All my life by my life escrita por Jem Doe
O trabalho era mais fácil que o esperado, e portanto, meio chato. Hora era monótono, apenas Viian, a vassoura, e a pista vazia - agora bem iluminada, não mais a pista com luz vermelha suave que ela havia primeiro encontrado (antes era um boliche, Yves havia dito, no primeiro dia dela. “Mas agora é mais fácil manter”, ela havia continuado, fazendo um gesto vago com a mão) -, hora era o inferno na terra, começando vinte minutos depois da escola mais próxima liberar os alunos, até o horário de fechamento.
Yves não aparecia muito, e não era como se Viian pudesse perguntar a ela porquê - Yves havia lhe dado seu número de telefone (para emergência, Yves havia dito), e não era como se ela simplesmente pudesse mandar uma mensagem dizendo “ei, e aí, qual é a de você nunca estar aqui?”.
Mesmo assim, era divertido. Ela aprendeu logo o tamanho e o nome dos clientes de sempre - as garotas bonitas da escola por perto, a garota de quatorze anos que gostava de sapos, o garoto bonito que Viian tirou fotos de referência para desenhar depois, as três bruxas locais -, e desejava que ela pudesse patinar mais.
Claro, ela podia, em teoria, patinar, mas isso queria dizer que ela teria de ficar mais tempo depois do expediente para limpar o chão. Portanto, ela não patinava muito.
Muito. Nas (raras) ocasiões que Yves aparecia - Yves estaria voltando de colocar a vassoura no lugar, e ali estaria ela, sentada no balcão, um par de patins já nos pés e outro no colo, vestida em xadrez amarelo, como se ela estivesse estado sempre ali -, Viian podia patinar. Ainda de mãos dadas com Yves, apesar de já saber como se patina, porquê era legal, e porquê ela podia fingir que a falta de ar que ela sentia era culpa do exercício, e não por causa de Yves.
Parte dela encarava os lábios macios de Yves e queria a beijar, se só para confirmar que eram tão macios quanto pareciam. Parte dela não estava confortável com tais pensamentos. Parte dela estava satisfeita com o que ela tinha, e portanto, Viian não fazia nada.
Quando Yves ia embora, para fazer algo que ela nunca dizia o quê era (apenas desculpas vagas), ela deixava para trás pequenas engrenagens, brilhantes e novas, e Viian as arranjaria em pequenas pilhas. Além disso, o que quer que Yves fazia não era de sua conta - o salário vinha em dia, e era isso que importava.
Uma noite - tão tarde que Viian se arrependeria na manhã seguinte, mas Yves estava brilhando como um pequeno sol, em seu xadrez amarelo, então não tinha muito arrependimento a ser tido ainda -, Yves parecia pular no lugar, animada com algo que Viian não sabia identificar.
—Vem comer comigo. - Ela decidiu, oferecendo uma mão, e Viian (que estava colocando no lugar os patins que elas haviam acabado de usar) a encarou. - Jantar. Eu pago o que você quiser. Que tal?
Soa, vagamente, como um encontro. Vagamente.
Era o suficiente. Viian aceitou a mão que Yves oferecia.
—Eu adoraria. - Viian respondeu, e Yves sorriu mais ainda, as duas fechando a pista entre risos, indo para a rua, presas em sua bolha amarela, as suas vozes se perdendo para o céu estrelado.
Portanto, Viian nunca viu o carro vindo.
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