O medalhão de Salazar escrita por Sirukyps


Capítulo 10
Monstro




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— Harry, não durma. – Protestava Severus pela milésima vez naquela noite.

Ocupando o banco traseiro do carro, a criança permanecia lhe enlaçando o pescoço, vacilando em cochilar ao seu ombro.

Estranho.

Naquelas horas, o pequeno retornava narrando as aventuras do dia. Como conseguiu terminar o desenho primeiro ou não teve medo das formigas malvadas que pularam em seu lanche. Entorpecido perante tamanha energia e criatividade, Severus observava as largas costas do animado motorista, questionando se James também havia sido uma criança assim.

Todavia, hoje.

Após o último aluno deixar a escola, Harry levantou. Esgueirando entre as mesas, segurava a barra da negra camisa, fitando o professor com extrema carência, e, apesar dos lábios tristonhos nada falar, estava claro o pedido de colo.

Atingido, Severus desviou o olhar para os papéis. Continuando a corrigir as atividades do dia, não podia ceder. Precisava corrigir aquele lado sentimental, caso contrário, o jovem Potter seria outro insubordinado sem limites. Entretanto... Repousando o queixo em seu colo, os ansiosos olhos pareciam maiores, marejados, entristecidos como um cachorro esquecido numa estrada qualquer.

Suspirando fundo para resistir, o coração apertava ao pensar em afastar aquele anjinho que descansava a cabeça sobre suas coxas, sem desviar os olhos confusos que não entendiam o motivo para continuar ignorado, certamente decepcionado com o professor malvado.

Dez minutos e o garoto se afastou.

Retornando com uma das pequenas cadeiras, utilizou esta como escada para subir no colo negado e, passando por debaixo de um dos braços, o astuto rapazinho escalava, logo enlaçando o pescoço do carrancudo mestre.

Percebendo que o homem continuava a escrever, observou:

— Papai, todo mundo já foi embora.

— Mas eu ainda tenho trabalho, Harry.

— Trabalho... – Repetia enfadado. Sem reclamar, só repousou a cabeça na parte esquerda daquele ombro, permanecendo, quietinho, ali.

Revirando os olhos, o sonserino respirava devagar para segurar o riso.

Mordendo os lábios como uma coisa tão pequena já poderia ser tão melindrosa? Reparando os negros cabelos, realmente, apesar de ser filho da Lily, os traços do genitor ultrapassava os incontáveis detalhes físicos.

 Empurrando os papéis de qualquer jeito na gaveta, refletia que o carente comportamento vinha acompanhando o rapazinho tinha alguns dias. Inclusive, Harry o seguia quando este se ausentava da sala. Há dois dias, estava batendo na porta do diretor, sob a desculpa que havia terminado o desenho. Quando amanhecia, o pequeno vinha cumprimentá-lo, antes mesmo do tocar do despertador. Apesar dos anos de vida não completar uma mão inteira, era fácil notar as chamativas esmeraldas lhe acompanhando durante todo o tempo.

E, agora, no carro, o mimado garoto murmurou triste mediante a menção da cadeira infantil. Sem alternativa, como também, motivado pela preocupação, outra vez, o professor acompanhava aqueles dois até em casa.  

Dirigindo, James não negava o divertimento em ter um aliado.

Harry despertava um lado paternal em Severus, o qual nem o próprio tinha conhecimento, mas, institivamente, melhorava. Embora reclamasse dos chocolates fora de hora, ele encobria o pestinha quanto às barras desaparecidas em alguns fins de tarde. Estreitando os olhos, James ficava sem palavras para a dupla, ainda mais quando o filho exibia um grande sorriso amarronzado e os estreitos bolsos tão cheios.

Apesar de implicar, reclamar, James não aguentava tamanha fofura.

Certo, eles tinham um problema.

Um problema sério.

O combinado seria o sonserino ocupar o papel de pai malvado para que ele pudesse bancar o herói e convencer o pequeno a seguir a carreira dos leões, todavia, fazendo outra lenta curta na tranquila estrada, James agradecia satisfeito pelos dias desfrutando da companhia de seus dois amores.

Só que...

Naquela altura...

Incomodado pelo silêncio, observava os dois pelo retrovisor.

Esforçando-se em ter tato, o carrancudo homem tentava conversar com o miúdo e só recebia murmúrios amuados. Este, logo pressionava o rosto contra o tecido, ficando quietinho, calado. Quem observava, nem podia deduzir se a criança estava dormindo ou acordada. 

Percebendo o sinal fechar, James incentivou:

 - E como foi à aula, Harry?

Nada.

— Harry... – Severus ajudava. Utilizando uma técnica recém-aprendida, o menino fechava os olhos, fingindo dormir. – Harry anda estranho, James. Hoje, ele não brincou, não pintou. Acho que ele não anda dormindo... – Suspirando angustiado, o bruxo conferia a temperatura na nuca, - Ele não aparenta doente, mas está cansado.

— Deixe-o dormir, então. Você o coloca no berço e eu te levo para casa.

— Você nunca me leva pra casa, James. - Rosnou ácido, erguendo a sobrancelha. Fazendo carinho nos cabelos macios, obedecia, embora prosseguisse com as reclamações. - E se ele dormir agora, vai passar a noite bagunçando.

— Pai...

— Pode dormir, copo de leite.

— Não... - Teimava, deixando os dois homens atentos.

Fazendo carinho em suas costas, a carinhosa voz explicava:

— Você pode pegar o ingrediente no mundo dos sonhos...

Relaxando num breve cochilo, logo o pequeno saltava, tenso. Segurando o tecido da gola com certo receio, abafava o rosto contra aquele ombro, repetindo com certa impaciência:

— “Mentindo”. – Harry pausou aflito. Mentir era errado, até mesmo o tio Lupin já havia lhe advertido. Rolando o redondo rosto naquele improvisado travesseiro, segurava mais forte o preto tecido, temendo que seu pai o deixasse como a ruiva havia feito. Não importava o que aquela criatura falasse durante a madrugada, Severus não era alguém ruim. Temeroso, balbuciava em interno conflito. – Papai disse que eu não deveria mentir, mas acho que não ligo se você mentir.

— Como assim, Harry? - Severus forçou o riso, intrigado. Afastando um pouco a criança para lhe fitar os olhos, aguardava a explicação. – Você acha que eu estou mentindo?

— O monstro disse que sim.

— O monstro? – Franzindo o cenho para o condutor cínico segurando a risada, alfinetava em brincadeira. -Monstros não existem, Harry. Não acredite quando ele falar estas coisas. – Deferindo um leve empurrão nas costas do estofado, resmungava, enquanto acomodava a criança no colo outra vez. – Ele é um completo idiota.

— Eu nunca disse que você estava mentindo pro Harry.

— James, só dirija.

— Por Merlin, pelo que você mentiria? - James questionou sério, fitando o amante pelo retrovisor, não entendia a repentina irritação. Suspendendo as sobrancelhas num sorriso maroto, continuava. – Eu sei que você quer dizer que me ama quando fala que irá me matar.

— Eu te odeio. Muito.

— Amor, - O grifinório provocava, recebendo outro leve pontapé. Sem conseguir controlar o divertimento pela situação, insistia. – Talvez, seja um monstro de verdade. Ontem mesmo, um monstro frio e ardiloso, não me deixou dormir.

— Hoje, fiquei sabendo que ele vai abafar o travesseiro em seu rosto até que você não respire mais.

— Monstros fazem isto, papai? – O pequeno interpôs, visivelmente assustado.

— Harry... – Lançando um olhar de repreensão para o motorista, a recordação pela guerra... Talvez, algum monstro pudesse vim machucar aquele lírio. E ele... Ele nada poderia fazer. Rendendo-se para o cansaço, o fraco olhar pedia ajuda. Assim como a minúscula criança, o receio também o abraçava, sendo o terceiro passageiro na traseira daquele transporte. 

— Amanhã, o Remus pode ensiná-lo sobre feitiços de proteção contra o bicho-papão.

— Devemos evitar feitiços, James. Manter distância da magia...

— Mas, ele já vem a nossa casa pegar a poção deste mês.

— Talvez, eles possam conversar e... – Propôs pensativo, encarando as próprias mãos envoltas do protegido... Mas, que proteção poderia oferecer? Ele nem deveria estar ali. Sentindo o choro lhe engasgar, realmente, eles tinham razão quando o chamavam de mentiroso.

Ele...

— Papai... – Percebendo a aflição do tutor, Harry chamava manhosamente. Após alguns segundos o observando, nem mesmo tinha ciência sobre um terço das coisas que o monstro falava. Não sabia o que era uma relíquia. Um traidor. Já ouvira histórias sobre o medalhão de Salazar... Contudo... Agarrando-se as palavras conhecidas, explicava baixinho. – Eu me sinto feliz quando estou com você, papai. Eu nem tenho medo quando estou com você. – Fitando-o vagamente, - Eu não quero que você vá embora também.

— Eu não vou embora, Harry. Eu tenho que cuidar para que você seja grande e forte.

— Ele já é grande e forte. – Intercalou James.

— É verdade, Harry? Você não quer o meu cuidado?

— Eu quero. E... – Apesar da timidez, o jovenzinho aproveitou a oportunidade. – Eu também posso dormir com você, papai?

— Não! - James foi mais rápido. Percebendo os olhos revirados por não considerar a angústia do filho, este complementou. - Ah, não! Severus! Poxa... 

— James! - O sonserino nem conseguia acreditar que a criança estava em seu colo e não dirigindo o veículo. Sorrindo para o enteado, perguntava. - Não vai sentir saudades da sua cama?

— Não! – Firme, tinha ainda mais certeza. - Eu quero dormir com você, papai.

— Acontece que eu também quero dormir com seu pai, Harry. E a nossa cama é muito apertada.

— James! - Pela terceira vez, Severus bronqueava. Deitando a cabeça do pequeno, novamente, contra seu ombro. Garantia, repleto de carinho. - Pode dormir, coração. Vou garantir que nenhum monstro venha lhe visitar esta noite e nem nunca mais.  

— Eu acho que... a mamãe...

— Descanse, querido. – Severus insistia doce. 

Olhando pelo retrovisor, James tinha o coração aquecido.

Queria fotografar aquela ternura.

Todavia, ele nunca havia conversado sobre o companheiro com o filho. Aos poucos, o garoto apenas se acostumou com a presença integral do instrutor. Por isto, soava estranho que este dissesse que Severus estava mentindo.

Fitando a estrada, James tinha ciência do quanto aquela pessoa mentia.

Do quanto ele também mentia.

Mas...

Reparando as cercas brancas da residência quando virou a esquina, mais do que nunca, descobriria quem era o imbecil que ousava invadir o quarto do seu filho e o mandaria para Azkaban.

Espionando, outra vez, o apreensivo homem do banco de trás junto a adormecida criança, naquela noite, tinha certeza que não conseguiria dormir, pois, apesar de bastante indignado e insatisfeito, ficaria admirando aquelas duas pessoas que tanto amava... Até porque... Por mais que se empenhasse em protegê-los, algo invadia o quarto do...

Não!

Estacionando, corrigia as próprias inquietações. Sim, não conseguiria dormir naquela noite, pois aproveitaria o máximo memorizando aquela afetuosa e, primeira de muitas, recordação.

 

—---/

 

Em silêncio, os lábios tristes de Remus não bebiam o chá.

Repousando o queixo contra a mão, ele observava um aleatório galho flutuar dentro da água amarronzada, mas não tinha ânimo para continuar bebendo.

Não era o doce que procurava.

E, por mais que o amigo houvesse lhe oferecido uma fuga para atribulada situação, precisava de Sirius.

Percebendo-o sem apetite, Peter arriscou:

— Outra lua cheia?

— Sim... Logo. Mas... Se fosse apenas ela. – Levantando o olhar, explicava. – Já faz um tempo que ela não é problema. – Acolhendo a xícara entre ambas as mãos, ele usufruía da perfumada fumaça. – Estou tomando algumas poções.

— Poções? Isto pode afetar sua saúde, caro Moony. Sabe que alternativas não são confiáveis.

— Sim, mas... Não é qualquer poção. – Concentrado na finura do pequeno galho sem se amedrontar pelo mar de líquido ao seu redor, ali, poderia ser um exemplo de insistência e esperança. Divagando, explicava. – O Sirius que me traz. Às vezes, o James me entrega, mas acho que são do Severus.

— Do Ranhoso? – Peter não escondia o nojo.

— É estranho, mas sim. – Sorrindo minimamente perante a surpresa do amigo, Remus compartilhava o segredo peculiar. - Ele ainda lacra as embalagens como na escola. E... – Repousando a xícara, novamente, a mesa. – Sirius está zangado e James está feliz. Tão sorridente quanto na escola. Aposto minha dignidade que o Severus está envolvido nesta história.

— Você não tem muita dignidade, Remus.

— Foi à única coisa que consegui lembrar. – Dando de ombros, sorria divertido. – Aliás, amanhã irei visitar o James. Quer vim comigo? Os marotos unidos novamente?

— “Novamente”... – “Snape com o Potter”. Passando os dedos lentamente sobre o pacote pardo em seu colo, os estreitos olhos refletiam sobre o comportamento do rival nas últimas reuniões. No fim, suas suspeitas não eram aleatórios blefes. Escutando o convite, agradeceu com cinismo. - Acho que vou passar desta vez. Mas, diga que mandei lembranças, aos dois, se encontrar o ranhoso.

— Eu não tenho certeza, ainda. Mas vou apurar e te conto.

— Estou bastante curioso, caro Moony. 


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