Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 69
Pais de primeira viagem


Notas iniciais do capítulo

Oi galeraaa!!

Desculpem o distanciamento... Eu tive umas semanas bem intensas de trabalhos, capturas de imagem e edição na faculdade. Me diverti a beça fazendo Stop Motion! FOI TUDO DE BOM!! :D
Mas claro que saudade bateu rapidinho da minha conta aqui no Nyah e eu não via a hora de voltar pra continuar postando a história da Luisa!

Todo mundo pronto pra prosseguir de onde paramos? OKAY! Então lá vai sinopse:

"Por um lado, dinossauros cercam Luisa e o Doutor na floresta; Por outro, as coisas esquentam em Terra Nova, quando Lucas Taylor decide colocar seu plano em prática. E ainda, num terceiro cenário, uma experiência maravilhosa acontece à uma família nada convencional".



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De que adiantava entrar em pânico e bancar os desesperados? De que adiantaria gritar e dar ainda mais alarde...? Se eles ao menos pensaram nisso? Náá! O Doutor e Luisa não fariam nada parecido. Sim, sim... Estavam mesmo encurralados, mas tinham uma tática infalível na manga (ou quase): precisavam assumir o controle. Precisavam tentar tirar proveito da situação (isso, em geral, era com o Doutor) e não deixar transparecer o medo que ainda sentiam... Medo era para os fracos. E eles estavam em boa forma (para correr, quero dizer). Poderiam distrair o inimigo, papear até arrumarem um jeito de darem no pé (bem, essa parte também era com ele). Sim! Perfeito! Era exatamente isso que eles fariam... Tinham que encarar a situação com os pés no chão!

O campo de invisibilidade vacilou e os dois ficaram visíveis. As folhagem pararam de se mexer e a cabeça de um dinossauro curioso apareceu para observá-los. A garota não pensou duas vezes.

—Aaaaaaaaaah! –Luisa pulou no colo do melhor amigo, assustada. Nem queria ver o que aconteceria a seguir. O Doutor suspirou. Ao menos um deles ainda tinha os pés em contato com o solo.

Outro dinossauro de pequeno porte atravessou correndo entre suas pernas e o Doutor pensou melhor se não haveria um jeito de se suspender em algum lugar.

—Ah... Oi pessoal? –ele tentou ser sociável. –Como vão? Dia ruim?

Um dos bichos fez um barulho engraçado com as narinas.

—Ah. Saúde. Nós também não estamos no melhor dos nossos dias... –o Doutor continuou. Luisa, que estava com os olhos cobertos pelas mãos, deu uma olhadinha entre os dedos. O amigo parecia bastante descontraído, para um cara que seria devorado á qualquer minuto. Isso significava que o perigo passara? Era seguro descer?

—Ah... Acho que pode me soltar agora. –Luisa pediu tímida à ele e o rapaz a colocou de volta no chão. Luisa corou um bocado. Nem sabia direito porque fizera aquilo. Agira sem pensar e acabara no colo do Doutor. Que embaraçoso! Mas por que seria embaraçoso, se eles já se conheciam há tanto tempo? É. Às vezes pareciam ter se passado anos de viagens e aventuras em equipe, outras vezes, parecia que o tempo nunca passara. Às vezes, os dois eram tão próximos que até pareciam isentos de pudor, outras vezes, agiam como se houvessem acabado de se conhecer. Andar com o Doutor era mesmo uma montanha russa de emoções e sensações inexplicavelmente intrigantes. De certo modo, Luisa amava isso.

Um dinossauro com pigmento vermelho ergueu a cabeça para ela, provavelmente se identificando com a tonalidade que Luisa exibia na face.

—Bonitinho... –ela sorriu, ajoelhando-se para ficar da sua altura. –Eles não parecem nada com os raptors que vimos na Tecnopédia.

—Aonde houver grande quantidade de carnívoros, tem de haver vida herbívora, e vice-versa, para equilibrar as coisas... É a lei da vida. –recitou o Doutor, como se fosse um professor de filosofia. –Ou, neste caso especifico, vida extinta.

Uma das criaturas grunhiu em protesto. Pareceu sentir repulsa da palavra “extinta”.

—Oh! Desculpe amigo. Escapou. –o Doutor se desculpou rapidamente, passando a mão na cabeça do dinossauro maior. De certa forma, ele não estava com o corpo todo fora das folhagens. Apenas havia uma cabeça e um pescoço relativamente comprido (mas que não era nem comparado com o do Argentinossauro e descendentes) fora da vegetação. Quem olhasse rápido, parecia uma cabeça flutuante, ou um dinossauro esculpido em uma moita frutífera. As possibilidades eram infinitas.

Adorável. Vamos ver quem são vocês... –o Doutor apanhou a Tecnopédia e checou as informações juntamente com Luisa, ambos empolgados por terem feito dois amigos que só usariam os dentes e as garras para arrancar folhas e frutos das árvores. Definitivamente, umas gracinhas.

A Tecnopédia checou os resultados. O menor dinossauro, que atualmente brincava de correr em zigue-zague e desviar das pernas compridas do Doutor, como se fossem cones em um circuito de treino de educação física, era um Lesotossauro, nativo da África, do inicio do Jurássico, herbívoro, 1 metro de comprimento e 45 cm de altura, com pernas ágeis e olhos grandes. O segundo (o da cabeça sem corpo) era um Arstanossauro, nativo da Rússia, Kasaquistão, Cretáceo, herbívoro, que podia andar com duas ou quatro pernas... E media nada menos que 15 metros de comprimento e 6 metros de altura.

—Como é que é? –o Doutor e Luisa voltaram-se para seu novo amiguinho, aparentemente, um gigante disfarçado. O Arstanossauro fez um movimento com a cabeça, como se dissesse: “Querem ver como sou grande?” e, sem aviso prévio, tirou a cabeça do meio das folhagens e ergueu o corpo inteiro, mostrando que não era mentiroso, tão pouco ilusionista (foi espantoso... Ele realmente tinha um corpo!). Só perdia mesmo para as árvores, no quesito altura. Afora a peça que pregara no casal perdido, como um “boas vindas”, ele parecia ser um camaradinha bem legal.  –Eles dizem que se chamam Fling e Shipton.

 Lá vinha o Doutor de novo com suas traduções dinossaurescas.

—Caramba... Wou! –Luisa recuou alguns passos, e acabou caindo por cima de outra criatura que guinchou ao ser bombardeada pelas costas da menina. Apesar de confusão, até que ele amorteceu bem a queda. –Ah! Me desculpe...

—Luisa, deixe eu te ajudar... –o Doutor estendeu sua mão e ela aceitou, voltando a se erguer sob as duas pernas. Depois olharam para ver o estrago que causaram. Suspiraram ao ver que o pequenino estava bem.

—É um Bagacerátops! –disse o Doutor animado. –Parece com um tricerátops, mas não tem chifres e é muito, muito menor. Mede exatamente 1 metro de comprimento e 50 cm de altura e pesa 30 kg. –ele fez uma pausa espontânea. -Este aqui se chama Harley. Bonitinho... Parece que estamos no “País da miniaturas”.

—Ei! –Luisa cutucou o amigo alegremente. -Não se esqueça do nosso amigo Shipton, o Arstanossauro.

O dinossauro deu razão á ela, erguendo a cabeçorra e piscando lentamente, com ar de extrema importância. Harley, o Bagacerátops apoiou-se nos joelhos da garota babando como um cãozinho adestrado.

—Ora essa... E nós achávamos que íamos morrer!—Luisa debochou de si mesma, acariciando a criatura á seus pés. Eles pareciam tão dóceis... Como foi mesmo que adquiriram aquela fama de bestas horripilantes e criaturas assustadoramente cruéis? A imaginação humana... Sempre exagerando na dose. Ainda bem que Spielberg não estava lá, ou então, talvez, ficaria decepcionado.

—Mas esses aqui são bonzinhos. Espere só até ver “mafiosos” da época. –o Doutor enfatizou. Luisa engoliu a seco.

—Por que tinha que me lembrar de que há outros? –ela disse, como se o simples fato dele ter guardado segredo, fizesse toda a diferença. –Não quero saber de bestas sanguinárias... Eu gostei desses aqui! –ela olhou-o com cara de dó. Um beicinho convincente começava a se formar... O Doutor sabia o que viria a seguir.

—Antes que você comece... Não. Nós definitivamente não podemos ficar com eles!—rebateu, antes mesmo dela abrir a boca e formular a pergunta.

—Mas a TARDIS é grande o bastante! –Luisa ignorou a investida adiantada do amigo.

—Luisa! Não são paquidermes. São DINOSSAUROS!

—E você deixaria um paquiderme entrar na TARDIS?

Ele mordeu o lábio, surpreso. Não esperava que ela fosse investir por esse lado.

—Ah. Não. Mas isso é outra coisa! –ele desconversou banalmente. -O fato é que isso é inconcebível! A TARDIS ficaria pesada. Ela não conseguiria se deslocar pelo tempo-espaço com a mesma facilidade...

—Mas você vai arranhar o motor de qualquer jeito! –Luisa retrucou. -Por que não arranhar salvando algumas vidas!?

—Porque não serão apenas ‘algumas vidas’, não é mesmo? –ele ressaltou, de modo sarcástico. -Aposto que “com sua alma caridosa de TPM”, vai acabar querendo levar todo herbívoro que cruzar nosso caminho!

—Isso não é verdade! –ela negou, cruzando os braços e fazendo cara feia. –Eu nem fico caridosa quando estou de TPM! –a garota fez um bico de incompreensão enorme, que simbolizava sua total perda de paciência. O Doutor definitivamente não deveria ter cutucado uma mulher de TPM com vara curta. Ao menos, ela o faria guardar essa lição para o resto de sua longa existência... –Não gosto quando você banca o insensível! Mesmo que eu estivesse exagerando, sei que não estaria errada. –ela baixou os olhos, tristonha. –Minhas idéias podem estar meio instáveis, mas meu coração continua no mesmo lugar! –ela saiu da pose antiga e fitou-o bem nos olhos. –Não quero que me trate como uma qualquer. Eu ainda sou a mesma pessoa, Doutor. Nunca mudei por causa de TPM e jamais irei mudar, porque toda vez que o ciclo acaba, eu volto ao normal. Portanto, não há necessidade de tentar me redescobrir, nem ter medo das idéias que eu possa ter, okay? –ela disse, meio ríspida.

O Doutor entendeu o recado. Sabia que no fundo, ela estava certa, mas não podia dar o braço a torcer completamente, senão ela acabaria convencendo-o a levar todos aqueles dinossauros e outros mais para bordo da TARDIS e, bem, ele já sabia como iria acabar. Teria que punir alguém por ter colocado a idéia em prática, e com certeza, não seriam nem Luisa nem os dinossauros que ficariam de castigo. Prevendo que teria de ficar mais uma semana sem sorvetes de baunilha com nozes, o Doutor hesitou.

—Lamento, Luisa, mas isso seria demais. –ele disse, cortando totalmente a pontinha de esperança que a garota esperava utilizar á seu favor. -Não podemos nos arriscar tanto. Ainda nem conseguimos chegar á colônia de Terra Nova e avisar á todos sobre o perigo que estão correndo! E se de repente, Theia começar... -uma borboleta passou voando por eles e pousou na cabeça do Senhor do Tempo, enquanto ele tagarelava. Luisa não pôde segurar o riso.

—Tem uma borboleta-saura em você –ela riu descontroladamente. O amigo afastou-a com a mão e ajeitou o topete, magoado.

—Estou sem gel. O recipiente ficou na TARDIS. Se meu penteado estragar antes de nós voltarmos á bordo, eu estarei perdido...

Luisa lançou um olhar cúmplice á Shipton, o Arstanossauro, ás costas do Doutor. Captando a intenção, o dinossauro imediatamente pisou em uma imensa poça de lama, que ricocheteou na direção do rapaz e o fez virar uma poça de lama ambulante. Luisa recebeu alguns respingos, mas ainda estava francamente mais reconhecível que o Doutor. A borboleta-saura pousou no ombro da menina, que caiu na gargalhada.

—Você está imundo! –ela riu, cobrindo os lábios com as mãos, impressionada com o que uma pisada de dinossauro podia fazer.

O Doutor estava com ar de náuseas. Limpou o pouco de lama que conseguiu, das roupas, mas ainda havia muito mais pela frente. Seu penteado legal já era. Sem mais nada a perder, o rapaz olhou diretamente para a amiga, atentado.

—Eu levei um banho de lama. Seja gentil em me consolar, dando-me um abraço bem caloroso... –e caminhou na direção dela com os braços erguidos. Luisa arregalou os olhos, aflita.

Que é isso... Sai pra lá!—Luisa deu as costas ao amigo e desatou a correr. E os dois riram, fugindo um do outro. Ás vezes, encontravam uma árvore no caminho, e corriam ao redor dela, gargalhando. Os dinossauros os observaram atentamente. Pareciam gostar da brincadeira.

Entrementes, a borboleta-saura assistia tudo de camarote. Bem, quase isso. Ela fincara as garrinhas na blusa da menina e era deslocada junto de seu corpo, de modo que, sem querer, também estava participando da brincadeira.

Houve um momento em que os dois correram ao redor de uma árvore e o Doutor resolveu parar e esperar Luisa contornar o tronco, já que ela o faria sem pestanejar e eles acabariam se encontrando de qualquer forma. Ela o fez e acabou trombando com ele. Tarde demais para escapar. O rapaz a abraçou e a deixou também toda enlameada. Não fizera por maldade. Na verdade, eles já haviam até se esquecido da pequena intriga de outrora. A relação dos dois era assim. Às vezes se desentendiam, mas no final, sua amizade sempre falava mais alto. A boboleta-saura levantou vôo, antes que a gosma lamacenta entrasse em contato com o ombro da menina, e acabou se salvando. Infelizmente perdera seu assento gratuito e o passeio estonteante acabara. Uma pena. A bolinha de pelos estava gostando tanto...

—Você é impossível! –Luisa separou-se dele, rindo. –Olha só que meleca eu fiquei! Agora ninguém mais vai nos reconhecer...

—Bem, ao menos agora estamos camuflados de acordo. –ele assentiu, vendo as coisas por outro lado. Ele sempre fazia isso. Era divertido sair com o Doutor. –Olha o que temos aqui... Um Anurognathus. –o Doutor checou a Tecnopédia, espantosamente intacta depois desse ultimo rebuliço, referindo-se á borboleta, que na verdade tinha cara de morceguinho. –Aqui diz que ele é um pequeno pterossauro do Jurássico, nativo da Europa, mede 9 cm de comprimento e 50 cm de envergadura. É considerado primo dos dinossauros, por ser um mero insetívoro, mas isso já é o bastante para catalogá-lo como carnívoro. Porém, apenas desta vez, essa informação não é muito preocupante, não é Anurognathus?

Luisa fez uma careta.

—Eu prefiro “borboleta-saura”. –e acariciou o animalsinho, que pousou em seu dedo. Para um pterossauro insetívoro do Jurássico, até que ele era bem fofinho.—E como ele se chama?

O Doutor inclinou-se para perto do bichinho, com a mão perto do ouvido. Ele ainda não tinha dito seu nome.

Smilg.—o Doutor traduziu. –Acho que foi isso que ele disse. –deu de ombros. -É... Até que combina com ele. Não é mesmo, Smilg? –e acariciou o animalsinho também. Se os dois continuassem mimando o pterossauro dessa forma, era bem possível que ele grudaria em ambos feito chiclete. Fazer o quê? O Doutor adorava ter admiradores por perto.

Ainda um último dinossauro de pequeno porte apareceu. A Tecnopedia rapidamente os informou que sua espécie se chamava Minmi. Era um herbívoro australiano do Cretáceo, que se alimentava de folhas rasteiras. Lembrava um tipo de réptil quadrúpede encouraçado, com a superfície das costas rochosa feito uma pedra, e alguns pequenos espinhos espalhados desde as costas até o fim da calda. Deveria ser uma boa defesa contra carnívoros.

—Legal. Agora são cinco dinossauros ao todo!—o Doutor comemorou, animado. Parecia um colecionador de álbum de figurinha, vibrando cada vez que encontrava um adesivo diferente, na esperança de preenchê-lo e completá-lo.

—Eu falei que você ia entrar no clima! –Luisa sorriu, satisfeita.

—Eu sei! É um máximo! Escute essa: ele disse que se chama Kiui. –o Doutor disse, de repente.

—O quê? –Luisa franziu a testa, achando graça. –Kiui? Sério isso?

—É. Aparentemente ele é o mais descolado da turma... –comentou o Doutor. Mas o Senhor do Tempo teve de erguer os braços para se explicar aos demais, que soltaram um guinchado de protesto e lamento. –Sem ressentimentos, pessoal... Sem ressentimentos! Eu só estou avaliando a sonoridade do nome do nosso novo colega. Vocês todos tem nomes bem legais... A propósito, nós dois também temos nomes, sabe? Esta garota ao meu lado se chama Luisa. Eu por exemplo, me chamo Doutor. Não sei porquê, mas todos me chamam assim e eu gosto de ser chamado assim... –ele agachou e começou a acariciar todos os dinossauros á seu alcance. De repente ele parecia estar se realizando um bocado. Nem parecia mais aquele rapaz sério que disse inicialmente “não quero dinossauros na minha TARDIS. Nem mesmo paquidermes!” – Ah! Que barato... Vocês são engraçados de tocar. Dá uma sensação estranha nos dedos... Enfim. Quem está com fome?

Foi um grunhido unânime que até mesmo Luisa conseguiu compreender. O Doutor se afastou deixando-os comerem em paz as folhas das árvores, canteiros e insetos. Ao aproximar-se de Luisa, cruzou os braços observando todos os dinossauros. Até mesmo Smilg. Por um momento, fitou-os com deleite e inspiração, como faria um pintor ao acabar de concluir sua obra prima. Luisa teve até pena de quebrar aquele clima. Mas infelizmente, era preciso.

—Doutor... –Luisa ponderou, puxando-o para o lado. –O que vamos fazer agora? Não podemos deixá-los aqui...

—Eu já disse da primeira vez... –e parou, sem concluir sua fala. Luisa rapidamente notou sua mudança de atitude e posição quanto à causa. Sem querer, acabou cedendo sozinho. Nem sequer precisou de Luisa para convencê-lo. Ele foi sua própria ruína. Agora que já tivera um gostinho de fazer amizade com aqueles pobres coitados, nem conseguiria imaginar como seria deixá-los para trás para morrerem na colisão entre os dois planetas. Que diabos faria agora?

—Ah... –suspirou, vencido. –Tudo bem... Vamos salvar os dinossauros.

 

*    *    *

O rover trepidava instável entre uma curva e outra. Já escurecera há horas e eles não conseguiam enxergar direito o caminho a percorrer. O plano de voltar à colônia para passar a noite e retomar as buscas pela manhã, perdeu completamente o sentido quando eles se viram avançando com o rover pela trilha errada. Há essa hora, poderiam estar perdidos pra valer na floresta, porém, não estavam. Tudo porque a Tecnopédia de Wash mostrava que, embora estivessem distantes da rota da Colônia, aproximavam-se de outra área muito conhecida por eles: a localização da fenda temporal. O lugar por onde as peregrinações atravessaram de 2149, para um novo começo em Terra Nova. O portal entre épocas.

—Já que estamos por aqui, vamos dar uma passada no portal –decidiu Taylor. –Não é algo que possamos chamar de “inspeção rotineira”, mas é melhor do que continuarmos vagando sem rumo.

E assim mantiveram a rota... até que as primeiras suspeitas de que algo ali estava errado, começaram a surgir pouco a pouco.

—Cadê os soldados? –perguntou Jim, intrigado. –Costuma ter soldados montando guarda nas proximidades do portal...

—Sumiram. Todos eles. E não é a primeira vez que gente inocente da colônia desaparece em missões fora dos portões de Terra Nova. –disse Wash. –Parece até brincadeira.

—Isso já está se tornando quase um hábito infeliz. –concordou Taylor. –Não gostos de maus hábitos.

—Aposto que é coisa da Mira. –condenou Jim. –Os Sextos sempre nos surpreendendo...

—Talvez seja. Talvez não seja. Enfim... Uma coisa eu tenho certeza. Iremos descobrir muito em breve –Taylor riu, mordiscando a língua. –Porque o filho da mãe que desabilitou meus soldados não pode ter sumido sem deixar rastros. E, posso lhes garantir que ele não irá ter uma noite muito tranqüila... Especialmente agora que eu acabei de chegar.

O rover desacelerou e estacionou na terra úmida, parando precocemente, pouco antes da última curva que levaria à clareira do portal. Quase que de modo ensaiado, o comandante Taylor e Jim saíram do veículo, batendo cada um a sua porta e deram alguns passos adiante, ligando as lanternas. Entretanto, poucos segundos depois, Taylor quebrou o sincronismo quando voltou-se para o rover novamente e dirigiu-se ás duas moças que preparavam-se para deixar o carro.  

—Vocês duas, fiquem aqui. –instruiu Taylor. Milhares de linhas de expressão formaram-se na testa de Wash.

—Mas senhor... Eu sempre...

—Hoje não, Wash. Deixe que Jim e eu cuidemos disso, está bem?

A mulher empalideceu mais que um papel.

—Mas...

—Não vai demorar. Faremos uma verificação rápida no portal e logo estaremos de volta. –garantiu Jim, refazendo também o caminho. A tenente Washington olhou estupefata de um para o outro.

—Taylor, com todo respeito, sou muito boa com armas e precauções... –ela começou, ofendida. –Aparentemente nossos homens sumiram e eu acredito que posso ser necessária...  

Wash, relaxe. –disse Taylor, com ar de riso. –Não estamos dizendo que não precisaremos de sua ajuda. Apenas fique por perto. Se Jim e eu precisarmos de reforços... Nós gritamos. Está bem assim?

—Mas senhor... Eu não posso! –ela protestou. –É meu trabalho!

—Não Wash. –insistiu Taylor, sério. A mulher emudeceu. Taylor suspirou. –Não desta vez. Lamento. Mas, se me permitir terminar, eu não a deixarei á toa. Você irá ficar aqui e cuidará da segurança de Melissa. Já perdemos gente demais por um dia... –e lançou um olhar superficial á Melissa que desviou os olhos. De repente, ela se tornara ‘uma criancinha assustada’ que precisava de super-proteção e vigilância constante. Pensar que era assim que Taylor a enxergava não ajudou a melhorar seu humor. Mas, de qualquer forma, ela não pretendia mesmo se aventurar pela selva depois que escurecera.

Vendo que não ganharia essa briga, Wash cedeu.

—Tudo bem então. De acordo. –deu um meio sorriso forçado, passando o braço ao redor do pescoço de Melissa. De certo modo, as duas estavam meio descontentes. –Eu e Melissa ficaremos fofocando sobre moda, rapazes e outras coisas mais interessantes que checar a segurança de um portal estúpido... –o comandante levantou uma sobrancelha ao ouvir a ultima parte. -O que estão esperando? Vão logo vocês dois! –ela agitou a mão para que Jim e Taylor se afastassem.

—Está bem. Divirtam-se! –Taylor fez um aceno de cabeça e virou-se para continuar a trilha, ao lado de Jim. –Nos vemos depois.

Wash e Melissa esperaram que os dois desaparecessem por entre o mato alto e então se entreolharam.

—Eu disse mesmo que falaríamos sobre ‘moda e rapazes’? –Wash fez uma careta. –Estou ficando com medo de mim mesma. Desculpe amiga, mas sou do tipo durona. Meiguices femininas não são bem minha praia... –ela ajeitou a jaqueta de couro e observou a reação de Melissa.

Nem a minha!—Melissa soprou um fio de cabelo da frente dos olhos e amarrou o restante das mechas aloiradas em um coque improvisado com um gravetinho. Não sabia como, mas fazer isso a fez se sentir outra vez mais liberta. –Eu nunca falo dessas coisas. Fazem a gente parecer cópias... Como se toda mulher se resumisse á ser exageradamente feminina. –tinha um sorriso espoleta na face.

Wash deu um sorriso torto para a garota. Afinal, ela não era tão indefesa quanto parecia.

—Acho que eu e você vamos nos entender muito bem –disse, remexendo o interior dos bolsos e no cinturão que portava uma pistola. Sem dizer nada, Wash sacou-a com a mão direita e estendeu a outra mão, fechada ao redor de um cano de metal, para a garota. –Aqui, tome isto.

E entregou uma pistola reserva para Melissa.

—Nós vamos seguí-los? –perguntou a loira, cheia de adrenalina.

Wash ergueu as duas sobrancelhas, atando as mãos.

Prefere passar a noite fofocando?

Nem morta! Me dê isto aqui –Melissa apanhou a pistola com prazer e fez algumas miras só por diversão, sem atirar nos alvos.

—Gostei disso. Gosto de pessoas com atitude. –incitou Wash, aprovando a decisão de Melissa.

—E eu gosto de chutar traseiros –Melissa fez cara de menina má. Pouco depois, apontou na direção da mata. –Vem cá, tem outra forma de chegarmos ao portal, que não seja por esse caminho?

—Eu conheço uma estrada alternativa por além daquelas pedras... Nos fará chegar á clareira sem que Jim e o Comandante percebam.

É disso que eu to falando!—topou Melissa, animada. -Vamos á luta!

 

Taylor e Jim caminharam um curto percurso, armados, até alcançarem o portal. Finalmente, quando chegaram na clareira aberta e vislumbraram o grande aro de metal –no momento desativado, que chamava indevida atenção por entre o ambiente natural do início dos tempos –eis que eles também deram de cara com uma sombra, movendo-se próxima da base do maquinário. Taylor semi-serrou os olhos em duas fendas. Só poderia se tratar de uma pessoa.

—Lucas! –o comandante Taylor avançou com a arma em punho, junto de Jim. Próximo ao portal, estava Lucas Taylor, Seu filho, analisando uma peça. –Afaste-se do portal! –gritou o comandante.

O rapaz os observou, sem aparentar surpresa, como se soubesse que mais cedo ou mais tarde, este reencontro aconteceria de qualquer forma.

—Eu iria com calma com as armas, se fosse vocês. –Lucas disse, com desdém.

Taylor não pensou em baixar a guarda nem por um instante.

—Eu vou dizer mais uma vez: Afaste-se do portal ou atiro em você. –repetiu, secamente.

Lucas o ignorou, dirigindo-se ao portal, determinado.

—Não. Não vai atirar. –ele estendeu a mão para o elo do portal e a fenda se ativou, ondulando em uma freqüência baixa e azulada. –Um tiro dessas armas pode acabar com a fenda e nos separaria do futuro para sempre. E você não quer isso, ou quer? –ele fez uma pausa, ao que Taylor e Jim franziram as testas. –Você não imagina como estou feliz de estar aqui. -Lucas sorri, zombando do pai. –Todas as noites que passei na floresta... Congelando. Faminto. A única coisa que me manteve vivo foi o pensamento de que estaria aqui para ver isso.

Taylor encarou Lucas, com tristeza.

—Meu filho...

Não! Não me chame de filho!—Lucas gritou, de modo que seu rosto revelou-se alucinado.

Mas o comandante Taylor não se deu por vencido. Precisava fazer um último esforço. Precisava fazê-lo ouvir.

—Escuta filho... –disse, calmo, baixando um pouco a arma. -Há pessoas boas aqui. Pessoas inocentes. Pense o que vai acontecer com Terra Nova se continuar com isso.

—Ah, eu sei o que vai acontecer... –Lucas prosseguiu, com a mesma calma na voz, que o pai. -Eles vão vir e vão tirar você do trono e farão você assistir enquanto sugam este lugar com tudo o que tem de valor.

Taylor crispou o nariz.

Só sobre o meu cadáver!

—Ah! Esse é o espírito! –Lucas disse, em um tom irônico. –Continue lutando por um sonho. Uma Utopia. Por tudo que é certo e verdadeiro... Abra os olhos seu velho! Acabou. –eles se encaram. Lucas prosseguiu: –Eu superei você. Eu venci! Logo você vai estar de joelhos, implorando por misericórdia, e da próxima vez não estarei sozinho!—Lucas segurou a caixa que guardava seus cálculos, contra o peito, e caminhou de costas em direção ao portal. Taylor apontou a arma para seu filho.

LUCAS! —mas o rapaz foi mais rápido e atravessou o portal, de volta á 2149. Taylor e Jim correram ao encontro do aro de metal e ficam em silêncio, observando-o sem reação. Sem dúvida, Lucas havia descoberto os cálculos que faltavam para manter o portal funcionando para os dois sentidos. Ele voltaria para Terra Nova em breve, mas retornaria com pessoas que só se importam com o dinheiro e com quantos milhões poderiam conseguir explorando todos os recursos daquele lugar. Desse jeito, a Terra seria extinta antes da hora. Agora não havia mais como voltar atrás. Lucas comprometera o futuro da raça humana. Era o fim de Terra Nova.

—O que aconteceu? –Wash e Melissa surgiram segundos depois, com as armas em punhos. –Nó ouvimos gritos!

Taylor se moveu devagar na direção das duas, com uma carranca inconsolável. Mas não disse nada. Foi Jim quem deu as explicações.

—Taylor ativou o portal. Ele conseguiu voltar á 2149. Chegamos tarde. –disse, em um tom fúnebre. Ambos se entreolharam, sem saber o que viria a seguir. Mas não houve nada logo de imediato. Na verdade, não houve nada durante muito tempo. O silêncio se estendeu por vários meses e eles ficaram esperando, incansavelmente, por um retorno, um sinal de que a operação de Lucas se iniciara. Mas tiveram que esperar muito mais do que as expectativas previam... Até que, em um determinado dia, veio à guerra.

 

*    *    *

Luisa estava sentindo contrações. Não era uma sensação tão emocionante quanto imaginara ser. Na verdade, era bem desconfortável. E John não estava ajudando muito com sua crise de pânico.

—Meu Deus! O que faremos? Querida! Você sente as pernas? Consegue andar até o sofá? Hein? Consegue me ouvir? Consegue falar? Amor? ME DÊ UM SINAL DE VIDA!

—Marido, cale a boca! —ela mandou, respirando em soquinhos. –Estou tendo um filho, não indo á óbito. Por favor, controle-se homem!

John sentiu-se ofendido, mas achou melhor deixar para discutirem sobre isso em uma outra hora. Fez uma nota mental sobre isso. Afinal, já vira em filmes como as mulheres podiam ficar intragáveis na hora do parto. Em destaque, as que teriam o bebê em casa, por parto normal. Apesar de tudo, o rapaz continuava atônito com o comportamento da esposa... Luisa chegou a ser capaz de interromper sua linha de pensamentos com um grito tão estridente que John acabou gritando junto, pego de surpresa. Por fim, conseguiu levá-la até o sofá e fazê-la se sentar. Estava mais branco que papel e suava frio, mas contentou-se em pensar que era por uma boa causa... Que á qualquer instante, estaria segurando o neném em seus braços, e que logo seria promovido a ‘papai’. Foi em meio á uma confusão de gemidos, resmungos e chutes (sim, chutes), que Luisa olhou intensamente para ele e disse:

—Aqui não vai dar. Esqueça o sofá, John! Preciso ter o bebê em outro lugar... Talvez no ateliê.

Não! Meu amor... O ateliê ainda não está pronto!—ele negou, desesperado. –Você não vai querer entrar lá agora... Eu ainda nem coloquei o piso!

Luisa arfou, com muita dificuldade.

—Olha... eu estou me sentindo meio enjoada... Se prefere que eu futuramente coloque o lanche da tarde pra fora, então continue me deixando deitada aqui.

John parou para refletir.

—Bom, já que colocou desta forma...

—Me ajude aqui querido! –ela ergueu os braços e John ajudou-a a se levantar. E lá foi ele de novo, em sua jornada interminável, rumo ao próximo aposento, torcendo para que desta vez ela finalmente se decidisse. Aquilo não era brincadeira. John estava nesse chove-não-molha com a esposa há quase vinte minutos e já estava começando a se sentir quase tão exausto quanto a parceira. Isso que era uma verdadeira demonstração de afeto. Os dois se amavam verdadeiramente, e faziam questão de passar por tudo juntos. Mesmo que ter um filho na biblioteca ou na sala de jantar, tecnicamente, não dependesse muito da opinião do marido.

—Não acha melhor nós chamarmos alguém? A casa do senhor Walton está toda acesa... –opinou John, todo atrapalhado, ajudando a esposa a atravessar o corredor que unia a sala de jantar com o hall de entrada. –Aposto que ele estará disposto a nos ajudar...

—E o que o nosso vizinho de oitenta e cinco anos poderia fazer por mim? –Luisa questionou, impaciente.

John fez uma pausa, retorcendo o rosto em um novo semblante confuso.

Eu não sei! Aquecer umas toalhas, fazer chá com bolinhos... Qualquer coisa!

Que tal mandá-lo polir suas próprias muletas?—Luisa ralhou, sarcástica. –Seria melhor do que fazê-lo engolir os próprios dentes, eu presumo... Já que ele não tem mais nenhum que seja da arcada original!

John fitou-a impressionado.

—Como é que você consegue pensar em frases cômicas em uma hora dessas? Estamos tendo um bebê!

—Não, meu amor. Acho que só você é que está tendo... –ela ironizou, novamente. –Eu estou me sentindo ótima esta noite... De verdade. Feliz da vida... Nunca me senti melhor.

—Está vendo? É disso que eu estou falando! –ele assinalou, rabugento. Então percebeu para onde estavam indo: estavam parados de frente para a escadaria que levava ao primeiro andar do sobrado, onde ficavam os quartos. Olhou de volta para a esposa. Ela estava com um olhar persistente no hall da escada. John apreçou-se em lhe fazer mudar de idéia.

Ah, não. Não! Nada disso. Não mesmo. Eu me nego a subir essas escadas com você no colo!

A esposa revirou os olhos.

—Ah, John! Por favor! Eu sempre sonhei em ter nosso filho lá em cima... Seria perfeito! –e lançou seus olhos sonhadores.

Ele bufou, esfregando o rosto.

—Mas não será assim tão ‘perfeito’ quando você tingir a cama de vermelho-sangue, não acha?

A mulher cruzou os braços.

—E quem disse que quero pintar a cama? Na minha opinião, ela está ótima do jeito que está.

John imaginou que ela não detectara o ar de ironia em sua frase. Fez outra nota mental para lembrar de que precisaria treinar melhor essa coisa de ‘ser irônico nas horas certas’, porque até agora não parecia ter se saído lá muito bem com a tarefa. O humor da esposa também não estava lá essas coisas, então ele suspirou e, novamente, achou melhor deixar mais essa passar despercebida. Quando voltou a si, percebeu a mulher fitando-o com os olhos brilhantes. Os braços já dançavam manhosos ao redor de seu pescoço, envolvendo-o inesperadamente. Um beicinho muito cara de pau formando-se em sua face. Foi quando ela tomou as rédeas de tudo. John suspirou. Fazia muito isso ultimamente. Talvez fosse um jeito de se recompor e dizer para si mesmo: “Tá legal. Ela venceu de novo. Na próxima eu terei mais sorte”.

Quando deu por si, lá estava ele erguendo a esposa escada á cima, em uma cadeira de rodas (que alugara no último mês para o caso de emergências de gravidez). Anteriormente, olhara para a cadeira por um tempo, depois para a esposa grávida, com os olhos cravados no andar de cima, e pensou: “parece uma emergência pra mim”, então apanhou a cadeira, fez a esposa se sentar e mostrou para quê serviram os exercícios de musculação da última semana!

Para nada, pelo visto. John estava tão desengonçado na tarefa quanto um filhote de patinho aprendendo a voar.

—Daqui trinta anos, nós dois riremos muito disso tudo... –Luisa comentou, enquanto o marido a suspendia degrau por degrau, fazendo uma força absurda, da qual ela nem se dera conta (para a sorte de John, já que Luisa estava voltada para o outro lado da escada e não o veria ofegar como um magrelo sedentário). Algum tempo depois, chegaram no andar de cima com êxito. Mas para uns do que para outros...

—Não sei bem quanto á risadas, mas tenho a vaga impressão de que minhas costas lembrarão deste dia para sempre... —ele massageou a coluna por cima da roupa, fazendo uma carinha dolorida. Luisa deu-lhe um tapinha brincalhão no braço e ele sorriu. Mas o momento ‘descontração’ acabou de vez quando ela se dobrou na cadeira, segurando a barriga, grunhindo baixinho. –Meu amor... Está tudo bem? –John ajoelhou-se no chão, de frente para ela, para que pudessem se olhar olho no olho. Ela sorriu um pouquinho ao travar contato com as íris celestiais dele e assentiu de leve, em resposta á sua pergunta.

—A dor está se tornando mais aguda não é? –ele continuou. Ela assentiu mais uma vez, respirando em descompasso. O rapaz então segurou suas mãos e beijou-as, demonstrando que ficaria do seu lado para ajudá-la a enfrentar qualquer que fosse o desafio que viria pela frente. –Querida... Do que você precisa? Hum? Me conte. Peça qualquer coisa... Qualquer coisa mesmo! Se disser que mudou de idéia e prefere voltar ao andar de baixo... –ele fez uma pequena pausa, averiguando a possível situação. -Eu vou ficar meio bravo e talvez um pouco aborrecido ... Mas mesmo assim eu juro que a levo de volta! –articulou, sagaz, demonstrando boa vontade. –Pense bem nisso... Nós ainda podemos chegar ao hospital, se você preferir ter nosso filho lá –ele segurou delicadamente um dos lados de seu rosto, quando ela ameaçou chorar. –Ei... Meu amor... O que foi? Do que você precisa?

Hospital não. Não o hospital... Por favor John!—ela segurou forte a mão livre dele. –Meu bebê não pode nascer em um hospital... Pensei que já tivéssemos conversado sobre isso.

—Eu sei. Eu sei. Me desculpa... –ele acalmou-a com um beijo na testa. –Me perdoe, anjo. Eu falei sem pensar.

Passaram-se alguns segundos, em que os dois apenas se olharam e ela tentou manter a respiração regular, massageando incessantemente a barriga.

Está na hora.—a garota disse, olhando vagamente para o relógio mais próximo, que estava na parede. O mostrador marcava oito horas. John não entendeu a inclusão do relógio na história. Acabou por conferir seu próprio relógio de pulso...

—Ah! Está dois minutos adiantado... –disse indiferentemente. –Uma coisinha á toa.

Não, idiota! Estou falando do meu relógio! —Luisa ergueu a blusa bastante larga, que revelou a ‘tatuagem’ natural, no formato de um relógio de bolso, que aparecia em toda Senhora do Tempo grávida. No inicio da gravidez, a imagem do mostrador marcara uma hora. Passaram-se onze semanas desde então. Agora, o mostrador afirmava que faltavam apenas dez minutos para as doze. A última semana se iniciaria a qualquer instante... Doze era o prazo final. O momento final... A hora do nascimento.

John fitou o relógio na barriga da garota por alguns instantes, depois fitou o relógio da parede mais uma vez. Estava com quatro horas de atraso, comparado ao dela. Mas também não comentou isso com a esposa. Preferiu abrir espaço para futuras constatações mais inteligentes. John ainda processava tudo com certa dificuldade. Seu cérebro estava em modo automático já fazia bastante tempo, (particularmente, desde que ele fora bombardeado por uma Luisa saltitante, na sala de estar, enquanto terminava de ler um de seus volumes favoritos, e deixara cair os óculos de leitura ao ouvir a esposa dizendo alegremente “O bebê está vindo! Não é maravilhoso?” e, portanto, entrara em pânico) desde então, sua cabeça fazia associações bobas entre coisas sem conexão específica e parecia ficar feliz com isso. Mas a pane momentânea de sua massa cinzenta já estava começando a preocupá-lo, pois John não conseguia formular frases precisas e inteligentes ao nível da esposa, para conseguir acalmá-la. Normalmente, isso não era um problema, mas foi só ouvir a frase parto na sala de estar, que seu cérebro pareceu congelar. De repente, ter o bebê em casa não pareceu ser mais uma idéia tão genial assim. Além do mais, se sua esposa estivesse com o juízo perfeito, ela iria querer uma enfermeira e não seu marido inexperiente por perto, em uma hora como essa. Foi aí que se pegou pensando em como era engraçado o fato do medo ser capaz de imobilizar partes curiosas do nosso corpo em horas importunas...

—JOHN! –despertou do devaneio com Luisa gritando seu nome. Não porque a bolsa rompera, (GRAÇAS Á DEUS!) mas sim, porque aparentemente ele não escutara alguma coisa que ela dissera anteriormente. –Você está me ouvindo? Eu disse que precisamos ir para o quarto agora! Já! Imediatamente!

—Tudo bem! Tudo bem... Não se exalte! Apenas... Respire fundo. –ele incitou, empurrando-a na cadeira de rodas até as portas do quarto do casal.

Ao entrarem lá, John encontrou um espaço cheio de tapetes macios e almofadas fofinhas amontoadas, próximas á janela do observatório celeste, onde ficava armado o telescópio. Tudo parecia ter sido preparado adiantadamente pela esposa, o que era estranho, já que ele não reparara nisso quando levantou para tomar café, hoje cedo.

—Querida... Você fez isso tudo?

—Está aí desde o inicio da tarde –ela suspirou, meio cansada. –Eu acordei me sentindo diferente hoje... Era como se eu soubesse que não passaria desta noite.

Meu amor... –ele a pegou no colo, tirou-a da cadeira com cuidado e beijou-a com fervor. De repente, todo o medo pareceu se decepar. Eles estavam juntos e enfrentariam aquilo juntos. John se agarrou á esse pensamento com todas as forças e então... Aconteceu.

—Eu consigo vê-la... –Luisa disse, com os olhos fechados, após o beijo acabar. –Ela é linda.

—O que você consegue ver? –John perguntou respirando aceleradamente.

Os olhos da esposa brilharam como nunca quando voltaram a se abrir.

—Eu acabei de travar um elo psíquico com nossa filha... –ela mordeu o lábio, emocionada. -A bebê já vai chegar.

Nossa filha!—John juntou as mãos na frente do rosto, com os olhos úmidos. –É uma menina?

—É sim –Luisa assentiu e o rapaz não escondeu a emoção. –Mas primeiro eu preciso me concentrar... Me ajude a sentar nessas almofadas, sim?

—É claro, amor. –ele se prontificou. Ela sentou-se de pernas de índio e ele parou a sua frente, com os braços estendidos. –Ta legal, paixão... Manda bala!

Docinho... O que está fazendo? –a garota perguntou, erguendo uma das sobrancelhas com ar de graça.

—Ora, alguém precisa tirar o bebê, não é? –ele fez uma cara um pouco assustada, ao constatar o que realmente estaria preste a fazer. Luisa soltou uma gargalhada gostosa. -Eu disse alguma coisa errada?—ele se interceptou. Então algo o incomodou ao fitar a esposa novamente. Meio que... Não parecia certo. –Você ainda está usando calças... Como é que eu vou puxar essa criança se não puder ver...—ele corou, embaraçado. Luisa fechou as pernas com um baque.

Não é por aí! —ela deu um tapinha nas mãos dele. –Quantas vezes vou ter que repetir que não sou humana? Sou. Uma. Senhora. Do. Tempo. Os filhos de Gallifrey não nascem da mesma forma que os filhos da Terra. –ela explicou. -O primeiro passo é criar um elo psíquico que conecte você com a criança pronta para nascer. Depois nós devemos nos sentar no lugar mais caloroso e aconchegante da casa, pois este passará a representar a formação de nossa família. O passo seguinte é ‘fechar bem as perninhas’ e se concentrar para trazer nossa filha ao nosso plano existencial. Eu já estou nessa fase. Falta pouco depois disso.

—E o que eu posso fazer para ajudar? –John perguntou, ainda de mãos atadas. –Quero ajudar você—ele queria ser útil e fez uma carinha de criança fofa que Luisa não foi capaz de resistir. Tamborilou as pontas dos dedos sob o carpete, chamando-o para se sentar ao seu lado, de frente para a janela do observatório e contemplar a linda noite estrelada que os abençoava. Ele o fez, cobrindo-a primeiro com um lençol leve, e depois, entrelaçando os braços ao redor dela. Juntos, ambos apreciaram as estrelas cintilando no céu, o negrume da noite e o silêncio inigualável, que mostrou-se tão doce e suave como jamais houvera sido, tornando o momento memorável para sempre. –É lindo... –sussurrou John, sorrindo largamente. –Eu sinto como se a Terra tivesse prendido a respiração e parado de girar instantaneamente para não perder este momento. As estrelas estão nos olhando, meu amor... E estão sorrindo. –então ele ouviu um chorinho mínimo e olhou para baixo. A barriga de grávida de Luisa desaparecera. O relógio também. Não sobrara nem um pequeno indício de que um dia tivera estado lá... Mas havia outra coisa agora. Bem pequena e corada, envolta pelos braços protetores da esposa. Algo frágil e doce, que se mexia sem coordenação, ainda de olhos e punhos fechados, mas com os bracinhos erguidos na direção do céu acima deles. O rapaz fungou. Sua filha nascera. John olhou emocionado para a esposa. Ela estivera todo aquele tempo de olhos fechados, concentrada em trazer a garotinha ao mundo. E conseguira. Luisa abriu os olhos naquele exato instante e sorriu para o marido e para a neném. Cada um chorando mais que o outro. Todos igualmente felizes e em paz. John estava certo: a Terra realmente havia parado para prestigiar aquele momento.

Ela é linda... –John soluçou. Os olhos brilhando. Estendendo o dedo indicador para que a menina pudesse segurá-lo. –Parabéns, mamãe.

—Parabéns, papai. –e se beijaram intensamente. –Excelente trabalho de equipe...

—Fizemos tudo direitinho? –ele perguntou em um sussurro, ainda um pouco emotivo após separarem os rostos. Ao que percebera, não houvera sangue, nem gemidos ecoando por todo o aposento. Era, sem dúvida, uma forma completamente nova e extremamente prática de se dar à luz. Se essa moda pega...  

—Eu consegui me concentrar e trazê-la até nós –Luisa disse com a voz pastosa. –E voilà! Está feito.

—Vem cá... –ele debruçou-se sobre a bebê e lhe deu um beijo na testa. –Prontinho.

—Quer pegá-la? –Luisa estendeu a menininha, envolta no lençol. Imediatamente, ele abriu um imenso sorriso.

—Eu posso?

—Você é o pai. O que você acha?—ela riu. Às vezes a ingenuidade dele rendia muitos momentos fofos.

—Dá ela aqui... –ele a apanhou com cuidado e os dois a contemplaram por um segundo em silêncio. Foi então que uma dúvida de ultima hora ocorreu a John. –Sei que deve parecer meio cruel fazer essa pergunta, mas ela não deveria chorar... Ou sei lá o quê? Tipo... Para que nós fiquemos enlouquecidos, mas ao mesmo tempo, despreocupados por termos certeza de que ela está saudável e bem?

Luisa deu de ombros.

—Eu não entendi. O que está sugerindo?

—Bem... Eu já vi nos filmes. Eu acho. Bem... –ele gaguejou. –Toda vez que nasce um bebê em um hospital, eles dão uma palmadinha no traseiro da criança, para fazê-la chorar... Sabe?

Luisa fitou-o horrorizada.

E por que fariam uma coisa dessas?—a Senhora do Tempo não conseguia assimilar aquelas maluquices dos humanos. –Por que iríamos querer que nossa filha chore? Nós a amamos!

Sim! É claro que amamos! Mas os médicos apenas o fazem para que a criança sinta o ar preencher seus pulmões pela primeira vez, e também, para demonstrar a todo mundo que, se tem força para chorar, então tem muita força nos pulmões, o que significa que ela é saudável, o que indica que, aparentemente, está tudo bem com o recém nascido.—ele deu de ombros. Após ouvir toda essa explicação, Luisa fitou-o como se ele tivesse devorado um dicionário no café da manhã, ao invés de panquecas. –O que você acha? Já que não poderemos consultar médicos terráqueos por medo de futuros experimentos e dissecações... Então acho que teremos que nos virar.

Luisa se manteve cética quanto á história da palmada.

É uma brincadeira, não é? Não está mesmo falando sério... –ela pareceu desconfiar. Mas acabou se convencendo quando ele franziu o cenho para ela, confuso. Aparentemente, aquilo parecia ser uma ação comum por aquelas bandas do universo. –Ah, não! Não senhor! Minha filha não vai levar uma palmada! Mas que diabos ela fez para merecer isso? Não! Eu não concordo com essa idéia absurda! Dar uma palmada... Hã! Que maniazinha mais repugnante esta dos humanos! Não me admira que seus filhos cresçam rebeldes e revoltados... Tudo é espelho da maneira como são recebidos no mundo, ao nascerem. –ela averiguou. –Não queremos que nossa filha desperte para o universo com repudia de nós e do resto do mundo, queremos?

John balançou a cabeça, aflito.

—Ótimo. Porque um Senhor do Tempo não é um humano. E, portanto, nunca se tornará um!—continuou irritadiça, então, suspirou. –Os filhos de Gallifrey lembram de tudo que lhes acontece desde o momento que abrem os olhos... Não podemos permitir que as primeiras lembranças dela sejam traumáticas.  

John coçou a têmpora.

—Então por que ela não abre os olhos? –ele perguntou, inesperadamente. –Ainda é cedo demais ou...

—Todas as crianças do Tempo são despertadas pelo nome que ganham. Não basta um beijo, um toque afetuoso, nem mesmo uma palmada ridiculamente desnecessária!—ela disse com rancor. Então voltou ao tom de voz normal. –Tem de ser um nome forte e extremamente poderoso para despertá-la de vez para a vida.

—Onde encontraremos um nome desse?

—Em nossas almas. No fundo do coração. Não sei direito. Vamos procurar! –Luisa disse. Então os dois ficaram em silêncio pensando. Pensaram durante alguns ansiosos minutos até que a face de John se iluminou:

—Que tal: Melissa.

Perfeito!—Luisa sorriu largo. –Gosto deste nome. Vamos ver se a neném concorda conosco... Se ela despertar, é porque o nome caiu como uma luva.

Luisa apanhou a neném de volta nos colo e os dois a fitaram com tremenda expectativa, pelos instantes que se seguiram.

—Bem vinda ao mundo, Melissa Smith.

A bebê não só abriu os olhos, como também sorriu. E os dois comemoraram alegremente.

Viva! Então será Melissa!—Luisa sorriu para a filha, que teve a primeira visão geral dos pais. –Foi o papai quem escolheu seu nome... Sabia?

—Ah... Querida.—ele estava fora de si de tanta alegria, mas ainda havia algo que parecia intrigá-lo. –Você disse que ela se lembrará de tudo, a partir de agora... –ele ponderou, arrumando a gravata. –Então... Como eu estou? Apresentável, você diria?

Luisa caiu na gargalhada. Ao invés de responder, voltou-se para a filha, em seu colo.

—O que você acha, Mel? O papai é bonitão ou não é?

A menina tornou a sorrir e os dois caíram na risada, juntos. Eles jamais se esqueceriam daquele momento especial. Era o primeiro dentre muitos que viriam pela frente, agora com a paternidade. Suas vidas agora, e para sempre, ganharam um novo sentido –e nunca mais voltariam a ser as mesmas. 

 

*    *    *

Ao mesmo tempo, em outro lugar, Luisa Parkinson despertou, descobrindo-se agora sonolenta, deitada contra o peito do Doutor, e sob as imensas costas de Shipton, o Arstanossauro, que deslocava-os pela floresta. Tudo não passara de um sonho.

Mas, com uma pequena mudança: Pela primeira vez na história, ela se lembrava do rosto de John. Não entendia como poderia tê-lo esquecido das outras vezes. Era simplesmente inigualável. Inconfundível. Era a coisa mais linda que ela já vira...

Tudo bem aí?

Foi então que ouviu a voz do melhor amigo e se remexeu um pouco para fitá-lo. E ficou paralisada com o resultado.

JOHN?

 


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Notas finais do capítulo

Oi! E aqui estamos nós nas notas kkk

Só pra constar: a bolsa da Luisa Senhora do Tempo realmente não estourou quando ela foi ter sua filhinha, por isso não estranhem que ela estava tendo contrações mais fortes sem ter o rompimento da bolsa. Coisas de Senhoras do Tempo. kkkk Não se preocupem que nem o John Smith entende esses bugs.

Estão gostando dessa maluquice? Alguma teoria sobre essa família doida aí? E Terra Nova? Vocês acham que eles conseguem deter Lucas Taylor? Porque a situação está bem feia por sinal... Vocês viram? Rolou até guerra futuramente!
E falando em conflito, será que os pobres dinossauros camaradas vão ter que pagar o preço de terem nascido num planeta condenado?
Ai, ai... tantas dúvidas né? Mas vamos acompanhando pra ver no que isso tudo vai dar! ;)

beijos e até semana que vem!

Obs: talvez eu comece a postar em outro dia que não segunda feira. Estou pensando nessa possibilidade, já que a história é longa e faz mais de um ano que eu venho postando sempre de segunda. Sabe, as vezes é bom mudar um pouco as coisas. Então não estranhem se por acaso o capítulo aparecer de sexta por exemplo. Na próxima semana eu aviso qual dia será o padrão da vez. Até mais!



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