Contos Sombrios escrita por Karlos


Capítulo 2
Confiança




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            “Mas o que está havendo?”. Aquele som me assustava desde o momento em que comecei a ouvi-lo. Forcei meu corpo ainda mais contra aquele canto da parede, com a esperança de que pudesse me esconder. Arrepiei-me ao perceber que o local estava molhado por alguma coisa. Pela textura, com certeza não era água.

            Não fazia ideia de onde estava, ou como tinha ido parar ali. Só me lembrava de estar deitado em meu quarto no momento em que senti uma dor insuportável em minha nuca.

            O local em que me encontrava estava totalmente escuro. Uma forte corrente de ar vinha de encontro ao meu rosto, trazendo junto um barulho repetitivo e estridente se arrastando e batendo nas paredes. Apesar de não enxergar nada, tive a sensação de que o lugar se estendia por quilômetros a minha frente. O eco proveniente do barulho parecia afirmar minhas suspeitas.

            Decidi levantar-me e caminhar na direção do som, até mesmo porque havia uma parede em minhas costas. Enxuguei meu braço na roupa e notei que a substancia exalava um odor que eu já sentira antes, só não conseguia me lembrar onde. Comecei a vagar, estendendo os braços em busca de alguma coisa em que pudesse me apoiar. Continuei vagando assim por algum tempo sem que nenhuma mudança acontecesse.

            Nesse momento minhas mãos encontraram algo em que apoiar.

            Preferia não ter encontrado.

            Tratava-se de um metal frio, também molhado por algo que deduzi ser a mesma substância em que havia me sujado minutos antes. Quando me apoiei o objeto se movimentou, me fazendo perder o equilíbrio e ir de encontro a ele. Pude perceber então que se tratava de uma cama, provavelmente daquelas encontradas em um hospital. Ao contrário do metal que havia em volta, os lençóis encontravam-se limpos e secos para minha surpresa. Deduzi que eu deveria estar ali antes de acordar e me encostar contra a  parede.

            “Mas que droga está acontecendo aqui?”. Foi quando, ao me levantar, pude perceber que o barulho havia cessado. Na verdade ele havia cessado desde o momento em que me desequilibrei e a cama produziu um ruído surdo.

            Nesse mesmo instante uma voz soprou em meu ouvido: “Que bom que você acordou”. Antes que pudesse fazer alguma coisa, senti novamente uma dor horrível em minha nuca e apaguei.

 

//////


            Abri meus olhos e rapidamente tornei a fechá-los. Ao contrario da escuridão que havia presenciado antes, desta vez uma luz forte estava sobre meu rosto. Demorei alguns instantes para me acostumar à claridade e poder olhar ao meu redor. Quando pude ver, notei que o lugar era realmente grande. Não tanto quanto eu havia imaginado.

       Tratava-se aparentemente de um galpão abandonado. Não havia janela alguma e nenhum outro lugar por onde pudesse entrar alguma luz ou ar, exceto uma grande porta que deduzi ter sido a fonte do ar e do barulho que ouvi. Todo o local estava vazio, exceto por uma pequena mesa de metal, onde haviam objetos cirúrgicos.

       Mas não foi isso o que mais me assustou. Ao lado desta pequena mesa de metal encontrava-se uma mulher calmamente sentada em uma cadeira. Ela era loira, tinha estatura mediana e usava uma roupa totalmente branca, que fazia um contraste interessante com as paredes marrom-escuras do local.

       Ela era realmente linda, mas não foi isso o que mais me impressionou. Desde o momento em que pus os olhos nela meu coração disparou e minha cabeça girou. Tratava-se da minha namorada sentada ali, olhando para mim com uma expressão de prazer e satisfação extrema.

       “Olá Mark.” Disse ela, enquanto cruzava as pernas para o outro lado. Tentei pela primeira vez desde que acordara sair da cama. Foi em vão, pois me encontrava amarrado a ela. Nesse momento pude perceber do que o metal que envolvia a cama estava sujo. Era sangue.

       “O que foi? Não está gostando de relaxar um pouco?”. Dessa vez pude distinguir até mesmo um sorriso em seu rosto.

       “Porque está fazendo isso comigo?”. Perguntei com medo de ouvir a resposta. Ela se levantou e começou a andar em volta da cama, enquanto falava: “É simples Mark. Chega um momento da vida em que nos entediamos de sempre fazer a mesma coisa e se torna necessário que façamos coisas mais ousadas”.

       “E só porque você se entediou de mim, você resolveu me matar?”. Perguntei indignado. Nesse momento ela soltou uma gargalhada: “Você realmente acha que é de você que eu estou falando? Olhe em volta e tente entender do que se trata”.

       Tentei organizar as coisas em minha mente, mas foi tudo em vão. “Você pensa que todo o sangue que havia aqui quando você chegou era seu?”. Perguntou ela serenamente ao pé do meu ouvido. Uma onda de compreensão me atingiu. Ela matava pessoas. E com certeza matava mais pessoas do que eu podia imaginar.

       “Sabe Mark, cada pessoa reage de uma forma diante da morte. Algumas se desesperam, outras aceitam depois de um tempo aqui. O ponto é que estas mudanças são mínimas e chega um momento que tudo isso enjoa”. Ela se aproximou novamente de mim e completou: “Então eu pensei: qual seria a reação do Mark? Essa ideia me atraiu bastante e decidi coloca-la em prática”.

       “Mas você ajuda muitas pessoas diariamente como médica. Como pode fazer isso?”.

       “E qual o melhor lugar para se aprender sobre as pessoas do que um hospital?”. Ela falava tudo aquilo com uma naturalidade fria que me assustava profundamente. Eu não conseguia entender como ela havia conseguido fingir ser outra pessoa por tanto tempo.

       Ela se encaminhou para a pequena mesa, onde pegou um bisturi. “Desde que entrei no hospital já possuía esse objetivo. A ideia de ter a vida de outras pessoas em minhas mãos, de possuir o controle sobre elas me atraía bastante”. Dizia isso enquanto se aproximava perigosamente de mim, brincando habilidosamente com o instrumento que possuía.

       Ela começou a passar levemente o bisturi sobre o meu rosto, sem que eu fosse machucado enquanto me fazia uma recomendação: “Fique parado. Vai acabar bem rápido”. Ela se abaixou e retirou um machado que se encontrava de baixo da cama, apoiando-o sobre o ombro.

       Nesse momento percebi que não havia o que fazer para que ela mudasse de ideia. Ela iria me matar. “Posso te fazer uma última pergunta?”. Ela sorriu: “Mas é claro. Vocês sempre têm algo a mais para perguntar”.

       “O que era todo aquele barulho que eu ouvi quando cheguei?”

       “Eu estava terminando de ensacar o último corpo. O maior problema nisso tudo é que se torna necessária a separação, para não levantar suspeitas. Desculpe pelo mau jeito, é que o dia hoje está meio movimentado”.

       Depois disso, ela pôs a luva e levantou o machado. Em seu rosto era possível ver uma expressão de satisfação por toda a situação. As últimas palavras que ouvi sair de sua boca foram: “Desculpe Mark. Não é nada pessoal”.

        Um momento depois, tudo era escuridão.


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Notas finais do capítulo

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