A rua estava coberta por neblina. Um palmo a sua frente e você não conseguia enxergar mais o chão, muito menos carros que passavam às cegas aquela hora da noite. Pela posição da lua, Nico julgou ser meia-noite.

Seus olhos negros vagavam por todos os labos, procurando um objetivo. Um motivo para estar ali na rua de pijama, passando frio e fitando um ponto cego. Algo estava o atraindo. E ele tinha um vago arrepio que lhe dizia ser curiosidade.

A torre que levava um relógio no topo marcava que estava prestes a dar uma da manhã. O que ele fazia na rua a uma da manhã?

Foi quando a badalada preencheu a cidade e o sobressaltou.

Sufocou um grito quando, de repente, uma garota apareceu bem na sua frente, o fazendo recuar três passos, ofegando alto. Piscou fortemente, balançando a cabeça e focou no corpo pálido: os cabelos negros na frente de seu corpo, tampando seus seios desprovidos de roupa, assim como o resto de seu corpo.

— Thalia? – o italiano engasgou, exasperado.

— Quem é Thalia? – o timbre divertido de sua irmã fez Nico pular, erguendo o corpo de supetão.

— Ah! Bianca! Você me assustou! – ele levou a mão para o peito, sentindo seu coração acelerado.

— Tendo sonhos pervertidos, Nico? – Bianca abriu um sorriso carregado de malicia, negando em reprovação.

Tá mais para um sacrifício do que um sonho erótico. Ele pensou consigo mesmo, encolhendo os ombros ao timming que um calafrio lhe percorreu o corpo. Sacudiu a cabeça, olhando para seu criado-mudo e fitando seu notebook. Havia adormecido entremeio a tantas pesquisas e lendas perturbadores que falavam sobre bruxas. E, porventura, havia sonhado justamente com a primeira que havia lido. Qual é, google?

— Nico? – a di Angelo passou a mão em frente aos olhos dele, chamando a sua atenção. – Você não me respondeu. Quem é Thalia? Anda saindo as escondidas com uma garota e nem me conta? Poxa, eu gosto de segredos!

— Bianca, só não! – Nico negou, rolando os olhos. – Thalia é a babá do Leo e de Nyssa, não tem nada a ver comigo.

— Hum — fez ela, apoiando sua mão na barriga de seis meses saliente contra sua blusa vinho. – Interessante...ela era sua babá? Nesse sonho aí?

— Bianca! – repreendeu, sentindo suas bochechas esquentarem.

Ela riu alto, se rendendo:

— Relaxa, estou apenas enchendo o saco.

— Que horas são? – o italiano procurou por seu celular entre as cobertas na cama, falhando miseravelmente em acha-lo.

— Quase onze da manhã. Você capotou ontem, tive que tirar o notebook de cima de você antes que virasse na cama e ele fosse para o chão – seu tom era reprovador, mas seu semblante estava suave. – Vai ir na casa do Leo de novo? Ele ligou aqui mais cedo procurando por você, me pediu pra dizer que você não iria virar um sapo se voltasse lá..., o que eu achei bem estranho, mas preferi não comentar.

Nico franziu os lábios, olhando para um ponto na parede e começando a pensar. Deveria voltar e investigar mais sobre aquela bruxa? Ou ficar em sua cama tendo o risco de ela brotar embaixo de sua cama e puxar seu pé de noite, com direito a virar um sapo – como Leo tinha mencionado – para sempre?

— Tem caixa de papelão aí? – ele questionou vagamente, se levantando e indo em direção ao seu guarda-roupas.

— Tem lá no sótão – Bianca o acompanhou com o olhar. – Por quê?

— Curiosidade – o di Angelo respondeu, dando de ombros e pegando uma camisa. – Vou tomar banho e já desço para comer alguma coisa.

A garota assentiu. Os cabelos presos em um rabo de cavalo e os olhos com um brilho divertido, ambos igualmente pretos e dando destaque a pele pálida idêntica a de seu irmão. Não era atoa que a chamavam de fantasma.

Um pouco mais tarde, Leo estava tentando assistir televisão na sala, contudo, quando Thalia decidia brincar (e levitar) sua irmã, era algo quase impossível de se fazer ao comparar o áudio do programa e os gritos entusiasmados de Nyssa.

— Eu estou voando! – gritou a garotinha. Um dos braços ao lado do corpo e o outro esticado com a mão fechada em um punho. – Ao infinito...e além!

A Grace riu, movimentando graciosamente seu dedo indicador e fitando a pequena flutuar de um lado para o outro de acordo com seus gestos.

— Sério, eu nunca achei que iria levar a frase “Minha babá é uma bruxa!” tão a sério quanto levo agora – o Valdez comentou descontraído, fazendo aspas nos dedos. – Mas o pior, é que as crianças falam isso se referindo a chatice das babás. Eu não! Eu falo porque você é realmente uma bruxa.

— Às vezes nem eu acredito – Thalia respondeu, abaixando o dedo devagar para que Nyssa voltasse para o chão. – O que acha de um lanchinho, pequenina? Está com fome? Super-heróis precisam de força e energia pra combater os vilões!

 – Salada de frutas! – Nyssa comemorou, erguendo as mãos acima da cabeça e começando a saltitar entorno de seu próprio eixo.

— Eu me surpreendo cada dia mais com essa menina – a bruxa sorriu, se levantando e segurando na mão da garotinha, saltitando junto dela até a cozinha.

Leo negou em reprovação, contudo, suspirou de alivio ao poder finalmente assistir seu programa preferido.

A campainha soou ao mesmo tempo que ele se acomodou melhor no sofá, o fazendo soltar um palavrão em espanhol e se levantar resmungando. Estava preparando um discurso amargurado para a pessoa que estivesse atrás daquela madeira, mas, quando abriu a porta, as palavras morreram.

Nico di Angelo estava ali, vestido com caixas de papelão como uma espécie de armadura.

— Mas que porra é essa? – o Valdez repuxou os lábios para baixo em uma careta assustada e horrorizada ao mesmo tempo. – Céus, eu vou ter pesadelos pelo resto da minha vida! Que cena ridícula!

— Me respeita que foi difícil vestir isso aqui, tá? – Nico retrucou, negando em reprovação. – Tudo pra me proteger da bruxa, em falar nisso, cadê ela?

— Oi! – Thalia saltou de trás de Leo, fazendo o di Angelo soltar um grito estrangulado agudo, colocando de reflexo as mãos à frente do corpo pronto para lutar contra o mal. – Ué? Gente, que isso?

— Dessa vez eu vim preparado! – Nico endireitou a postura, pigarreando. – Suas bruxarias não vão me fazer mal!

— Tecnicamente você nem pensou em conversar comigo para descobrir se eu era do mal ou não, mas eu vou repetir: eu não faço mal nem a uma mosca, quanto mais a um mundano bonitinho! – a Grace negou em reprovação, achando graça do jeito dele.

Sem esperar uma resposta, deu as costas e foi para a cozinha atrás de Nyssa.

— Cara, você foi lerdo o suficiente ou sacou que minha babá te cantou? Indiretamente, mas cantou? – Leo questionou, os olhos apertados em desconfiança.

— Eu prefiro não pensar nisso – Nico retrucou. – Ela continua sendo uma bruxa. Bonita. Mas uma bruxa.