Capítulo I

University of Manchester, 2018

Jade

Quando pisei pela primeira vez no campus da universidade, mal pude acreditar que estava realmente ali. Formada no Ensino Médio e iniciando um novo capítulo da minha vida. E o melhor de tudo: eu tinha a minha melhor amiga, Diana, bem ali do meu lado, como sempre foi e ainda seria por mais, pelo menos, 4 anos. A única coisa que eu mudaria é a presença de uma pessoa que nunca me conquistou de verdade. Mas, infelizmente, essa era uma situação que eu não poderia alterar, apesar de ter tentado muito. A Di insistia em pensar que o Leonard era o garoto certo para ela — mesmo eu tendo certeza de que ela merecia muito mais.

A verdade é que tudo mudou quando ela e o Philip tiveram aquela briga estúpida. No ano seguinte ao ocorrido, ele simplesmente sumiu. Depois chegamos a descobrir que ele havia se mudado para outra cidade, o que nos confundiu ainda mais. A Diana nunca admitiria, mas eu sabia que ela pensava que a mudança ocorreu por causa da discussão. E, sinceramente, eu também achava. Esses dois sempre gostaram um do outro, para mim isso era claro. Mas, graças à falta de coragem de ambos, nunca houve nada além de amizade. E infelizmente minha amiga achava que o Leonard podia fazê-la feliz.

Então, durante os últimos três anos de Ensino Médio, eu fui obrigada a aturar a presença dele pela Diana. Quando nos formamos da escola, pensei que finalmente estaria livre dele. Mas tive uma surpresa um tanto que desagradável. E então, ali estávamos. Eu e minha melhor amiga indo morar juntas e estudar na nossa universidade dos sonhos. Seria perfeito, se não fosse pelo Leonard sempre grudado nela, como se ele fosse seu guarda, e não namorado.

— Jade, tudo bem? — Diana perguntou, tirando-me dos meus próprios pensamentos.

— Tudo ótimo! Como não estaria? — eu disse, abraçando-a de lado enquanto andávamos pelo campus em direção ao nosso dormitório. — Estamos realizando nosso sonho, juntas. Não poderia ser melhor do que isso.

— Também estou muito feliz. E animada! Vamos, que quero conhecer logo nosso quarto! — ela falou, já correndo para as portas do edifício.

Chegando no cômodo que, pelos próximos anos, chamaríamos de nosso, começamos a desempacotar as caixas que foram colocadas lá por Leonard previamente. Ele afirmara que só queria nos ajudar, pois tínhamos muitos pertences pesados e precisávamos de um homem para carregá-los para nós. Mas eu sabia que, no fundo, ele só queria dar uma olhada em quem eram os nossos vizinhos. No fim, tudo o que ele percebeu foi que eu e Diana moraríamos em um andar somente de garotas. Além disso, me senti muito ofendida pelo comentário machista. Sou capaz de carregar tantos itens pesados quanto ele, e a Di também. Não que ela tivesse algo a reclamar da atitude do namorado — ela sempre achava que tudo o que ele fazia é para o bem dela.

— Olha essa foto! Você lembra desse dia? — ela perguntou enquanto montava seu mural na parede, mostrando-me duas meninas de 10 anos fantasiadas de Gabriella e Sharpay.

— Claro que eu lembro. Como eu poderia esquecer do Halloween mais engraçado da minha vida? — retruquei, já rindo. — A imagem de você caindo naquele lago nunca vai sair da minha cabeça.

— Já te falei mil vezes que eu entrei no lago porque quis. Você que não aceita! — Diana respondeu, mas, no fundo, eu e ela sabíamos que aquilo não era verdade.

Continuamos arrumando nossas coisas, enquanto eu pensava na quantidade de situações que eu e ela havíamos passado juntas. Foram muitas aventuras, diversos momentos engraçados e memórias das quais eu nunca esqueceria. Não pude deixar de lembrar também do Philip, que nunca desgrudou de nós duas durante nossa infância e pré-adolescência. Às vezes eu sentia muita falta do meu amigo. Mas, infelizmente, os caminhos da vida haviam nos separado, e tudo o que ficara foram as lembranças.

Assim que acabamos de organizar nossas coisas, sorrimos uma para a outra. Eu sabia que ela estava pensando o mesmo que o eu: esse lugar, a partir daquele momento, seria nosso lar. E ele estava exatamente como imaginávamos que nosso dormitório seria. Não tínhamos feito uma decoração elaborada, porque não víamos necessidade. Mas aquele quartinho tinha um pouco de cada uma de nós, e só por isso já estava perfeito.

Continuamos só admirando o nosso trabalho por uns minutos, até que ouvimos uma batida na porta. Quando abrimos, demos de cara com uma garota que parecia ser um pouco mais velha do que nós — uma veterana, com certeza.

— Oi, meninas. Tudo bem? Eu me chamo Lisa. E vocês são…? — ela logo perguntou. Como eu sabia que a timidez da Diana a impediria de falar qualquer coisa, tratei de responder por nós duas.

— Oi! Eu me chamo Jade e esa é minha amiga, Diana. Somos novatas.

— Eu sei que vocês são novatas, bobinha. Conheço todas as meninas desse andar, e sempre sei quem acabou de chegar e quem já é antigo aqui. — Lisa rebateu e entrou no nosso quarto, sem mais nem menos. — Escutem, eu vim chamar vocês para uma festa. Mas não é qualquer evento: alguns alunos do último ano, incluindo eu mesma, decidimos fazer uma comemoração para celebrar a chegada dos novatos. E vocês estão super convidadas!

— Será que eu posso levar meu namorado? Eu nunca vou à lugar nenhum sem ele.. — Diana logo perguntou e eu revirei os olhos.

— Claro que pode, fofinha. Todos os novatos estão convidados! — a Lisa respondeu e foi andando em direção à porta. — Vai ser hoje mesmo, na floresta que temos aqui do lado. Vocês vão conseguir ver, vai ter uma fogueira imensa no meio, e, dos lados, mesas com bebidas e comidas. E, é claro, um DJ tocando umas músicas bem animadas. Vejo vocês lá. Beijinhos!

Quando ela fechou a porta do nosso quarto, nós começamos a rir. Aquela garota parecia meio doida, mas me deu a impressão de ser uma boa pessoa. Logo em seguida, ouvimos um telefone tocar. Era o da Diana. Ela não precisava nem me falar quem era, porque eu já sabia.

— Oi, meu amor. — ela disse. — Sim, acabei de arrumar tudo. Escuta, você soube da festa?

Com isso, eles começaram a conversar por uns 30 minutos, enquanto eu ficava quietinha mexendo nas minhas redes sociais, só ouvindo partes da conversa. Como sempre, o Leonard queria saber cada mínimo detalhe de tudo o que a Di havia feito e até que roupa ela usaria na festa. Quando eles finalmente desligaram, eu não me aguentei e tive que comentar:

— Amiga, você não cansa do Leonard pegando no seu pé o tempo todo, não? Eu não gosto do jeito com o qual ele te trata, de verdade.

— De novo isso, Jade? — ela se estressou, como eu já imaginava que faria. — Ele só quer meu bem, já te falei mil vezes. Eu não aguento mais vocês dois se odiando desse jeito. Tudo o que eu queria era que vocês fossem amigos…

— Desculpa, Diana. Eu só me preocupo com você. Mas não vou falar mais nada. Pelo menos, não hoje. Temos uma festa para a qual precisamos nos arrumar! — decidi mudar de assunto para não irritá-la mais ainda.

— Isso mesmo, temos sim! E quem sabe você não conhece alguém que possa descongelar esse seu coração de pedra? Já está na hora, né? — ela brincou, me dando um empurrãozinho.

— Já te disse que não preciso de garoto nenhum. Eles só trazem dor de cabeça! — retruquei. — Obrigada, mas não. Prefiro ser solteira mesmo.

Com esse comentário, começamos a nos arrumar para a festa, mas a brincadeira de Diana me deixou pensativa. Eu nunca havia tido um namorado sério nos meus 18 anos de vida, e, pra ser honesta, nunca havia sentido muita falta. Para mim, só valia a pena se envolver com alguém se você realmente gostasse da pessoa, e eu ainda não tinha tido esse sentimento com ninguém. Sempre me convenci de que na hora certa tudo se acertaria e alguém apareceria, por isso, todos os garotos com quem já tinha ficado não haviam passado disso: beijos. E, na minha cabeça, seria assim por muito mais tempo.

Mal sabia eu o quanto estava enganada…

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— Jade! — Diana gritou no meu ouvido por causa da música alta. Havíamos acabado de chegar na festa e já pude sentir a diferença entre festas às quais costumávamos ir enquanto estávamos na escola e os eventos de estudantes da universidade. Nas reuniões que íamos antes, era tudo um pouco mais calmo. Já nas festas de universitários, só tinha música alta, gritaria, gente bêbada e casais se beijando literalmente em todo o lugar. — Eu e o Leo vamos dar uma volta para conhecer o lugar, daqui a pouco a gente volta, ok?

— Aham, tudo bem… — quase não consegui acreditar. Nossa primeira festa como universitárias e ela ia me largar para ficar com o namorado? Mas, como eu não queria arranjar problemas, apenas concordei e observei os dois indo embora, me deixando completamente sozinha em um local onde eu não conhecia ninguém.

Comecei a explorar a tal da floresta, que aparentemente era bem famosa no campus. Pelo o que eu tinha entendido, todas as festas grandes aconteciam aqui. Também percebi que existiam muitos estudantes na universidade, mais do que eu imaginava. Estava cada vez mais difícil passar entre grupos de pessoas sem esbarrar em alguém. Em um momento, encontrei a menina que havia nos convidado para a festa, Lisa, se não me enganava, comendo um salgadinho. Ela acenou para mim e eu fui em sua direção.

— Oi, novata! Diana, não é mesmo? — ela falou e eu fui capaz de sentir o cheiro de álcool saindo da boca dela, mesmo estando um pouco longe.

— Não, Diana é a minha amiga. Eu sou a Jade! — falei.

— Ah, sim, desculpa. — ela parou de falar e ficou olhando para o nada por alguns instantes, me deixando um pouco confusa. — Enfim, tenho que ir. Meu namorado está esperando. Aproveite a festa, Diana!

— É Jade… — comecei a gritar enquanto ela se afastava, mas desisti. Sabia que ela não iria se lembrar da nossa conversa mesmo, então não adiantava nem insistir.

Voltei a andar pelo local, que cada vez ficava mais cheio. Como não conhecia ninguém ali, decidi ligar para a Diana para ver onde ela estava. Caiu na caixa postal. Tentei mais uma vez, com o mesmo resultado. Imaginei que ela estivesse com o Leonard, então parei na segunda ligação. Ele me odiava e nunca me queria por perto, então achei melhor deixá-los a sós. Quando coloquei o celular no bolso e me virei para continuar andando, porém, acabei quase caindo em cima de alguém. Rapidamente tentei me desculpar, mas parei quando o garoto com quem eu havia me esbarrado começou a gritar.

— Garota, você ficou doida? Essa blusa custa uma fortuna! — não estava entendendo nada, até que olhei para sua camisa, que estava manchada de bebida. Foi então que eu entendi que ele estava com um copo na mão no momento em que nos esbarramos, e o suco dele caiu todo em sua roupa.

— Me desculpa, eu não fiz de propósito.

— Eu não ligo! Você me sujou inteiro, o que eu faço agora? Sua desastrada! — comecei a me estressar com a atitude do menino e gritei de volta:

— Para de ser idiota! Já falei que não fiz por mal. Nem te conheço, por que eu derrubaria bebida em você de propósito?

— Sei lá, mas, como já disse, eu não ligo. Você vai pagar minha lavanderia!

— Ficou louco? — berrei, completamente indignada. — Quem você pensa que é para falar comigo assim? Não vou pagar merda nenhuma, seu babaca. Se vira para limpar essa mancha!

— E o que eu faço então, hein? Me diz! 

— Isso é problema seu. Eu disse que não fiz de propósito! Não precisa ser grosso. Agora eu vou embora, mas pode deixar que eu vou tomar cuidado para não encostar na sua blusa “que custou uma fortuna”, Alteza.  — falei, irônica. E então virei as costas, andando na direção oposta e deixando o garoto falando sozinho.