A cor da Rosa escrita por Izabell Hiddlesworth


Capítulo 2
Lenço azul




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15 anos

 

— Apreciem, rapazes. — Elias puxou uma garrafa de sidra para fora do paletó, sustentando um sorriso matreiro.

 Marcos entrou logo atrás dele, fechando a porta da sala de jogos com alguns copos de vidro em mãos. Havia menos copos do que pessoas, mas detalhes como esse nunca eram um problema. Rapidamente, os amigos se reuniram ao redor da mesa de bilhar e se concentraram em abrir a garrafa.

— Seu pai não vai dar por falta? — Edgar questionou, abandonando o livro para juntar-se a eles.

— Há garrafas demais na adega, ele nunca se lembra da quantidade exata. — Elias deu de ombros, enquanto apanhava um dos copos para se servir. — Estou fazendo um favor: agora há lugar para mais uma garrafa nas prateleiras.

— Ninguém viu vocês? — perguntou Sebastião.

— Estão ocupados demais com os números das vendas. — Marcos apoiou os copos na mesa de bilhar. — E as senhoras estão tomando chá na sala de visitas.

 Os copos foram distribuídos entre duplas, e Elias anunciou que ficaria com a garrafa. Edgar estava prestes a se juntar a Tomás para dividir a bebida, mas Sebastião foi mais rápido. Marcos reclamara um copo só para si, o que significava que restava apenas um.

— Aqui, pode dividir comigo. — Leopoldo pôs uma mão em seu braço, oferecendo o copo de sidra com um sorriso.

 Edgar anuiu, tomando um gole da bebida. Perguntou-se se a sidra parecia mais doce pela graça de ainda ser proibida para eles, ou porque já havia sido bebericada por Leopoldo – era o que chamavam de beijo indireto? O rapaz sorriu para ele ao receber o copo de volta, instigando-o a fazer o mesmo.

 Os sorrisos sempre vinham com mais facilidade aos seus lábios na presença de Leopoldo, mas Edgar os censurava. Nunca se sabia quando um gesto poderia ser interpretado de maneira equivocada – ou muito certa –, fazendo surgir situações estranhas. Num grupo de moços, era necessário ter cautela.

— Agora vamos tirar a revanche da última partida. — Marcos colocou o copo vazio sobre a mesa de baralho, munindo-se de um taco de sinuca.

— Em duplas agora? — Sebastião tomou o restante dos tacos.

— Eu fico com o Marcos, o único que joga quase tão bem quanto eu — Elias falou depressa, colocando-se ao lado do amigo.

— Mas somos seis, e Edgar não joga sinuca. Leopoldo vai ficar sozinho. — Tomás despiu-se do pulôver de lã marrom e arregaçou as mangas da camisa.

— Eu passo essa — disse Leopoldo com tranquilidade, bebendo mais um gole da sidra antes de entregar o copo a Edgar.

— Está resolvido então. — Sebastião repassou os tacos, enquanto Marcos arrumava a mesa.

 Num instante, eles estavam entretidos no bilhar, xingando-se entre gargalhadas e tacados no jogo. Edgar reservou um momento para refletir como os amigos – e a maioria dos rapazes de quinze anos – logravam parecer adultos. Mal tinham pelos no queixo, mas queriam fazer a barba, parecer viris, beber e jogar, flertar com as moças, discutir sobre a exportação do café.

 Na maior parte do tempo, ele desejava fazer as mesmas coisas, e quase se sentia normal. Porém, quando Elias falava sobre essa ou aquela moça, ou Sebastião comentava sobre as amigas da irmã mais velha, Edgar pensava que havia algo errado em seu âmago.

 Lembrar-se dessa sensação trouxe um esgar ligeiro às suas feições. Discretamente, tomou o que restava da cidra e voltou para a poltrona com seu livro.

— É bom?

 Leopoldo sentou-se na poltrona da frente, com o copo já reabastecido em mãos. Edgar o fitou por um instante, acompanhando as curvas sutis de seu rosto – os anéis escuros dos cabelos, os arcos de seus lábios.

— Eu faria o esforço de participar se você quisesse — murmurou, baixando os olhos para o livro.

— Ah, eu... — Leopoldo soou surpreso, remexendo-se na poltrona de couro vinho. — Eu não queria jogar. Uma vitória por dia às custas de Sebastião já é o suficiente. Não quero estragar a nossa amizade humilhando-o tanto.

— Muito cavalheiresco da sua parte. — Edgar riu-se baixinho. — Acha que seu tio realmente não vai dar por falta da garrafa?

 Já havia surrupiado muitas garrafas da adega do palacete dos Almeida, mas ele sempre ficava com receio. Edgar nunca ousaria fazer algo assim em casa, muito menos enquanto o pai estivesse numa reunião de negócios. Crescera sob uma educação mais rigorosa do que Elias, Tomás ou Leopoldo, e sabia que algumas desobediências podiam valer uma surra de cinta.

— Tenho certeza de que ele deve ter sentir falta de uma ou outra garrafa. Se não ele, os empregados. Mas titio faz vista grossa às artimanhas de Elias, porque é seu único filho homem. — Leopoldo deu de ombros.

— Deve ser bom.

 Não pela primeira vez, Edgar perguntou-se como seria sua vida se o pai fosse tão permissivo quanto os de seus amigos. Apesar de ser o único filho dos Barbosa, não era mimado daquela maneira.

— Sim, quando se tem um pai desses, deve ser bom ser o único filho homem — Leopoldo concordou, tomando um gole da cidra e lhe passando o copo. — Mas não como com um pai como o meu. Ele diz que tenho de resolver minha vida logo, e anda empenhado em me arranjar um casamento com Teresa Lopes.

— A filha do delegado?

— A própria. — Leopoldo revirou os olhos com um ar de troça. — Não quero me casar com uma garota que parece estar matando um porco toda vez que ri.

— Isso foi cruel. — Mas ele riu da mesma forma, enchendo a boca com a sidra.

 Atrás dos sofás, os amigos gritaram quando duas bolas foram encaçapadas de uma só vez. Marcos ergueu o taco no alto para comemorar os pontos, e a ponta enfiou-se por acidente no nariz de Sebastião. O jogo foi esquecido para que os rapazes pudessem gargalhar, enquanto o ferido se derramava em maldições. Edgar cuspiu a cidra num momento de descuido, sujando a calça de algodão e o livro.

— Merda — sussurrou.

— Vocês viram isso? — Elias voltou-se para ele e Leopoldo.

— Que inferno, Marcos! Isso é vingança por eu ter beijado sua Daniela?! — Disparou Sebastião.

 Eles se envolveram numa discussão leve, recheada por provocações que eram metade brincadeira, metade verdade.

— Deixe-me ajudar.

 Edgar sobressaltou-se ao encontrar Leopoldo ajoelhando-se à sua frente. Ele sacou um lenço azul do bolso da calça e tomou-lhe o livro molhado, ocupando-se em secar as páginas com cuidado. Quando terminou com o livro, Leopoldo trouxe o lenço às suas pernas molhadas, e um calor instantâneo subiu por sua coluna.

— Espero que cidra não manche.

 Constrangido, Edgar comprimiu os lábios. Já fazia algum tempo, vinha tentando manter uma distância segura entre ele e Leopoldo, mas o outro não parecia disposto a colaborar. A amizade entre os dois só piorava as coisas, abrindo margem para que situações como aquela pudessem fossem mal interpretadas.

— Aqui, pode ficar. — Leopoldo estendeu-lhe o lenço. — Sabia que azul significa confiança?

 Edgar segurou o lenço com certa hesitação, atordoado pela ação dos hormônios.

— Não. — A voz tornara-se um sussurro.

— Você pode confiar em mim — disse Leopoldo no mesmo tom, com um sorriso discreto.

 O lenço de bolso azul, um ponto colorido nas memórias em preto e branco.


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