Vida, morte, e demais devaneios escrita por Lillac


Capítulo 8
Capítulo sete.


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora, mas o meu notebook tinha quebrado. Antes do capítulo, eu quero agradecer à moça que recomendou a história. Eu fiquei muito feliz lendo o texto que você escreveu, muito obrigada, de verdade.
Espero que gostem do capítulo!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/749290/chapter/8

Quando Frank era mais novo, ele costumava sentar-se na velha poltrona ao lado da cama da avó, enquanto ela lhe contava todo tipo de história. Ele ouvia por horas e horas, só parando quando algum empregado aparecia para lembrar a senhora Zhang de um de seus remédios. Frank muito à contragosto esperava enquanto a avó administrava suas medicações. Ela então lhe dava um sorriso, estendia uma mão magra e lhe afagava o cabelo preto. E continuava.

Ele raramente via a mãe. Sabia que Emily Zhang era uma mulher incrível e respeitável, e, mais ainda admirável. Embora ainda fosse garoto, já era maduro, e nunca deixou que nenhum ressentimento crescesse dentro de si quanto à ausência da mãe. Emily estava do outro lado do mundo, lutando por paz e justiça e protegendo pessoas que não conseguiam defender-se sozinhas. Como Frank podia não a achar a mulher mais incrível do mundo?

Na primeira semana de aula, Frank escolhera um lugar ao fundo, próximo da parede. Lembrava-se de todas as brincadeiras ruins e insultos, tão constantes por toda a sua vida escolar. Sabia que a faculdade era diferente, que as pessoas ali deveriam — ao menos supostamente — serem mais maduras, mas, ainda assim, uma parte de si deixou que o nervosismo e insegurança se espalhasse. Toda vez que alguém chegava à sala e escolhia um lugar, Frank encolhia-se e rezava que não se sentasse perto dele. Em certo ponto, enfiou as mãos nos bolsos do moletom, porque elas haviam começado a tremer.

— Deuses? — Frank repetiu, enquanto brincava com a algema chinesa em seus dedos. Ele franziu o rosto. — Como os chineses?

De vez em quando, Emily sentava-se, colocava Frank sentado em uma de suas coxas, e lhe contava histórias incríveis sobre grandes dragões, guerreiros lendários e amantes que haviam mudado o mundo. Ela lhe dizia que aquilo tudo era uma mitologia. Que fazia parte da cultura deles. De quem eles eram.

Quando sua avó repetira a mesma palavra que ela sempre usava, Frank associou as coisas.

— Não, meu garoto, não esses — ela riu — outro tipo de deuses.

— Que tipo de deuses?

— Deuses ruins.

Seu apocalipse chegou no formato de um furacão de cachos ruivos. A garota entrou na sala como uma tempestade, afobada e respirando alto, como se houvesse corrido até ali. Ela olhou ao redor, grandes írises verdes vasculhando os rostos na sala, e Frank sentiu um nó na garganta quando ela focou o olhar nele. Mas a interação não durou mais do que um segundo. Ela não estava procurando por ninguém específico. Sua voz soou alta e clara quando ela perguntou, para quem quisesse responder:

— Alguém sabe que horas são?

Um garoto de cabelo castanho respondeu que eram sete horas e vinte minutos da manhã. Ela fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, grunhindo.

— Despertador estúpido — Frank ouvia-murmurar.

Ele a olhou melhor. As pernas de seu jeans azul-claro estavam dobradas até metade das canelas, e todo respigando de tinta, com rasgos aleatórios aqui e ali. Ela usava uma blusa verde que pendia de um ombro, deixando o outro no, revelando a alça de um sutiã rosa, e igualmente manchada de tinta. Haviam tantas sardas em seu rosto que se confundiam com a vermelhidão causada pela correria. O cabelo parecia ter sido penteado às pressas.

Ela era todo como uma explosão de cores e vida. Frank abaixou o olhar, subitamente intimidado. Ela caminhou até a fileira dele, mas escolheu uma carteira à duas outras carteiras de distância da dele. Sentou-se, mas não parou quieta, toda hora movendo uma perna ou batucando com as unhas na mesa.

Quando um garoto passou por ele para sentar na carteira de trás, tropeçou na mochila de Frank. Ele abaixou-se e juntou os materiais pedindo desculpas. Quando estava se afastando, no entanto, uma voz feminina chamou:

— Ei, você esqueceu isso aqui.

Os olhos de Frank quase saltaram para fora das órbitas quando ele viu o que ela tinha nas mãos: suas algemas chinesas.

Droga! Por que Frank não havia tirado aquelas coisas estúpidas da mochila? Agora toda a sala ia rir e achar que ele era uma criança, e então ele nunca conseguiria fazer amigos e... —

— Isso são algemas chinesas? Eu adoro essas coisas — o garoto abriu um sorriso enorme. E então, virando para ele: — eu posso ver?

Frank acenou, engolindo em seco.

— São bem legais — ela concordou quando o garoto se aproximou — eu aprendi a fazer uma parecida, com elásticos. Não é a mesma coisa, mas prende tão bem quanto.

De repente, os dois estavam virados para ele e conversando. Frank os observou, abismado. Como eles haviam se dado tão bem em tão pouco tempo?

A garota apresentou-se como Rachel. O garoto era Chris. Frank apresentou-se também, ainda se sentindo meio deslocados. A sala já estava quase cheia a esse ponto, por isso, quando todos se viraram para a porta, os três perceberam, e se viraram também.

Mais tarde, Frank diria a si mesmo que aquilo era bobagem. Que não existiam coisas como aura, ou mau presságio. Que ele estivera apenas exagerando. Que não havia nada de errado com aqueles três.

Frank reclinou-se, escorando-se no apoio da poltrona, prestando atenção na avó.

— É o sangue que corre nas nossas veias, Frank. Faz parte da nossa história. Nossos familiares, há muito tempo atrás, fizeram contato com esses deuses, e nós ficamos marcados para sempre. É assim que funciona. Um só encontro com um deles, por mais breve que seja.

— Por que eles são ruins?

— Nem todos são — ela virou o rosto para olhar para o teto, enlaçando os dedos de uma mão na outra — há deuses ruins, e deuses piores. A maioria é apenas ruim.

— E não tem nenhum bom?

— Que eu saiba, não — a senhora Zhang deu uma risada rouca. — Nem todos conseguem senti-los, sabe. A maioria de nós não consegue. Bem, eles deixam uma sensação ruim por onde passam, mas, fora isso, não tem nada que te diga de cara que eles são deuses.

Naquele momento, no entanto, Frank sentiu um calafrio percorrendo sua coluna. E todos da sala pareceram sentir também. O ambiente todo ficou em silêncio. O trio — um garoto e uma garota altos e pálidos, de cabelos pretos desgrenhados, e uma garota de pele negra e cachos volumosos — moveu-se até a cadeira vazia da parede oposta à de Frank. A mais baixa deles sentou-se, e o garoto lhe entregou uma das duas mochilas que carregava, que ela pendurou na costa da cadeira da frente. Eles despediram-se com um olhar firme, misterioso.

Quando os outros dois saíram da sala, ninguém ousou olhar para a garota. Parecia que algo muito ruim e muito importante havia acabado de acontecer, embora ninguém fosse capaz de dizer com certeza. Um silêncio estranho se instalou entre eles. Frank forçou-se a descolar o olhar dos cachos da garota e olhou para frente.

Rachel estava olhando na direção dela, mas não parecia estar olhando para ela. Seus olhos estavam desfocados, e suas pupilas haviam se dilatado a ponte de consumirem quase todo o verde de suas írises.

Frank pousou os antebraços nos joelhos, inclinando-se mais uma vez. A história estava deixando-o meio assustado, mas ele também estava curioso.

— Então eles são invisíveis?

— Não, invisíveis não — afirmou. — Só muito bem escondidos. Mesmo assim, alguns humanos azarados ainda conseguem senti-los. Sua bisavó chamava essas pessoas de “sensitivas”. Eu os chamo de pobre-coitados — outra risada, mas essa foi interrompida por um acesso de cólera. Frank aproximou-se, mas ela ergueu uma mão, sinalizando que ele ficasse onde estava — eles conseguem sentir quando um deles está por perto. Podem não saber o que estão sentindo, mas estão.

Frank não resistiu a curiosidade e olhou para a garota do outro lado da sala. Imediatamente virou o rosto quando percebeu que ela os olhava com tanta intensidade que ele sentiu a mesma onda de mal-estar mais uma vez percorrer o seu corpo.

— Hã? — Rachel piscou, como se houvesse acordado de um transe. Os pelos de seus braços estavam em pé. — O que? Desculpa, eu já volto.

Ela levantou-se em um só ímpeto e marchou até a cadeira da garota. Elas se olharam por um longo e tenso momento. Finalmente, ela esticou uma mão e se apresentou:

— Oi. Eu me chamo Rachel. Eu percebi que você ainda não falou com ninguém.

— Uau... — Frank suspirou — e eles conseguem sentir outras coisas também? Tipo, monstros?

— Outras coisas... — a senhora Zhang murmurou — bem, há mais um tipo de ser que eles conseguem sentir.

Frank inspirou fundo, morrendo de ansiedade e querendo que avó a respondesse logo.

— Semideuses.

A garota hesitou por um momento. Por fim, apertou a mão de Rachel e respondeu:

— É um prazer. Eu me chamo Hazel.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados! E eu prometo que vou tentar não demorar tanto para atualizar de novo haha.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vida, morte, e demais devaneios" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.