Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 83
A alma da TARDIS


Notas iniciais do capítulo

Hi!!

"Luisa acabou de reencontrar o melhor amigo, mas agora terá que aprender a lidar com um Senhor do Tempo instável. Entrementes, um surgimento misterioso e outro inesperado podem deixar o dia ainda mais intenso"



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—AI NÃO! -gritava Luisa, desesperada. –O que eu faço? O que eu faço?

—Não se preocupe comigo, eu ficarei bem –ele disse, inutilmente. –Só não se esqueça de calibrar os vaporizadores atômicos; A TARDIS necessita de uma troca de gás mórfico de cinco em cinco séculos...

—Como? Está me dando instruções? Por que diabos está me dando instruções! –foi então que ela se apavorou. -Doutor! Não está pensando em morrer e me deixar sozinha no espaço, está?

Hã... —o rapaz grunhiu. –Não. Isso nunca passou pela minha... –e pegou no sono no meio da frase.

A garota entrou em desespero.

—DOUTOR! –Luisa o sacudiu violentamente. –Por favor, não durma! Não durma! A última vez que fez isso... –ela mesma avaliou a finalidade do argumento. –Ah. Não me lembro da última vez...

—Rose, será que pode apagar a luz? Está atrapalhando... –ele pediu, acomodando-se no chão. Luisa semi-cerrou os olhos.

—“Rose” “Rose” “Rose”. É só isso que ele sabe dizer... –Luisa bufou, erguendo-se e espanando um pó fino dos joelhos. –Vai ficar mesmo dormindo no meio do caminho? Eu acho meio arriscado...

—349.000 Dalekzinhos... –ele cantarolou, já fora de si.

Luisa bufou, dando de ombros. Matou um pouco o tempo, caminhando em círculos ao redor dele, observando a cena e tentando tirar algum proveito da situação.

—Doutor? –cutucou-o. –Doutooor!—e nada. Ele parecia afundar cada sendo mais em seu sono profundo. –Ai! Por que tudo sempre sobra pra mim?

—Ah... Com licença, dona coisinha—disse um monstrinho laranja, baixinho e cabeludo, dos pés chatos e corpo oval. –Será que pode tirar seu amigo do meio do caminho? Tem gente querendo usar a passagem...

—Arrr... Só me faltava essa agora! –contrariada, ela sorriu amarelo para a criatura, depois dirigiu-se para o amigo desacordado, segurou-o pelas pernas e saiu arrastando-o pelo chão do shopping.

—Hey! Bela forma de resolver o problema... –admirou-se o monstrinho laranja.

—Também é uma ótima forma de limpar o soalho. –Luisa observou. –De qualquer forma, até mais!

Arrastou-o por mais meio metro, então parou e ficou extremamente indecisa. O que devia fazer a seguir? Levá-lo até o pronto socorro nessas condições seria exaustivo e inviável. Praguejou algumas vezes, então começou a por a cabeça para funcionar: precisava de um plano. Qualquer idéia que fosse já seria um começo. E começos eram princípios para finais adiados; e Luisa contava muito com a idéia de tudo terminar bem, aconteça o que acontecer...

Fez uma pausa brusca e o corpo dele chacoalhou todo.

Ah! Mil desculpas! Foi sem querer... –ela gaguejou, diversas vezes, enquanto o arrastava. Houve um dado momento em que avistou um lugar menos movimentado e resolveu que seria melhor “estacionar” o corpo do melhor amigo por lá mesmo. Porém, o caminho até lá era íngreme e espesso e acabou por esfolar toda as costas da jaqueta de couro do Doutor; Talvez por imprudência ou descuido de Luisa, o Senhor do Tempo acabou padecendo em diversas circunstancias, como no caso do maldito degrau por onde tiveram que passar. Ela virou-o para a direita, mas o corpo teimoso dele pendeu para a esquerda, e sua cabeça acabou sentindo o baque do degrau. –Ai! Me perdoa!—guinchou ela, para o corpo inerte. –Ui... Isso vai doer mais tarde.

Acabou por chegar onde queria: um lugar isolado e fora de passagem; sem ninguém atrapalhando, pedindo para saírem do meio do caminho. Ela acertou o corpo do amigo e sentou-se ao seu lado, abraçando as próprias pernas. Só havia uma coisa em sua cabeça agora: precisava de um plano urgentemente.

—Tudo bem. Tudo bem. Vamos por partes: Estou sozinha, com o Doutor fora de si... Preciso de reforços. Preciso de ajuda... Preciso de alguém esperto e ágil...  Melissa! Vou chamá-la!

No momento do desespero, pensou em sair gritando seu nome por aí, mas não funcionaria nem em teoria porque, além de ridículo, também era desgastante. Melissa estava longe dali, e jamais a escutaria no meio de tantas conversas alienígenas paralelas. Foi então que pensou no mega-fone, mas já não saberia mais localizar o lagarto azul sorridente, e mesmo que o encontrasse, imaginou que havia abusando demais de sua boa vontade por um só dia. Sendo assim, desenvolveu o plano D. “D” de distinto, dentuço e desesperado. Não podia perder mais tempo. A saúde do Doutor estava em jogo e ela precisava ajudá-lo. Foi então que lembrou-se do Harmônius. O que o vendedor dissera mesmo sobre o instrumento?

“O Harmônius é um instrumento multi-funções. Ele reconhece qualquer tipo de toque, sopro ou investidas infinitas que você fizer com ele, e transforma seja o que for, em melodia. Além do que, também é excelente na amplitude de sons”.

Foi em meio a uma enxurrada de pensamentos, que ela teve uma grande idéia: pegou o Harmônius e alisou-o com delicadeza, ao mesmo tempo que cantarolava, na outra ponta, o nome de Melissa, junto com: “estamos em apuros” e, obviamente, lembrou de mencionar as coordenadas.

Inacreditavelmente, o som amplificou-se de tal modo a estender-se favoravelmente, em ondas sônicas, por todos os lados, em um raio de mais de um quilometro de distância. Surpresa, Luisa continuou no “modo repetição” e a mensagem toda foi ouvida por todo o Shopping e ainda mais além, como uma melodia perdia na noite.

Portanto, sem mais delongas, era óbvio que Melissa deixaria seu lanchinho de lado, ergueria sua cabeça, intrigada, e viria correndo, seguindo o som da música.

Satisfeita com o recado enviado (e com a possibilidade de Melissa já estar a caminho) Luisa tornou a guardar o instrumento na bolsinha rosa, e voltou toda sua atenção exclusivamente para o Doutor.

Pegou-se acariciando os (poucos) cabelos dele, e seguidamente, seu rosto. Não gostava de vê-lo assim, inerte. De certa forma, aquilo lhe deixou abatida, e proporcionou-lhe uma certa quantidade de aflição. Tentava ao máximo pensar positivo sobre tudo aquilo, apesar de ter de fazer força para ignorar uma vozinha irritante que dizia em alto e bom som, dentro de sua cabeça, que tudo só iria de mal a pior. Pegou-se lembrando de Kyra e das coisas que ela dissera sobre o Doutor. E pensar que por um momento chegou a imaginar que o caso dele não era tão grave... Mas era sim. Pior impossível! E só parecia amplificar esse sentido mais e mais... E era isso que a assustava. Onde é que aquilo ia parar? Qual seria a melhor forma de suspender essas desregenerações? Haveria um jeito sensato de resolver esse problema?

—Minha cabeça parece que vai explodir... –ela concluiu, esfregando a própria testa, de olhos fechados.

—Idem –respondeu a voz do Doutor, em um cálido sussurro, que fez Luisa reaquecer a lareira da esperança.

—Doutor! –ela inclinou-se para ele, alegre. –Você consegue me ouvir... Isso é bom! Fique comigo que tudo vai ficar bem, entendeu?

—Vou tentar... –ele gemeu, então massageou a nuca, intrigado. –Por que será que tudo atrás de mim está latejando?

Ah... Que tal se nós fossemos comer alguma coisa? -Luisa disfarçou. Seus olhos revistaram o novo corredor às pressas e ela arrumou algo para desconversar. –Olha só! Uma lanchonete... Caramba! Esse lugar parece psíquico... Eu pensei em comida e de repente “puf!” Dou de cara com uma lanchonete bem na minha frente... Não é demais? –ela tagarelou.

—É. –ele franziu a testa. –Eu acho.

—Tá legal. Você fica aqui que eu vou buscar alguma coisa pra gente comer... Tudo bem?  -ela anunciou sorridente.

O Doutor apoiou-se nos cotovelos e encarou-a, intrigado.

—Está se sentindo bem? -o rapaz entranhou a abordagem, tão anormalmente animada, da amiga.

—Eu estou perfeitamente bem. Por que está me perguntando isso?

O Doutor abriu a boca. Já ia bombardeá-la com perguntas, mas Luisa pressentiu o perigo e foi, espantosamente, muito mais rápida que ele.

—Eu já volto! -assim que pôde, apertou o passo e correu para o mais longe possível, ganhando tempo para se recuperar da tremenda saia justa.

Nesse meio tempo o Doutor se viu sozinho. Oportunidades como essa não eram muito comuns para ele, ultimamente. Digamos apenas que, desde que Luisa e Melissa começaram a fazer parte de sua vida, as coisas se tornaram muito mais divertidas, e barulhentas também. Mas nisso não havia problema algum... O Doutor sempre fora a favor de uma bagunça.

—Ai... –uma pontada nas costelas tirou seus pensamentos do curso sereno que tomara, e trouxe-o de volta a realidade. –O que está havendo comigo? –ele bateu o punho fechado no chão. Observou os alienígenas passarem pelo corredor, apreçados. Inesperadamente, deparou-se com os contornos de seus corpos oscilando. Sentiu-se enjoado e tratou de fechar os olhos, tentando relaxar. Mas com a ação, só conseguiu sentir a cabeça pesar, e isso só amplificou ainda mais a sensação de maresia. Por fim, decidiu que ficaria de olhos abertos, supondo que a sensação melhoraria, mas decepcionou-se ao ver tudo embaçar ao seu redor, pior que da primeira vez. Quando deu por si, seu corpo estava começando a se acender novamente em dourado: a desregeneração prosseguia.

Após um grito de puro desespero, e uma enxurrada de energia regenerativa vazando pelo espaço, revelou-se com uma nova aparência. Desta vez, era bem mais velho. As marcas de expressão reinavam por seu rosto; o nariz e as orelhas diminuíram um pouco, ao que o cabelo grisalho e a barba pontiaguda cresceram. Os olhos tornaram-se novamente escuros e a expressão facial ficou muito mais carregada. Olhou para as próprias mãos: estavam judiadas pela velhice com manchas e rugas, além de algumas veias saltadas. É. Sem dúvida envelhecera... Mas, apesar das aparências, tinha muita força dentro de si. Aquele corpo podia até ser de um velho, mas o espírito era de um guerreiro. Um herói. Um sonhador alucinado com a idéia de finalmente poder trazer a paz de volta ao seu povo... Aquela era a versão de si mesmo que sempre ocultara. Sob o qual nunca falava; a única que tratava como se constasse “fora da numeração”. Como se não valesse. Como se não contasse. Mas aquela era, sem dúvida, a mais importante de todas as suas regenerações. Pois sem ela não haveria “o último da espécie”, e apesar de trágico, sem isso não haveria também o “velho e bondoso Doutor”. Pois, perder seu próprio povo o levou a tentar se redimir eternamente, salvando outros planetas e civilizações com ainda mais afinco do que em toda a sua trajetória; Não havia dúvida que aquele rosto sempre voltava para assombrá-lo. E que também servia como um lembrete das escolhas que fizera no passado. As boas e as ruins. Cada uma, moldando-o e transformando-o no homem fantástico que ele se tornara hoje. Aquele, era o Doutor da Guerra do Tempo.

Mas apesar de todas as lembranças de conquistas e perdas voltando á tona, ele não se esqueceu de que o processo estava retrocedendo, e que aquilo era um erro terrível.

A partir desse ponto, começou a ficar enlouquecido com essas desregenerações descontroladas.

Por que isso está acontecendo comigo!? —lamentou-se, gritando para o teto acima de sua cabeça. –Por que eu estou sofrendo assim? O que eu fiz para merecer isso? O que eu fiz???

—Você caiu na cilada. –disse uma voz aguda, à sua esquerda.

Com dificuldade, o Doutor se voltou para a dona da voz, e se espantou a deparar-se com uma menininha ruiva, de cabelos compridos e soltos, com um enfeite de flor negra na cabeça, e usando um vestidinho cinza. Tinha uma expressão tristonha, e sardas por todo o rosto.

—O quê?  –o Senhor do Tempo balbuciou. –Desculpe... Você disse Cilada...?

—Gostei da sua jaqueta –ela desconversou espontaneamente, caminhando em volta dele, observando-o. –Você é daqui?

—Não. –ele respondeu, meio confuso. –Mas estou preso aqui por enquanto. –e esforçou-se para abrir um sorriso amigável. –Você é daqui?

—Posso me sentar? –ela perguntou, já se sentando ao seu lado. O Doutor esforçou-se para endireitar a coluna, sentado. A menina tirou de dentro do bolso do vestido, um pirulito, e se pôs a desembrulhá-lo. –Você parece triste... –encarou-o. -Está sofrendo?

—Não exatamente... –ele negou, gentilmente. –Acho que só estou me ajustando ao novo ambiente. –sorriu, tentando deixar a situação mais leve. Porém, a menina continuou encarando-o. O Doutor inclinou a cabeça, curioso: -O que foi? Acha que estou agindo errado?

—Você não aprece bem –ela avaliou. –Se está se sentindo mal, então por que você ainda sorri?

O Doutor sorriu ainda mais com aquela pergunta, contradizendo seu próprio olhar triste.  

—Não sei –deu de ombros. –Talvez por eu ser um bobo.

A menina abriu um sorrisinho tímido.

—Não acho que você seja bobo.

—Ah! Que bom... –ele assentiu, rindo. –Você é uma garota de visão! –apontou o dedo para ela com ar bem humorado.

Desta vez, a garotinha deu uma risada de verdade, então, quando deu-se conta do que tinha acabado de fazer, empalideceu muitíssimo e assumiu imediatamente uma postura séria.

—Eu não devia... -ela gaguejou, levantando-se depressa e fitando-o com receio. -Acho melhor eu ir embora.

—Ah! Mas porquê? –o Doutor decepcionou-se. -Estávamos nos conhecendo...

Ela olhou para ele, inquieta.

—Eu já falei demais.

—Mas não respondeu nenhuma das minhas perguntas. –o Doutor interveio. –Pelo menos, nenhuma das mais importantes.

A menina balançou o corpo para frente e para trás, agitada, com as mãos entrelaçadas; Parecia psicótica. De vez em quando, olhava por cima do ombro. Estaria fugindo de alguém?

—Eu não devia falar com você...

—Ah, sei. Pode crer... Eu entendo! É aquela velha instrução dos pais preocupados: “Não interaja com estranhos”.  Acredite, três quartos das pessoas que me conheceram continuam dizendo isso aos filhos, mesmo depois que eles crescem...

O lábio da garotinha tremeu de assombro. 

—Não é isso. Eu realmente não devia me envolver... –ela recuou para longe dele, assustada. –Meu mentor vai me punir se me encontrar falando com você!

—Seu mentor? –o Doutor ficou intrigado. -E quem é ele?

—Tenho que ir. –ela correu para longe dali, deixando o pirulito para trás, e sumindo no meio da multidão.

—Espere! Não vá! –ele gritou em vão. De um segundo para o outro ela aparecera, e da mesma forma que surgiu, ela também desapareceu. Sem deixar vestígios, nem responder perguntas. A única prova concreta de que estivera mesmo ali fora o pirulito verde, que jazia no chão. Com dificuldade, o Doutor esticou-se para apanhá-lo pelo palitinho. –Puxa vida... Ela nem me disse seu nome.

—É Sofia. –respondeu uma nova voz feminina, parada no lugar onde a menininha ocupara anteriormente. –Sossegue, também descobri isso recentemente...

O Doutor levou um susto e arremessou o pirulito longe, perdendo-o completamente de vista.

—Ei! Vocês aqui são todos muito mal acostumados! Será que vou precisar imprimir um cartaz anunciando que “Definitivamente não gosto de pessoas que cismam em brotar do meu lado!” –ele ralhou, mas parou de chofre, quando deparou-se com um par de pernas brancas, perfeitamente lisas e tão brilhosas que dava para ver até seu reflexo estampado nelas; como se a dona tivesse passado um tipo de óleo na pele. Os olhos bobos do Doutor foram subindo pelas pernas compridas, até que a pele perdeu lugar para um tecido de roupa e, um vestido prateado, assim como o da pequena Sofia, moldou-se ás curvas dela, chegando finalmente no colo, e depois, parando bruscamente em um rosto angelical, de uma moça loira, de cabelos compridos presos em um coque, rosto redondo e bastante rosado, olhos azuis intensos, maquiagem leve e sorriso encantador.

Ao perceber que estava sendo observada, ela corou e fez um tchauzinho com a mão.

—Olá! –parecia empolgada em vê-lo.

—Oi... –ele parecia petrificado. Nunca vira ninguém como ela. Não somente no sentido de beleza, mas também com aquela quantidade de brilho irradiado. Isso mesmo; Ela parecia irradiar uma energia inacreditável, como uma áurea, que o encheu de força e esperança. Foi então que notou que estava quase babando, e retomou a sanidade (se é que ainda tivesse uma). –Ah... Hã... Hum-hum –limpou a garganta. -Você por acaso é a mãe daquela garotinha?

—Não. –disse a mulher. – Mas sou igual a ela. Nós duas somos irmãs.

—Irmãs? –ele impressionou-se. –Ah... Que interessante. São duas irmãs bem diferentes uma da outra...

—É. As diferenças de séculos de fabricação são, sem dúvida, a nossa ruína... –acrescentou a garota, meigamente. –Infelizmente, ser desenvolvida pelo mesmo tipo de criação não nos impede de termos auto-estimas completamente opostas.

O Doutor parou por um segundo, juntando as variáveis.

—“Fabricação” é um termo científico para “concepção” no seu planeta?

—Não sei. Nunca parei pra pensar nisso... Nós realmente nos auto-fabricamos. –disse a moça, enrugando a testa de leve. –Você faz perguntas interessantes. –tornou a sorrir.

—Falando em perguntas, será que pode me esclarecer porque sua irmã não responde a nenhuma delas?

—Ah, pobre Sofia... Ela não agüenta o tranco. –negou a moça, chateada. –O mentor vem exigindo muito dela... Ultimamente, pelo que descobri, ela não suporta mais pressão alguma. Coitada. Tão nova e tão perturbada.

—Perturbada? Por que ela seria perturbada? –ele indagou.

—Por que ela serve ao mentor. E ele a obriga a fazer coisas muito além da capacidade dela –a moça sentou-se ao lado do homem velho. -Sabe, não que ela seja verdadeiramente incapaz de cumpri-las... Digamos apenas que ainda não chegou à fase de conseguir domar as rédeas da situação e fazer seu trabalho impecavelmente.

—Mas você não pode ajudá-la? Não pode instruí-la? –ele sugeriu, amistoso. -Você é a irmã mais velha... Não deveria dar o exemplo?

A moça voltou-se para ele, abatida.

—Não posso. Não sou irmã desse jeito. Sou “irmã” no sentido de ser da mesma espécie que ela. Tecnicamente falando, não sou da família. –ela pousou o olhar sob as mãos, fechadas uma na outra. –E mesmo que fosse, o mentor jamais me deixaria ajudá-la... –ergueu o rosto para o horizonte, depois voltou a encarar o Senhor do Tempo. –A verdade é que ele nem sabe da minha existência aqui. Pensa que eu estou a muitos anos luz de distancia, totalmente fora de alcance, por isso é que eu achei seguro me aproximar da garotinha. Mas mesmo assim, corro riscos por estar espionando.

—Então... Você é uma espiã?

—Não me denomino assim. Gosto de pensar que sou “a ajuda a caminho”, “o socorro”, “o auxilio para a fuga”, “a luz no fim do túnel”, “o som da esperança”. –pontuou, cheia de si.

O Doutor olhou-a com espanto.

—Minha nossa...! –arfou. –Tudo isso, e você nem se acha a última bolacha do pacote. –brincou, ironicamente.

A moça relevou o comentário numa boa.

—Eu tento ser a melhor possível no meu trabalho... –ela acrescentou. –O fato é que a situação é sem dúvida alarmante. Não posso esperar que ela confie em mim, mas eu sempre reconheço problemas quando prevejo um. –afirmou. –E aquela garotinha sem dúvida está precisando de ajuda!

—Então você está seguindo a garota para tentar ajudá-la. E pelo que notei, ela não sabe disso. –ele deduziu. –Mas, se ela não a conhece, como pode ter tanta certeza de que vai confiar em você e aceitar sua ajuda?

Por que nós duas somos iguais. –persistiu a outra, ficando com os olhos marejados. –Ela é como eu... E eu jamais negaria ajuda a um igual.

—Certo. –ele distanciou o olhar, abraçando as próprias pernas, distraidamente. –Ui! –gemeu, como conseqüência do movimento não calculado: por um momento, esquecera-se de que estava passando mal. –Não devia ter encolhido o estômago... Foi uma besteira enorme!

—Você está bem? –ela mudou de posição, podendo observá-lo melhor.

—Não! –admitiu, finalmente. –Está tudo doendo... E ainda por cima, minha vista está embaçando!

Inexplicavelmente, ao ouvir aquilo a garota empertigou-se toda e voltou-se para ele, preocupada:

—Pobrezinho... –comoveu-se. –Deixe-me dar uma olhada em você –e pousou a mão sob sua testa. -Mas... Você está ardendo em febre! –alarmou-se. –Não pode continuar assim... Vai acabar entrando em coma até o fim do dia!

—Eu não sei mais o que fazer –ele fungou. –Não sei o que deu em mim... Eu sabia que tornaria a passar por essa fase, mas não desse jeito. Nunca foi assim! Eu sempre consegui manter a situação sob controle... –o Doutor se abriu com ela. Pela primeira vez naquele dia, deixou fluir o desespero que vinha sentindo desde que aquela maluquice toda começara.

Sem pestanejar, a garota o abraçou, afagando suas costas.

—Calma. Fica calmo Doutor... Eu vou te ajudar. –e ela começou a irradiar uma energia enorme que os envolveu em conjunto, durante o abraço.

—O-o q-que está fazendo? –ele perguntou. –Espere! Você me chamou de Doutor? Como é que sabe...?

—Sou meio psíquica. –ela respondeu. –Agora fique quieto. Estou me concentrando para dirigir a você a quantidade certa de energia.

—Não dá pra acreditar... Eu estava aqui me lamentando; Você surgiu em boa hora para me ajudar! –ele afirmou, empolgado. –Sabe, eu sei que vai soar idiota, mas eu acho que a conheço de algum lugar... Tenho a singela impressão de que já nos vimos antes. E você? O que acha?

Shhhh! Energia, se lembra!?—ela cutucou, impaciente. –Se eu errar a quantidade você pode piorar: energia de menos, não vai ajudar; energia de mais pode ocasionar uma nova regeneração antecipada, então... Shhhhh! –ela pediu silêncio. –Com você falando não vou conseguir encontrar o meio termo!

O Doutor mordeu o lábio, quietinho.

Nesse momento, Luisa vinha vindo com um lanche embrulhado e quase caiu para trás ao se deparar com aquela cena. Nem percebeu que o Doutor havia desregenerado de novo; apenas focou na mulher que o abraçava e imaginou que estivesse se aproveitando da fraqueza dele para sugar sua energia num ato maligno, ou alguma coisa do tipo. Naquela fração de segundos, as pupilas dos grandes olhos castanhos de Luisa se dilataram e ela saiu correndo para acudi-lo, jogando o lanche pelos ares. 

—Não! Solta ele! LARGA! –gritou, partindo para cima da moça da áurea iluminada.

O Doutor foi empurrado e as duas garotas rolaram juntas no chão, uma tentando se desvencilhar da outra; e obviamente, uma pensando o pior da outra também.

—Me deixa em paz!

—Não! Deixa ele em paz, você!

—Me solta!

—Ai!

O Doutor ficou olhando aquela cena sem reação. Quando por fim, conseguiu reunir forçar, ergueu-se do chão e saiu em disparada, para separar a briga.

Porém, naquele exato instante, Melissa chegou naquele corredor tomando o seu refresco de batata frita, e encontrou o circo armado. Confusa com o homem estranho e a mulher maluca, só conseguiu reconhecer Luisa no meio do enrosco, e seu instinto protetor de melhor amiga começou a apitar.

Aaaaaaaaaaaaaah!—ela veio gritando feio um índio desmiolado. –SOLTEM MINHA AMIGA SEUS COVARDES DEBILÓIDES!  -e pulou nas costas do Doutor, derrubando-o em cima das outras duas e criando uma nova confusão. Rolou tapa na cara, puxão de orelha e até de cabelo. Estava um barraco de dar gosto. O corredor inteiro se esvaziou em questão de segundos. Apenas alguns alienígenas ficaram para trás, com a intenção de fazer suas apostas e conferir com os próprios quatro olhos, quem ganharia a briga.

Brigavam feito cão e gato. Os alienígenas começaram a gritar o famoso coro (conhecido no universo todo) de “Briga! Briga! Briga!”. E a cada segundo realmente ficava mais emocionante. A coisa só tomou proporções declaradas como “preocupantes” quando Melissa tentou atingir o Doutor com uma cadeira de alumínio-férreo. E mesmo assim, ninguém se incomodou de colocar panos quentes na briga.

Cansada de apanhar e começando a achar aquilo realmente desnecessário, a mulher da áurea brilhante aproveitou a distração de Melissa –naquele segundo, correndo atrás do Senhor do Tempo com um esfregão –, para empurrar Luisa e calar a todos com o uso mais potente de sua voz interior:

Ela abriu os braços e urrou:

—VUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUL! –o gemido rouco e irritado da TARDIS foi ouvido à longa distancia, em uma onda de choque sônico que varreu o shopping por completo, deixando até as paredes perplexas. Todos puderam ouvir a fúria presente em sua ira e ela derrubou no chão seus oponentes, junto dos apostadores de plantão e também muitos outros alienígenas que só estavam mesmo de passagem. 

Por fim, a moça caiu de joelhos, sobre os olhares pasmos de Luisa, Melissa e, especialmente, do Doutor.

—Puxa vida! Mais o que foi isso? –grunhiu Melissa.

—Não é possível... –o Doutor exclamou, boquiaberto, ainda observando a moça de joelhos, quase sem forças.

Cala a boca, vovô mendigo que a conversa ainda não chegou embaixo da ponte! —retrucou Melissa asperamente.

—Hã!? Quem é que você está chamando de “vovô mendigo”? –o Doutor fez uma careta incrédula ao contemplá-la. –Espero que não esteja se referindo a mim, porque agora eu tenho de volta a disposição de um atleta!

—Que disposição que nada! –ela provocou, arrelienta. –Não meche comigo não, vovô, que eu mordo!—Melissa fez caretas com a boca, mostrando os dentes e as unhas. –Parece que esse não é o seu dia de sorte, vovô... Pro seu governo, a minha mordida é pior que o latido!

—Calma, Melissa! –Luisa correu para aportar a discussão, antes que começasse tudo de novo. –Está tudo bem! Pode parar com isso... Esse é o Doutor!

—O quê? –Melissa encarou ambos, lado a lado. –Ele?   

—É! –Luisa insistiu, erguendo as sobrancelhas. –Ele se regenerou.

—Desregenerou –destacou o Doutor. –Não se esqueça que é um retrocesso!

—Tem razão, me desculpe. –Luisa começou, então fitou-o melhor. –Que engraçado... Da última vez que o vi, eu podia jurar que tinha visto você com pouco cabelo...

—É porque eu me desregenerei de novo, enquanto você se afastou pra fazer sei lá o quê.

—Oh! –Luisa cobriu os lábios. –Então os intervalos de tempo estão menores do que imaginamos! Kyra tinha razão... Está piorando!

Melissa olhava de um par ao outro, confusa. Até que não suportou mais e gritou.

—Calma lá! Vamos fazer silêncio no brejo que a perereca mãe tem algo a dizer –chamou atenção de todos. –Pra começo de conversa: Quem é Kyra? Quem tinha mais cabelo? Como assim Desregeneração? Que troço é esse? Quem é aquela maluca de pele brilhante? E, pelo amor da sanidade mental, como que o Doutor foi virar um velhinho caquético!?

Ei!—rebateu o Doutor, com as mãos nos quadris.

Atrás deles, a moça que brilha desmaiou e todos correram para ampará-la.

—Ai não! –Luisa ajudou a posicionarem a mulher deitada em seu colo, enquanto o Doutor inclinou-se por cima dela e deu-lhe alguns tapinhas de leve no rosto, para tentar acordá-la. –Algum resultado?

—Ela não quer acordar! –o Doutor disse, aflito.

—Espera aí um pouquinho... Eu tenho uma fórmula que nunca falha –e Melissa pegou seu refresco e virou na testa dela.

—MELISSA NÃO!!!

—Argh! –a mulher acordou tossindo, totalmente sem rumo. –Não! Minhas válvulas reguladoras! Você vai botar curto em mim! 

—Botar curto? –Luisa perguntou. Ambos esperaram em silêncio por um instante, aguardando por algum tipo de explosão ou implosão. Mas nada aconteceu e a vida se seguiu ao redor deles. –Tipo curto circuito? –Luisa perguntou, com um quê duvidoso.

—É! “Tipo curto circuito”! –a outra disse em tom de pouco caso. –Arrrr! Vocês me tiram do sério às vezes...

—Mas eu não entendo –Melissa recomeçou. –Se o mané mendigo é o Doutor. Eu ainda sou eu e Luisa ainda é ela mesma... Então quem é essa quarta integrante? –voltou-se para a loira de vestido. –Você é aquela tal de Kyra, de quem eles falaram?

—Não, Queridinha... –ela disse de modo infantil. –Eu sou aquela “coisa” que leva vocês por aí nas viagens e é obrigada a agüentar reclamações sobre tudo!

—Ah... –Melissa fez uma careta. –Não me lembro da professora de educação física ser tão espevitada...

—AH! NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! –gritou a mulher, encostando Melissa na parede. –Eu não sou a droga da sua professora de educação física!  Eu sou a TARDIS!!!

—Ah... -o Trio respondeu em uníssono, depois se entreolhou.

—A TARDIS? –duvidou Melissa cruzando os braços.

—A MINHA TARDIS! –o Doutor levantou as mãos pro céu, todo contente. –Mas você assumiu uma forma humana...

—Por pouco tempo. Na verdade, estou travada nessa forma. Alguém manipulou meu circuito camaleão quebrado e o restaurou apenas para eu assumir essa forma. O motivo, eu ainda não sei. Em parte, estou nessa missão para descobrir algumas coisas sobre mim também.

—Missão? –Luisa perguntou.

—É uma longa história. –disse a TARDIS. –O importante é que ela vai se desenrolar. Pro melhor ou pro pior, isso é com a gente.

—Mas durante todo o tempo que conversamos... –o Doutor parecia encantado. –Você se dirigiu a mim sem dar uma única pista sobre quem realmente era... –ele segurou as mãos dela. -Por que escondeu isso de mim?

—Eu não tive escolha. Era parte do disfarce. –ela parecia muito mais gélida agora. Com respostas precisas e menos sorrisos. -Se mais alguém descobrisse, qualquer um que estivesse de escuta próximo de nós poderia ir correndo informar o mentor de Sofia e o meu plano todo iria pelos ares. E, já que assumi essa forma humanóide, pensei que poderia fazer bom uso de uma identidade falsa... De qualquer forma, seria mais fácil assim, do que sendo uma caixa azul sem pernas. 

Após ouvir tudo aquilo, Luisa deu um passo à frente, arrependida de seus atos:

—Então, quando você estava abraçando o Doutor...

—Eu só estava tentando estopar as desregenerações! –a TARDIS explicou, impaciente.

—Ah. –Luisa desviou os olhos, envergonhada. -Foi mal... Pensei que estivesse machucando ele.

—Que doideira! Eu jamais machucaria o Doutor! –rebateu a mulher. –Eu o sirvo desde os tempos de Gallifrey... Ele me libertou! Eu jamais seria capaz de fazer-lhe algum mal!

—É, agora eu sei disso. –Luisa baixou a cabeça. Momentos depois, percebeu uma certa aproximação e, quando deu por si, a TARDIS a estava contemplando, de cabeça erguida.

—Luisa Parkinson –disse séria, sem alterar a fisionomia. –Todo esse tempo em que deixei que pisasse sob meu console... Nunca pensei que você seria capaz de uma coisa dessas!

—Eu sei. –Luisa fitou os próprios pés. –Eu sinto muito. –esfregou o braço, embaraçada.

A TARDIS fitou-a impassível por mais alguns instantes, mas Luisa sustentou bem o olhar firme dela. Bem o bastante para depois receber um sorriso caloroso como resposta.

—Então tudo bem. –sorriu a cabine, que não era mais cabine. –Não pensou que um contratempo desses fosse me fazer virar a cara pra você, pensou?

—Sinceramente... –Luisa deu de ombros, sendo íntegra. –Eu pensei.

A TARDIS riu.

—Então prazer em finalmente te conhecer, garota –ela apertou sua mão, satisfeita. –Eu sempre escolho os melhores companheiros para ele... Arrasto esse Senhor do Tempo por todos os lugares em que sei que haverão ótimas oportunidades de contatos e aventuras. Eu nunca “erro” um trajeto sem um propósito. E você, dona Luisa, foi uma página virada na vida do Doutor.

—Uma página virada?

—É! Ele nunca te disse? Estávamos procurando pelo jardim de Amy Pond quando a linha de tempo dele supostamente esbarrou na sua. –ela esfregou os dedos, ilustrando a fala. -O fato é que, durante todo aquele ínterim de tempo, ele andou cabisbaixo sobre a partida de seus amigos. Eu sabia que ver a Amy mais uma vez o faria feliz, mas também o faria sentir tristeza e, demonstrar à pequena Amélia Pond, de somente sete anos, que seu futuro poderia não se desenrolar da forma como ela esperava... Isso poderia ser um choque e tanto para a garotinha, e pior, poderia mudar o curso de toda a história. Sendo assim, eu alterei as coordenadas propositalmente para um outro jardim, assim como o de Amélia, mas com outra história e... Outra garota.

Luisa sorriu por um momento, radiante com aquela revelação, então voltou a ficar intrigada quando percebeu que todo aquele último discurso que a TARDIS proferira não fora dito com os lábios, mas mesmo assim, os sons das palavras repercutiram em sua cabeça, perfeitamente.

—Mas... Como? –Luisa pensou.

—Não se esqueça que sou meio psíquica. –disse a TARDIS, dentro da cabeça de Luisa. Então levou a mão aos lábios, em silêncio. –"Faça com que tudo o que eu te disse continue a permanecer em segredo. O Doutor não sabe dessa versão da história e é melhor mesmo continuar sem saber. Não sabemos como ele reagiria. Nem sempre ele concorda com as minhas decisões, mas uma coisa é certa: tudo que eu faço é pensando no bem estar dele. E claro, na oportunidade que os novos companheiros terão pela frente, se aceitarem o convite".

Luisa assentiu, inspirada. Gostou de trocar pensamentos confidentes com a TARDIS. Jamais imaginou que faria isso algum dia, mas agora, pelo menos ela tinha certeza sobre as coisas que a nave pensava sobre ela. Dessa forma, pensou, isso só fortaleceria seu vinculo com a caixa azul. Saber que a TARDIS a queria bem, como ao próprio Doutor, era a melhor coisa que ela poderia ter ouvido naquele dia maluco, sem pé nem cabeça.

—Eu ainda não acredito que você é mesmo a TARDIS... –Melissa irrompeu, curiosa, xeretando as vestimentas e o cabelo da mulher. –Você está tão... Comum.

—Comum?—a TARDIS ofendeu-se. –Pois fique sabendo que eu era, e continuo sendo, a melhor nave de todo o universo!

Há controversas  –Melissa pensou em voz alta. –Os solavancos dão seu próprio depoimento...

A TARDIS inflou as bochechas, distraída.

—Estou reconhecendo essa impetulância inconsequente... –disse, estudando o rosto de Melissa. –Por acaso não estou me dirigindo à mesma garota que me critica diariamente pelos solavancos inevitáveis, me chamou diversas vezes de “caixa maluca” e “ferro velho imprestável”, não me considera “confiável” e esconde profundas dúvidas sobre meu potencial?

Melissa mordeu a língua. Depois disfarçou, dando de ombros.  

—Você é quem está dizendo, moça. –interveio, na maior cara de pau. –Mas nós temos que dar o braço a torcer e concordar que a senhorita realmente nunca foi muito confiável...

A TARDIS fez uma careta, incrédula do que acabara de ouvir.

—Que ousadia! Sou tão confiável quanto meu piloto. –sorriu, inclinando-se na direção do Doutor. –Agora, sobre ser “maluca”, isso até posso aceitar vagamente. Minhas experiências de mais de mil anos de viagens pelo espaço-tempo, comprovaram que os loucos são os mais sensatos. –lançou uma piscadela ao Senhor do Tempo.

Melissa piscou, espantada, observando a interação silenciosa dos dois alienígenas.

—Está tentando nos impressionar? Porque, sinceramente, eu acho que você irá descobrir muito em breve que é tudo uma grande perda de tempo. –Melissa disse, fazendo cara de nojo para o olhar apaixonado que a TARDIS lançava ao Doutor. Voltou-se para Luisa, por impulso, esperando um apoio vindo dela, mas deparou-se com a melhor amiga, distraída, fazendo a mesma cara que a TARDIS.

Melissa bufou.

—Será que eu sou a única pessoa no universo que enxerga o Doutor como um cara comum, sem grandes qualidades? –sentiu alguém dar tapinhas consoladores em seu ombro. Virou-se e deparou-se com Luisa.

—Infelizmente, parece ser isso mesmo.

—Agora, sobre ser um “ferro velho imprestável” –a TARDIS prosseguiu, depois de sair do transe hipnótico que parecia prendê-la ao Doutor. -Bem, controversas—dispersou um olhar ousado à todos os observadores. –Há quem diga que meu motor é muito potente!—e deu um tapinha provocativo nos próprios quadris, insinuando-se para o Senhor do Tempo. 

—Meu Deus! –o Doutor cambaleou para trás, apertando o peito. –Eu não consigo respirar...

—Doutor! –Luisa correu para acudi-lo.

—Ah! Olha só o que você fez! –Melissa bronqueou a TARDIS, parando ao lado dela e, assim como ela, ficou observando a cena de braços cruzados. –Se continuar fazendo as coisas da sua maneira, vai acabar matando o vovô do coração!

—Eu acho que ele está com crise de ansiedade. –disse Luisa. -Já vi esses sintomas antes. Minha mãe tem um tio com esse problema. Tudo que temos que fazer é deixá-lo em paz. Ele não pode se sentir pressionado, ou qualquer outra coisa que possa acelerar seus batimentos.

A TARDIS parecia consternada.

—Doutor, desculpe. –ela se abaixou para poder observá-lo olho no olho. -Eu não quis deixá-lo ansioso. Não foi minha intenção.

—Tudo bem, querida. –ela sorriu de leve para ela, já sentindo-se relativamente melhor. –Está tudo bem.

—Ah, não sei não... Isso devia acontecer? –Melissa arregalou os olhos, quando o rosto dele começou a soltar fagulhas douradas.

—Ah meu Deus! –Luisa cobriu os lábios e voltou-se rapidamente para a TARDIS. –Ele vai mudar de novo... O que vamos fazer?

Atrás das duas moças agachadas, Melissa observava tudo de pé, roendo uma unha, inquieta. Todas esbanjavam olhares aflitos na direção dele, e o Doutor respirou acelerado, ansioso com a preocupação das amigas.

—Ei... Não, não. Tudo bem... Não precisa se preocupar. –a TARDIS acalmou-o, notando que, evidentemente, elas o estavam deixando nervoso. –Nós vamos encarar isso juntos. Como nos velhos tempos... Lembra?

Ele assentiu, sem forças para responder. Apenas ergueu a mão com dificuldade e tocou uma das bochechas rosadas da TARDIS humana, sentindo seu calor e confiança.

A moça sorriu, irradiando luz azul, como um tipo de áurea, ao redor do corpo.

—Venha comigo, Doutor. Vamos levá-lo para um lugar mais seguro. –a TARDIS segurou um dos braços dele, dando-lhe apoio para se levantar. Com um olhar significativo, convidou Luisa a ajudá-la. A menina rapidamente se prontificou e segurou o outro braço, e juntas, colocaram-no de pé. Melissa estava sem reação perante a situação atual do Doutor. Nunca o vira tão abatido. Tão sem fôlego. Tão sem forças. Ficou completamente chocada com o rumo que as coisas iam levando. Recorreu-lhe uma vontade impulsiva de ajudá-lo também. Pretendia fazê-lo, mas perdeu o foco quando uma coisa, jogada no chão próxima ao local onde o Doutor estivera sentado, chamou-lhe a atenção.

Sem pensar duas vezes, Melissa caminhou na direção contrária a que o Doutor estava sendo incentivado a percorrer, abaixou-se e apanhou um objeto redondo e prateado com uma cordinha embutida.

O miserável relógio de bolso.


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Notas finais do capítulo

E aí está o Doutor da Guerra! Quem falou que ele ia ficar de fora da aventura? Hello John Hurt!!! ;D Seja bem vindo ao Especial de Natal!

Um abraço das garotas e do Vovô Mendigo kkkk

Até quinta pessoal!!



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