Sophia escrita por znestria


Capítulo 19
Concórdia




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A ideia de Sophia não funcionou.

Não deveria estar surpresa. Não era a melhor estrategista do grupo; tal posição era reservada a Rogério. Fazer planos sem o mesmo, então, era arriscado, pois ele gostava, assim como no quadribol, de se manter imprevisível. 

Foi na manhã de quinta-feira que Rogério chegou, com um sorriso satisfeito no rosto e o cabelo mais arrumado do que o costume. Passou por Fleur sem demonstrar percebê-la e sentou-se na mesa da Corvinal, ao lado de Sophia.

“Alguém acordou feliz hoje”, comentou Sophia.

“O dia está bonito”, ele disse, levantando o olhar para o teto encantado. “Passe a geleia, por favor.” 

Sophia e Georgie se entreolharam, confusas. 

Rogério passou o resto da refeição em extremo bom humor, sorrindo e comentando positivamente sobre coisas aleatórias. Quando terminou, foi o primeiro a levantar.

“Ah, estou atrasado. Encontro vocês na aula de McGonagall!” Disse e saiu apressado.

Sophia piscou, ainda aturdida. “O que é que deu nele?” 

“E atrasado para o quê?” ecoou Georgie. Virou-se para o namorado. “Aconteceu alguma coisa ontem à noite? Ele não estava assim na janta.” 

Sean deu os ombros. “Eu não sei. Estava com você, esqueceu?” 

“Ah, é verdade…” 

As duas meninas trocaram outro olhar. Só havia passado alguns dias desde que decidiram tentar incluir mais Rogério e já haviam falhado. Na noite anterior, Georgie e Sean saíram para caminhar depois da janta, e Sophia havia encontrado Viktor e parado para conversar com ele um pouco. Aparentemente, a conversa durara mais que ‘um pouco’. 

Saíram do Salão e subiram para a sala de Transfiguração; Rogério não estava em nenhum lugar à vista. Ficaram, então, conversando enquanto esperavam a professora - e Rogério, especialmente - chegar. 

Fred e Jorge apareceram e os cumprimentaram. Desde seu aniversário, Sophia havia falado com eles para afastar-se temporariamente das demandas da loja de logros, pois percebera o quão esgotada estava; precisava recarregar suas energias. Os dois, é claro, foram perfeitamente empáticos, o que só fez aumentar o carinho que Sophia sentia pela dupla.

O sinal bateu. A Prof. McGonagall apareceu e incitou os alunos a entrarem na sala. No último segundo antes da porta fechar, Rogério surgiu, com os cabelos desarrumados.

“Ah não”, fez Sophia. Teve tempo de chamar a atenção de Georgie para o garoto, e, ao vê-lo, a amiga fechou os olhos e colocou a palma da mão no rosto.

Enquanto praticavam alterar a cor de seus olhos em frente a espelhos, Sophia e Georgie cercaram Rogério (discretamente, para a professora não perceber) e o interrogaram.

“Quem é?” perguntou Sophia casualmente, sem desviar o olhar de seu reflexo.

“O quê?” disse Rogério, distraído.

“Com quem você estava?” Georgie repetiu.

Rogério franziu a testa exageradamente. “Quem disse que eu estava com alguém?” 

A mentira fora tão óbvia que até Sean, que estava dois espelhos para a esquerda, virou-se para encarar o amigo. Sob todos os olhares acusadores, ele finalmente cedeu.

“Ok. Eu estava com… a Miranda Holborn.” 

Rogério soltou o nome o mais rápido que conseguira, pois sabia perfeitamente bem qual seria a reação dos amigos. O queixo de Sean caiu ao mesmo tempo que suas sobrancelhas se juntaram, Sophia fez uma careta esquisita e desacreditada, e Georgie, é claro, teve a reação mais extrema - se afastou do menino, colocou uma mão no peito e sibilou: “Como você se atreve?” 

O sentimento de Georgie era válido. Miranda Holborn era uma garota do sétimo ano, da Grifinória, que uma vez dera uma a Georgie uma Poção do Sono ao invés de uma Poção Calmante, bem antes de seu primeiro jogo de quadribol, fazendo a menina cair de sua vassoura ainda no primeiro tempo. Felizmente, a amiga não se machucara sério, mas acabou ficando de reserva pelo resto da temporada.

“Ela quase me matou!” Georgie protestou.

“Qual é, Georgie, você está exagerando”, defendeu Rogério.

“Que parte de cair em queda livre a 500 metros do chão você não entende?” 

“Você ficou bem!” 

“Não graças a ela!” 

“Foi sem querer! Ela me disse que se enganou com os frascos!” 

Georgie bufou e sacudiu a cabeça. “Bom, ela nunca se deu ao trabalho de me dizer isso. Ou de vir pedir desculpas.” 

Rogério não respondeu. Não teve tempo - a Prof. McGonagall se aproximava com uma expressão severa -, mas Sophia duvidava que o menino teria conseguido continuar defendendo Miranda. Os quatro amigos rapidamente voltaram suas atenções aos espelhos.

Passaram o resto da aula em silêncio, excepcionalmente concentrados em praticar a magia. Assim que a sineta bateu, Georgie saiu da sala sozinha, sem olhar para trás. Sophia e Sean se entreolharam. Por um segundo, travaram uma discussão silenciosa por olhares, até que Sean disse “Eu vou” e saiu atrás da namorada. 

Sophia e Rogério seguiram. Andaram devagar, sem saber o que dizer, até que Sophia finalmente quebrou o silêncio.

“Você sabe que ela não está errada, não sabe?” 

“Ah, não comece a pegar no meu pé você também.” 

“Eu não estou!” Sophia disse gentilmente, pegando no braço do amigo. “Eu só estou dizendo que ela tem o direito de ficar brava.” 

Rogério sacudiu a cabeça. “Não cabe a ela decidir com quem eu saio ou não.” 

“Eu sei. Ela se importa com você, é isso. Você sabe que a gente só quer que você seja feliz.” 

“É, desde que seja conveniente para vocês”, retrucou Rogério amargamente. Sophia abriu a boca para responder, mas ele continuou: “Você sabe que é verdade, Sophia. Você e a Georgie não me apoiaram muito com a Fleur.” 

Os dois pararam e se encararam. O peito de Sophia estava pesando cada vez mais; quase nunca ouvira tanta franqueza na fala do amigo, e a expressão em seu rosto só fazia aumentar o sentimento de culpa. 

“Rogério…”, ela começou, ao mesmo tempo que percebeu uma figura alta virando o corredor em sua direção. Viktor não podia ter aparecido em um pior momento. 

Droga, pensou. Não podia abandonar Rogério, estavam no meio de uma conversa muito sensível. E não podia dispensar Viktor sem ser rude e sem perder o momento com Rogério; precisavam ficar a sós. Percebeu então uma portinha na parede a seu lado e se esquivou para dentro dela ligeiramente, puxando Rogério consigo o mais rápido possível para que Viktor não os notasse (ele estava distraído com um livro). 

“O que…” fez Rogério, mas logo calou-se ao perceber a sala onde tinham entrado. Ela era pequena, mas aconchegante, com um sofá de veludo que parecia muito confortável. Os dois amigos sentaram-se cada um em um canto.

“Aquele era o Krum?” perguntou Rogério, acomodando-se.

“Sim.” 

“E você está fugindo dele ou o quê?” 

“Não, só… Nós precisamos parar um momento e conversar. Viktor pode esperar.” 

Rogério pareceu genuinamente surpreso, o que levou Sophia a se perguntar quanta prioridade ela estivera dando a Viktor recentemente. 

“Olha”, ela começou. “Eu sei que nós não temos sido os melhores amigos que você merece. Eu não tenho sido uma amiga tão boa. E eu peço desculpas.” 

Rogério assentiu, sério. 

“Mas sobre a Fleur”, Sophia continuou, “eu só posso dizer que sim, eu realmente não apoiei você como você queria, mas porque eu não acreditava que ela era o melhor para você.” 

Ele respirou fundo antes de responder.

“Eu entendo sua opinião, Soph, mas essas coisas são escolhas minhas. Obviamente ela não era o melhor para mim, mas eu tinha que descobrir isso eu mesmo. O que eu queria era que vocês ficassem mais animados por mim, porque eu realmente gostava dela.” 

Sophia suspirou. Ficou encarando suas mãos e pensou bem antes de continuar. “Eu sinto muito mesmo, Rogério, mas eu não sei se acredito que você realmente gostava dela.” 

Ele abafou uma risada desacreditada. “O que…” 

“Deixe-me explicar”, Sophia continuou. “Tudo sempre me pareceu muito unilateral…”, ela disse devagar. “E não só no sentido de que ela só falava e você só ouvia, mas para mim parecia que você não estava escutando de verdade.” 

As sobrancelhas do amigo se juntaram como se fossem uma.

“Ela é meio veela e tem algum tipo de encantamento, não é? Não estou te culpando nem nada, mas parecia que você sempre esteve mais ocupado a admirando do que realmente tentando conhecê-la. E… talvez seja por isso que ela terminou com você.” 

Rogério desviou o olhar. Ficaram em silêncio pelo que pareceu um bom tempo. A cada segundo que passava, Sophia se sentia pior pelo que tinha falado para o amigo, mas sabia que estava sendo honesta. Mas só porque alguma coisa é verdade não significa que ela deve ser dita, disse uma vozinha no fundo de sua cabeça. Sophia sacudiu o pensamento.

Quando ele finalmente falou, foi com uma voz grave. “Eu acho que preciso pensar um pouco.” 

Sophia concordou silenciosamente e esperou, mas ele continuava encarando a parede. “Você quer que eu vá?” 

Ele fez que sim em um aceno discreto. “Eu só preciso ficar sozinho por um tempo.” 

Sim, ela pensou. Lançou um último olhar para o amigo antes de se retirar.

Saiu para o corredor e o encontrou vazio; não havia mais sinal de Viktor. Foi em direção à Torre da Corvinal, imaginando que toparia com ele no caminho - afinal, o que mais ele estaria fazendo naquele andar? -, mas estava errada. Subiu as escadas desanimadamente, ainda se sentindo meio estranha por causa da conversa com Rogério.

Assim que entrou na Sala, viu Georgie e Sean. Os dois a avistaram ao mesmo tempo e vieram imediatamente em sua direção. 

“Cadê o Rogério?” perguntou Sean. 

“Ele quer ficar sozinho por um tempo”, respondeu Sophia, indo em direção a uma poltrona e sentando. “Nós conversamos.” 

Georgie franziu a testa, preocupada. “E?” 

“Não sei.” 

A amiga afundou-se em uma cadeira a seu lado. “Eu me sinto péssima. Eu fui tão egoísta. Hoje de manhã foi o mais animado que eu vi Rogério esses últimos tempos e eu tive que ir lá e estragar. Quem se importa com um desentendimento que eu tive com uma garota quatro anos atrás?” 

Sean pegou a mão da namorada e a apertou. “O Rogério aguenta levar uns vinte balaços na cara por jogo. Acho que ele aguenta um pé na bunda, seja de quem for.” 

Georgie deu um sorrisinho, mas Sophia não conseguia se animar nem para isso. 

Passaram o final da manhã em um clima tenso na Sala Comunal. Sophia até pegou seus livros e tentou estudar, mas não conseguia se concentrar o suficiente na leitura para terminar um parágrafo sequer. Quando finalmente chegou o horário do almoço, os três desceram na expectativa de encontrar o amigo no Salão Principal, visto que ele não retornara à Torre, mas Rogério novamente não estava à vista. Sophia começou a ficar preocupada e ainda mais nervosa do que antes.

“Onde ele está?” enunciou Sean, finalmente.

Sophia balançou a cabeça. “Deveria estar aqui. Ele comeu bem apressadamente no café, não deve ter demorado para bater a fome.” 

“Talvez ele foi para a cozinha?” sugeriu Sean.

“Talvez”, concordou Sophia sem muita animação.

Passaram na cozinha e não encontraram o amigo. Separaram-se então para as aulas do período da tarde; Sean e Georgie desceram para a aula de Trato das Criaturas Mágicas e Sophia subiu para Runas Antigas. Não conseguiu prestar tanta atenção na Prof. Babbling explicando o significado de hieróglifos mágicos, checava o horário a cada cinco minutos. Quando o sinal finalmente bateu, Sophia correu para fora da sala e em direção à Sala Comunal.

Coincidentemente, alcançou as escadas ao mesmo tempo que Sean e Georgie, e deram uma resposta qualquer para a águia da porta (“Sou alta quando nova e baixa quando velha, o que sou?” “Uma mentirosa, só pode, porque é uma águia de metal” “Uma vela, Sean!”). Entraram na Sala, ainda ofegantes, e escanearam as poltronas até encontrar a cabeça familiar de Rogério encostada em uma almofada. 

“Rogério!” chamou Sean, aproximando-se do amigo.

“Ah, alô!” ele respondeu, sem levantar. Perceberam que ele estava no meio de uma partida de xadrez contra Grant Page. “Torre para E6”, ele disse.

“Oi, gente!” cumprimentou Grant animado. “E aí, Georgie? Estava contando pro Rogério que ouvi Montague dizendo por aí que seu tio ia lhe comprar uma Firebolt de aniversário.” 

“O QUÊ?” exclamou Sean antes que a namorada pudesse abrir a boca. “É verdade?” 

“Acho difícil. A família dele não devia investir nem um nuque em sua carreira no quadribol”, riu Grant.

“De qualquer jeito, se ele tivesse uma Firebolt, provavelmente não conseguiria guiar a vassoura com aquele corpão dele”, complementou Rogério, abrindo um belo sorriso.

Georgie soltou uma risadinha aguda e nervosa. Olhava de lado para Rogério, provavelmente apreensiva com o bom humor dele. 

A partida de xadrez continuou por mais uns dez minutos. Os meninos rapidamente entraram em uma discussão muito entusiasmada sobre - surpresa - quadribol, mas Georgie e Sophia ficaram de lado, assistindo, pois ainda estavam receosas. Quando o cavalo de Rogério finalmente destruiu o rei de Grant, os meninos comemoraram alto e começaram a arrumar as peças. 

“Melhor de cinco?” perguntou Grant, sorrindo. 

Rogério sacudiu a cabeça. “Ah, estou cansado. Outro dia a gente continua.” 

“Certo. Vejo vocês no treino de sábado.” disse Grant, pegando sua varinha e a apontando para as peças destroçadas no tabuleiro (“Reparo”). 

“Até lá.” 

Grant levantou-se e saiu com o jogo. Os quatro amigos, então, fizeram-se confortáveis no sofá, pois sabiam o que estava por vir.

Sean falou primeiro.

“Ei, hã, por onde você esteve o dia todo? Não te vimos no almoço.” 

“Ah, eu… Dei uma volta por aí”, respondeu Rogério. 

Todos assentiram, sem saber como continuar.

“Ah, Rogério, eu sinto muito”, soltou Georgie. “Eu exagerei hoje em Transfiguração. Não importa o que aconteceu entre mim e Miranda, já faz tanto tempo… Se ela te faz feliz, então eu também estou feliz.” 

Rogério abriu um pequeno sorriso e pegou a mão que a amiga ofereceu.

Georgie continuou: “E sinto muito sobre Fleur, também. Eu sei que só fiquei criticando ela, mas eu devia ter entendido que você se importava muito com ela, e que isso vem antes.”  

Rogério soltou sua mão e desviou o olhar, sem antes virar de relance para Sophia. A fala de Georgie havia basicamente confirmado que Sophia não contara aos outros a conversa que os dois tiveram, e ela realmente não podia - parecia muito pessoal, mesmo que fossem todos melhores amigos. 

“Sobre isso”, disse Rogério, depois de um tempo, “eu dei uma pensada hoje e… Eu acho que eu não me importava tanto com ela assim. Não como uma pessoa, pelo menos. Nós ficamos juntos por algumas semanas, mas eu sinto que nunca a conheci de verdade.” 

Sean e Georgie afastaram-se, endireitando as posturas em choque. Os dois se entreolharam e depois olharam para Sophia, mas ela mantinha a atenção em Rogério. 

“E perceber isso me fez enxergar que talvez eu esteja me apressando com Miranda”, ele continuou. “Ainda não sei o que vou fazer em relação a ela.” 

Sophia colocou a mão no ombro do amigo. “Bom, o que quer que faça, saiba que nós estaremos lá.” 

Rogério sorriu, mas, antes que pudesse reagir, Sean fez um “Aw" exagerado e gritou: “ABRAÇO EM GRUPO”. O menino amassou todos juntos com seus braços compridos e então os liberou, dizendo: “Ok. A partir de agora, sem mais drama por pelo menos cinco anos.” 

Os quatro riram e sentaram-se novamente, desta vez conversando animados. O clima continuou leve pelo resto da tarde, mesmo quando lembraram que tinham cinquenta centímetros de pergaminho para escrever para a aula de Herbologia no dia seguinte. 

Na janta, o grupo estava tão feliz que podia-se pensar que era a ceia de Natal, em vez de um jantar qualquer na escola. Sophia não podia estar mais grata em ter o grupo de volta ao normal - e desta vez para valer, pois todos os conflitos foram finalmente resolvidos - que, quando viu Viktor levantando também da mesa, fingiu não perceber e saiu com os amigos para a Sala Comunal.


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