Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 94
Sozinha em apuros


Notas iniciais do capítulo

Oii!

"O Doutor agora é uma criança, e Luisa está tendo cada vez mais dificuldade em lidar com ele. Contudo, recentemente a garota impossível entrou em cena, renovando as expectativas de todos e também aguçando a curiosidade sobre sua própria existência. Será que agora, com Clara Oswald na jogada, as coisas vão mudar? ".



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Era a garota do quadro na Prisão do Tormento. A mesma garota que lhe dera o conselho responsável por sua reconciliação com o Doutor, no palácio da Princesa Isabel. Por incrível que pareça, agora que tinham tocado no assunto, parecia tê-la visto em vários outros lugares por onde passaram... Em meio à correria e a confusão que tomaram conta do futurístico Expresso Continental, lembrou-se de ter cruzado no corredor, uma ou duas vezes, com uma determinada garçonete, que não estava na contagem de passageiros sobreviventes no final, mas que, sem dúvida, se parecia muito com ela; Não sabia exatamente como, mas sua memória parecia armazenar a presença de uma garota de mesma postura, na arena de batalhas dos Hipnóts, em Terra Nova. E aquela voz soava tão conhecida... Quase como se já tivesse sido ouvida recentemente. Sim! Era a mesma voz que Luisa ouvira no orelhão do universo paralelo. Agora tudo estava muito claro... Com certeza, era aquela moça do outro lado da linha.

Ela. Sempre ela. De novo e de novo, em todo canto, diversas vezes durante as aventuras, e em cada ponto da história em que estiveram. Se Luisa tivesse que listar uma coisa que havia em comum sempre, em qualquer lugar que estivesse com o Doutor, seria aquela garota impossível.

Incrédula, Luisa dirigiu-se a ela.

—Senhorita Oswald!?

—Hum... Não sabia que seríamos tão formais –ela sorriu amigavelmente, ao vir apertar sua mão. –Clara Oswald, a seu dispor. Pode me chamar só de Clara. É meu primeiro nome. Agora, vamos tentar nos livrar desse “senhorita”. É muito gratificante, mas ao mesmo tempo, não cai bem pros dias de hoje. Quero que me chame de “você”, porque afinal, sou uma garota moderna, assim como você.

Luisa ficou petrificada. Não sabia se concordava ou começava a fazer perguntas. Pensou que talvez partir logo de cara para a segunda opção poderia não ser muito educado, então abordou-a de outra forma.

—O que você faz aqui? –“não deveria estar em 1800?” ela quase emendou.

—Ora, eu vim para ajudar vocês –ela disse, simplesmente. –Soube que estavam tendo um pequeno problema... –demorou-se um pouco ao pronunciar a palavra “pequeno”, pois havia acabado de localizar o menino de 8 anos, com seus olhos gentis.  –Oh meu Deus... Esse é ele? –e virou-se espantada para a TARDIS. A mulher loira confirmou.

—Tentamos de tudo para estopar o processo. Infelizmente, não deu resultado.

—Não –ela sussurrou docemente com os olhos brilhantes cravados em Timoty. –Ainda não tentaram de tudo. –e voltou-se para a TARDIS, mais decidida que nunca: -Use a seringa bilateral. Será a única forma de salvá-lo.

A TARDIS tirou o objeto de dentro de uma pochete que acompanahva o Kilt, e encarou-o por um momento.

—Se for o único jeito... –e lançou, diretamente para Luisa, um olhar que dizia com todas as letras: “O que você me diz? Acha que devemos tentar?”. Luisa olhou para o menino, depois voltou-se para as outras duas que esperavam sua opinião.

Vamos nessa.

Com esta deixa, eles saíram do box e foram para um lugar menos movimentado (longe das passarelas e corredores cheios de visitantes) e lá, começou-se um processo demorado para tentar inserir a agulha do lado certo da seringa de vidro (de modo que, se a única agulha esterilizada entrasse em contato com o líquido errado, por engano, então esta ficaria contaminada e seria impossível utilizá-la novamente.

—É a do lado direito –disse Clara, abruptamente. A TARDIS encarou-a, pasma.

—Como você sabe?

—Fique tranqüila. Eu não diria isso a você se não tivesse absoluta certeza. -Clara sorriu. -Jamais colocaria em risco a vida do nosso menino esperto –e sorriu na direção de Timoty, que esperou pacientemente até que ela virasse a cabeça, para depois se encolher todo.

Luisa reparou sua inquietação e tratou de preencher o silêncio com alguma palavra de conforto.

—Está tudo bem Tim –tocou-lhe o ombro. –Eu estou com você.

Ele não disse nada de início. Só depois de algum tempo, foi que conseguiu desenrolar seus pensamentos e elaborar uma boa pergunta. Mesmo assim, sua voz saiu tímida.

—O que elas vão fazer comigo?

Luisa engoliu em seco. Não queria começar a explicar para quê servia uma seringa com agulha. Aquele não era seu assunto preferido nem de longe. Em geral, ela sempre tivera pânico de agulhas, assim como também de tirar sangue e, claro que não poderia faltar à clássica “repudia de hospitais” e a desconfiança com as enfermeiras. Ou seja: tinha um probleminha particular com cada porcentagem do pacote completo. Certamente que ela não era a pessoa mais qualificada para explicar ao pequeno Tim sobre o assunto. Era obvio que isso só o deixaria mais alarmado, e isso era o que ela mais queria evitar. Contudo, precisava dizer alguma coisa, que ainda por cima, deveria ser exatamente o contrário de sua própria opinião sobre o tema.

Não sabia bem o que dizer, porém, apelou por contornar o assunto gentilmente.

—Elas só vão te dar um remedinho. Sabe? Para ajudar você...

—Mas eu nem estou doente! –ele interpôs, intrigado. –Não quero tomar nada sem que seja necessário.

Luisa mordeu o lábio. Como dizer a ele o que precisava ser dito sem realmente dizer?

—Olha, Tim... –Luisa segurou sua mão. –Você sabe que eu não mentiria pra você...

—E porque vai mentir agora? –ele perguntou, inocentemente. Luisa ficou sem resposta. Só então percebeu a besteira que fizera ao resolver segurar sua mão. O toque de um Senhor do Tempo significava, em geral, além de um modo de demonstrar afeto, que ele também estaria possibilitado a entrar em sua mente e ler seus pensamentos disponíveis. Entretanto, era tarde demais para ela desconversar. Antes que pudesse recuperar o fôlego e dizer alguma coisa, Clara surgiu junto da TARDIS, portando a seringa nas mãos.

—Vamos lá, querido? Vai ser só uma picadinha e mais nada. –anunciou a TARDIS.

Picadinha?—ele olhou receoso para Luisa. Sua mão chegou a gelar instantaneamente. Ao seu lado, Luisa estapeou a própria testa: não devia ter deixado todos aqueles pensamentos apavorantes sobre experiências traumáticas que tivera em hospitais, em primeiro plano dentro de sua cabeça, enquanto tentava convencer o menino do respectivo contrário... Inesperadamente, ele soltou sua mão e fez um beicinho, fazendo cara de dó para ver se alguém se comovia. Clara respirou fundo algumas vezes. Dava pra ver o suor brotando na testa da TARDIS, mas mesmo assim, ela se manteve firme. Luisa não agüentou aquela pressão.

—Tá legal! “Cessar fogo”. Dêem um tempo pra nós conversarmos –ela pediu. As outras duas se entreolharam, mas acabaram por aceitar a proposta e se afastaram, dando espaço aos dois.

Imediatamente, Luisa voltou-se para ele.

—Tim, segure de novo a minha mão.

Ele negou, receoso.

—Acho que não quero ver tudo aquilo de novo...

—Você não vai ver. –ela suspirou, tocando-o no ombro. –Sinceramente, me desculpe Tim. Eu não fiz as coisas direito. Esqueci completamente que você é psíquico e que, quando não souber o que dizer, uma ótima forma de mostrar a você o que estou tentando explicar é mostrar a você, através de pensamentos que eu estiver tendo. –fez uma pausa rápida. -Sinto muito mesmo, Tim. É que... Não sei bem lidar com crianças... –admitiu, meio embaraçada.

—Claro que sabe -inesperadamente, Timoty sorriu para ela. –Só que você ainda não sabe disso.

Aquilo fez Luisa sorrir também. Sem mais delongas, ela estendeu a mão para ele. Tim hesitou só por um segundo, então finalmente cedeu, correspondendo o gesto. Desta vez, ele pode conferir uma nova seqüência de pensamentos, junto com imagens positivas e muitos incentivos.

—Me perdoe por assustá-lo. A verdade é que não é tão ruim assim... Se você me permitir tentar outra vez, garanto que o resultado será melhor. –ela pôs uma mecha atrás da orelha, corando de leve. –A verdade verdadeira, é que eu é que sou meio covarde.

Ele pôs a mão livre em seu ombro.

Então somos dois.

A garota admirou sua tentativa de ser fofo. Em geral, era uma coisa que o Doutor de 1000 anos que ela conhecera, faria de verdade. Isso confortou-a um pouco mais: pensar que estava mais uma vez com seu melhor amigo. Tudo que teria que fazer então, seria dar-lhe força e afastar a sombra do medo de perto dele.

Mal começaram a sorrir entre si, Clara Oswald e a TARDIS já vinham voltando. Só houve tempo hábil para se entreolharem mais uma vez (desta vez decididos, com afinco) e de Luisa sussurrar:

—Pode segurar minha mão se quiser. Ela é toda sua.

—Obrigado –ele assentiu. –Acho que vou aceitar.

Ele ajeitou-se mais perto de Luisa e a garota fez mais do que segurar sua mão: ela envolveu-o em seus baços, sentando-se com Timoty em um banco perto dali, e ambos esperaram pacientemente até que uma das outras duas dissesse algo.

—Bom, vamos recapitular –começou Clara. –Isso aqui é um Estancador de Processo Regenerativo. –disse, apontando para o líquido interno da seringa. –Um desses dois não passa de um sonífero, enquanto o outro faz todo o trabalho que vocês precisam para estancar o processo regenerativo e rejuvenescedor. –prosseguiu, gravando as expressões de cada um dos demais, enquanto despejava informações. –Esse aqui é o que vocês precisam –disse, apontando agora para o refil à direita. –Onde já foi inserida a agulha, como vocês podem ver. A questão é simples agora: devemos aplicar a substancia nele e esperar até que faça efeito.

—Certo –Luisa logo emendou. –Mas, acho que temos uma questão mais importante para discutir primeiro: em que lugar vocês vão querer aplicar a injeção? 

Elas se entreolharam.

—Bom, no lugar de sempre, eu presumo –Clara respondeu, como se aquilo não fosse difícil de afirmar. Ficou meio sem graça quando todos voltaram-se para ela. –Ai, gente... Qual é o problema? Ele é criança no momento. Vai esquecer de tudo isso quando voltar a ser adulto!

E se ele não esquecer?—Luisa contrapôs. –Eu não sei quanto a vocês, mas não quero deixá-lo envergonhado.

A TARDIS soltou um muxoxo.

—Certo. Então vamos fazer assim: daremos na coxa. Um pouco abaixo das nádegas, está bem assim?

Luisa encarou a mulher ex-máquina do tempo, intrigada. Como ela sabia onde devia-se aplicar uma injeção, era um mistério e tanto. Clara contudo esclareceu rapidamente: 

—Expliquei tudo a ela. -bom, ao menos agora fazia sentido. Ainda assim, algo continuava incomodando Luisa. 

—Não podemos dar pra ele como se fosse um antibiótico? –sugeriu, insistente. –É que... Vocês sabem como são as crianças. E o líquido parece com algo que se possa ingerir...

—Melhor não –rebateu Clara, séria. –Não vamos misturar as coisas. Rani colocou isso em uma seringa. Se fosse mesmo para ser consumida garganta abaixo, ela teria trazido a substancia em um copo, e não desse jeito.

Luisa pensou melhor e acabou concordando. Fora uma burrice tamanha dizer aquilo, mas fazer o quê? Ela só queria evitar que ele sofresse. De qualquer jeito, não houve saída. A postergação só serviu mesmo para dar-lhe mais um tempinho antes de ter que sentar de lado no colo de Luisa, e de ter a barra larga de sua calça, erguida quase completamente do lado esquerdo, revelando um grande pedaço pálido de pele.

Timoty virou a cabeça, encaixando o queixo contra o pescoço de Luisa, e fechou os olhos, abraçando-a forte.

—Não se preocupe. Vai acabar logo –prometeu a ele.

Sentiu a respiração do menino aumentar conforme os segundos passavam.

—Vai doer? –ele finalmente perguntou.

Luisa tentou sorrir. A TARDIS se aproximou com a seringa, mordendo a língua ao mirar o lugar certinho onde pretendia aplicar a injeção.

—Quase nada. –ela jurou, quase certa do contrário. Nunca na vida vira uma criança que não chorasse naquela situação, pelo menos uma vez. E, como aquela era, obviamente, a primeira vez dele (não havia seringas em Gallifrey), a garota não esperava uma reação muito melhor.

—Certo, vamos lá –devagarzinho, a TARDIS prensou a agulha fininha contra sua pele, o que rendeu um movimento brusco da parte do menino, mas que foi logo detido pela mão firme de Clara, que ajudou a mantê-lo parado. Timoty ameaçou chorar e Luisa intensificou o abraço, acariciando seus cabelos e dando-lhe um beijo na testa. Ela faria-o se acalmar. Com paciência, dando-lhe atenção o tempo todo, e muito cafuné, tinha certeza que conseguiria.

No final das contas, tudo não passou de um susto. Logo ele já estava quietinho de novo no colo de Luisa. Clara Oswald sorriu e mostrou o polegar, orgulhosa.

—Muito bem TARDIS! –incentivou ela. –Quem a vê assim, tão confiante, nem pensa que você nunca fez isso antes...

—Ah, imagina! –ela sorriu meio de nervoso. –Mas eu ainda não acabei... Falta ejetar o remédio para dentro do corpo dele.

—Então faça isso e vamos acabar logo com esse episódio! Garanto que o Doutor agradeceria muito por tudo isso chegar ao fim. –disse Luisa. –E eu também.

Ambas concordaram e a TARDIS posicionou o dedo para disparar o jato vermelho pela agulha à dentro.

—Agüenta só mais um pouquinho tá? –Luisa sussurrou em seu ouvido. Tim assentiu, completamente mudo.

 

*     *      *

Alguns andares errados de distancia, o Mestre estava irritadíssimo com todo aquele imprevisto em seu plano, e começou a demonstrar sua verdadeira face: irredutível, impaciente e insano, diante das paredes de um dos corredores vazios, e também diante de Sofia, sua pequena aprendiz.

—NÃO É POSSÍVEL! –ele chutou uma lata de lixo. Parecia uma criança mimada, indignada por não ter ganhado todos os presentes que pediu de Natal para o Papai Noel. –PROCURÁ-LO POR AÍ SEM AUXÍLIO DE CÂMERAS E OUTROS DISPOSITIVOS É TÃO INÚTIL QUANTO VOCÊ, SOFIA! VOCÊ É UMA INÚTIL!

Sofia se encolheu toda. Suas sardas ficaram ainda mais vermelhas.

—D-desculpe... Eu não consigo ver onde ele está.

DROGA, SOFIA! VOCÊ É UMA TARDIS! VOCÊ TEM QUE SABER LER A MENTE DAS PESSOAS PELA TELEPATIA. SERÁ QUE É TÃO DIFÍCIL ASSIM POR EM PRÁTICA UMA HABILIDADE QUE JÁ É SUA POR NATUREZA?

—E-eu... Não sei controlar muito bem. –gaguejou, envergonhada.

E PRA QUE SERVIU ENTÃO TODO O TREINAMENTO QUE EU LHE DEI, MOCINHA? HÃ!? PRA FICAR BRINCANDO DE ESCONDE-ESCONDE COM O DOUTOR NO SHOPPING É QUE NÃO FOI!!!

Sofia engoliu em seco. Ela sabia que seria castigada por aquilo, cedo ou tarde. Pensou várias vezes em se impor perante a ele... Só que ela era fraca. Sabia disso. Também era muito pequenininha... Como então poderia enfrentá-lo com tamanha desvantagem? Seria pouco mais que ridículo, tentar fazê-lo. Por outro lado, não fazê-lo poderia gerar-lhe seqüelas muito piores depois. Pois então, recomeçava novamente aquele momento de conflito: O que diabos deveria fazer?

Enquanto Sofia esquentava a cabeça, confusa e assustada, Timoty gritava descontrolado, conforme o remédio entrava em sua corrente sanguínea. Luisa nem ninguém conseguiam mais segurá-lo. Ele esperneava e seus berros podiam ser ouvidos corredores a fio. Aflita, Luisa tentava acalmá-lo a todo custo, mas com ele fora de controle, aos poucos começou a se desesperar também; a TARDIS mantinha-se rígida, tentando terminar de ejetar a substancia, enquanto Clara dizia, abatida:

—Eu não entendo... Eu realmente não entendo... Era para ter funcionado! –disse, com lágrimas nos olhos. –Não Doutor! Não! –gritou, juntando-se com Luisa para tentar imobilizá-lo novamente.

O que está havendo? Que diabos está acontecendo?—Luisa gritou para a Clara.

Clara hesitou. Pela primeira vez naquele dia.

—Não sei direito como explicar... É o Estancador de Processo Regenerativo. Acho que ele está causando isso.

—O quê? Que diabos estamos ejetando nele!?—gritou Luisa.

—Não sei ao certo. Só sabia que seria esse negócio, o responsável por trazê-lo de volta –ela arfou. –Não sei mesmo como explicar... Nem mesmo sei como é que eu sei disso!

 -Isso é culpa sua! É tudo culpa sua!—acusou-a Luisa, tentando imobilizar as pernas de Tim.  

—Sofia querida –o Mestre prosseguiu, com uma calma abrupta na voz que chegava a arrepiar os cabelos. –Você não vem sendo de muita ajuda ultimamente... –mudou de tática, aparentemente, voltando a ser “bonzinho” com ela. –Gostaria que me explicasse o motivo desse motim.

Sofia arregalou os olhos.

—Não, meu mentor! Não se trata de um motim! Eu preferia morrer ao deixar de servi-lo. O senhor sabe disso.

—Sim. Eu sei disso—ele sorriu amistoso, passando o braço ao redor do pescoço dela e levando-a para dar um pequeno passeio pelo corredor.

A TARDIS ajoelhou-se para continuar a aplicar a injeção. Estava muito difícil com ele esperneando feito louco.

—Eu sei o que está havendo –ela anunciou, surpreendendo as outras duas. –Consigo sentir a rejeição pulsando enraivecida dentro de suas veias... Ele não está gritando e esperneando por conta própria. Seu corpo tomou o controle de suas ações. Tudo isso está ocorrendo por causa das células regenerativas. São elas as responsáveis por estabilizar ou recomeçar o processo de regeneração e rejuvenescimento. –explicou ela, por entre a confusão. -O remédio está entrando na circulação dele e sendo recebido como um inimigo. As células não querem obedece-lo. Estão agindo por contra própria, usando sua força para destruir o antídoto. Assim como fariam os anticorpos perante a um vírus. Só que imagine isso numa escala muito maior... Sim. Elas querem liquidá-lo.

—Mas não podem! –rebateu Clara, atônita. –Não! Isso é completamente o oposto do que deveria acontecer...

Não—teimou a TARDIS. –É exatamente o que devia acontecer. O corpo dele é muito bem protegido. Vê se vocês já o viram ficar resfriado de bobeira...? Quando a temperatura cai pra valer, ele tem um recurso que faz seu próprio corpo esquentar-se automaticamente. Não é pura coincidência... O corpo de um Senhor do Tempo é desenvolvido para sobreviver a vários tipos de investidas diferentes e estremas... É quase um milagre!

Mas de que isso adianta agora!?—esbravejou Luisa, chamando a atenção das outras duas. –Droga meninas! O Doutor precisa de Ajuda! Vocês me dizem que está ocorrendo uma verdadeira guerra civil dentro dele e nós só podemos ficar olhando!? Eu não vou suportar ficar de mãos abanando pra sempre!

—Só há um jeito de acabar logo com isso –disse Clara, depois de alguns segundos pensando. –Temos que terminar de aplicar o remédio. Tudo bem: ele vai chorar e gritar, mas pelo menos, em teoria, se ele receber uma quantidade muito grande do antídoto, suas células só poderão se render e deixá-lo fazer efeito.

As três se entreolharam.

—Em teoria? –Luisa repetiu.

Em teoria. –Clara confirmou. A TARDIS encarou a seringa com o restante do líquido vermelho: não conseguira ejetar nem a metade da cápsula. Decidida, posicionou-se de novo.

—Já chega! Vou ejetar o resto dessa coisa e vai ser agora! –arfou, estressada. –Vamos continuar Doutor... Agüente firme!

O Mestre caminhava serenamente pelo corredor, com o braço ao redor do pescoço da menina, receosa.

—Não precisa sentir medo de mim –ele disse, em um tom quase convincente. –Eu só quero ensinar-lhe o que é certo fazer. De que lado é certo ficar. A quem você deve se aliar... Essas coisas simples que qualquer mentor que se preze, se preocuparia em passar para sua jovem e amada aprendiz.

O lábio inferior de Sofia tremeu. Ela estava em pânico.

—O que você vai fazer comigo? –perguntou entre fungadas.

O mestre sorriu torto. Não foi um sorriso legal.

—Nada, minha querida –prometeu, amavelmente. –Eu só quero que se sinta integrada. Não entende? É o único objetivo da minha vida!

Sofia se alegrou subitamente.

—É mesmo? –então franziu o pequeno cenho. –Mas e quanto ao plano de executar aquele doutor?  

—Não confunda as coisas querida. Aquilo é uma meta momentânea. Mas você... Você é minha prioridade.

—Eu sou? –ela começou a ficar mais otimista sobre tudo.

—Sim... Claro que é –ele sibilou. Já estavam chegando ao fim do corredor, onde havia uma larga janela de vidro, com visão privilegiada do espaço sideral, ao redor do Shopping no meio do vácuo. –Agora que eu te confessei meus mais íntimos sentimentos, me responda uma coisa: Você é completamente leal a mim?

Sofia parou de andar e fitou-o. Ele ainda mantinha o braço amigavelmente ao redor de seu pescocinho fino.

—Claro que sim, meu Mentor. Não tenha dúvidas. –e sorriu simplista. –Eu sou sua TARDIS. O senhor me escolheu, e por isso, serei eternamente leal ao meu mentor.

—É mesmo? –ele sorriu largo.

Aaaaaaaaaaaaaaaaaaah!!! –os gritos de Timoty ecoaram mais altos do que nunca. A TARDIS voltara a ejetar o remédio.

Inesperadamente, o Mestre fechou a cara. Seus olhos brilhavam de ira, na direção de Sofia.

—Então apenas me responda mais isso: POR QUE VOCÊ NÃO CONSEGUE SE DEDICAR AO MÁXIMO NA TELEPATIA? POR QUE NÃO PODE SER AINDA MAIS LEAL!? HÃ!? POR QUÊ??? RESPONDA!!!—gritou, apertando o pescoço da menininha com força. Depois de ser chacoalhada violentamente, Sofia foi arremessada ao chão e caiu de bruços, de frente para ele.

Naquele exato segundo, no andar diferente em que estavam, a TARDIS do Doutor cambaleou para trás e desmoronou no chão, como se tivesse sido apunhalada de alguma forma. Sua expressão era de dor intensa. A mesma dor que Sofia vinha sentindo. Ao sentir o corpo colidir dolorosamente com o chão, escutou-se o som de alguma coisa se espatifando: a seringa com o resto do antídoto e com o sonífero agora não passava de uma poça infectada, espalhada no chão. Luisa e Clara gritaram, desesperadas:

NÃO!!!

Gemendo, Sofia ergueu-se com dificuldade. Encarou seu mentor, chorosa. Esperava por um tapa na cara, mas não por aquilo.

—LEVANTE-SE! –obrigou-a.

Imediatamente, Sofia começou a obedecer. Mas, quando ainda estava de quatro no chão, recuperando o fôlego para conseguir se erguer em pé, eis que o Mestre atacou-lhe novamente, só que desta vez, com chutes no ventre, de modo que ela desabou mais uma vez, com as mãos abraçando o estômago.

Ela era delicada. O Mestre sabia disso. Ele sabia que não precisava de muito para dar-lhe uma lição. Mas, sua falta de foco atualmente, repercutindo de maneira catastrófica na execução do belíssimo plano da dupla infalível, deixaram-no enfurecido e louco de raiva e ódio.

ISSO, COISINHA INSIGNIFICANTE DO ESPAÇO E TEMPO, É PARA VOCÊ APRENDER A ME OBEDECER E A SEGUIR MINHAS ORDENS DE MANEIRA ADEQUADA E IMEDIATA! –desdenhou, depois abaixou-se perto dela, para gritar em seu ouvido sensível: -SERÁ QUE EU FUI SUFICIENTEMENTE CLARO, PIRRALHA!?

Meu mentor... Sim. Sim senhor—ela grunhiu, quase sem fôlego.

Sim senhor—a TARDIS do Doutor gemeu no chão, blefando, igualmente fragilizada.

 

*     *      *

Timoty soluçava de leve, já mais calmo, agora novamente no colo de Luisa. A garota acariciava-lhe os cabelos em silêncio, com uma das mãos, e com a outra, pressionava um pedaço de algodão contra sua coxa. Estava desacorçoada. A TARDIS tinha uma expressão parecida no rosto. Tinha as mãos na cabeça, e a cabeça entre as pernas, com o corpo inclinado para frente e o final das costas apoiada contra o banco, onde Luisa estava sentada com Timoty. Estava em choque. Clara parecia mais decepcionada que outra coisa. Aparentemente, ela viera de tão longe para que tudo aquilo não desse resultado. Tinha a mão prensada contra os lábios desde que a TARDIS deixou a seringa se espatifar no piso, e os olhos não desgrudavam da poça de sonífero e antídoto misturado, quase como se, só com a força do pensamento, pudesse consertar as coisas e trazer o remédio de volta. Apesar dela querer muito isso, Timoty discordaria imensamente daquela hipótese. Para sua percepção de criança, a única coisa que o poupara de sentir mais dor fora a “santa seringa” ter se espatifado no chão. Era obvio que isso bastava para que ele não quisesse ver aquele antídoto novamente em sua vida, nem mesmo pintado de ouro.

Apesar de estar se sentindo muito melhor agora, sabendo que Tim estava felizmente sobre controle, Luisa ainda assim não conseguia sossegar. Era como se muitas coisas estivessem tão perto de ser resolvidas, e assim, de um segundo idiota para o outro, tudo aquilo que fora construído com o suor de um dia inteiro, acabasse do nada, num vago estalar de dedos, levando consigo sua esperança e motivação também de bônus.

Era realmente desconcertante. Mas não podiam fazer nada para mudar o que já tinha sido feito. Bem, ao menos que tivessem uma máquina do tempo; E, julgando pelo fato de tudo aquilo ter desandado por causa de uma legítima máquina do tempo, tudo o que poderiam esperar daqui por diante, era indeterminado.

Wah...—Tim bocejou em seu colo. Luisa voltou-se para ele, depois de um longo tempo meditando sozinha. Ele tinha as pálpebras pesadas agora. Tudo indicava que aquela tremenda confusão só serviu mesmo para deixá-lo cansado.

—Vem Tim –ela colocou-o no chão e estendeu a mão para ele segurar. –Vou te colocar pra dormir...

Antes de dar-lhes as costas, Luisa lançou um último olhar às outras duas, que despediram-se dela, cada uma com um breve e sério aceno de cabeça. Depois disso, Luisa seguiu em frente, levando Timoty de volta ao box abandonado.

Pior foi o retorno para o box que não aconteceu como prevera. Tudo porque ela não se lembrava mais em que direção ele ficava. E, com Tim andando cada vez mais arrastado por causa do sono inevitável que tomava-o rapidamente, ela teve que improvisar.

Avistou uma loja grande de móveis, que estava fechada. E lá, bem na vitrine, uma grande cama fofinha, com edredons, travesseiro e colchão. A mente de Luisa rapidamente começou a trabalhar. Tentaram entrar pela porta da frente: estava trancada. Bem... Encontrar portas abertas por aí não era uma opção com que sempre podia-se contar. Contudo, ela deu um jeito de entrar no lugar, passando por uma abertura –curiosamente do tamanho exato para uma pessoa passar –onde havia um vidro quebrado (que estava bem disfarçado atrás de um bebedouro, mas que mesmo assim, não foi páreo para a incrível percepção analítica  e visual dela). Adentraram rapidamente, antes que alguém os visse, e Luisa, junto de Tim, trataram-se de se esquivar por entre os móveis no breu, até darem de cara com a vitrine escurecida na lateral, com a cama esquematizando um modelo engraçado de quarto alienígena. Sem mais delongas, Luisa apanhou uma tábua larga que encontrara jogada por ali (parecida com um estrado, só que sem o espaço entre as madeiras), e apoiou-a contra o vidro da vitrine, de modo que deixou o ambiente ainda mais escurinho e impedia que os outros tivessem uma visão interna do lugar, da cama, ou de Timoty dormindo nela.

Quando Luisa voltou-se para a cama, imaginava encontrar Timoty já esparramado nela, mas o que viu foi um menino receoso, observando o colchão de longe.

—Tim? –Luisa chamou-o. Ele fitou-a de esguelha, com uma expressão assustada no rosto. Luisa limpou a garganta e aproximou-se dele. –Por que não se deita e dorme um pouquinho? Hum? Não parece boa idéia?

—E-eu não quero dormir aí –ele fez uma cara de medo perante a cama. Parecia desconfiado sobre ela. –Posso dormir no seu colo?

—Não Timoty. Lamento. Mas o meu colinho meio que tirou umas férias permanentes no momento. –ela desculpou-se, meio dolorida. O menino esfregou o nariz na manga do suéter.

—Eu não quero dormir sozinho. –anunciou, amedrontado.

—Ah, Timoty! Qual é? É só um colchão... Ele não pode machucar você. O dever dele é ser macio... E fofinho.

Timoty encarou-a fixamente.

—Está mentindo de novo?

 Luisa franziu os lábios.

 -Tim. Pela milésima vez, eu não menti sobre a injeção! Tá? Eu só lamento. Lamento mesmo que tenha doído tanto... Mas eu juro pra você que não sabia que seria aquele o efeito colateral que ela causaria em você. Tim, eu juro! Não fique com raiva de mim... –Luisa ajoelhou-se perto dele, colocando as mãos sob o peito. Tim piscou por um momento, relaxando os músculos.

—Não estou com raiva –disse, deixando-a aliviada por um momento. –Só estou querendo me certificar de que não terei mais injeções por hoje. –ele fez uma pausa, em que observou Luisa sorrir para ele. -Nem nunca mais. —acrescentou rapidamente.

—É. Eu sei. E eu te prometo que não haverá outra sessão como essa –ela continuou e sorriu ao contemplá-lo. Depois ergueu-se e sentou-se sob os edredons. –Certo, agora vem cá. –Luisa deu tapinhas no colchão, incentivando-o a imitá-la. Tim começou a se aproximar, mas antes mesmo de tocar no colchão, parou mais uma vez, com o rosto contorcido em uma dúvida cruel.

—O que aquela garota loira quis dizer com “Vamos aplicar na coxa. Um pouco abaixo das nádegas”? –ele perguntou, encasquetado. –Significa que a minha injeção não era para ter sido aplicada na coxa?

Nem queira saber—Luisa desconversou. –Vamos Tim! Sente-se aqui...

Tim obedeceu, ainda meio ressabiado. Sentou-se e encarou-a novamente, como se não soubesse o que fazer a seguir. Luisa ergueu os ombros e atou as mãos, empolgada. 

—Isso! Muito bem. Agora nós puxamos o edredom assim... –e desmanchou a arrumação da cama. –Agora você entra embaixo das cobertas... E eu te cubro assim... Te dou um beijo de boa noite e você poderá finalmente dormir. Não é ótimo?

Tim fez uma carinha de dar dó.

—Você... Dorme comigo?

Luisa sorriu.

—Por que isso agora?

—É que... Esse lugar é tão grande... Tão escuro... Tão...

—Assustador? –ela adivinhou.

—Você também acha? –ele perguntou esperançoso.

—Na verdade não –ela confessou. –É que eu também já fui criança. Já tive medo da sombra dos móveis, projetada por um abajur de luz fraca, quando está escuro... Essas coisas.

—Então você me entende! –ele disse, esperançoso, ficando de joelhos sob a cama e puxando as mãos dela, insistentemente. –Vai... Por favor! Fica comigo... Só hoje!

—Hã... Já conheço essa história! –ela fez uma careta breve, fingindo irritação. Tim soltou-a, percebendo que não estava agradando. Por fim, contra suas expectativas, ela sorriu, e ergueu um dedo indicador para falar. –Está bem... Mas que isso não vire um costume! –brincalhona, deitou-se com ele, cobrindo a ambos com o edredom e abraçando-o junto de si, embaixo das cobertas.

—Sabe do que eu mais tenho medo? –ele perguntou depois de alguns minutos em que ficaram em silêncio. –Da mulher que vive em baixo das camas e segura o nosso pé quando levantamos no meio da noite.

Luisa fez uma careta.

Vocês têm umas histórias de ninar meio esquisitas em Gallifrey.

Timoty sorriu, sentindo-se seguro. Luisa aconchegou-se melhor, ao seu lado, e os dois adormeceram em questão de minutos.

 

*      *       *

“Luisa, não se desespere... Agora é com você. Desculpe. Estará sozinha.”

 Acordou atônita. Surpreendeu-se com sua própria folga ao perceber-se toda esparramada pelo colchão. Sentiu-se deslocada, numa fração de segundos: não conseguia reconhecer aquele edredom com que se cobria, nem a cama onde se deitava. Como é que veio parar ali mesmo? Demorou um pouco a reconhecer a vitrine da loja de móveis... Mas, foi só virar-se para o lado e perceber que estava sozinha, que tudo veio à tona.

Timoty!—ela chamou. Não houve resposta. –TIM!—ela se desesperou, atirando travesseiros para o alto, à sua procura. Não demorou muito a ouvir um muxoxo, abafado e bem baixinho. Sem mais delongas, afastou as cobertas e deparou-se com uma criança de uns 2 anos, deitada de bruços sob a cama. Seu espanto foi tão imenso quanto o suéter dele tinha ficado. Tim basicamente servia dentro do suéter. Ele era tão pequeno agora, que a parte superior da vestimenta já era o bastante para cobrir seu corpo todo, desde o pescoço, até suas canelas (e ainda assim, o suéter fazia a proeza de continuar largo). Ele encarou-a de imediato e abriu um imenso sorriso, como se achasse tudo aquilo muito divertido. Luisa deixou os ombros caírem.

—Oh, meu Deus! –prendeu a respiração, sentando-se enquanto o observava. –Doutor...!?

Ele murmurou alguma coisa na língua dos bebês, enquanto enfiava na boca a ponta macia do travesseiro. 

—Não o estrague! Nada aqui é nosso –Luisa afastou o travesseiro de imediato. Ele fitou-a como se tivesse perdido a razão da existência. A garota exalou, ainda incrédula: -Não acredito que isso está mesmo acontecendo...

O menino estendeu os bracinhos na direção do travesseiro. Tentou engatinhar para recuperá-lo, mas seu joelho enganchou na costura do suéter e ele caiu novamente sob o colchão. O baque não lhe causou nada, mas ele ficou assustado com a queda.

E começou a chorar.

—Oh... Não chore. Não, não meu amor... –Luisa estendeu os braços para pegá-lo em seu colo. –Calma. Shhh... Já passou. Foi só um susto. –e deu-lhe um beijo por cima dos cabelos curtinhos e levemente encaracolados. O menino parou de chorar, e começou a se entreter com os botões da camisa masculina que ela ainda vestia. Luisa apanhou um lenço, de dentro da Bolsa Que Tudo Tem, e enxugou-lhe o rosto. É incrível como as crianças conseguem encharcar-se por inteiro só com algumas lágrimas... -Prontinho meu amor. Ei? É impressão minha ou o seu cabelo clareou? –ela perguntou-lhe retoricamente, chacoalhando o colo de leve. Timoty tornou a por a mão na boca, fazendo sons que só ele mesmo entendia. Luisa foi acertá-lo em seu colo e, automaticamente, passou a mão embaixo dele, para dar sustentação ao movimento. Porém, sua mão entrou por baixo do suéter e tocou alguma coisa lisa, de superfície bem macia.

—Ah. Faz sentido –ela ergueu só um pedacinho do tecido e deparou-se com o traseiro redondinho dele. –Você encolheu. É obvio que as calças não serviriam mais... –em uma manobra de acrobata, ela esticou-se (ainda com o menino no colo) para revistar o edredom nos pés da cama, e puxar a calça amarrotada de volta à superfície: ele não precisaria mais dela, mas mesmo assim, seria burrice esquecê-la naquela loja, onde mais tarde o dono chamaria a polícia e prestaria uma queixa julgando ter sido invadido por vagabundos sem-tetos ou sei lá mais o quê.

—Hum...Vejamos: temos que dar um jeitinho nisso, não acha? –e deitou o menino sob o colchão, de modo que ele imediatamente começou a brincar sozinho de agarrar seus pesinhos e puxá-los para cima. Luisa sorriu com aquela cena. Enquanto ele se entretinha consigo mesmo, ela aproveitou para revirar a bolsinha rosa em busca de algumas coisas. Procurou por tecido e alfinetes com fecho (aquele que não deixa exposta a ponta fina da agulha). Rapidamente, improvisou uma fralda de pano e vestiu-lhe. Ajeitou as mangas excessivamente compridas do suéter, depois puxou todo o tecido que estava sobrando e dobrou-o entre as perninhas agitadas dele, colocando outro alfinete com fecho para segurar e deixar a roupa parecida com um macacão infantil. Sorriu, ao contemplar seu trabalho, (e ainda mais por ver a carinha de danado que ele estava fazendo, bem naquele momento). –Pronto paixão... Agora você está arrasando com esse modelito! –brincou, rindo sozinha. Apanhou-o novamente no colo, satisfeita por saber que agora ele estava devidamente vestido; arrumou meramente a cama e tratou de sair da loja, ainda escurecida, pelo mesmo lugar por onde entrou.

Refez o caminho com calma e conseguiu encontrar o corredor onde a TARDIS e Clara Oswald haviam ficado... Contudo, não havia mais ninguém ali. Luisa sentiu-se frustrada inicialmente: quando ela finalmente conseguiu fazer a proeza de localizar um corredor certo, eis que sua busca já não tinha mais sentido, pois havia perdido suas colegas de vista. Era quase como se o universo estivesse testando sua paciência... Luisa bufou, tentando manter a calma.

—Tudo bem. Elas não estão aqui e eu estou sozinha com meu melhor amigo na forma de um bebê... –repetiu para si mesma, tentando ficar ciente das atuais circunstancias. Infelizmente, a ficha caiu cedo demais e o choque cultural foi enorme: –AH! Elas não estão mais aqui e eu estou SOZINHA num shopping GIGANTESCO! SOZINHA COM UM BEBÊ QUE NÃO SABE SE DEFENDER E TAMBÉM NÃO FAZ IDÉIA DO QUE ESTÁ ACONTECENDO AO SEU REDOR! –surtou, olhando para o menino que riu da sua expressão de pavor. É. Aquilo confirmava tudo.

Aaah!—ela gemeu, apavorada. Pôs o pequeno no chão e começou a andar de um lado para o outro, psicótica. –O que eu faço agora? O que eu faço agora? Deus, estou perdida! Perdida!

Tim ficou quietinho, só observando-a andar feito barata tonta. Por fim, sabe se lá se ocorreu por conta do nervoso ou por ficar andando em círculos, ela sentiu uma pontada na cabeça e imediatamente uma voz como a de uma secretária eletrônica disparou em sua mente, de dentro para fora:

Uma mensagem telepática foi registrada recentemente. Se deseja conhecer o conteúdo, então mentalize a palavra “iniciar”e aguarde a iniciação da gravação. Obrigada.”

Luisa ouviu um bip dentro de sua cabeça. Ficou relativamente confusa com aquilo, mas como estava sedenta por respostas (seja lá de onde viessem), resolveu ignorar perguntas bobas como: “Quem é essa secretária maluca falando dentro da minha cabeça?”, e concentrou-se somente em mentalizar a palavra “iniciar”, como fora instruída a fazer. 

O comando ‘iniciar’ foi ativado. Aqui vai a mensagem...”  -prosseguiu a voz de secretária.

Outro bip foi ouvido, então a mensagem oficialmente teve inicio: Narrada pela TARDIS.

Luisa, não se desespere... Mas eu fui seqüestrada. Clara Oswald escapou ilesa do ataque inesperado. Ela já tinha ido embora quando Rani me cercou, desprevenida. Eu estava só quando fui capturada... Mas não venha atrás de mim agora. É isso que eles querem que você faça. Não caia nesse truque. Mantenha o foco no que realmente importa: Você ainda tem o Tim. Proteja-o com todo o afinco. Eles querem nos separar um a um para deixar o Doutor vulnerável... De certa forma, Melissa facilitou seu trabalho quando se afastou por conta própria. Desde então, eles só ficaram imaginando uma forma de me abordar quando eu estivesse sozinha. Luisa, eles querem isolá-la. Acreditam que assim, será mais fácil derrotá-la. Você não pode dar pra trás agora. Daqui pra frente, estará sozinha. Não confie em ninguém. Acima de tudo, não deixe que eles levem o menino. E, se por acaso arranjar um tempinho disponível... Venha me salvar também, por favor! Eu estou trancafiada numa jaula horrorosa...” BIP!

Fim da mensagem telepática.

 

Luisa ficou quieta por alguns minutos, processando tudo aquilo: Então, só naquele meio tempo em que ela tirara um cochilo: Clara Oswald se mandou, a TARDIS foi seqüestrada, Timoty virou um bebê e, ainda por cima, agora ela sabia que o plano do Mestre e Rani envolvia, principalmente, isolá-la de toda a ajuda possível e vir tirar seu melhor amigo de seus braços... Não! Aquilo já estava indo longe demais! Alguém precisava fazer alguma coisa!

Luisa olhou ao redor: só havia ela ali, além do próprio Timoty, que era quem precisava de proteção. Foi então que tomou uma decisão complicada; Colocando o medo de lado e permitindo-se entrar embaixo dos holofotes: Teria que ser ela a detê-los. Sozinha. Sem auxilio de ninguém. Só ela, uma simples humana, contra duas mentes brilhantes do espaço e tempo. Se ela tinha mesmo alguma chance: Não fazia a menor idéia. Só sabia que não entregaria Timoty a eles de mão beijada. Ela lutaria por ele. Faria loucuras para defendê-lo e mantê-lo em segurança. Conjuraria do além a porcentagem necessária de coragem, que tanto precisaria ter naquele momento, e daria um jeito de acertar as coisas. Afinal, como o próprio Doutor costuma dizer: “Ela era a Garota Fantástica”. Jamais precisara honrar tanto esse título, quanto agora.

—Vamos Tim –ela tratou de pegá-lo novamente no colo. Só agora conseguia comprovar o quanto o cabelo dele tinha clareado. E mudado também! Pareciam cachinhos de anjo... E eram RUIVOS! Sim! Com a intensidade da luz, era possível ver os cachos avermelhados, causando-lhe um contraste interessante com os olhos, agora cor de avelã.  –Nossa... Como você está lindinho! Quem dera pudéssemos registrar esse momento... –foi então que uma idéia lhe ocorreu, proporcionando-lhe um sorriso. –Ué? Mais eu posso registrar!—rapidamente, ela tirou o celular do bolso e apontou a câmera para eles. Bateu uma foto ligeira e nem parou para conferir o resultado. Não teve tempo, pois da passagem mal iluminada da parede mais próxima, uma silhueta se aproximou, surgindo das sombras. 

Hã! Espere! Pare! Fique onde está! Não se aproxime!—Luisa gritou, atônita, com a mão livre (que não estava segurando Tim) estendida. A sombra deu um passo cauteloso à frente. –Eu estou avisando...! —Luisa trincou os dentes, resfolegando e colocando seu tom “ameaçador” para funcionar. A coisa continuou a atravessar o corredor mal iluminado, caminhando em sua direção –FASTE-SE! Senão eu vou... Eu vou... –Luisa gaguejou, observando-a melhor. Aquela sombra parecia ter uns traços um tanto... Conhecidos. De fato, a criatura indecifrável deteve-se quando percebeu que o tom sombrio que recaia sobre ela seria extinguido completamente pela luminozidade do novo corredor, de modo a revelar sua identidade. Por um segundo, o clima ficou tenso e cheio de incertezas, até que ela finalmente respirou fundo e veio para a luz. Luisa escancarou os lábios. Imediatamente, sentiu um imenso alívio e também, uma enorme vontade de chorar, ao contemplar o semblante amistoso e eternamente inconseqüente, de Melissa.

Méli...?—as lágrimas lhe vieram como mágica. –MÉLI! –de repente, ela estava rindo e chorando ao mesmo tempo. Não demorou a ficar claro que a outra fazia o mesmo. Sem pestanejar, Melissa correu até ela e a abraçou fortemente. Não havia mais ressentimentos entre elas. Finalmente, uma luz no fim do túnel! Ao menos Luisa não teria mais que lutar sozinha. Não. Enquanto tivesse Melissa ao seu lado, seriam imbatíveis...


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Notas finais do capítulo

Ok, tensão atrás de tensão kkk

*Não sei se vocês perceberam, mas a referência do Timoty sobre "a mulher debaixo da cama que pega o seu pé de noite" é sobre a Clara (Ep. Listen -8ª Temp). lógico que a Luisa não viu relação nas coisas, mas a gente que tá assistindo tudo "de fora" sabe desses pormenores.

Vocês que ficaram indignados com o Mestre prestes a atirar o Tim pelos ares no último cap, devem estar subindo pelas paredes agora com o que ele fez com a Sofia. É... O Mestre retratado na fic não está pra brincadeira. Prefiro mil vezes o John Simm (Master da New Who) e a Michelle Gomez (Missy) que são doidos da cabeça, mas pelo menos tem humor. Ninguém merece uma praga dessas desalmada viu...

Pronto. Tá aí mais uma vez o meu medo de agulhas e o meu jeito desajeitado com os pequenos seres humanos (que melhorou através do tempo) mas que na época em que eu escrevi isso, era bem nesse nível mesmo (valeu prima por existir e me ajudar a melhorar meu contato com crianças!! Um beijão pra você!).

Ah, e sim, a Clara deu no pé mesmo kkk Mas não foi assim com frieza, sem dó nem piedade. Ela ficou bastante chateada, pois fracassou em sua missão de salvar o Doutor (e a gente sabe como ela leva essa tarefa a sério). Ela é tão boa em estar no lugar certo e na hora certa, que 98% das vezes ela realmente consegue ajudá-lo! Porém, hoje não era um desses dias...

Bom, acho que era só isso que eu ia escrever nas notas. Qualquer dúvida, já sabem onde me encontrar.

Beijooos!!



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