Galhos Suicidas escrita por Vatrushka


Capítulo 6
Kai




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/750059/chapter/6

Crystal estava tentando ser a mais discreta possível. Tinha conseguido sair da Capital e ir para outra cidade, menor e remota. Recomendaram-lhe a não ir para lá, era perigoso.

Então era exatamente onde ela precisava ir.

Andava pelas ruas com um casaco cinzento, o capuz cobria sua cabeça e ela olhava fixamente para o chão. Aquela cidadezinha definitivamente era muito menor e menos cuidada do que a Capital. Os prédios pareciam estar em ruínas. Nenhum hospital, escola, ou qualquer lugar que aparentasse ser um lar de uma família normal.

Definitivamente, era um gueto de criminosos.

Precisava de uma documentação falsa. E era ali que conseguiria.

Com o cancelamento de viagens interplanetárias, Crystal pegou-se em um beco sem saída. Seu pai descobriria sobre suas peripécias; e se algum dia voltasse, ele não a permitiria sair de casa nunca mais.

A solução mais lógica, portanto, era não voltar. Adiantar, de uma vez, seus planos de morar fora de Mercúrio. Construir a própria vida.

Entretanto, sabia que o dinheiro que levara para a viagem não a sustentaria por muito tempo ali. A dona do restaurante que gostara era uma pessoa muito boa: ofereceu-lhe hospedagem e um trabalho provisório. Após uma semana, entretanto, foi obrigada a ser realista:

“Crystal, meu bem, para ser oficialmente contratada, preciso de seus documentos. Você me contou que a sua relação é complicada com o seu pai, então se você precisar de ajuda para buscá-los em sua província…”

Crystal negou a ajuda para acobertar a mentira. Sabia que apenas terráqueos podiam trabalhar legalmente na Capital - medida implantada para evitar superlotação de imigrantes de outros planetas. Precisava de documentações que a considerassem terráquea.

Buscou saber quem poderia fazer o trabalho de forma definitiva para ela. Soube que os melhores profissionais na área estavam geralmente envolvidos com gangues muito perigosas - e que se Crystal fosse até eles, era provável que não voltasse.

Ficou sabendo, entretanto, que havia um rapaz específico que fazia o estilo de lobo solitário e apenas prestava serviços temporários às organizações que o procuravam. Segundo o que Crystal ouviu, era até gente boa.

Não comprou muito a ideia do “gente boa”, mas não tinha outra escolha.

Iria atrás de Kai.

—-------

Entrou no prédio que haviam lhe indicado mais cedo. Aparentava ser, em outra época, um prédio comercial. Eram muitos andares, com muitos escritórios em cada.

Ao longo que percorria os corredores, Crystal se incomodava com a forma de como o prédio estava vazio. Sentia-se caminhando para uma emboscada.

“Aqui não é o departamento de brinquedos, menininha.” Uma voz masculina debochou, atrás de si. Crystal se virou de sobressalto.

Tentou manter o tom de voz da forma mais calma possível. “Você é o Kai?”

Ele esboçou um sorriso. “Para a sua sorte, sou. Mas não recomendo sair perguntando para qualquer um aqui o meu nome. Essa cidade abriga pessoas sensíveis, sabe?” Ele disse, caminhando para um cubículo. Crystal o seguiu. “Mas o que você está querendo de mim?”

“Documentação falsa. Quero que hackeie todos os lugares em que fui registrada, para me dar um histórico terráqueo.”

Kai ergueu a sobrancelha. “Só isso? Arriscou a sua vida vindo aqui só pra ser terráquea? Nada mais?”

Crystal não respondeu.

“Hm, deve estar mesmo desesperada.”

Ele ligou seu computador e começou a teclar suas ordens na tela projetada em holograma.

“Qual você quer que seja seu novo nome, Crystal?” A pergunta de Kai a assustou. Ela nem precisou de dar seus dados, ele já os havia conseguido pela sua fisionomia.

Crystal teve uma péssima sensação de vulnerabilidade. “Quero que continue sendo Crystal.” Era o nome que já havia dado à dona do restaurante.

Kai olhou para ela, abismado. “Você é realmente péssima nisso.”

Ela deu de ombros. “É um nome comum, não é?”

Ele terminou o trabalho. “Pronto. Aqui está.” Chamou-a ao seu lado, para olhar seus novos dados.

“Qual a forma de pagamento?” Perguntou Kai, por fim.

Crystal engoliu à seco. “Tenho duas propostas.”

Ele cruzou os braços. “Estou todo a ouvidos.”

“Primeiramente, seria te pagando a prestações ao longo que eu for recebendo dinheiro. Já aviso que não vou receber muito, então pode demorar mais…”

“E a outra proposta?” Ele cortou, impaciente.

Crystal respirou fundo. “Eu vou estar trabalhando em um restaurante próximo à zona central da Capital. Poderia servir de… transportadora de serviços que você precisar. Informante. Uma ajudante.”

Ele bufou. “Uma menina como você, trabalhando pra mim?”

“Ninguém desconfiaria, não é mesmo?”

Uma sombra de pensamento passou pelos olhos de Kai. Ele permaneceu em silêncio por alguns segundos.

“Você tem que me provar que dá conta.”

Crystal abriu um sorriso maligno. “Suponho que você deve ter vários amiguinhos da indústria armamentista, certo? Deve ser complicado estar na pele deles hoje em dia, o mercado está tão parado…”

Kai continuou a ouvir, atentamente. Crystal continuou: “Que legal seria se eles tivessem a oportunidade de vender para grupos rebeldes… Como os primanos, por o exemplo…”

A expressão do rapaz brilhou em entendimento. “Seu papai seria um contato.”

Crystal sabia que era uma jogada arriscada. Mas era tudo o que tinha. Sabia que o maior volume de armas era projetado e produzido em Netuno, e por isso os primanos não se incomodariam em utilizá-las.

“Você quer que eu venda essa informação?” Concluiu Kai.

“Uau, Kai. Você é tão experto!” Deixou escapar. “Temos um acordo?” Ela ergueu a mão.

Não queria estar fazendo aquilo. Ajudando diretamente um processo que tiraria vidas…

Mas era um universo cruel. Faria o que precisasse para sobreviver.

Kai apertou sua mão, como um sorriso no rosto. “Espero que sim.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Galhos Suicidas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.