Waves escrita por Charles Gabriel


Capítulo 10
Capítulo Dez


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♥



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— Então, seu pai vai te levar ao parque de diversões? – Alma questionou a filha, enquanto desligava a TV da sala.

— Sim – A garota sussurrou, fingindo retirar algumas linhas da camiseta, para não ter que encarar o olhar da mãe.

— E ele virá aqui em casa?

— Não, vai esperar do lado de fora – respondeu, alisando a camiseta.

— Que bom! Não estava com vontade de ver o rosto daquele imbecil.

Madge respirou fundo, pelo menos, três vezes. Não queria ser grosseira, porém, havia alguns momentos da qual era inevitável, parecia até que Alma gostava de provocar.

— Pra onde você vai? – Uma garotinha com cabelos cheios e olhos escuros curiosos surgiu de forma repentina, questionando Undersee.

— Para o parque de diversões com meu pai – respondeu a loira, sorrindo.

— Mamãe, eu posso ir também? – a garotinha aproximou-se da mulher, com os olhos suplicantes.

— Não, Rue – respondeu, da forma mais fria que pôde.

­— Numa próxima você vai, pirralha, não se preocupe – Madge bagunçou os cabelos da irmã mais nova.

— Isso nunca vai acontecer – A mulher passou a mão pelos cabelos cinzentos, de forma soberba – quero você em casa antes das onze.

— Oi? – A loira gritou – você sabe muito bem que o parque abre às dez e meia.

— Não me interessa e não eleve seu tom de voz comigo, eu não sou tua amiga, sou tua mãe e você me deve obediência.

— Por favor, seja razoável.

— Seja razoável você. Acha que me desobedecendo vai te levar a algum lugar?

— Eu não estou te desobedecendo, só quero passar um tempo a mais com meu pai – A garota cruzou os braços, bufando de ódio. Não queria brigar, ainda mais na frente da irmã mais nova, sabia que ela não tinha culpa, porém, havia momentos que era impossível.

— Então, eu te carreguei por nove meses, te criei e você prefere obedecer a seu pai do que a mim? – Alma sorria de forma sarcástica – tudo bem, então.

— Você me criou porque quis, não te obriguei a nada.

— Sabe, Madge, você é uma ingrata, eu deveria ter te largado num orfanato quando tive a oportunidade.

— Não me deixou no orfanato porque não quis, oportunidade você teve – Undersee pronunciou com raiva.

— Quer saber? Vai, então! Já estou de saco cheio, eu deveria ter te abortado, é tão inútil quanto seu pai – Alma articulou, puxando Rue pela mão e saindo da sala.

Madge sentiu os olhos arderem e a garganta se apertar. A mãe lhe despertava o inferno e isso era algo que detestava. Não chore, você ainda vai embora dessa casa, pensou enquanto respirava fundo, era um mantra que costumava repetir desde a infância. A garota cresceu num lar turbulento, onde Alma sempre predominava suas vontades acima de qualquer coisa. A mãe sempre foi distante e fria, Undersee poderia contar nos dedos todas as vezes que ela havia demonstrado algum sentimento parecido com o amor, até hoje não consegue entender o motivo pelo qual o pai havia entregado seu coração a uma mulher que só o fazia sofrer.

Gloss Undersee e Alma Coin eram colegas de trabalho. Na época, o rapaz havia terminado o ensino médio e havia conseguido um estágio numa empresa estatal.

Cabelos loiros, olhos esverdeados, marcas de espinhas nas bochechas, óculos de grau e ser um completo desengonçado, eram suas características mais marcantes. O garoto nunca foi alguém de ter relacionamentos, enquanto vários colegas de trabalho contavam sobre mulheres, ele colecionava foras. Talvez fosse pelo fato de ser feio – pelo menos, era o que costumava achar.

Alma era mais velha, todavia, os cabelos cinzentos e as risadas que dava sempre que o via cometer alguma gafe, acabou por encantar o jovem. Gloss a convidou para um encontro, onde trocaram o primeiro beijo. As conversas eram diárias e tiveram um segundo, terceiro, quarto e tantos outros encontros, que até perderam as contas e entraram num relacionamento. Alma se graduou em logística, continuando na empresa e o rapaz, direcionou suas forças para se formar em direito.

Undersee se sentia tão feliz, era como se o mundo tivesse mudado. Finalmente havia encontrado alguém, mesmo que fosse mais velha, isso não importava, a amava com todo seu coração, mas aquela felicidade ruiu como um castelo de areia. Aos poucos, Alma foi demonstrando seu lado mais cruel. Era nítido o olhar de nojo em todos os momentos que iam para o cinema ver algum filme, até tentou modificar os gostos, apenas para agradá-la, todavia, nada parecia bom o suficiente. As saídas para os parques, que antes eram cheias de sentimento, já haviam ido embora, qualquer brecha que encontrava, saía em disparada, deixando o rapaz confuso para trás.

Coin gostava de se lembrar dos fracassos de Gloss, como o fato de ter deixado a universidade, por não se sentir bem com a escolha do curso, ou quando foi demitido da empresa. O tom grosseiro era sempre presente, nem mesmo um simples pedido de desculpas ajudava, somente fazia o garoto se sentir culpado. Ao todo, foram oito meses de tortura, até que Undersee teve coragem de falar sobre o término, obviamente, não deu certo, mais uma vez ela o fez se sentir culpado. O namoro perdurou por mais um ano e o garoto já não se sentia feliz, a amava, todavia, percebia o quanto aquele sentimento o fazia mal, tentou recorrer ao término mais uma vez, porém, a mulher declarou que estava grávida. Foi um completo choque, porém, decidiu continuar, meses depois, acabou descobrindo que Alma havia mentido somente para mantê-lo preso, enfim, houve um término, que não foi adiante. Alma sempre gostava de lembrar o rapaz que ninguém no mundo poderia ficar com ele, não com a aparência que ele tinha. As palavras eram tão duras, que Gloss sempre reatava. 

Após mais um ano estando num relacionamento desgastante, o rapaz recebeu a notícia de que Coin estava realmente grávida, uma fagulha de esperança se passou no coração de Undersee, ela vai mudar, pensava, eu tenho certeza que isso foi só uma fase, só que isso continuou até mesmo após o nascimento de Madge, além de ser uma companheira fria e distante, era uma mãe ainda mais depreciativa, não possuía paciência alguma com a criança. Cansado de tanta cobrança, decidiu mudar.

— Eu vou embora, meu amor – o homem falou enquanto penteava os cabelos loiros da filha, tão parecida com ele.

— Eu vou poder ir também, papai? – a vozinha infantil questionou com tanta esperança, que o coração de Gloss se apertou de uma maneira dolorosa.

— Não, meu amor, eu não posso te levar...

— Mas por quê? – Madge questionou, virando-se para encarar o pai.

— Vai ser um lugar perigoso – Undersee passou a mão pelos cachos loiros da criança – cheio de homens, alguns poderão até ser malvados.

— Pra onde você vai? – A garotinha tombou a cabeça para o lado, de forma confusa.

— Terei que ajudar a proteger o país.

— Como os super-heróis? – os olhos esverdeados brilhavam em êxtase, o que fez com que o coração do homem tão sofrido, se aquecesse.

— Sim, como os super-heróis – respondeu rindo – mas ficaremos longe um do outro...

— Mas eu não quero ficar longe de você, papai... – A pequena protestou.

— E nem eu de você. Mas sempre vou voltar.

A garotinha jogou-se nos braços do pai enquanto molhava a camiseta do homem com lágrimas. Da mesmo forma que na meninice, Madge encontrava-se encolhida no sofá da sala, chorando da forma mais silenciosa que podia, enquanto se lembrava da discussão que havia tido com a mãe. Por mais que os anos passassem, nunca iria se acostumar com as grosserias da mulher. O celular em cima da mesa de centro vibrou, sem muita vontade, a garota esticou-se para pegar o aparelho.

General, 21:30 p.m.

Oi, meu bem! Já estou aqui.

Madge, 21:30 p.m.

Já estou indo, papai

Limpou o rosto, enquanto guardava o celular no bolso. Levantou-se depressa e saiu correndo de encontro ao Jeep Commander, estacionado em frente à casa. Não esperou muito, apenas abriu a porta do carro se jogando com força nos braços do pai e continuando a chorar. Gloss não precisava questionar, já sabia as respostas para todo e qualquer sofrimento da filha, como forma de acalento, a apertou com força. Madge naquele momento não teve dúvidas que o pai era o seu maior ponto de refúgio e paz – em outras palavras, ele dava jus a palavra lar.

Ó, meu pai irrefutável, ele me disse: filho, às vezes, pode parecer escuro, mas a ausência da luz é uma parte necessária. Apenas saiba, que você nunca está sozinho, você sempre pode voltar para casa.

 

★★★

Katniss encontrava-se sentada no gramado do colégio aproveitando o sol da manhã, enquanto observava os alunos. Glimmer e Seneca caminhavam pelo pátio de mãos dadas. Clove que parecia mais cansada do que o habitual, percorria de forma lenta. Finnick, com toda sua beleza, parecia iluminar o campus.

Ficou por ali, observando todos por uns cinco minutos, foi quando viu Peeta chegando ao lado de Thresh, que ria de algo que tentava contar. A garota sentiu um frio na barriga que não soube explicar.

Enquanto Marshall explodia em gargalhadas, Peeta era... Peeta. O cabelo loiro estava penteado para trás no típico estilo de Danny do filme Grease – Nos Tempos da Brilhantina, a camiseta branca escrita “you can only trust yourself and the first six Black Sabbath albums” juntamente com a calça jeans preta rasgada e os coturnos. As sobrancelhas franzidas e um mínimo sorriso de lado nos lábios. Katniss se questionou se o rapaz era tão sério ou se tudo era somente uma farsa.

Eram tantas perguntas na cabeça da garota, que nem percebeu que não havia desviado o olhar dele e muito menos se deu conta que Mellark e Marshall se aproximavam.

— E aí, gosta do que vê? – Peeta perguntou da forma mais presunçosa que pôde, enquanto sentava na grama ao lado da menina.

Everdeen respirou fundo, saindo de seu transe, sentindo o perfume do garoto que estava ao seu lado.

— Você quer a verdade ou o que lhe convém? – tentou soar grosseira.

Mellark sentiu como se levasse um soco no estômago. Será que o pedido de desculpas não havia sido o suficiente? Engoliu em seco, enquanto se xingava mentalmente.

— Onde estão suas amigas? – Puxou conversa, tentando parecer o mais amigável possível.

— Provavelmente, Madge irá se atrasar – Katniss respondeu, evitando olhar para o lado.

— E a FoxFace?— Thresh perguntou, parecendo interessado.

— Ela não virá hoje, terá um encontro – A morena esclareceu, a voz mais baixa que o normal.

Pera aí, ouvi direito? Encontro? – Marshall não parecia muito feliz – Como assim?

— Sim, ela está conhecendo um rapaz e...

— Entendi, vou entrar. Tenha um ótimo dia, Katniss! – O garoto a cortou de forma gentil, sorrindo levemente e saindo logo em seguida.

— Eu disse algo de errado? – Everdeen interrogou, observando Thresh caminhar cabisbaixo.

— Não, é só que Thresh é apaixonado pela FoxFace... – Peeta respondeu de forma hesitante.

Silêncio.

Somente o barulho do vento e o farfalhar das folhas das árvores eram ouvidos.

— Desde quando? – Katniss finalmente olhou para o lado, percebendo que Mellark estava muito próximo.

— Desde quando o que? – Olhou a nos olhos.

Cinza no azul.

Azul no cinza.

Parecia que o mundo havia parado, pelo menos, era o que Peeta havia sentido. Um frio na barriga foi o suficiente para desviar o olhar. Algo estava acontecendo, ele só não sabia o que era.

— Que ele é apaixonado por Judith... – A garota exprimiu.

— Sendo sincero, acho que desde o fundamental. Eu não sei como aconteceu, mas foi muito natural.

Olhou para o céu acima de si, admirando-o.

— Eu sugiro que tente conversar com ele, Judith é judia ortodoxa. Os familiares dela nunca aprovariam um relacionamento com alguém que não é judeu – Katniss explicou da forma mais calma que pôde.

— Vai ser muito complicado... – Peeta suspirou, continuando a olhar o céu.

Katniss não respondeu, sabia o quanto conversas francas sobre sentimentos, às vezes, eram difíceis. O silêncio continuou, algo que com toda certeza, acharia perturbador se fosse com outra pessoa, mas não achava isso com Mellark, de certa forma, toda essa quietude era... agradável, já que ele dava a sensação de proteção e acolhimento – coisa que só sentia com o taciturno e carinhoso pai.

— Acho melhor eu ir conversar com ele antes da aula começar... – Mellark anunciou, levantando-se.

— É uma boa ideia. Poderia me ajudar a levantar? – Katniss estendeu a mão.

Em um ímpeto, o rapaz elevou o braço, encontrando as mãos macias da garota. O aperto de mão durou até que Katniss estivesse devidamente de pé, mas foi o suficiente para que o rapaz sentisse o famigerado frio na barriga. 

— Nos vemos por aí? – Peeta pigarreou a fim de afastar a sensação estranha que se passava no peito.

— Sim! Obrigada. – Sorriu de forma gentil.

E sem dizer mais nada, os dois caminharam em posições opostas.

Em algum lugar não muito distante, Thresh sentia o coração se despedaçar a cada batida que dava, maldito momento em que foi se apaixonar por alguém que sequer o notava. Encostou a cabeça na parede cimentada da quadra de futebol. Ouviu os passos pesados se aproximando e não precisava perguntar, sabia que era o melhor amigo, aquele que, apesar de tanta dor, seria o único capaz de o acalentar nos momentos mais difíceis.

— Ei – Peeta sussurrou.

Sem pensar duas vezes, Thresh se jogou nos braços do melhor amigo e finalmente pôde chorar.

Eu sei que a ama, mas acabou, parceiro. Já não importa, guarde o telefone. Nunca é fácil ir embora, deixe-a pra lá. Vai ficar tudo bem. Vai doer por um tempinho, então vire o copo, vamos esquecer esta noite. Você vai achar outra e vai ficar bem. Deixe-a pra lá. Vai ficar tudo bem.


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Notas finais do capítulo

As duas músicas no capítulo são: 93 Million Miles do Jason Mraz e Be Alright do Dean Lewis.

Até breve.



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