Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 75
A TARDIS é uma Bike


Notas iniciais do capítulo

Oláá! Consegui enfim um tempinho pra postar! :D

No capítulo anterior, finalmente o livro mirabolante que se preenche sozinho foi solucionado: John Smith, o misterioso autor de "As Crônicas de um Senhor do Tempo" revelou-se sendo o marido da Luisa Paralela (cujo as retratações nas páginas eram todas sonhos que a esposa tinha com o trio viajante do tempo, e o adiantamento de informações, dando ao livro a fama de ser “profetizo”, ocorriam graças à diferença temporal entre realidades). Doido né?

Sem mais delongas, na sinopse de hoje:

“Luisa, Melissa e o Doutor estão agora na realidade paralela, onde Cybermens estão administrando fábricas de ácido –usados como combustível em todo o planeta. Num mundo onde Prata é a nova tendência, alguém pode ter que sacrificar tudo para mudar as coisas”.



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—Eles os levaram. –ela respondeu. As feições agora demonstrando cansaço e angustia. –Ah, John... Eles levaram os nossos bebês! –soluçou, muito sentida. -O pior é que não pude fazer nada para impedi-los! No dia que me capturaram, eu fui trazida até aqui completamente inconsciente. Quando recuperei os sentidos, já estava amarrada á esses tubos. Não vejo as crianças desde o último episódio em nossa casa, mas tenho certeza de que eles ás trouxeram junto. Eu sinto que estão por perto... Só não sei dizer onde. –Luisa não se agüentou e deixou que as lágrimas viessem. –Soltem eles, por favor... Eu faço qualquer coisa, mas deixe meus filhos fora disso!

Aquilo foi o bastante para fazer o pacato John Smith trincar o maxilar.

Soltem-na! Libertem minha esposa!—ele voltou a se debater e mais dois Cybermens apareceram para imobilizá-lo. Um chegou a tentar amordaçá-lo, mas ele se esquivava e se debatia.

Deixem ele em paz! É á mim que vocês querem!—brandiu a Luisa adulta, em desespero, forçando os pulsos, cintura e tornozelos com hematomas, contra as impiedosas dobradiças de ferro. 

—Doutor, o que vamos fazer? –a Luisa adolescente recorreu-lhe, quando a coisa começou a ficar feia. Foi quando se deparou com uma coisa surpreendente: o melhor amigo estava chorando ao seu lado. Não era um choro desesperado, tão pouco com soluços, mas sem dúvida aquilo eram lágrimas. Duas, especificamente, escorrendo por filetes longos até as bochechas e parando por ali. O Doutor era sensível o bastante para deixar seus sentimentos transparecerem em local público. Mesmo em silêncio, Luisa conseguiu traduzir o que ele queria dizer: estava com pena do casal. Queria poder ajudá-los de alguma forma. Era óbvio que ele olhava para a versão paralela de Luisa e pensava, propriamente, na garota ao seu lado. Não havia como resistir á esse impulso. Sua vontade era de correr e ajudá-la, mas ele sabia que interferir naquele momento poderia só causar mais confusão. Aquela situação requeria uma abordagem muito bem pensada, e não um ato aleatoriamente improvisado, como era de seu costume.

—Ei... –Luisa puxou a manga do casaco do Senhor do Tempo, como sempre fazia quando queria dizer algo importante à ele. O Doutor voltou-se para ela, meramente surpreso por ainda encontrá-la ao seu lado. Estivera tanto tempo concentrado na Luisa adulta, que quase se esquecera de que sua melhor amiga estava bem ao seu alcance. A garota pretendia dizer algo para confortá-lo, mas a situação toda mudou de figura inesperadamente, quando um gemido exausto atraiu-lhes a atenção novamente para a Luisa presa nas correntes.

As amarras estalavam e as correntes rangiam conforme a mulher se debatia. Os machucados ficavam mais e mais vermelhos e ela gritava, querendo se libertar. Não! Aquilo a machucaria! O Doutor não podia admitir uma coisa dessas. As súplicas mentalizadas de John quase podiam ser ouvidas em voz alta. Melissa cobriu os olhos para não ver. Luisa não teve forças para parar de olhar. O Senhor do Tempo, entretanto, sentiu sua paciência se esvair em um só sopro.

Parem!—gritou inutilmente, para todos ao redor. Aquela seqüência de coisas acontecendo ao mesmo tempo: lamentos, suplicas, debatidas, resistência, agonia... Tudo aquilo estava começando a enlouquecê-lo. Foi neste momento, sem conseguir se conter, que ele cerrou os dentes, aplicou a chave sônica no Cybermen que o detinha, esquivou-se agilmente do robô enquanto este dava curto circuito, então usou a ferramenta nos outros humanóides que mantinham a Luisa adolescente e Melissa imobilizadas. Depois agarrou a mão das amigas e disparou na direção do casal paralelo. A equipe se dividiu no meio do trajeto, sendo que Luisa e Melissa correram na direção dos Cybermens que detinham John Smith, enquanto o Doutor correu feito um foguete na direção da Luisa Paralela, para libertá-la.

—Clama. Fique calma. Eu vim ajudar você. –o Doutor avisou, mostrando a chave sônica.

—Lamento, docinho. Mas não adianta. Já tentei de tudo... –a Luisa adulta replicou, respirando exaustivamente. –Essa máquina é completamente á prova de truques de Senhores do Tempo.

—Bom, então que tal usarmos um pouco da boa e velha trapaça? –ele tirou um alicate do bolso e começou a torcer alguns pregos de aço e arames.

—Você... É igual ao meu marido! –ela pareceu confusa.

Não me diga!—ele rebateu, sarcástico, mordendo a língua enquanto fazia força para girar a ferramenta. –Quem sabe eu não possa ser o irmão gêmeo dele.

—DOUTOR! –Luisa e Melissa acenavam histericamente, esquivavam-se dos Cyborgs restantes. –Jogue a chave sônica para nós! Precisamos dela! –em uma fração de segundos, o rapaz atirou o objeto e imediatamente, voltou aos afazeres com o alicate.

—Engraçado. John nunca me disse que tinha um irmão gêmeo –a mulher ponderou, pensativa. –Não me lembro de você no nosso casamento.

—Eu não pude ir –ele resmungou, sustentando a mentira-brincalhona. –Estava muito ocupado limpando meu tabuleiro de xadrez.

—Mas você mandou flores, não foi? –ela estava mesmo convencida de que ele era uma espécie de “irmão gêmeo secreto” de John Smith. –Eu recebi vários buquês de flores no dia. Mas só um continha flores tailandesas. Foi você quem enviou, não é? Sempre quis saber o remetente...

—Não sei! Talvez eu ainda faça isso. As linhas do tempo não são tênues... –ele replicou, conseguindo soltar uma das mãos de Luisa. –Flores tailandesas você disse? Boa escolha. Obrigado pelo Spoiler.

—Disponha. São minha especialidade. –ela sorriu torto. –Á propósito, reconheci suas “credenciais” de Senhor do Tempo.

—Como sabe que sou um Senhor do Tempo? –ele perguntou, esquivando-se de uma corrente solta, que balançava pendida no ar, sob sua cabeça.

—Não é obvio? –ela arregalou os olhos. –Eu senti o seu cheiro. –ela tocou o nariz com a ponta do dedo indicador da mão solta.

—Prontinho –e soltou o outro pulso. –Espere ai! Você disse que me reconheceu pelo cheiro? E que tipo de cheiro pode ter um Senhor do Tempo?

Luisa pensou um pouco.

—É algo como o odor de livros velhos e embolorados.

—Ei! –ele protestou, erguendo-se da altura dela. –Eu não sou embolorado!

E a corrente passou como um pêndulo, e voltou, acertando-lhe a cabeça.

—Mas com certeza é tão empolgante quanto um bom livro de mistério.

Ele abaixou-se, olhando feio para a corrente e começou a trabalhar em soltar as garras de ferro que mantinham a cintura da madame, imobilizada.

—Você está flertando comigo?

—E não é o que os Senhores do Tempo mais fazem durante a vida? Eles praticamente respiram flerte!

O Doutor inclinou a cabeça.

—Fale por você, moça. –e soltou um de seus tornozelos.

—Não brinque comigo, homem do tempo—e repousou imediatamente a perna sob a coxa dele. O Doutor corou como nunca. Arregalou os olhos e fez várias menções de tirar o pé dela de cima de seu membro, mas nem ao menos chegou a tocá-lo de verdade.

Impulsiva, louca, e completamente ousada. Nada comparada á sua delicada, gentil e adorável Luisa Parkinson, que ele já estava tão acostumado. Em que mundo eles vieram parar?

—Gostei dessa gravata-borboleta. –ela prosseguiu. –Cai muito bem em você. Vou tentar convencer meu John a usar uma dessas de vez enquanto. Sabe? Quando estivermos sozinhos... No escuro.

O Senhor do Tempo se benzeu.

—Hã... É mesmo?—ele ficou sem jeito. –Bem, obrigado pelo elogio. Seu... Ah... Cinto também é bem legal. –ele chutou, dizendo a primeira coisa que veio á sua cabeça: e a única que seus olhos conseguiam ver, já que estava novamente abaixado. O acessório era largo e de couro. O formato e algumas tiras laterais o fizeram enrugar a testa por um minuto. –Parece tremendamente familiar...

—Ah, claro. É um acessório e tanto. O melhor amigo de toda mulher.—contrapôs ela, rapidamente. –Na verdade eu tive uma sorte danada em ter participado daquelas aulas para materializar roupas. Se não fosse por elas, eu ainda estaria usando a mesma vestimenta casual do serviço, e... Caramba! Essas amarras são um Deus nos acuda! Olha só o estrago que fizeram: amassaram todo o meu vestido!—desconversou, agora abalada pelo tecido amassado. O Doutor não pode deixar de sorrir. E ele que imaginava que ela começaria a reclamar sobre os hematomas...

Foi naquele momento que um raio prateado atravessou a sala e o Cyborg rei materializou-se ao lado do Doutor. O rapaz nem teve tempo de se afastar. O robô lhe de um chute no estômago que o mandou para longe. Ele ficou momentaneamente sem forças.

—NÃO! –gritou a Luisa adolescente. Sua distração quase fez com que um Cybermen a acertasse. O punho de aço passou á milímetros de sua cabeça, e por pouco não a deixou inconsciente. Sem perceber a sorte que tivera, ela correu em disparada para amparar o amigo. –Doutor! Doutor você está bem? Pode me ouvir?

Ele ergueu a cabeça, um pouco tonto. As mãos ainda em torno do estômago. Um filete vermelho escorreu de uma de suas narinas. Devagar, a amiga ajudou-o a se sentar, e enxugar o sangue fresco.

—Já... Chega... Disso... –ele balbuciou, sem fôlego, na direção do Cyborg rei. Então respirou fundo e disse de uma só vez: –Já chega! Vocês vão me dizer o porque estão mantendo-na prisioneira, ou então irão se arrepender amargamente!—desta vez ele falou tão firme, que até Luisa que o tinha envolto nos braços, servindo de apoio, chegou a estremecer. –Eu exijo saber a resposta!

O Cyborg, por outro lado, não pareceu se abalar; Entretanto, cedeu a resposta que o Doutor tanto queria.

—ELA É A CHAVE.

—Chave? Como assim? Para quê? –retrucou ele, ainda com ar rancoroso por causa do recente chute que recebera sem cerimônia, do rival. 

—ELA É A CHAVE PARA NOSSA VITÓRIA. ELA É A CHAVE PARA A EVOLUÇÃO CYBERMEN.

—Como assim? Por que ela seria...? Oh. –foi então que o Doutor foi bombardeado pela verdade. Ou pelo menos, o que pensou que fosse a verdade. Lembrando-se rapidamente de várias passagens ocorridas durante aquele dia, antes do Silêncio ser capturado pela TARDIS e depois da chegada de John Smith, o Doutor chegou a brilhante conclusão de que os Cybermens só estavam usando a Luisa Paralela como refém, porque na verdade queriam John Smith. John era o verdadeiro alvo deles, pois era um Senhor do Tempo assim como ele. Era tão óbvio!

A primeira reação que teve foi se fazer de desentendido. Não seria ingênuo á ponto de dizer que descobrira todo o plano dos Cybermens. Se ele fizesse isso, iria apenas dar-lhes o gostinho de prender o pobre John mais rápido que um rato em uma ratoeira, e triunfar sob tudo o que poderiam conseguir tendo um Senhor do Tempo em mãos. Portanto, ao invés de poupar-lhes o trabalho de explicações demoradas, resolveu retardar o processo o máximo que pode. Quem sabe ele até tivesse tempo de bolar um plano decente, antes que os Cybermens terminassem de colocar todas as cartas na mesa, e começassem a prosseguir com o protocolo padrão de conversão em massa.

Pensando nisso, o Doutor começou uma encenação, colocando a esposa de John Smith no centro da coisa toda, apenas em função de ganhar tempo.  

—Ahá! Entendi. Então você precisa dela no processo –disse, se achando muito esperto e convincente com aquela abordagem. -É obvio que ela tem algo que é extremamente necessário para vocês conseguirem finalizar seu plano e, certamente, só ela poderia lhes garantir o ingrediente final para o estratagema. –o Doutor adivinhou, caminhando próximo ao maquinário que, apenas por um tornozelo, ainda mantinha a Luisa paralela presa. –Vejamos... Funciona como algum tipo de fonte de energia... Como uma bateria, por exemplo. Por isso você a mantém presa nessa máquina. Não é apenas uma forma de imobilizá-la. Esses tubos sugam sua energia várias vezes ao dia, estou certo? É por isso que ela fica sempre tão exausta. Em parte é porque tenta se soltar, em parte é porque sua energia vital é drenada.

—E você sabe como energia regenerativa é poderosa –completou John Smith, imaginando que o Doutor acompanhava seu raciocínio. E voltou-se zangado para os Cybermens. –Então é isso? Estão usando minha esposa como fonte de energia?—ele ameaçou ir para cima do Cyborg rei, mas os outros soldados de metal o detiveram, imobilizando-o novamente, deixando apenas seu pescoço em movimento.  –Seus cretinos! Vocês me pagam por isso!—cuspiu, revoltado.

Enquanto John se debatia, o cérebro do Doutor dava uma cambalhota.

—Espere... Você disse energia regenerativa?—o Doutor ergueu uma sobrancelha, pasmo. –REGENERATIVA?

—É claro. –John deu de ombros. –Minha mulher é uma Senhora do Tempo. –naquele momento, tudo pareceu congelar e o trio se entreolhou, intrigado. John Smith fungou: –Ué? Pensei que todos soubessem disso.

É verdade!—a Luisa adolescente estapeou a própria testa. –Como pude esquecer desse detalhe? Eu sabia que John Smith havia dado o nome do diário de “Crônicas de um Senhor do Tempo” por algum motivo bastante específico... Agora sei o porquê! Foi em homenagem á esposa, porque nesta realidade paralela, ela é uma Senhora do Tempo! Como eu pude esquecer de mencionar isso?

Enquanto a menina se repreendia, o Doutor quase não tinha reação. Porém, sentiu-se obrigado a dizer algo para confortá-la.

—Tudo bem. Não se cobre tanto. Você teve seus pensamentos ocultos pelo Silêncio durante muito tempo. Pelo que você passou, ter pequenos lapsos de memória até que são coisas bastante aceitáveis... –o Doutor consolou-a. Então olhou curioso, na direção da Luisa adulta. –Por outro lado, crer que há uma Senhora do Tempo legítima entre nós, nem tanto.

Então era isso? Mais que bola fora! Desta vez o Doutor realmente errara feio... Mas afinal, quem poderia culpá-lo? Ele estava acostumado com a idéia de ser o último de sua espécie –séculos de prática tinham culpa no cartório –tão acostumado que nem mesmo seu cérebro incrível, familiarizado com mundos paralelos, realidades alternativas e idéias absurdas, teria sido capaz de solucionar que seu gêmeo paralelo não herdara os dons de um legítimo Senhor do Tempo.

Partindo desse princípio, então a conversa que tiveram anteriormente na TARDIS, pelo qual John Smith se referiu várias vezes á família, não tinha sido por mero acaso. Pensando bem, em seu contexto estava explicito sempre uma coisa em destaque: sua esposa. E, sempre que John Smith falava sobre ela, parecia deixar bem claro que ela era especial... Talvez aquilo não fosse um mero elogio. Talvez, ela realmente fosse diferente de todo mundo. Mais é claro que isso não faria nenhum sentido, ao menos que ela escondesse algo. Sim! Era evidente! O Doutor daquela realidade paralela era completamente humano, por isso o Senhor do Tempo não detectou, logo de imediato, semelhanças que não envolvessem somente a aparência exterior. Portanto, se John Smith não era o verdadeiro Senhor do Tempo, então, era evidente que a bola da vez só podia ter sobrado mesmo para Luisa. Afinal, eles sempre foram muito próximos... E, se “Senhor do Tempo” fosse um título á ser passado de pessoa para pessoa, o Doutor evidentemente faria questão que ela ficasse com ele. Agora, pensando melhor, aquela maluquice toda até começava a fazer sentido... Pois naquela realidade paralela, era ela a alienígena!

—Então quer dizer que a Luisa é um alien? –gemeu Melissa, inconformada. E, olhando para a melhor amiga, disse: -Eu nunca esperaria isso de você!

—Ué, nem eu! –a Luisa adolescente admitiu.

—Eu juro que não esperava por isso, mas já que as coisas se moldaram desta forma, então acho que devo dar o melhor de mim –o Doutor sacou o alicate e apontou-o para o Cyber rei.

—QUAL A FINALIDADE DISSO?

—Impedir vocês de prosseguirem com o plano mestre. –o Doutor atacou. –O que vocês acham disso? Divertido, né?

—SEU TOM DE IRÔNIA NÃO É BEM VINDO. –e o Cyborg rei deu alguns passos na direção dele, com o braço esticado, em posição de disparo.

O Doutor puxou a gola da camisa, com o dedo indicador, para alargá-la um pouco (ele estava começando a suar), depois deu uma ágil checada no objeto que portava em mãos, e que pretendia usar contra o oponente –o alicate não parecia muito ameaçador agora –por fim, baixou a ferramenta e deu uma breve risadinha sem graça para o Cyborg rei.

—QUAL O PROBLEMA? –interceptou o Cyborg rei.

—Nada não. Eu só preciso de um pouco de encorajamento. –respirou fundo, ergueu o alicate na altura do rosto (a ponta voltada para o inimigo, é claro) e, por fim, engrossou a voz e fez cara de mau. –Agora escutem, seu bando de Cyber-patetas: Libertem-na ou eu irei pegar pesado!

—O QUE É ISSO? UM ALICATE SÔNICO?

—Na verdade é só um alicate comum. É, eu sei... Chega a ser irritante. –o Doutor encarou a peça. –Contudo, ele tem muito potencial... Especialmente ao ser usado por um cara inteligente como eu.

—VOCÊ É PATÉTICO. O QUE ESPERA FAZER COM UM OBJETO TÃO INFERIOR?

—Distrair os bobalhões! –o Doutor arfou, jogando a ferramenta para o alto. –PEGA!

Melissa olhou para cima. A ferramenta começou a despencar em sua direção, e ela imediatamente estendeu as mãos para apanhá-la. Enquanto todos observavam o objeto obedecer à lei da gravidade, o Doutor olhou para Luisa e pediu de volta sua chave sônica. A garota passou-lhe o objeto e ele empunhou-a, agora muito mais confiante. Quando Melissa apanhou o alicate, ela deu de ombros e olhou para o Doutor, confusa.

—E o quê eu faço agora?

—Não faça nada. Deixe tudo comigo. –o Doutor garantiu. Quando os Cybermens se voltaram para ele, o rapaz já mirava o Cyborg rei com a chave sônica, com uma expressão limpa no rosto.

—O QUE VOCÊ PRETENDE? QUAL O PROPÓSITO DISSO?

—Soltem-na, ou eu explodo vocês.

—E VAI FAZER ISSO COM UMA SONDA SÔNICA? ESSA FERRAMENTA É INÚTIL.

—Na boa, compra um óculos! Quantas vezes eu vou ter que repetir que É UMA CHAVE DE FENDA!?

—NÃO TERÁ DE REPETIR, POIS ESTARÁ MORTO NOS PRÓXIMOS MINUTOS.

O Doutor fez uma careta.

—Também não precisa humilhar! –ele acariciou a chave de fenda. –Em todo caso... -o Doutor mirou no pequeno painel de controles central, do galpão. Uma satisfação enorme lhe envolveu de um segundo para o outro, e um sorrisinho torto brotou no canto de seus lábios. -ALLONS-Y!

O painel todo explodiu. E uma indignação múltipla se espalhou pelo espaço.

—NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! –gritaram os Cybermens.

—O QUE VOCÊ FEZ? DESFAÇA! DESFAÇA!

—Lamento. –o Doutor recolheu as extremidades da chave de fenda, sem lamentar nem um pouco. –Não há restauro á partir de danos de “chaves sônicas inúteis”. –disse irônico, então sorriu provocativo. –Tenha um bom dia.

—ATENÇÃO! ATENÇÃO! PERIGO ESTIMADO PARA TODA A ÁREA!

—ESTABILIZAR SISTEMAS! REVISAR PROTOCOLOS DE EMERGÊNCIA!

—IMPOSSÍVEL. OS CÓDIGOS DE ACESSO ESTÃO BLOQUEADOS.

CORRE!—o Doutor gritou, puxando Luisa com ele.

—DELETAR! DELETAR! DELETAR! DELETAR!

Passaram correndo por Melissa e John Smith e fizeram sinal para segui-los. Melissa não pensou duas vezes antes de correr com o alicate empunhado e cravá-lo nas costas do Cybermen que imobilizava John Smith. O ato impulsivo acabou cortando uma seqüência de fios que, aparentemente, coordenavam o movimento dos braços do robô. Sem controle, a criatura começou dar curto e sua força se esvaiu, permitindo que John conseguisse se livrar do abraço fatal do Cyborg. Juntos, eles alcançaram os outros dois primeiros, e depois todos correram até a Luisa adulta, ainda presa na máquina de sugar energia, e terminaram de desamarrá-la.

Vamos! Rápido! Eles podem retomar o controle á qualquer instante... Precisamos sair daqui agora mesmo!

—Uma saída! Ali tem uma saída! –indicou a Luisa paralela. -Vamos!

Correram como se suas vidas dependessem disso (o que por sinal, era verdade), e cruzaram a saída mais próxima sem olhar para trás. Quer dizer, quase não olhar.

Todos haviam passado, e provavelmente já estavam dobrando a primeira esquina, que levaria ao próximo corredor. Luisa também ia fazê-lo, quando olhou para trás de relance e sentiu falta do Doutor. Ela tinha certeza de que ele não estava com o resto da equipe, porque ela lembrava perfeitamente da silhueta de John Smith, Melissa e a Luisa paralela, correndo bem á sua frente. Mas não se recordava de ter visto o Doutor segui-los para fora do grande galpão. Bufando, ela deu meia volta. Refez o curto trajeto, até então, e foi encontrar o amigo novamente no grande galpão, com o semblante carregado e a chave de fenda sônica voltada para o maior tanque de ácido. Arregalou os olhos quando o encontrou e ficou paralisada de medo, por uma fração de segundos. Que diabos ele pretendia fazer?

Sem esperar mais nenhum segundo, ela marchou até ele e puxou-o pelo braço, pegando-o de surpresa.

—Luisa!?

—Doutor! Por que ainda está aqui? Nós precisamos ir embora!

—Não –ele esquivou o braço e deu-lhe as costas, cabisbaixo: –Eu tenho que detê-los.

Aquilo a deixou ainda mais ansiosa.

—Não! Não! Isso é ridículo! Não pode fazer isso! –ela segurou-o pelos ombros e chacoalhou-o. –Eles já foram pessoas, Doutor!

—Exatamente. Já foram, do verbo “não mais”. –ele disse impassível. Sua frieza chocou Luisa. –Olha, eu não espero que entenda... –e segurou as mãos dela, afastando-as. –Mas, alguém precisa pará-los.

—Mas não tem que ser você! –ela rebateu, com os olhos brilhantes.

—E quem vai ser então? John Smith, seu marido paralelo? —ele disse, com sarcasmo. Ela tentou não se ofender. –Não há outra opção. Não vou discutir isso com você. –ouve uma explosão pequena, há poucos metros dali, e o Doutor cobriu-a com seu corpo, protegendo-a. –Luisa, este lugar está ficando perigoso! Você tem que ir pra bem longe daqui. Vá agora! Não se preocupe comigo, eu ficarei bem. Vá logo! Vá!

—Mas você vai MATAR TODO MUNDO! –teimou. –Não percebe? Vai ficar igual á eles... Ou até pior! –ela gritou, esgotada.

—Eles merecem! São robôs há tanto tempo... Nem sabem mais o que é viver! –o Doutor argumentou. Aquilo só serviu para fazer a garota ficar de cara feia. Por fim, ele percebeu que não a convenceria. Então suspirou, chateado. -Ah, Luisa... Eles matarão á todos se eu não cortar esse mal pela raiz.

—E o que vai fazer? –ela retrucou asperamente.

—Tentarei provocar uma explosão centralizada. O Cyborg rei está neste galpão, dando curto com os outros. Se eu conseguir atingi-lo, desativo todos os outros Cybermens que estiverem no planeta. Eles ficam sem propósito, sem um líder, por isso essa é a melhor forma de acabar com eles. Na pior das hipóteses, o selo de emoções e informações pessoais deles se romperá, e cada ser humano convertido à Cybermen morrerá de agonia, por estarem conscientes dentro de uma máquina; na melhor das hipóteses, apenas se desativarão. Isso, infelizmente, eu não posso garantir. Mas, por outro lado, posso salvar as outras bilhões de pessoas deste planeta, e impedir que tenham um futuro cruel e prateado. É isso que ganhamos por detê-los. Mais uma chance para a raça humana seguir em frente.

—Quer deter o Cyborg rei, e para isso acontecer, pretende explodir o tanque de ácido? Como você acha que isso vai nos ajudar?

—Eles não são tão resistentes... –o Doutor ponderou.

Inesperadamente, ela tocou-lhe o rosto.

Nem você.

O rapaz baixou os ombros. Seria difícil rebater essa. Ele olhou para trás por um momento. Parecia indeciso. Semi-cerrou os dentes e depois respirou fundo, contrariado.

—Ai, tá bom! Tá, tá! Você venceu! –bufou. –Vamos embora daqui. -ele gesticulou.

—Ótimo. –ela puxou-o pela manga do casaco e juntos os dois correram até a saída. Quando cruzaram a porta, porém, Luisa soltou seu braço, pois precisavam dar impulso e pegar ritmo, se quisessem alcançar o restante do grupo, agora, supostamente muito á frente deles. Desta vez ela não olhou para trás. (Foi o pior erro que cometera). Estava confiante de que havia convencido-o de vez a abandonar aquela idéia maluca de “heroísmo”. Todavia, quando chegou á primeira esquina, observou o corredor pelo canto do olho e vislumbrou o amigo percorrendo o caminho inverso. Chocada, ela tornou a persegui-lo, mas ele assumira uma grande vantagem sob ela, e conseguiu cruzar a passagem larga do galpão muito agilmente. Tanto que foi até mesmo capaz de trancar as portas, antes que ela pudesse alcançá-lo. Luisa chegou socando a superfície de aço. Queria entrar de qualquer jeito. Seu coração estava disparado. Aquela era uma situação da qual não possuía nenhum controle. E isso a assustava. Especialmente depois de ter ouvido o plano completo que o amigo executaria. Afinal, se ele explodisse um tanque enorme de ácido, não seria atingido também? AH, NÃO! Ele realmente estava pensando em se sacrificar pela causa!?

Doutor! Não! Você vale mais do que isso! Por favor... PARE!—ela chorou em desespero, do outro lado da porta, acompanhando tudo por uma tira larga de vidro, que surgia do centro do aço inabalável. Do outro lado, o Doutor lançou-lhe um último olhar. Estava sereno e cabisbaixo. A garota conseguiu ler seus lábios e as palavras “Sinto muito”, lhe apertaram o peito. Ou... será que nada disso acontecera de fato? Pra dizer a verdade, ela não mais tinha certeza do que via. Não conseguia pensar direito.

Na realidade, o rapaz não trocara um último olhar com ela. Nem conseguiria, pois estivera olhando o tempo todo para o capacho da porta, sem emoção alguma. Talvez a expressão serena em seu rosto fosse imaginação sua, afinal. Luisa não sabia mais distinguir as coisas. Logo, o amigo deu-lhe as costas. Preparava-se psicologicamente pelo que viria a enfrentar. Luisa não se deu ao luxo de respeitar seu espaço. Ela queria impedi-lo á todo custo e não pouparia esforços para fazê-lo mudar de idéia. Continuava a esmurrar a porta, cada vez com mais força. Estava cega por uma esperança indestrutível, de que a qualquer momento ele poderia pensar duas vezes e voltar para ela, decidido á acompanhá-la. Mas os segundos iam passando e ele não se movia. Luisa perdeu o fôlego, atrás da porta. Seus punhos ardiam, mas ela seria capaz de continuar esmurrando o aço gélido e inflexível eternamente, se isso significasse que, em algum dado momento, o amigo ainda poderia mudar de idéia. Enfim, o Senhor do Tempo finalmente se moveu, mas infelizmente para ela, foi apenas para erguer a chave de fenda para o alto, direcionando-a para colidir com o sônico no tanque certo. A garota do outro lado da porta continha a respiração. O rapaz se manteve naquela posição por mais alguns segundos. De repente, os segundos pareceram minutos e os minutos pareceram horas. E ele não se movia. Um silêncio extenso e incômodo percorreu os dois lados da porta. Batimentos acelerados ecoavam em constaste com o silêncio do momento de tenção. O que aconteceria a seguir era incerto. Talvez Luisa estivesse se preocupando á toa, afinal. O amigo não seria insano á ponto de se sacrificar junto dos Cyborgs... Seria?

Ela arregalou os olhos.

—DOUTOR! –tornou a gritar. Desta vez ele a ouviu. Mas tudo que fez foi fechar os próprios olhos e permanecer imóvel. Ele sabia que, se tornasse a contemplá-la, não conseguiria seguir em frente. Uma lágrima escorreu de um de seus olhos castanho-esverdeado, como em remorso por não atendê-la.

Aquilo tudo durou meio minuto. Pois, logo ele fungou, se recompôs, respirou fundo e murmurou, quase inaudivelmente:

Gerônimo.

E ativou a chave sônica.

 

—NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! –Luisa berrou, num grito interminável. Mas aos poucos, sua voz foi perdendo a força e, logo o potente grito tornou-se um mero suspiro. –Oh, Não.

E tudo foi pelos ares. E logo o galpão, que era o coração da fabrica de combustível, se reduzia á corpos metálicos derretidos. E entre eles... Jazia o corpo do Doutor.

Do lado de fora da porta intacta, Luisa não conseguia se controlar. Seu corpo começou a tremer. Ela perdeu o chão. Seus joelhos cederam. Não tinha mais força para permanecer em pé. Chorosa, ela se amontoou encostada em uma parede qualquer e abraçou as próprias pernas, aderindo às lágrimas.

—Luisa? –inesperadamente, Melissa surgiu no corredor. Respirava alterado também, mas não pelo mesmo motivo (ela viera correndo o caminho todo e só parou quando encontrou a melhor amiga). Tagarelava sobre uma saída na ala sul, e que John e sua esposa estavam á espera delas. Não perguntou sobre o Doutor. Mal sabia ela sobre a explosão. Ela nem fazia idéia de que, á poucos segundos atrás, o amigo perdera a vida. Luisa também não queria falar sobre isso. Para falar a verdade nem conseguia raciocinar direito. Tudo o que fez, quando a amiga perguntou o motivo do choro foi apontar para as grandes e pesadas portas de aço impenetrável, e tornar a soluçar. –O que foi? O que aconteceu? –Melissa ajudou-a a se levantar e elas se abraçaram fortemente, mas isso não foi o bastante para acalmá-la. Luisa continuou em estado de choque por mais alguns longos minutos. Quando de repente as lágrimas pararam de vir. Luisa não entendeu o porquê. Ela ainda estava triste. Muito triste na verdade. Um verdadeiro bagaço. Mas, por algum motivo intrigante, suas lágrimas se recusavam a sair. Talvez as reservas tivessem secado, afinal...? É... Quem poderia saber? Mas, graças á essa pausa, foi que percebeu que Melissa acariciava seus cabelos em longos intervalos de tempo. Aquilo acabou anestesiando-a. Não tinha forças para fazer mais nada. Estava empalidecida. Sua pressão devia ter baixado.

—Caramba, Lu, você parece arrasada... –Melissa comentou, preocupada. –O que foi que aconteceu para deixá-la assim? –então uma idéia pretensiosa lhe ocorreu. –O Doutor te fez alguma coisa?

 Luisa mordeu o lábio, negando com a cabeça. Porém, ao ouvir a menção de seu nome, seus olhos começaram a lacrimejar de novo.  

—Ah, não! Por favor, não vamos recomeçar! –estopou Melissa. –Quero que você fale comigo; não que se desmanche em lágrimas. Entendeu? 

—Mas... Ess-e é o pro-blema. –ela soluçou. –Eu n-ão consi-go di... Di-zer sem chorar. –e assoou o nariz em um lencinho que tirou da Bolsa Que Tudo Tem.—N-ão agu-ento a falta dele!

—Dele? Dele quem?

—Olhe em vol-ta! –gemeu Luisa. –N-ão percebe que está fal-tando alguém?

Melissa analisou o espaço.

—É. Parece que o desmiolado não está por aqui.

—N-ão fale dele as-sim! –Luisa repreendeu. –E-le é meu me-lhor amigo, assim co-mo você é mi-nha melhor ami-ga. Co-mo acha que e-u me sentiria se vo-cê sumisse da minha vi-da?

Tá legal! Tá legal! Não está mais aqui quem falou... –Melissa ergueu a mão, mostrando rendição obediente. –Mas onde ele se meteu? Vê se isso é hora para ir ao banheiro!?

—Não! –Luisa fez gestos frenéticos com as mãos. –Você não est-á entendendo. E-le não es-tá mais a-qui, conosco.

—Ah! Aquele doido de All Stars... Então quer dizer que ele já está lá fora!? –Melissa espalmou a própria coxa, com ar de riso. -Ora, quem diria... Parece que o “garoto alien” nos passou mesmo a perna, desta vez...

—Não! Não, Melissa! –Luisa negou com urgência. Já estava ficando cansada daquele jogo. Parecia que estavam brincando de mímica. -Ele n-ão vai voltar.

—COMO ASSIM NÃO VAI VOLTAR? Quer dizer que o desgraçado largou a gente aqui sozinhas? Ah, mas ele vai se ver comigo! –Melissa socou a porta, próximo á maçaneta. E, por ironia do destino, a porta rangeu, mansinha, e se abriu sozinha, até colidir com a parede interna do galpão ensopado. Melissa olhou espantada para o que encontrou do lado de dentro. Toneladas e mais toneladas de ácido, espalhado pelo chão, paredes e teto, ainda corroíam as coisas. –O que foi que aconteceu aqui? –ela balbuciou, perplexa.

—Não vai querer saber! –Luisa puxou a porta de novo e travou a tranca com toda a força que pode recuperar em tão pouco tempo. Ela sabia que se não o fizesse, naturalmente teria o impulso de correr até o corpo do rapaz, e isso, certamente, causaria sua morte também. Nesse momento, ela não podia se dar ao luxo de testar seus limites. Não queria ser tentada a fazer uma coisa dessas nem por brincadeira. Melissa, porém, não entendeu o motivo de sua aflição.

—Os Cybermens... Estão mortos?

—É. –Luisa ficou séria.

—Mas... Quem fez isso?

—Quem você acha?

Melissa deixou a compreensão lhe invadir.

—Mas... Ele salvou o dia! E antes do café da manhã... Nossa! Esse é sem dúvida o novo recorde!—ela bateu palmas. –Você sabe que eu odeio admitir isso, mas ele se saiu bem. Aquele alien maluco está de parabéns! Puxa vida! –ela riu. -Onde é que aquele danado se enfiou? Acho que até vou dar um abraço nele hoje... Mas já vou avisando: não tornarei a fazer isso novamente! E, se você comentar isso com alguém, em algum dia, numa festa de gala, eu juro que vou negar e te desmentir na frente dos outros!—brincou Melissa. Para sua surpresa, Luisa continuava imóvel. –E então...? Cadê ele? –disse, tentando quebrar o gelo.

Luisa baixou os lhos. O gelo estava mais para um Iceberg.-Méli, é tu-do culpa mi-nha! Se e-u não tivesse cor-rido...—ela se lamentava.

—Do que você está falando? –Melissa segurou-a pelos ombros, tensa. –Luisa, para onde foi o maluco da cabine? Onde ele está!?  

—Lá dentro. -a garota da bolsinha rosa virou o rosto, para depois erguer o dedo indicador e apontar para o galpão cheio de ácido. Não conseguiu olhar para dentro do espaço de novo. Foi à vez de Melissa hesitar.

—Como assim? ELE NÃO SAIU? –ela gritou. –Não. Não. Isso não pode estar acontecendo... Você não vai me pegar desprevenida e dizer, assim do nada, que o Doutor bateu as botas!

Luisa controlou mais ou menos bem uma nova vontade de chorar.

—O Doutor explodiu o galpão central em ácido, para deter o Cyborg rei. Calculou tudo perfeitamente, de modo que só esse galpão fosse atingido. Ele conservou o resto da fabrica para nos manter a salvo. Só que isso lhe custou a vida. –Luisa reuniu forças. -Melissa... Ele se foi. Se foi.

—Não. –Melissa deu alguns passos em falsos para trás. –Mais que droga, Luisa!—ela gritou, levando as mãos na cabeça. Pela primeira vez, parecia também estar sem palavras e sem ação. –Isso... É loucura. Não pode estar acontecendo! Ele tem mil. Quase mil. Ou mais que mil, eu sei lá...—ela desabafou. -O fato é que ele tem muitos anos de idade... E eu pensei... Eu supus... Eu só imaginei... –Luisa controlou o impulso de chorar novamente e colocou a mão sob o ombro de Melissa, solidária. -Que ele jamais fosse morrer. 

—Eu sei. –Luisa assentiu. –É loucura, né?

—Lógico! E das bravas... –Melissa fungou. Luisa acabou sorrindo com a ênfase que ela deu á palavra “bravas”. Como ela conseguia ter senso de humor em momentos como este? Era o tipo de pessoa que naturalmente fazia piadinhas em funerais, cartórios (durante divórcios), e tirava sarro da bolsa de valores, mesmo que o mundo estivesse passando por uma crise dos infernos. Apesar de poder ser meio inconveniente, Luisa adorava sua companhia. Costumava deixar os momentos muito mais leves, do que normalmente seriam. –Então... Ele morreu mesmo?

—Ácido não é bom para as células –Luisa destacou, depois deu de ombros, quase perdendo o fôlego. -Coitado. Foi tão injusto! Ele nem teve chance de regener...

—Meninas! Meninas venham aqui! –gritou a voz de John Smith. Elas mal tiveram tempo de se recompor e já estavam correndo pelos corredores, rumo a ala sul. Porém, ao invés de depararem-se com uma saída, deram de cara com um armário de casacos. Lá, John Smith estava á sua espera. –Temos novidades! Nós achamos a TARDIS!

As duas se entreolharam, surpresas. John abriu a porta do pequeno compartimento. A última coisa que elas esperavam ver pela frente em uma fábrica de combustível feito de ácido, e dirigida por homens prateados do espaço sideral, era sem dúvida, uma bicicleta azul com três acentos e um mini-painel de controles com botões, alavancas e tudo o que há de mais improvável que poderia, ou não, ser instalado diretamente no guidão, ou no restante do equipamento. A Luisa adulta surgiu de dentro do armário, empurrando a ciclo-nave, para o corredor.

—Garotas... Apresento-lhes a TARDIS. –a mulher sorriu. –Meu veículo regularizado para viagens no hiper-espaço, e também máquina do tempo, nas horas vagas.

As duas adolescentes se entreolharam mais uma vez. A Luisa paralela pôs as mãos na cintura.

—Puxa! Nenhum comentário? Nadinha? Mas que equipe desanimada!

John Smith deu uma risadinha forçada e confidenciou ás garotas:

—É. Minha esposa tem essa mania... Ela gosta de ostentar e depois ver o que as pessoas comuns pensam disso. Ela adora ouvir os comentários. Acho que até pagaria para ouvir um: “Uau! Ela voa mesmo?

—John! –a esposa deu-lhe um cutucão nas costelas. –Deixe as meninas falarem! Eu quero a espontaneidade juvenil!

Luisa e Melissa trocaram olhares cúmplices, como se dissessem: “quem vai primeiro?

—A TARDIS é... –esforçou-se Melissa. –Uma BIKE?  

É claro, bobinha!!!—a Senhora do Tempo bateu palmas. –Mais que observadora!

—Tá legal, querida –John foi cortando o assunto. –Vamos prosseguir com o plano. Ainda temos que encontrar as crianças.

—Tem toda razão! –ela imediatamente montou na bicicleta. John fez o mesmo. –Vamos! O que estão esperando, vocês duas? A bike virar lambreta? Subam logo!

—Mas... Só tem mais um lugar disponível. –Luisa ponderou. –Como eu e Melissa vamos servir aí?

—Não, querida –ela fez um gesto leviano com as mãos. –A TARDIS é que nem coração de mãe: sempre cabe mais um. Ela é maior por dentro!

Melissa ergueu as sobrancelhas.

Não diga —ironizou em tom de desafio. –Essa eu quero ver... Eu topo!

—Então suba! –instigou a Senhora do Tempo. Melissa se ajeitou no terceiro e último lugar. Já Luisa, ficou do lado de fora, pensando em quê iria se segurar no final das contas. –Você também, querida. –Luisa ergueu a cabeça e deparou-se com sua versão adulta observando-a com um sorriso amigável no rosto. –Confie em mim.

Luisa conhecia bem aquela frase. Sentiu uma dor no coração, mas assentiu positivamente.

—Então faça o seguinte: monte atrás de Melissa, com a mesma distancia dos nossos guidões. Então imagine-se sentada na bicicleta. Imagine que tem mais um lugar, só pra você.

—Tudo bem. –Luisa fingiu estar montando a bicicleta, em uma extensão invisível do veículo. Fechou os olhos e imaginou estar segurando-se em mais um guidão. A Luisa paralela sorriu, inclinou-se e apertou um botão dentre outros vários, no mini-painel de controles do guidão principal. –Hã? –a Luisa adolescente sentiu algo tomar o espaço vazio entre seus dedos e abriu os olhos, espantada: um guidão de verdade havia se materializado ali e, abaixo dela, havia um assento novinho em folha. Não podendo se conter, ela olhou para trás e viu que, dentro de uma névoa serena, havia outros centenas de guidões e bancos, em uma projeção infinita. Maravilhada, ela sorriu. A bike era mesmo maior por dentro. –Nossa... Melissa, olha isso!

—O que foi? -Melissa também virou-se e se espantou com o alongamento da bicicleta. –Caçarola!

—Eu disse. –a Luisa paralela deu uma risadinha satisfeita. –Ela se estende por mais de quatro dimensões. Como eu disse, inicialmente: Tem espaço para dar e vender... E alugar também!

—Incrível...

—Certo, vamos nessa! –John comunicou. -Pé na tábua, amor!—a esposa ligou os motores da ciclo-nave e ela literalmente “decolou” pelos corredores. Era óbvio que a extensão infinita da bicicleta não podia ser vista por todos. Para os leigos que estivessem vendo-os de longe, só se conseguia enxergar os bancos ocupados, de modo que toda a projeção dimensional era invisível aos olhares curiosos. Ela estava ali, ao mesmo tempo que também não estava. Deste modo, era mais fácil andar entre as pessoas sem chamar tanta atenção. Não que este fosse o caso, já que eles estavam em uma fábrica abandonada, cheia de Cyborgs mortos ou desativados. Mas de qualquer forma, era sempre bom se prevenir, afinal o disfarce da TARDIS servia justamente para se misturar com os diferentes ambientes.

—Iahhhhhhhu! –corriam tanto pelos corredores, que na verdade pareciam estar em uma motocicleta á jato. Enquanto os cabelos sacolejavam e todos apreciavam a brisa fresca, a Luisa adulta ligou o modo GPS.

—TARDIS, localize meus filhos. Precisamos achá-los! Conto com você.

Algumas luzinhas piscaram na tela, então depois de alguns minutos rodando pelos andares, sem rumo, o GPS finalmente deu-lhes boas notícias.

—Opa! Parece que estamos esquentando... –a Luisa adulta gritou, empolgada. –Está captando um sinal muito fraco, mas mesmo assim já é um começo... Ah, sim! Agora estão falando a minha língua!

—Quando você diz “língua”, está se referindo propriamente ao Gallyfreyano... O que, literalmente, figurativamente...?—Melissa indagou.

—Não. Bem, não neste caso... –admitiu a mulher com um sorrisinho danado no rosto. –Querido, ela tem o senso de humor da nossa filha!

—E a mesma “língua boa de retrucar” –ele comentou, rindo. –É, algumas coisa nunca mudam...

—É. E algumas coisas mudam para pior.—Melissa cutucou-o. A Luisa de dezessete imediatamente deu-lhe um cutucão.

—Méli!

Foi mal... É força do hábito.—Melissa desculpou-se com os dois. -Acontece que o John Smith é a cara do Doutor e... Bem! Você queria o quê? Meu cérebro às vezes se confunde, e não consegue distinguir para quem eu devo dar uma resposta potencialmente grosseira.

Luisa revirou os olhos, com ar de riso.

—Se o Doutor estivesse aqui, ele ficaria muito bravo com você...

—É! Já estaria até fazendo cara feia! –Melissa deu corda. -Cruzaria os braços...

—E faria bico de indignação. –Luisa completou. As duas riram juntas, lembrando-se por um momento das palhaçadas do amigo. Era tão estranho sentir um vazio logo depois disso. Elas ainda não conseguiam acreditar que nunca mais o veriam de novo. A verdade era que ele sempre estivera tão próximo delas... Que até mesmo agora, sem sua presença física junto delas, as garotas continuavam a sentir como se ele ainda estivesse por perto. Talvez fosse por causa de John Smith, que dava aquela vã ilusão por causa da aparência. Esse pensamento fez Luisa se perguntar o que fariam depois que cada um tomasse seu rumo. Aquela Luisa adulta voltaria para casa com seu marido e filhos e elas nunca mais veriam seu Doutor. Pensar nisso deixou-a novamente cabisbaixa. Mas, felizmente, por pouco tempo.

Logo, talvez muito mais rápido do que imaginavam, o GPS deu o sinal que estavam aguardando:

Achei eles! Querido, veja: os nossos bebês estão na ala leste!

—Perfeito! Então vamos buscá-los!

E a bicicleta fez um rápido retorno e deu uma guinada, rumo á ala leste.


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Notas finais do capítulo

Bicycle! Bicycle! BICYCLE!

KKKKKK

EU JURO QUE NÃO FOI PROPOSITAL, MAS ENTÃO NÉ QUEEN... KKKK Eu não me aguentei.

Achei divertido a idéia da TARDIS da Luisa paralela ter um esquema diferente e estética também, pois afinal é um mundo paralelo, e tudo pode acontecer!

Descontrações a parte, eu sei que no fundo ceis tão é querendo me matar por ter matado o Doutor. Bom, não vou dar depoimento sobre isso, porque afinal de contas escritores matam personagens de vez em quando. Meio que acontece... e comigo, nem o Doutor é capaz de escapar (EU SOU MALVADA MUHAHAHAHA) A garota louca que ama humor (euzinha) também sabe ser Rainha do Drama nas horas convencionais ;)

Pros que já estão se descabelando, eu aconselho respirar fundo e continuar em frente, porque é isso que o Doutor faria, e também porque ainda tem muita água pra rolar -e essa aventura é astronômicamente top!

Modesta parte, é um de MEUS XODÓS kkkk

Beijos e até o próximo capítulo!



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