 

— Garota, me dê um bom motivo pra não te levar pro pico do Everest e te deixar por lá agora mesmo – ele fechou os olhos, irritado.

***

Depois de pedir desculpas, Duda sentou-se no pé da cama, deixando bem claro para Lucas que ela não sairia dali sem respostas. O tipo curioso sempre tirou ele do sério, mas ele sabia o porquê e as respostas desta vez. Desta vez não estava perdido.

Lucas levantou-se de sua cama, dizendo que ia tomar um copo d'água, ele pensou ser uma boa desculpa, iria sumir daquele Lar o mais rápido possível. Mas, claro, isso só era eficaz na teoria. O olhar de Duda atravessou o seu ferozmente, ela nunca desistiria, ele deveria aplacar esse sentimento antes que pudesse se tornar um problema para ele e seus planos.

— O que você quer, afinal? Por que estava espionando minha cabeça? – ele perguntou, antes de girar a maçaneta e ir tomar água.

— Essa não é a primeira vez que alguém faz isso com você, é? – ela retrucou com outra pergunta, Essa garota...

Não, e aparentemente não vai ser a última, não é mesmo? – ele desistiu de seu pequeno plano de fuga, sentou-se de volta na cama e ficou frente a frente com ela.

— Por que minha influência não funcionou em você? Você tem duas personalidades? O que você sabe, realmente, do Hospital? Quem é você de verdade? Ao menos Lucas é o seu verdadeiro nome?

— Opa! Opa... Calma lá – ele estendeu as mãos – Quantas perguntas, vamos com calma, prometo responder todas. Contudo, não aqui, as paredes tem ouvidos.

A garota o olhou com um olhar confuso.

— Segura minha mão.

Ela obedeceu.

— Feche os olhos...

— Fechei, mas, o que você---

De repente, ela sentiu como se estivesse em queda livre, porém sem vento, sem ar, não conseguia respirar, sentiu estar sendo jogada de um lado para o outro. Lucas segurou firme a mão dela, seria ruim se ela soltasse, ele entendia bem o quão trabalhoso era viajar longas distâncias.

Eles caíram em pé numa trilha de terra estreita, Duda se desequilibrou e rolou no chão, fazendo Lucas segurar o riso.

— Que porra foi essa! – ela gritou de raiva, Lucas não aguentou se segurar e quase caiu junto, rindo – Seu desgraçado, vou te matar!

Os punhos dela estavam cerrados e ela estava muito irritada.

— Parece um Pincher! – Lucas disse, entre as risadas.

— Pincher o caralho! – ela esbravejou, vermelha de raiva, seguiu a trilha numa direção aleatória com passos firmes e rosnando.

— Oh, Pincher, vem cá vem! – Lucas a chamou como a um cachorro, estalando os dedos. Ela olhou para ele, fervendo – Eu tô brincando tá – Disse, entre risos – Mas, o caminho é para o outro lado, venha comigo.

Duda suspirou fundo e voltou para perto dele.

— Boa garota! – Lucas falou batendo a mão levemente no topo da cabeça dela, com um risinho de deboche no canto da boca.

Duda virou num soco certeiro em seu queixo, que Lucas desviou-se por muito pouco. Ele levantou as mãos, apaziguando a garota.

— Tá bom, não faço mais!

— Vou enfiar o Pincher no seu orifício, você vai ver! – ela disse, nervosa.

— Tá, tá... Hehe...


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Notas finais do capítulo

Pobre Pincher hehehehe anda muito inquieta, a garota gosta de ação mas....



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