Velório escrita por Ellaria M Lamora


Capítulo 1
ONESHOT — VELÓRIO


Notas iniciais do capítulo

Olá! Antes de tudo, gostaria de dizer que a história trata de temas pesados, portanto se alguém não se sentir confortável lendo sobre isso, indico que feche a página.

De resto, há uma pequena inspiração na música ERROR, principalmente a versão em que o Yuuma e a Gumi cantam juntos, em um dueto.

Para que conseguiam captar a atmosfera da fanfic, recomendo que leiam ouvindo essa música, ou alguma triste mesmo.

LINK: https://www.youtube.com/watch?v=sz-VMa_w8Qo

Boa leitura! ♥



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SENTADA EM UM BANCO afastado, a criança observava o quanto sua mãe chorava próxima do caixão no meio da sala. Abraçada com a um patético bichinho de pelúcia e ignorando os olhares e comentários penosos em sua direção, a menina tomava a consciência de que sua vida não seria mais a mesma depois daquele dia.

Como poderia, depois que seu pai havia tirado a própria vida?

Gumi tentara amenizar a verdade, insistindo que outra coisa teria acontecido. Mas a filha — inteligente demais para seus sete anos — captara os sinais da mentira sem grandes esforços. Na verdade, conhecendo bem o pai, seria um absurdo acreditar nas histórias que a mãe inventara. Yuuma havia cometido suicídio e era isso o que importava.

Sentada no meio daquelas figuras cobertas de preto, Meg afundava-se nas lembranças do homem que mais amara na sua vida, enquanto procurava os porquês de ele ter tomado uma decisão que a machucava tanto. As perguntas brotavam em sua cabeça, como pipocas que a família fazia nas raras tardes de inverno, quando a neve possibilitava paz e tempo para desperdiçar com televisão.

A criança tentava evitar o principal questionamento, mas ele dançava ao seu redor, com um demoníaco sorriso, provocando-a insanamente, exigindo que a menina de mechas esverdeadas lhe desse a devida atenção. Meg lutava para não ceder, mas era uma tarefa impossível no meio daquela atmosfera cruel para uma criança, de modo que — sem mais forças — ela caía de joelhos, diante da figura implacável.

As perguntas jorravam em sua mente e imaginação, espetando-a, torturando a criança que não conhecia o significado de paz. Os pensamentos afirmavam que Yuuma não a amara o suficiente, afinal, se havia sido tão fácil tirar a própria vida, isso queria dizer que o homem não tinha a mínima consideração por ela e sua mãe. Qualquer pessoa teria a consciência do que uma morte poderia fazer para uma criança, o quão forte poderia afetá-la, mas o homem que Meg um dia chamara de pai simplesmente ignorara isso. Ele jogara o amor dela no lixo.

Abraçando os próprios joelhos, que estavam envoltos no tecido de profundo tom preto do vestido, Meg ignorou a bronca que a mãe poderia dar por sua terrível postura. O problema agora eram as lágrimas que queriam escapar, enquanto a menina revivia as lembranças de quando seu pai estava vivo.

Ela o amara tanto, a ponto de ignorar as infinitas falhas do homem. O amara mesmo quando ele não queria levantar da cama e fazia Gumi chorar escondida no banheiro, ligando para a doutora Kagamine e exigindo ajuda. Nesses dias, Meg deitava ao lado dele e ficava abraçada fortemente ao homem, sentindo o peito dele subir e descer em uma respiração lenta, forte e profunda. Ela desejava que seus abraços curassem o sofrimento que assolavam o homem. Ela rezava para que seu amor destruísse a tristeza que enxergava nos opacos olhos verdes. Por suas pequenas e magrelas mãos, ela tentava transmitir a salvação de seu pai.

Agora, um novo monstrinho juntava-se na valsa mórbida.

Sussurrava para Meg que seu amor não havia sido suficiente. Ela não fizera o necessário para manter Yuuma vivo. Sua incapacidade trazia tristeza para sua mãe e a morte daquele que tinha sido sua luz nas noites escuras, em que os pesadelos a atormentavam. Agora, as trevas iriam prevalecer e não haveria mais a voz paterna, cantando doces canções e transportando-a para outros mundos com histórias sobre reis e dragões.

Em um abraço agoniante, outra figura afirmava que a ruína de Yuuma havia sido a criança. Se Meg não tivesse nascido, o pai não precisaria abandonar a faculdade e seria um astrofísico renomado. Ele não ficaria triste, não faltaria ao trabalho, não precisaria das responsabilidades que uma criança traz... O homem seria feliz.

As drogas são culpa sua”

Sentindo a garganta apertar-se dolorosamente — resultado por segurar o choro — a menina fechou as pálpebras e abaixou a cabeça.

Sabia que naquela idade não devia saber da existência daqueles produtos químicos, pois nenhum dos seus amigos sequer compreendia o significado de tais palavras. No entanto, acabara por apreender nas discussões dos pais o que era aquilo, nas noites de insônia em que Gumi ficava sentada na sala, observando a porta de entrada da casa apreensiva, nas explicações desesperadas de Yuuma, suplicando perdão da mulher e afirmando que era só por aquilo que ele conseguia levantar, trabalhar e arcar com suas responsabilidades...

Trabalho. Dinheiro, Responsabilidades.

Palavras de adultos, mas que Meg conhecia melhor que boa parte deles. Era culpa dela seus pais brigarem tanto. Seu nascimento havia interrompido os sonhos deles e os feito aprender as cruéis palavras. Ela fizera Yuuma viver somente ao redor disso. Ela destruíra a vida dele.

— Oh, Meg... O que está fazendo aqui sozinha? — Na tempestade de sentimentos e pensamentos, voz da doutora Kagamine fez-se presente e a criança abriu os olhos, assistindo a mulher aproximar-se.

—  Vou fazer a mamãe chorar mais, se ficar perto. — Mentiu.

Ela só não conseguia contemplar o corpo de seu pai diante de si e aceitar que aquele rosto nunca mais iria sorrir ou abrir os olhos, para que a criança observasse o profundo dos olhos verdes e admirasse a ruga em sua expressão, quando ele ficava pensativo.

— Compreendo — Rin disse com gentileza, sentando-se ao lado dela — O que aconteceu... Eu não sei nem o que dizer. Foi algo que nos pegou de surpresa, sabe?

— Sei.

— Mas queria dizer que se você precisar de qualquer coisa, eu estarei aqui. Se quiser passar no meu consultório depois, eu vou te atender.

— Acha que eu vou ficar louca, doutora? — Meg disparou, sentindo as lágrimas voltarem — Era assim que chamavam meu pai: o louco dos remédios fortes. — Limpou as lágrimas e sussurrou, em uma respiração cortada: — A mamãe também vai ficar triste e se matar?

— Não! Não diga isso, Meg! O que aconteceu com o seu pai, foi resultado de um probl...

— Que sou eu, não é? Se eu não tivesse nascido, o papai seria feliz e não teria feito isso. — Soluçou, escondendo o rosto atrás das próprias mãos — A mamãe não estaria chorando e ninguém estaria aqui sofrendo.

— Oh, Meg...

A menina observou a doutora curvar-se, envolvendo-a em um abraço apertado.

— Seu pai te amava demais, Meg. — Explicou, suavemente — Os olhos dele brilhavam quando falava do quanto sentia-se orgulhoso pelo seu nascimento. Afirmo com toda a certeza do mundo que em nenhum momento ele te considerou um problema.

— Então por que ele fez isso? — Sua voz era fraca e dolorosa.

— Isso é difícil de explicar, querida. Seu pai estava sofrendo muito por causa dos pensamentos dele, que eram cruéis e o faziam sentir-se mal. Ele tinha muito amor no coração e sofria demais por isso.

A criança soluçou mais uma vez e a médica apertou o abraço.

— Nesse momento você vai precisar ser forte, Meg. Você e sua mãe vão precisar ser fortes e enfrentar isso juntas.

— Eu não sei como fazer isso. — Admitiu — Sinto falta do papai, quero abraçá-lo...

— Pense que ele virou uma estrela e vai iluminar o céu, olhando por vocês e as protegendo de todo o mal.

 Uma estrela?

— Uma brilhante e linda estrela, que vai ser admirada por todos daqui da terra.

A criança analisou a Kagamine com curiosidade. Aquilo fazia sentido.

— Obrigada, doutora.

Rin sorriu.

— Agora acho que seria bom ficar perto da Gumi. Ela precisa de você.

Meg fitou a mãe e concordou com a médica. Abraçou-a mais uma vez e, em passos hesitantes, aproximou-se da mãe, abandonando todos os monstros que lhe sussurravam coisas ruins, deixando-os para trás falando sozinhos. Eles haviam dominado seu pai, mas ela não podia deixar-se abalar naquele momento: precisava fornecer ajuda para a mãe.

— Meu amor... — Gumi sussurrou, ao notá-la e a dor cruzou sua face ao perceber o bichinho de pelúcia que a menina carregava: um presente de Yuuma antes de entregar-se para a morte.

A criança não disse nada, deixando-se ser envolvida nos braços quentes da mãe. O abraço foi forte, sofrido e repleto de amor e preocupação. Meg o correspondeu na mesma intensidade, escondendo seu rosto no corpo da mãe e permitindo-se chorar tudo o que andara reprimindo.

— Estou com medo do que vai ser de nós agora — Admitiu.

— Nós vamos viver. — Foi a resposta da mãe, soltando-a e fitando o corpo sem vida do homem que as duas amaram — Nós iremos sobreviver e viver... por ele.

Meg assentiu e as duas ficaram observando o corpo de Yuuma.

O corpo que nunca mais iria respirar.

O corpo que nunca mais iria sorrir.

O corpo de alguém que tinha vivido a maioria dos dias preso em um mundo cinzento, recheado de tristeza, vazio e que não podia ser compreendido.

O corpo que de alguém que tinha sido vencido pela depressão.


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Notas finais do capítulo

Um pequeno desabafo:

Eu fico muito triste com a romantização da depressão e demais distúrbios psicológicos que encontramos nas histórias por aí. Por isso, quis escrever algo sofrido e até radical, como um pequeno protesto. Depressão pode levar a morte e as pessoas brincam com isso. Então aqui está minha contribuição, com esses dois personagens que tanto me inspiram.

E fica a mensagem: não brinquem com isso. Pessoas sofrem e são afetadas por essa doença.

A todos que leram, meus sinceros agradecimentos. No entanto, também ficaria muito contente se pudesse me presentear com um feedback, pois escrever para fantasmas é meio assustador e a gente sempre fica com a duvida: MAS SERÁ QUE TÁ RUIM OU BOM? PAOSDKASPDJASD. Então, se puderem, comentem ♥ Me digam o que acharam, é grátis e não cai a mão!

Fica também meu agradecimento para WM.
Obrigada por ser somente você.
E uma boa fonte de inspiração.



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