Charlie sumiu escrita por dayane


Capítulo 8
Capítulo 7




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Poucos dias depois de Willy comprar a lojinha de esquina a qual fez suas primeiras criações mais famosas, o antigo dono lhe fez uma visita. A lojinha receberia a placa com o novo nome no dia seguinte e estava fechada há dois dias para que os funcionários aprendessem mais sobre o leque de produtos que seriam vendidos. 

O senhor, que não tinha filhos e que ficara viúvo três anos antes de contratar Willy, bateu à porta da lojinha entrando em seguida. Ele já conhecia Willy tempo o bastante para saber que o garoto trabalhava mais tempo do que descansava, por isto fora presenteado com um suave cheiro adocicado e porções generosas de docinhos malucos já servidos nas prateleiras e expositores. 

— É incrível como a felicidade é combustível para a criatividade, não é? - Willy questionou ao recém-chegado. 

O senhor riu com rouquidão. 

— Para um gênio, tudo é combustível. 

O chocolateiro terminou de ajeitar um docinho e então ergueu a cabeça para conversar com seu velho líder. Devia muito ao senhorzinho que acreditou nele, mesmo que na época tudo o que carregasse no bolso fosse um documento, três notas de dinheiro, uma receita que anotou numa caminhada pela praça do bairro e muita loucura na cachola. 

— Virá nos ver amanhã? 

— Não perderei por nada, meu querido Willy. 

O chocolateiro se sentiu criança e sorriu animado. 

— Tenho um doce que fiz pensando em você, mas só lhe darei amanhã e só o venderei depois de que você o aprovar. 

Rindo como um Papai Noel, o senhor agradeceu e informou que não precisava de tanto. Então, dizendo que precisava ir e que só passou para desejar sorte, o velho entregou a Willy uma caixa aveludada, retangular e roxa. 

— Para sempre lhe proteger. 

Ele partiu após Willy se hipnotizar com a gargantilha que brilhava dentro da caixinha. Os olhos castanhos do chocolateiro perder-se-iam naquele objeto inúmeras vezes, admirando suas curvas, seu brilho eterno, a delicadeza única e exclusiva dos detalhes feitos com carinho; mas nunca mais poderiam se perder no rosto bondoso do homem que lhe confiou o sucesso. Willy Wonka nunca mais sairia sem sua gargantilha, mas o custo se daria por nunca mais ver o senhorzinho que faleceria naquela noite, após o coração cansar-se bater por uma vez mais.


William

Willy terminou de arrumar a barra da manga de sua camisa de botões. A fábrica era quente, mas seu corpo se acostumara com a temperatura constante e por isso sempre usava camisas sem suar. O casaco e a gargantilha ficaram com o herdeiro e só de pensar que Charlie já deveria estar seguro, fez com que o coração disparado do chocolateiro amenizasse a batida.

Ao chegar à ala de recepção, teve o choque de vê-la vazia. Já imaginava que Arthur não estaria ali, mas quis comprovar e ainda assim sentiu-se estranho de vê-la daquela forma. Depois, seguiu para a ala de criações, lugar que todos os seus concorrentes queriam estar, mas que não encontrariam receita alguma.

Pouco antes de chegar à ala, Willy viu Arthur e seus dois capangas conversando durante a caminhada até sua direção. Os olhos castanhos de Willy contraíram as pupilas desgostosos com a imagem que viam, as pálpebras semicerraram-se com uma raiva que não podia ser controlada e até os punhos, recobertos com as luvas que Charlie usou momentos antes, se fecharam.

— Ah, meu caro William, que bom te ver. - Disse Slugworth. - Onde está o garoto?

Os pés de Willy pararam. Poucas pessoas no mundo o chamavam de William e ele não gostava de nenhuma delas.

— Descansando na enfermaria.

— Achei que o levaria para um lugar mais confortável.

— A enfermaria é perfeitamente confortável e está repleta de remédios caso ele tenha algum problema enquanto estou fora.

A gangue só parou de andar quando Arthur ficou perto demais de Willy. Era pouca coisa mais alto que Wonka e só de ver os olhos do derrotado ter que se erguer um pouco já lhe era uma vitória a mais. Prodnose parou quase que às costas do ex-dono da fábrica, carregava a bengala de estimação do derrotado e cafungava a cada minuto.

— As casinhas não são mais confortáveis? - Ironizou Slugworth.

— Aquelas casas de brinquedo? - Willy questionou.

— Não tente me enganar, Wonka. - Rosnou o novo dono.

— Fiz quando pensei em abrir a fábrica para as crianças que viriam. Elas poderiam brincar e descansar.

— E você deixou-as? Perdeu todo aquele espaço para casinhas inúteis? Quer mesmo que eu acredite na criação de centenas de casinhas para a diversão de apenas um dia?

Willy franziu a testa.

— A fábrica é grande o bastante para se dar este luxo.

Arthur quase ergueu o canto esquerdo do lábio superior. Quem o conhecia poderia ter notado o leve repuxar que a pele deu. Fickelgruber notou, assim como Willy, pois os dois eram exímios detalhistas e por isso galgaram o mundo dos doces com agilidade.

A diferença entre os dois era que um carregava no sangue o amor pelos chocolates, enquanto o outro não sabia o que verdadeiramente amava fazer e só estava seguindo os passos de seus antepassados.

— Eu sei que você está me enganando, William, mas vou deixar passar até lhe achar uma punição adequada.

Willy não se mexeu. Tinha respostas prontas para as perguntas comuns que surgiram. Ele já esperava que fossem achar as casinhas dos Umpa Lumpas, que encontrariam a ala de mapas e a sala das criações, sabia que teria que mostrar sua ala secreta na biblioteca, pois era ali que se guardavam as receitas, pelo menos depois que Fickelgruber as roubou anos atrás. Ao pensar no roubo, Willy teve que controlar seu impulso de perguntar como ele havia conseguido, como copiara todo um livro, entrou na fábrica como funcionário sem que fosse descoberto.

Depois que a fábrica foi roubada pela primeira vez, Willy passou a recompensar quem descobrisse um invasor e os denunciasse. Isto fez com que todo mundo desconfiasse dos companheiros e a qualidade dos doces caiu ao ponto de Arthur Slugworth quase passar as vendas Wonka. Após o roubo de um livro inteiro, copiado e não removido, após ter suas receitas mais novas jogadas no mercado sem que tivesse tempo para lançar algo novo, Willy decidiu fechar a fábrica para sempre. Seus concorrentes até conseguiam copiar seus doces, mas demoravam meses e quando iam ao mercado com as receitas, Willy as tornavam velhas com o lançamento de algo novo e único e Fickelgruber fora o único que ultrapassou todas as barreiras Wonka com uma simplicidade inexplicável.

— Todos os meus segredos estão dentro desta fábrica. - Willy disse. - Se estou te enganado, é por não conseguir vê-los. 

Arthur soltou um rosnado. Seu mais novo brinquedo estava zombando dele mesmo estando em um patamar inferior, mesmo depois de ter perdido tudo o que havia construído do zero. Como punição, Willy caiu de joelhos contra o chão logo após Prodnose bater os próprios joelhos contra os joelhos do outro. 



W.W.

 

Charlie já não sabia dizer se haviam passado pelo mesmo lugar ou se era um lugar diferente. Havia descido por três caminhos e subido por dois outros, e isto era tudo o ele se lembrava. As paredes eram todas marrons, com um ar quente correndo por ali, quase sufocando-o. A luz inexistia e só sabiam por onde estavam indo por terem pego uma das bolotas florescentes que havia na entrada do túnel. A bolota era grande e esverdeada, mas quando sacudida, esquentava e brilhava em tom amarelado, também era maior do que a mão de Charlie, lembrava uma bola de basquete e pesava pouca coisa. 

Dóris caminhava rapidamente, seus pés faziam um barulho seco ao tocar o solo. O túnel era todo em concreto irregular, mostrava que a fábrica, por mais incrível que fosse, ainda era uma fábrica. Quando a Umpa Lumpa parou, Charlie agradeceu por ela coletar aquela bolota esquisita que ele jamais vira, pois sem ela, ele teria despencado no precipício negro que surgia a sua frente. 

Dóris pediu a bolota. Ela esticou os bracinhos, girando-os no ar como quem procura algo nas profundezas de um armário bagunçado e depois jogou a bolota em uma direção, explodindo-a quando bateu em uma parede de vidro que ficara iluminada enquanto as sementes da bolota escorregavam pela superfície lisa. 

Charlie sorriu. Era a segunda vez na sua vida que se admirava com aquele velho elevador de vidro. Seus dedos destros correram pela gargantilha em seu pescoço, as lembranças de Willy sorrindo excitadamente por finalmente apertar o botão "alto e além"³ lhe aqueceu o corpo, disparou seu coração e matou o sorriso que antes lhe iluminava o rosto. A realidade escalou suas entranhas, lembrou-o do corpo dolorido, dos perigos que enfrentavam naquele momento e de que não podia estar junto de seu tutor na hora em que ele mais precisava. 

Dóris puxou a perna da calça de Charlie. Seus bracinhos chamaram pelo herdeiro antes deles embarcarem no veículo. A Umpa Lumpa caçou alguns botões para em seguida apertar uma sequência que fez o elevador descer rapidamente pelo fosso escuro. Ficaram minutos incontáveis nesta descida até que os primeiros pontos de luz surgissem. 

— A fábrica é tão grande. - Charlie sussurrou. 

Ele nunca estivera nas verdadeiras profundezas da fábrica e cada vez mais sentia-se encantado com aquele universo único que se revelava¹. O caminho negro pelo o qual o elevador descia, se mostrou ser o céu de uma relva suave, com grama verde, arbustos recheados de frutinhas e umas parcas árvores frutíferas adornando o solo. Depois de quase tocar o chão, o elevador parou por uns segundos e seguiu pela esquerda, até chegar de frente para uma caverna escavada em uma rocha desnivelada.

— Isto aqui sempre esteve sob meus pés? – Charlie sussurrou.

As sementes da frutinha, que antes brilhavam iluminando o caminho, começavam a se apagar. Dóris sacudiu a cabeça confirmando o que Charlie havia lhe questionado e então a porta do elevador se abriu com o soar agudo da sineta. Era ali que ambos desceriam.

Educadamente o herdeiro foi o primeiro a descer, depois ajudou a Umpa Lumpa. O fundo da caverna era iluminado de forma bruxuleante², lembrava a dança Umpa Lumpa para o Cacau endeusado. O chão cheio de gramado era fofo, mas logo se tornava arenoso e duro, pois a rocha tomava conta de tudo.

— Seguiremos reto? – O herdeiro questionou novamente.

A pequenina confirmou mais uma vez.

— Venha. – Disse Charlie abaixando-se um pouco à frente da companheira. – Eu te carrego.

Dóris sentia os pés doendo. A rocha era pontiaguda, feria sua planta do pé com pequenas pontas nascidas dos anos em que nada passava por lá; mas pedir para ser carregada lhe era vergonhoso, como se, por ser mulher, estivessem lhe vendo como algo frágil e delicado, algo que só deveria ser apreciado, uma obra de arte e não um ser pensante de valor profundo.

A pequenina negou.

— Por favor, Dóris, é o mínimo que posso fazer por você. – O herdeiro sussurrou.

Mínimo? Ela pensou.

— Eu sei que você cuidou de Willy durante todos estes anos em que ele viveu "sozinho". – Disse Charlie. – Sei que sem você está fábrica não teria aguentado tantos anos. Você é mais forte do que todas as mulheres que eu já conheci, até mais do que minha mãe. – O sorriso de Charlie saiu na voz. – Então, neste momento, eu só posso te carregar. Eu sempre estarei em dívida com você, por isto não hesite em me cobrar.

A pequenina se jogou sobre o herdeiro que caiu com os joelhos ao chão. Charlie não conseguiu se mexer ao sentir o abraço apertado que recebeu da pequena. Ela era quente, forte e tinha o cheiro que lembrava cacau em pó.

— Vamos ser forte por Willy, né?

O herdeiro colocou as mãos sobre as mãos pequenas da companheira. Sua voz forte era a característica comum que os Umpa Lumpas carregavam e combinavam com a mulher que administrava aquela fábrica.

— Vamos sim, Dóris. Vamos com certeza.

 

W.W.

 

 - Eu estou cansado de ser o bondoso contigo e receber este tratamento revoltante! – Gritou Arthur.

Willy não levantou a cabeça. Ele esperava que seus atos fossem irritar Arthur, mas não esperava que ocorresse tão cedo. Precisava ser mais prudente, pois não tinha como prever os pensamentos daquela lesma e nem mesmo de seu fiel escudeiro cujo o nariz vive entupido.

— Por que você não se contenta em ainda poder viver na fábrica? – Prodnose questionou.

— Fique quieto. – Fickelgruber disse.

— O que você quer, Fickelgruber, ser o favorito?

Prodnose, com sua voz anasalada, questionou o colega. Estava fervilhando, em sua mente, que seu cargo de favorito poderia ser perdido para Fickelgruber ou, em pior caso, para Wonka. Saber que novamente poderia ser apenas um derrotado fez com que Prodnose se irritasse e gritasse.

— Vocês podem calar a boca? – Arthur questionou com gravidade.

A visão periférica de Willy correram da direita, onde estava Fickelgruber, até a sua esquerda, onde Prodnose batia o pé em um chilique delgado, quase invisível. Percebeu quem eram seus inimigos e como agiam. Dali, daquela curta discussão, ele descobriu algo que poderia ser usado para tomar o que era seu de volta.

Arthur respirou pesadamente, tentando voltar a ter o equilíbrio que tivera minutos antes. Lembrou-se de que tudo ali dentro lhe pertencia, que mais cedo ou tarde descobrira todos os mistérios da fábrica. Bebericou da sensação de estar no topo mais uma vez, depois de passar mais de vinte anos perdendo para uma criança criativa e tola.

— Eu irei conversar com nosso anfitrião em particular. – Disse Arthur. – E quero que vocês dois resolvam seus problemas particulares sem me envolver.


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Notas finais do capítulo

Notas:

1. No livro "Charlie e o fantástico elevador de vidro", o herdeiro chega a ir mais longe, contudo, não estou usando este livro como base e por isto estou deixando isto como algo novo para o Bucket.

2. Sempre quis usar esta palavra. Acho chique.

3. Eu não sou fã de terem colocado "para cima e para baixo" no livro. No filme de 2005 vem escrito como "up and out" e gosto de "alto e além" .



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