Charlie sumiu escrita por dayane


Capítulo 7
Capítulo 6




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A história de Charlie Bucket é conhecida por todos. Ele era um garotinho de bom coração que morava num casebre junto com os pais e os quatro avós que viviam enfiados em uma cama. No inverno, a casa era muito fria e no verão muito quente.

Quando ia para a escola, era reconhecido como o menino que só comia uma barra Wonka por ano. E quando foi lançados os cinco bilhetes dourados, a sala zombou ao saber que ele só tinha uma chance e ainda confiava que seria um dos vencedores.

Mas ele fora sortudo. Não por encontrar dinheiro na neve, nem por ter achado o bilhete dourado e muito menos por ter herdado a fábrica. Ele era sortudo por ter Willy Wonka em sua vida, por poder ser criativo e se sentir importante.

 

Brinde

 

— É um reencontro belo, mas temos assuntos para tratar, Wonka.

A voz de Arthur estava inalterada, mas seu corpo flamejava um desejo intenso de ter mais do que a fábrica Wonka. Ele queria o criador, aquele abraço acolhedor que um pirralho recebia, as roupas que desnudaram um chocolateiro e aqueceram o pupilo. Ele queria ver o corpo pálido de Willy tremendo a sua frente, saborear a vergonha antes de saciar a fome que dominaria sua alma ao ter aquele ser como seu objeto.

Willy apertou um pouco mais o pupilo. Sabia que Arthur e os dois capangas estavam observando-o, que seu rosto estava manchado pelas lágrimas que derrubara e seu nariz estaria vermelho. Também sabia que Charlie, mesmo machucado, mesmo congelado, ainda estaria muito preocupado com o tutor, só não perguntou nada por não ter forças.

Será que o tinham alimentado? O garoto ficou sumido por, no mínimo, vinte e quatro horas e a polícia deveria ter sido avisada, mas o medo não permitiu que isto fosse feito. Não, pelo menos, ainda.

O chocolateiro soltou o pupilo, levantando-se em seguida e impedindo que ele visse seu rosto ao virar as costas ao garoto, agora homem, que lhe salvara da solidão em que antes estava. Arthur, por outro lado, finalmente havia conseguido sua vitória, bem como pôde contemplar o rosto destruído de Willy Wonka. A mistura de medo, preocupação e asco quebravam todo o jeito excêntrico e infantil que ele tendida a ter.

— Não temos nada para ser tratado, Slugworth. – Rosnou o chocolateiro gênio.

— Ah, não pense que estou aqui apenas para entregar um objeto perdido.

A agilidade de Fickelgruber não estava apenas em seu corpo e como poderia nocautear um bêbado com apenas um golpe, mas em prever quando seu chefe estava provocando uma guerra desnecessária. Arthur já era um vencedor, já teria a fábrica. Vendo Willy Wonka abraçar seu herdeiro a vitória ficara clara como um rio límpido ou como a neve que cai no interior do país. Mas, quando um chocolateiro encarou o outro, Fickelgruber soube que Arthur já não queria apenas a fábrica e sim alguma outra coisa que não seria entregue sem luta.

Willy Wonka avançou contra Slugworth como um touro ensandecido lutando por sua vida em uma cruel rodada de tourada. O atacado não se mexeu, pois sabia que não seria atingido.

Prodnose demorou três segundos para entender que seu chefe era atacado, contudo ele não fora escolhido por ser ágil, mas sim cego. A proteção era Fickelgruber e ele fez jus ao cargo que tinha, uma vez que conseguira segurar Wonka abraçando-o por trás.

— Não ouse ofender Charlie! – Berrou o atacante, agora, imobilizado.

Arthur sorriu com o característico escarnio de seus pensamentos. De seu bolso interno, puxou um charuto, acendeu-o sabendo que a chama de raiva de Willy continuaria acesa. Precisava fazer aquele homem uma pilha de nervos vencida, desgastada e estava conseguindo. Tragando longamente, Slugworth permitiu-se pensar nas palavras que diria e soltando uma fumaça pesada, soltou-as:

— Acha mesmo que aquilo poderia te substituir?

— Não é uma lesma sem valor¹ que vai julgar isto! Você não vai sair impune disto! Pode ter esta fábrica, mas ela não vai colaborar contigo!

Arthur deixou que seu pequeno chocolateiro falasse tudo o que surgisse em sua cachola maluca. Apreciava a cena, a luta de Fickelgruber para segurá-lo enquanto gritava, junto com o charuto importado que tanto amava. Prodnose jogava algumas ofensas bestas que não conseguiam, ao menos, chegar aos ouvidos dos outros e Charlie estava encolhido no chão, aninhado nas roupas de Wonka, com os olhos semiabertos acompanhando aquela cena deliciosa.

Willy parou de falar, ofegante, cansado, desgastado.

O outro se aproximou alguns passos, observou os olhos que pareciam chocolates derretidos de Willy e então revelou:

— A fábrica é um brinde.

Fickelgruber travou as pernas e o braço que segurava Willy. Prendeu a respiração quando a gravidade forçou o corpo magro do chocolateiro contra o chão e lentamente deixou-o escorregar, até que ficasse sentado entre os próprios joelhos. A ganancia de Slugworth era nauseante, mas não havia muito a se fazer naquele momento.

Arthur curvou as costas até seu rosto ficar próximo ao rosto de Willy.

— Você, é quem vim buscar.

Willy fechou os olhos, respirou fundo, pensou. O seu plano era sair da fábrica junto com Charlie, leva-lo à delegacia mais próxima, ligar para Wilbur Wonka e denunciar a invasão. Depois, tudo se resolveria facilmente; mas ao escutar os planos de Arthur, era de se imaginar que ele não os deixaria sair.

Willy teve que pensar. Pensar em possibilidades e saídas.

— Deixe Charlie ir.

Pediu quase implorando. Mas Arthur gemeu de um jeito que claramente prenunciava a negativa.

— Para ele contar? Não. Primeiro vamos acertar o contrato em que você passará a fábrica para mim e será meu. Depois, você deve ter uma ala hospitalar, afinal, nunca sai desta fábrica.

Era verdade. Tinha uma ala para bonecos queimados e para saúde Umpa Lumpiana. Era comum Charlie e Willy usarem o curandeiro Umpa Lumpa e só irem ao médico humano se muito necessário – o que nunca ocorreu, afinal, os Umpa Lumpas são muito bons no que fazem.

— Se demorar muito, o garoto morre. – Fickelgruber sussurrou ao chocolateiro.

Willy rosnou.

— Me dê os papeis para assinar.

Arthur olhou para Prodnose. O pequeno capanga correu até o carro, onde pegou a maleta que continha dois contratos. Um deles tinha uma data antiga, dizia que Willy Wonka estava pedindo dinheiro emprestado ao Slugworth e que pagaria o triplo em seis meses ou entregaria a fábrica como pagamento e sua mão de obra até que os prejuízos fossem quitados.

O segundo dizia que Willy não conseguira pagar e por isto cumpriria o primeiro contrato, pagando com a fábrica e a liberdade que merecia ter.

Prodnose entregou os papeis ao chocolateiro maluco junto com uma caneta, rindo ao fazer a entrega. Willy não saiu do chão, assinou os campos que precisava, marcou um visto nos demais, entregou os papeis sem se preocupar com o que estava assinando, sem ler as linhas e suas entrelinhas.

— Posso cuidar de Charlie? – Rosnou.

— Você nem leu. – Arthur chiou. – Leia.

Willy saltou do chão, virou as costas para o novo dono da Wonka’s Candy Company. Ele poderia resolver os problemas daquela papelada, poderia se submeter aos caprichos de Arthur, poderia passar a vida escutando Charlie Bucket lhe odiando, mas precisava que o Bucket estivesse vivo e bem.

Se perdesse Charlie, se o garoto perdesse a sua vida por culpa de um erro do passado de Willy, não haveria perdão.

— Willy, não. – Sussurrou o Bucket ao ser erguido do chão. – A fábrica...

— Primeiro, vou cuidar de quem amo.

— Não se preocupe comigo. Morar naquela casinha me fez ser forte. Não é o frio que vai me matar.

O rosto do herdeiro estava escondido na curva do pescoço de Willy, com a respiração aquecendo a região e injetando mais culpa ainda no chocolateiro. Se Wonka não tivesse escondido seu passado de Charlie, se tivesse mostrado as cartas que recebera e quais inimigos tivera, então o pupilo poderia ter reconhecido a letra da carta que receberam e o fez ser capturado.

— A fábrica saberá se cuidar, estrelinha. Mas eu não vou aguentar te perder.

 

W.W.

 

Dóris respirou fundo. Todos os Umpa Lumpas estavam enfiados no corredor mais escondido da fábrica. Estavam em três grupos, caminhando silenciosamente e deixando uma marca tão mínima no chão, que somente um acostumado com a fábrica poderia notar que havia algo anormal pelo caminho. Aquela marca demarcaria que estiveram ali e assim não andariam em círculos.

Os Umpa Lumpas seguiram antes dela. Preocupada, a pequenina entrou na ala hospitalar da fábrica e revirou os objetos da ala para que pudesse achar o que poderia ajudar, caso Charlie estivesse mal.

Sobre uma mesa ela separou uma série de produtos e objetos de acordo com os problemas que ele poderia ter. Havia uma parte de curativos e limpeza de feridas; outro para o frio, contando com uns saquinhos japoneses que aqueciam – o curandeiro Umpa Lumpa adorava os objetos que os humanos criavam e encomendava muitos – e produtos para gripes; também havia uma muda de roupas quentes.

A pequenina estava vasculhando um saquinho quando escutou algum barulho vindo do corredor. Ela correu até um armário, abriu a porta, depois um fundo falso e entrou. Tapou a boca e o nariz e tentou controlar a respiração, aproveitando uma pequena faixa que havia no fundo para ver o que estava acontecendo. Não poderia escapar da sala por aquele armário, mas poderia esperar até que tudo ficasse vazio.

Willy entrou na ala tomando um susto que o fez parar. Depois olhou para o corredor, viu que não fora seguido, entrou na ala, deixou o pupilo na maca e trancou a porta. A quantidade de objetos que estavam espalhados revelava que Dóris esteve por ali e que ela ainda poderia estar.  

— Dóris! – Chamou.

A pequenina saltou do armário assim que o salvador a chamou.

— Eu disse para irem! – Soluçou Willy. Tudo estava pior do que imaginava.

Se Dóris estava ali, então os Umpa Lumpas não conseguiram escapar e em pouco tempo Arthur e seus capangas vasculhariam toda a fábrica, encontrariam os Umpa Lumpas e os escravizariam, se não começassem a vendê-los para outras fábricas e pessoas.

A pequenina sacudiu a cabeça e sinalizou que todos tinham escapado, que ela ficara para que pudesse deixar tudo pronto caso Charlie estivesse mal. Willy respirou fundo, sentindo a cabeça latejando de tanta emoção que havia passado nas últimas horas.

O chocolateiro aproveitou a ajuda de Dóris para aquecerem Charlie, enfiando um saquinho japonês entre o suéter que colocaram nele e o casado de Willy, que voltou a aquecer o herdeiro após ser removido para que o suéter fosse colocado. Enquanto aquecia o herdeiro, veio uma ideia até a mente de Wonka.

 

W.W.

 

Arthur Slugworth sonhou com o momento em que colocaria seus pés naquela sala. Ele até mesmo daria sua dentadura para passar cinco minutos, que fossem, na sala de invenções de Willy.

Mas vejam só, ele pensou emocionado, com o nariz ardendo e a garganta apertada de tão grande que era a vontade de chorar por pura alegria; ele estava onde sempre sonhara e seria para sempre. Willy Wonka não devia ter arrumado um herdeiro e nem mesmo se apaixonado por ele, nada disto, o chocolateiro deveria ter permanecido de portas fechadas, apreciando o passado glamoroso que havia construído e a história que marcara. Slugworth não negava que Willy era um gênio, muito pelo contrário, era um cabeça dura muito esperto e criativo e, se tivesse aceitado ser seu funcionário, e não um concorrente, agora seriam invencível.

Arthur riu maravilhado com seu novo mundo.

— Vejam só como é bom rir por último!

E gargalhando, saiu da sua sala de criação e caminhou na direção da ala de produção. Prodnose imitava sua risada e murmurava o que achava justo fazerem dali para frente.

Depois que as portas da fabrica Wonka voltaram a se abrir e deixaram caminhões carregados sair para as ruas, o vilão ficou a pensar quem era que produzia tudo aquilo. Já imaginava que a fábrica era incrível, pois mesmo que nunca tivesse pisado naquele lugar, seus espiões haviam dito que era possível viver lá dentro sem nunca conhecer todos os segredos e pontos secretos.

Mas nunca escutou falar sobre jardins adocicados, fábricas de chantili, produtos capilares (o que explicava a maciez do cabelo de Willy Wonka) ou de... Bom, deixemos as ovelhinhas coloridas longe disto! Também não imaginava que não havia nenhum funcionário naquele lugar.

O vilão encontrou máquinas funcionando tranquilamente, mas também encontrou maquinário parado, claramente esperando alguém para operar. Encontrou, em sua caminhada longa, apenas ruídos de máquinas, de seus sapatos contra o piso polido e alguns animaizinhos que forneceriam materiais para os doces.

Em uma ala específica, encontrou casinhas que crianças poderiam viver por alguns anos, mas não cabia um adulto. Dentro delas haviam objetos como roupas e pentes, sapatinhos e caminhas; tudo com cheiro de cacau.

Havia algo errado, mas Arthur não conseguiu pensar o que seria.

Fickelgruber, entretanto, já estivera lá dentro e achava tudo um pouco estranho, afinal, antes a maioria das alas eram recheadas de máquinas e agora eram salas com vida própria, parecendo até mesmo mais naturais. Quanto as casinhas, elas eram numa quantidade grande e fez Fickelgruber pensar que ali viveram os operários da fábrica.

O capanga sorriu. Aquilo não fazia o mínimo sentido.

 

W.W.

 

Charlie já conseguia caminhar e provou isto saltando da maca. Dóris estava colocando um saquinho nas costas para levar medicamentos aos Umpa Lumpas refugiados.

— O que você dirá para ele? – Charlie perguntou ao tutor.

O plano de Willy era maluco e consistia em Charlie fugir junto com Dóris até os porões da fábrica. Willy daria um jeito de alertar as autoridades e pedir socorro.

— Já disse que isto é comigo, estrelinha.

— É loucura, Willy. Deixe-me te ajudar, eu conheço a fábrica tão bem quanto você.

— Não conhece. – Replicou o chocolateiro. – Descobrirá isto.

Charlie se encolheu. Tinha uma sensação ruim, como se nunca mais fosse encontrar seu tutor e amigo. Que viveria escondido naquela fábrica, junto com os Umpa Lumpas, esperando Willy voltar.

Willy pode ler os temores do pupilo em seus olhos claros.

— Fique com meu casaco e com minha gargantilha, estrelinha.

— Não vou sem você. – Replicou o herdeiro. Seu medo tornou-se pânico.

— Eu vou ficar bem. – Os dedos nus de Willy eram macios e bem quentes contra a bochecha do herdeiro. A carícia denunciou que teriam uma despedida. – A gargantilha vai lhe proteger, nada de mal me aconteceu quando a usei.

— Aconteceu agora, Willy.

— Não. Não aconteceu ainda. – Ele sorriu. – E meu casaco é para usá-lo até me devolver.

— Eu sinto que não vou mais te ver, Willy. – O medo de Charlie estava quebrando, cada vez mais, o coração do chocolateiro. – Venha conosco.

— Se eu for, vão nos achar. Se eu ficar, não. Eu vou achar uma solução, Charlie, e o porão é o lugar mais seguro que temos, você verá que é possível viver lá por mais de um século.

O herdeiro riu enquanto secava uma lágrima.

— Eu vou esperar apenas uma semana. Depois, vou sair, vou achar um jeito de chamar a polícia e vou terminar isto como um adulto.

Willy beijou a testa do herdeiro.

— Você me dá um tempo muito curto para resolver meus problemas de adulto, estrelinha. Lembre-se que sempre te amarei, independente de tudo.

Charlie pegou Dóris no colo.

Willy já caminhava pelo corredor, fugindo de qualquer resposta que o herdeiro pudesse dar e impedindo que ele visse o rosto constrangido que carregava. Carregando a Umpa Lumpa, o herdeiro observou o tutor junto dela e então partiu para o porão da fábrica Wonka. Um mundo novo lhe seria apresentado.


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Notas finais do capítulo

1. Slug é traduzido no Brasil como lesma. Worth, pelo que pesquisei, seria sem valor (mas posso estar errada, afinal não sou fluente, desculpe). Achei justo fazer esta brincadeira. (N.A.)



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