Thalia se sentia observada. Leo, depois de muita discussão e insistência, conseguiu negociar com Nico para que ele tirasse pelo menos a caixa de papelão da cabeça. Esta que ficou em cima da ilha da cozinha, virada para a bruxa com olhos deformados pintados ali.

— Parece que está vivo – ela comentou baixinho com o Valdez, que a ajudava com alguns sanduíches para o lanche da tarde. – Pra onde eu vou os olhos me seguem! Eu achei que eu fazia magia aqui, não olhos pintados de lápis em uma caixa fedida!

— Não fala assim da frederica! – implicou. Seu timbre ofendido. – Ela é uma boa caixa!

— Eu não entendo porque mundanos tem medo das bruxas! Eu que deveria ter de vocês, eu, hein! Ser estranho – Thalia negou em reprovação, dando um passo largo para o lado, se afastando do rapaz.

Nico, por sua vez, se movimentava cautelosamente pela cozinha. Seus olhos grudados na bruxa quase o tempo todo. Se esgueirou até o armário, abrindo-o e pegando a caixa de cereal. Fechou a porta e parou.

— Por que tem um gato no armário? – o di Angelo questionou confuso, voltando a abrir a porta e fitando o gato preto. – E por que esse gato...TEM PEQUENOS CHIFRES?!

Ao mesmo tempo que Thalia chocou a mão contra a testa, comprimindo os lábios e esperando o ataque cardíaco vir do italiano, Toy, seu gatode – um gato com pequeninos chifres de bode na frente das orelhas – falou.

— Olá – a voz do animal lembrava um apresentador de televisão anunciando o resultado de um sorteio.

 Correr já era uma coisa difícil, ainda mais quando seu corpo estava cheio de caixas de papelão. E, quando Nico caiu no chão, Toy riu. Um riso arrastado e rouco.

— Toy! Eu já falei que você não pode sair falando oi pra todo mundo desse jeito! – Thalia repreendeu o gatode, negando em reprovação e o tirando de dentro do armário.

— Aí, não rela no meu corpinho não! Eu acabei de receber uma massagem ótima da Nyssa e ele tá sensível! – Toy reclamou com sua voz grossa. – Ih ala, será que eu matei ele de susto? Na verdade, quem quase morreu fui eu, né? De repente me surge um mundano com caixa de papelão no corpo, achei que fossem me levar pro açougue!

— Toy sempre agradável – Leo murmurou, subindo as sobrancelhas.

— Olha você não vem me encher o saco não, hein? Espera, to precisando mesmo de um afiador de garras, vem cá batatinha, vem – Toy balançou o rabo de um lado para o outro, tendo a boca tampada por Thalia.

— Toy! – repreendeu ela, o levando para a sala, deixando a tarefa de ajudar Nico para Leo.

— O que? Eu não tenho culpa do nariz dele me lembrar uma batatinha! – argumentou o gatode quando teve sua boca liberta.

— Por que eu fui me render aos seus olhinhos brilhantes e pidões na feira de adoção de gatodes? – Thalia negou em reprovação, falando mais consigo mesma do que com seu bebê. – Vamos, Toy, vá para sua caminha, conversamos depois!

O soltou no chão, estalando os dedos e fitando a pequena nuvem de fumaça que foi deixada para trás quando o gatode desapareceu.

— Eu juro que vi chifres! Eu vi chifres em um gato! – Nico repetiu, exasperado e apoiando-se no ombro do amigo, este que negou em reprovação.

— Sim, você viu o Toy – Leo foi com ele até a sala, não tendo tanta delicadeza ao deixa-lo no sofá. – Ele é o amigo da Thalia, não precisa morrer do coração não! Calma, respira, homem! Tudo bem que Toy não foi nada gentil e cuidadoso na abordagem dele com você, mas garanto que é melhor do que você acordar com ele sentado em cima de você e de repente puxar um papo aleatório como se fosse normal um gato com chifres falar.

— Mundanos – Thalia negou em reprovação, caminhando para ficar no campo de visão do di Angelo, que encolheu as pernas. – Bem, Nico, você veio até mim para ter ajuda com crianças, não é? Então que tal ignorar o fato que eu não sou normal e agir? – a garota olhou para cima, fitando uma boneca de Nyssa no topo da escada e fazendo um gesto, trazendo-a até si.

— Belo jeito de esquecer que você é bruxa – Leo comentou irônico, a fazendo rolar os olhos.

A babá se concentrou, encostando a ponta de seu dedo no nariz da boneca e sorrindo satisfeita.

— Aqui – ela a esticou para Nico, que se encolheu mais contra o sofá. – Está tudo bem! Eu só dei algumas funções pra ela, nada demais! – Em seu colo, a boneca soltou um “papai” entusiasmado, fazendo Thalia subir as sobrancelhas e sorrir cúmplice.

— Tira isso de perto de mim! – o di Angelo levantou, ainda em cima do sofá, pulando por cima do encosto e se abaixando, se protegendo da boneca.

— Ai que gracinha! – Leo, por sua vez, segurou a boca, que agitou os braços mecânicos como se estivesse feliz. E, de repente, ela começou a chorar alto. – Gracinha não, gracinha não! Pega isso! Pega isso!

Thalia riu alto, pegando o brinquedo e aninhando em seu colo, começando a balançar o corpo suavemente. Aos poucos, o choro foi cessando.

— Era sono – ela concluiu. – Vocês desesperados e a coitadinha só queria um colo para dormir!

— Ah, era só isso? Então tudo bem, achei que seria, sei lá, queria mamar – o Valdez deu um sorriso nervoso, fazendo-a negar em reprovação.

— Então, Nico, vai ficar com ela? – Thalia questionou, fitando os olhos dele, a única parte visível que ele havia deixado.

— Nico? Ficar com uma boneca que seria supostamente a filha da irmã dele que ele teria que cuidar? – Leo apontou para o garoto, que baixou as sobrancelhas em uma cara feia. – Ele? Que apareceu hoje vestido em uma caixa de cereal?

A bruxa franziu o cenho, mas assentiu meio incerta.

— Ele vai acabar botando fogo na coitadinha! – o tom incrédulo do Valdez fez Nico se levantar frustrado.

— Não vou não! Pode me dar, eu cuido dela! – aceitou o desafio, esticando os braços e pegando a boneca em seus braços.

— Eu espero mesmo que não coloque fogo nela – Thalia suspirou, fitando-o ter dificuldade em aninha-la com a caixa de papelão em seu torso.

Aquele dia com certeza seria longo. E, talvez, só talvez, engraçado.