Galhos Suicidas escrita por Vatrushka


Capítulo 7
Victriz




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Ismália estava indo em direção à Lua na companhia de sua ciborgue, para visitar a sua mãe.

Teve que aguardar um mês depois do ocorrido para entrar em contato com a rainha - ou seria ex-rainha? - diretamente. Segundo Driano, era recomendável esperar a situação se acalmar um pouco para não atrair suspeitas para Ismália.

Jade, pelo contrário, recomendou que fosse honrar as relações familiares e visitasse Victriz o mais rápido possível - fazendo juz à sua eterna hipocrisia. Claro que Ismália optou por contradizê-lo. Driano sempre havia se comportado muito mais como pai para ela, e por isso o respeitava.

As crises de Ismália vinham se apaziguando. O psiquiatra estava otimista. Pela primeira vez, Ismália também estava.

“Tenho a sensação de estar me livrando de um peso horrível nos ombros. É uma tranquilidade que sempre quis na minha vida.” Confessou uma vez.

“Qual é a causa desse alívio, Ismália?” Perguntou seu terapeuta.

“Hoje anunciou-se na Corte a possibilidade de depor a minha mãe como rainha. Só vão precisar de averiguar as últimas medidas essa semana, mas no resto está praticamente acertado. Daqui a pouco anunciarão a abertura de um novo Nodos - e finalmente, a atenção da mídia vai sair de cima de mim.”

“Você quer que a sua mãe perca a coroa?”

“Está brincando? É tudo o que eu sempre mais quis no mundo!”

O metal prateado da ciborgue cintilava. “Você se sente confortável para fazer isso?” Perguntou à Ismália.

“Oh, claro. Esperei minha vida inteira por este momento.”

—-------

Victriz estava sentada, com as mãos algemadas sobre a mesa. Seus olhos, ainda determinados e destemidos como os de um gato, acompanharam cada movimento da filha até sentar-se à sua frente.

“Quem é vivo sempre aparece.” Comentou Victriz, quando fecharam a porta atrás de Ismália. Vendo que a filha não respondeu com nada além que um olhar reprovador, acrescentou. “Até mesmo Glaura tentou entrar em contato comigo antes de você.”

Ismália engoliu a acusação. Ela sabia o quanto aquele assunto lhe era sensível, e a atacara mesmo assim.

A própria filha.

Definitivamente não havia sentido falta daquela relação tóxica. Definitivamente.

Ismália cerrou os olhos.

“Por que você fez isso, mãe?” As duas sabiam que ela estava se referindo aos encontros de Victriz com organizações criminosas.

Victriz ergueu a sobrancelha. Esperava alguma preocupação em relação à própria estadia, ou ao como estava. Sempre tratara a filha com rigor para que ela crescesse forte. Agora via, porém, que gerara alguém ainda mais sangue frio do que ela própria.

“Eu sempre tenho os meus motivos. Sabe que falo a verdade quando digo que é por um bem maior. E para a segurança de todos, é melhor ninguém saber. Por agora.”

Ismália ergueu a sobrancelha. “Isso tudo faz parte de mais uma de suas grandes armações, não é mesmo?” Desconfiou que fosse. Victriz era inteligente demais para deixar qualquer brecha em suas negociações. Ismália havia mesmo estranhado o fato de sua mãe ter sido “pega em flagrante”. No mínimo, já havia planejado ser pega.

A rainha respondeu apenas com um esboço de sorriso. “Assim que me destronarem, convocarão um novo Nodos. Espero que esteja com a intenção de participar.”

“Nunca.” Respondeu Ismália, com um tom macabro na voz.

Victriz inspirou fundo, buscando decifrar a expressão da filha. “Espero que saiba que seria de uma grande ajuda se você vencesse.”

    A expressão enigmática de Ismália não vacilou. Ela sequer piscou. “Se eu participasse, não venceria. E ainda que eu tivesse uma mínima chance de vencer, não tentaria. E você sabe porquê, mamãe?”

    Ismália se inclinou de forma ameaçadora, proferindo cada palavra lentamente. Parecia deleitar-se com aquilo, como se esperasse poder proferir aquele discurso há anos. “Porque é absolutamente tudo o que eu menos quero na vida. A exposição. A responsabilidade. O excesso abusivo, inumano e ingrato de responsabilidade. Esse cargo, essa porcaria dessa coroa me custou a minha tranquilidade, a minha saúde e a minha família. O meu sonho sempre foi me livrar disto tudo. E agora que eu tenho essa possibilidade caindo dos céus: você deposta e incapaz de me perseguir, o que te faz pensar por um segundo que eu ficaria?”

    Victriz engoliu à seco. “São bilhões de pessoas que precisam de nós, Ismália.”

    Ismália se levantou, abrindo um sorriso venenoso e com os olhos brilhando de ódio. “E o que te faz pensar que eu me importo?”

    Ela se virou e partiu em disparada, batendo a porta. Victriz pôde ouvir sua risada nervosa se distanciando. A rainha pôde então baixar a guarda e murchar os ombros. Permitiu, pela primeira vez em muito tempo, sentir a dor. Sua visão começou a embaçar com as lágrimas.

    Quando Victriz era mais jovem, estava estudando para ser médica. Lembrou-se de alguns casos específicos que vira quando fez plantão; de jovens morrendo de overdose. Teve o contato direto com os pais dos falecidos destes pacientes. Todos eles ficavam desesperados, indignados, em negação. “Onde fui que eu errei?” Repetiam, entre árduas lágrimas.

    Victriz gostaria de poder ter o privilégio de se fazer essa mesma pergunta. O fato de saber a resposta era simplesmente doloroso demais.


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