Luisa Parkinson: A Companheira Fantástica escrita por Gizelle PG


Capítulo 47
Visitantes Indesejados


Notas iniciais do capítulo

Hello! :3

Desculpa o atraso, pessoas... Eu estive enrolada esses dias, mas já estou de volta -e com uma aventura novinha pra vocês!

"De volta à realidade, Luisa estava certa de que sua última aventura com deuses e Daleks não passara de um sonho. Porém, após retratar os últimos acontecimentos para seu amigo, o Senhor do Tempo resolve ir mais a fundo nessa história"



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Surpresas á parte, o Doutor e Luisa caminhavam sem rumo pela rua, apenas batendo perna e conversando. Os assuntos também não eram os melhores, mas os dois tinham uma grande coisa em comum: odiavam ficar sem fazer nada. Na maioria das vezes, Melissa também se juntaria a eles, mas ela arrumara coisa melhor para fazer, afinal de contas, qualquer coisa pode parecer melhor do que caminhar sem rumo.

—Você sempre vinha aqui antigamente? –perguntou Luisa, de curiosidade.

—Onde?

—Na rua Bannerman, visitar Sarah Jane. –esclareceu.

—Eu costumava fazer isso. –ele contou, quando ameaçavam subir a rua de novo. –Mas então parei. Não pude continuar.

—E por que não? –Luisa prestava uma atenção imensa nele.

—Bom, as coisas ficaram complicadas lá em casa... –ele ergueu a cabeça, fitando o horizonte. –Eu recebi um chamado urgente dos Senhores do Tempo. Naquela época os humanos não eram permitidos em Gallifray...

—Então você a deixou? –perguntou Luisa primeiramente, mas então, ela percebeu uma brecha muito melhor: -Os Senhores do Tempo ainda eram vivos?

—Se eram! –ele sorriu brevemente, mas o sorriso foi logo se desfazendo com o passar dos passos. –Mas isso já faz muito, muito tempo.

Luisa fitou-o, sentida. Ela sabia como ele se sentia sobre a morte do próprio povo. Infelizmente, não pode se deter em tocar no assunto:

—Os Daleks deviam ser assustadores com todo aquele armamento... –ela franziu um pouco a testa, ao falar. O amigo parou de andar e a encarou de imediato.

—O que sabe sobre os Daleks? –ele também franziu o cenho.

—O que? Só o que você disse! –ela se apreçou. –O que eu viria a saber? Eu nem estava lá quando a Guerra do Tempo aconteceu...

—Não estava, mas você falou de um jeito... –ele fitou-a desconfiado. –O mesmo jeito á que eu me refiro a eles. Com repulsa, nojo e raiva. E ninguém mais deveria poder sentir isso. Não uma pessoa que nunca viu um Dalek pessoalmente.

Luisa estremeceu.

—Doutor, você deve ter imaginado isso... –assegurou ela. –Estávamos falando dos Daleks, lembra? Provavelmente você se deixou levar pela imagem odiosa deles e pensou ter visto a mesma reação vinda de mim.

—Você disse odiosa!—ele brandiu. –Por que disse odiosa? Você sabe de alguma coisa que obviamente eu não sei que você sabe. O que é? O que você sabe que eu não sei?

O amigo se inclinou para ela. Irritado, parecia muito mais alto do que o normal. Luisa ergueu as sobrancelhas.

—Eu sei tocar violão. –ela brincou para descontrair. O amigo se manteve sério.

Não estou falando no geral... Estou falando dos Daleks!

—Eu não sei! –ela se exasperou quando ele a segurou pelos ombros. –Foi só a droga de um sonho!

—A DROGA DE UM SONHO? –ele a soltou. E fitou um ponto fixo acima da cabeça dela. Passou as mãos sob os cabelos, desgrenhando-os todos. Parecia um tanto aflito. Quando voltou a fitá-la, Luisa olhava-o preocupada.

—O que foi? –ela segurou o braço dele. –O que aconteceu? Você parece ter visto um fantasma...

—E eu vi.

—O quê? De verdade? Daniel, Martins e Félix estão por aqui? –ela procurou em vão. –Se estiverem, me mostre onde, porque eu tenho umas contas á acertar com eles!

—Não é nesse sentido. –ele negou com a cabeça. Em seguida, o Doutor segurou o rosto da garota. –Me fale sobre esse sonho... Eu preciso saber o que isso significa!

Durante um bom tempo, os dois ficaram sentados na calçada em frente á casa de Luisa. A menina lhe contou todo o sonho em detalhes. Falou sobre a guerra da humanidade entre o bem e o mal, relembrou o fato de ter trocado de lugar com uma outra Luisa de vinte anos, citou suas habilidades de batalha, os Quimera, os Vornes, os Multanivestruzes, os Deuses Gregos, seu amigo Charles que na verdade era o deus Hermes, o Doutor, Melissa e Nik com personalidades diferentes e outras vidas e, por fim, a aparição dos Daleks e como ela e o deus os enfrentaram.

Ao fim de tudo, o Doutor estava pasmo.

—E isso tudo porque você bateu a cabeça no console da TARDIS... –ele constatou.

—Pois é. –Luisa suspirou.

—O máximo que eu conseguiria era uma baita dor de cabeça... –ele indignou-se. –Como você pode ter passado por tudo isso?

—Eu não “passei por tudo isso!” Eu disse que sonhei com tudo isso. Já se esqueceu que a Luisa de lá tinha vinte anos?

Realidades Alternativas... –ele murmurou. –Você tem que ter alguma prova de que esteve lá! Se encontrarmos algum indicio de que a história foi real, então conseguiríamos provar se era mesmo um sonho ou não...

—Mas eu não trouxe nada comigo... –disse Luisa de mãos atadas. –Além disso, em teoria, eu parti de repente e foi tudo tão inesperado que eu nem cheguei a pensar nisso!

—Você em si não. Mas, se me recordo bem, você também falou que depois suas habilidades de batalha voltaram... Isso significa que a Luisa de lá despertou em você. Você fez todo o trabalho no lugar dela! Quem pode nos garantir que ela não pensou nisso por você?

Luisa parou para pensar.

—Até que isso faz sentido...

—Então... –o Doutor fitou fixamente a bolsinha rosa da menina. –Não quer dar uma checada na Bolsa Que Tudo Tem? Sabe-se lá quais segredos ela oculta... –presumiu ele.

—Tudo bem –Luisa assentiu, abriu a bolsinha e começou a vasculhá-la. Não tirou nada de dentro, porque depois seriam dois trabalhos: procurar pistas e guardas tudo de volta no interior da bolsa. –Não tem nada aqui... –ela chegou á conclusão depois de alguns minutos de procura. –Quero dizer, nada que possa realmente nos valer de pista... –de repente, seus dedos tocaram algo frio e metálico e ela gelou. O Doutor percebeu sua mudança de reação.

—Encontrou, não é? –ele se aproximou ainda mais dela. Luisa balançou a cabeça positivamente, ainda que bastante amedrontada. –Vamos ver então o que é...

Luisa fez que não com a cabeça.

—Por que não? –ele fitou-a, então tudo se esclareceu. –Isso te assusta mais do que tudo, não é? Pensar que seu sonho possa ter sido real...

—Doutor... –ela fitou a mão que roçava no objeto, pelo canto do olho. -Estou com medo... Não quero fazer isso.

—Eu sei –ele assentiu compreensivo. Então se inclinou para frente e pôs a mão quente em cima da mão trêmula dela. –Então vamos fazer isso juntos.

Luisa fitou-o com admiração. Apesar de estar apavorada, ela não conseguia deixar de admirar as iniciativas do amigo. A garota fechou os olhos, e juntos puxaram para fora da bolsinha, uma haste prateada com um globo ocular na extremidade. A haste do olho de um Dalek.

—Meu Deus... –ela arquejou. –Você tinha razão... Não foi um sonho!

—Não é possível... –ele hesitou. –Isso definitivamente não pode ser possível!

—Mas é! –ela arfou. –Está mesmo acontecendo... Então quer dizer que eu realmente lutei contra um Dalek?

—Bingo! –ele disse tenso, tirando os olhos da haste com muito custo e erguendo a face para ela, devagar. –Acho que temos um pequeno problema em mãos...

—Mais um problema? Ótimo... Por que não estou surpresa? –ela disse ansiosa.

—Precisamos ir até a TARDIS... -anunciou ele. –Tenho que dar uma boa olhada nisso.

—Certo, então devemos chamar Melissa... –Luisa já ia correr, mas o Doutor a deteve.

—Melissa pode esperar –ele interveio. –Isso é entre eu e você.

 

*    *    *

Nem se passaram cinco segundos direito e Luisa já estava dentro da TARDIS. O amigo arrastou-a tão rápido para dentro da nave, que Luisa nem teve tempo de assimilar direito a mudança de ambiente. Quando deu por si, o céu azul sem nuvens da tarde de segunda feira, já não estava mais lá; trocado subitamente pelo teto amplo e cheio de cabos presos ao painel de controles central e ao motor vertical da TARDIS. Sem mais nem menos e após largá-la á porta, o Doutor começou a correr ao redor do painel circular. Sem dar explicações, acionou o cursor de espaço e tempo e ativou a alavanca principal, dando partida.

—O que você pensa que está fazendo? –Luisa grunhiu ao ser arremessada inesperadamente para trás, quase sem tempo de se segurar direito nas barras do corrimão logo na entrada. –Não! Não! Não podemos partir... Isso está errado! Acabamos de chegar!

Ele correu até ela, tentando se equilibrar com os solavancos da TARDIS.

—Exato! –exclamou. –E agora estamos indo embora!

Ele fitou-a de um jeito obvio, como se seu raciocínio estivesse lento, e Luisa lançou-lhe uma careta de incompreensão.

—Obrigada pelo esclarecimento, mas eu acho que sei diferenciar perfeitamente bem o estado da TARDIS parada, do estado dela decolando, muito obrigada!

—Fico feliz em ouvir isso! –ele sorriu feito bobo. Depois arrancou a haste do olho do Dalek das mãos da garota, na velocidade da luz. –Pode me emprestar isso? Obrigado... –ele fitou a haste como se fosse ouro. Então, ainda sorrindo, deu uma outra boa olhada no rosto de Luisa como se ela fosse uma arte abstrata. Só então deu-lhe as costas e se dirigiu para o painel, satisfeito. Luisa o seguiu com dificuldade, sempre agarrada ao corrimão por prevenção. Quando conseguiu alcançá-lo, ela se deparou com o amigo ligando vários fios coloridos do painel de controles, na haste do Dalek.

—O que estamos fazendo?

—Vamos ligar a haste do Dalek ao painel, de modo que o navegador quântico localizará as coordenadas e nos levará ao ponto de origem dela...

—Então você já fez isso antes... –Luisa sorriu animada.

—Sim. Bom, não. Digo, uma vez eu quase... Eu cheguei perto de... Quero dizer, não lembro!—ele disse de uma vez só, com as mãos inquietas trabalhando sem parar. Com apenas uma olhadela, previu o que a garota deveria estar se perguntando: -Se vai funcionar? A sim... Fique tranqüila! Se as coordenadas forem localizadas tudo ficará bem... É só fazer as ligações certas e deixar funcionar!

—Assim espero... –Luisa suspirou.

O Doutor fitou-a com inquietação.

—Bem, ao menos em teoria, deveria funcionar...

—Doutor! –Luisa lançou-lhe um olhar reprovador, mas não houve mais tempo para se conversar, pois a nave deslocou-se da rota predestinada e caiu em um tipo de vórtice redemoinho-mau-humorado, arremessando-os sem dó em todas as direções, sem controle algum.

Caramba!—o Doutor andou por meio de trotes curtos ao redor do painel, acompanhado de Luisa, que tentava não perdê-lo de vista em meio á confusão. –Isso é muito legal!

Não é não!—Luisa gritou agarrada á um corrimão, quase despencando da base circular do console.

—Estamos caindo no redemoinho do centurão do vórtice negro!—ele anunciou empolgado. –Que máximo!

—Por quê? Qual o lado bom nisso se nós vamos morrer?

—É que eu nunca estive no redemoinho do centurão do vórtice negro! –ele sorriu amplamente para ela. –Na verdade, acabei de inventar o nome. Espero que seja apropriado!

—Ficou bom! Parece bem apropriado pra mim... –ela apoiou, forçando a mão livre a abrir o bastante para conseguir direciona-lhe um sinal de positivo. Então lhe ocorreu uma coisa: -Se não sabe para onde estamos indo, então como está pilotando a TARDIS?

—Não estou pilotando a TARDIS! –ele anunciou, pouco confortável, segurando-se na televisãosinha do painel, que mostrava as imagens externas da nave em tempo real. –Estou deixando a haste nos guiar pelo tempo e espaço...

—Ah, que ótimo! –Luisa engoliu em seco. –Agora eu tenho absoluta certeza de que estamos em apuros...

—É, fazer o quê? –ele mordeu o lábio. –Agora é tiro e queda! –e arregalou os olhos para a televisãosinha no painel. –E, por falar em queda... Iiiiiiiiiiiiihá!

—Meu Deus! –ela gritou. –Você parece um caubói espacial falando assim...

—Eu gosto de caubóis! –ele rebateu.

—Por favor, me diga que nós não estamos... –ela começou, devagar, temendo a revelação.

Caindo!?—ele completou com um sorriso torto. Então, reuniu fôlego: -Geronimoooooo!!!

Luisa só teve tempo de arregalar os olhos antes do amigo puxá-la para perto de si e os dois começarem a gritar feito dois desesperados, enquanto a agitação e a falta de controle tomavam conta da cabine inteira.

Após um longo tempo de turbulência, a nave finalmente estabilizou. Luisa respirou fundo, ainda sob a proteção do amigo. Ela não tinha certeza de quanto tempo estiveram naquela posição, juntos, mas ao menos tinha certeza de que ainda estava inteira. Devagar, o Doutor foi se erguendo de cima dela, e Luisa se viu na chance de também esticar as pernas. Quando ergueram-se por completo, os dois, primeiro fitaram o estado da sala de controles: tudo estava fora do lugar. Depois, aos poucos, conforme a compreensão vinha lhes atingindo, os dois voltaram-se para si próprios, conferindo os próprios danos.

—Você está bem? –ele perguntou à ela, pausadamente.

—Eu acho que sim... –ela disse. –Valeu por me segurar...

—De nada. –ele sorriu amigavelmente. –Infelizmente, não consegui fazer o mesmo pelo resto da nave... Veja só que estrago!

—Ao menos nós estamos á salvo... –suspirou Luisa, apoiando-se no painel de controles, recuperando fôlego.

—Onde será que viemos parar? –ele checou as coordenadas. –Oou... –gemeu ao ver a situação das anotações.

—É ruim? –Luisa adivinhou.

—Não. É só um pouco desencorajador... Nada de mais.

—Qual o problema?

—Não se assuste... Fomos apenas um pouco longe demais...

—Longe quanto? –Luisa ergueu as duas sobrancelhas e inclinou-se sobre o painel para ver as anotações das coordenadas. Apesar de não entender nada sobre coordenadas de vôo de uma máquina do tempo, ela era capaz de presumir que aquelas duas linhas salpicadas de underlines, após as coordenadas, não eram um bom sinal.

Estamos fora do universo. –ele anunciou, paralisado. Luisa voltou-se para ele de imediato.

—Como assim “fora do universo”? Existe algo fora? Existe um fora?

—De acordo com essas anotações, ou então, com a falta delas... Sim. Mas veja pelo lado positivo: Nós dois podemos ser os primeiros pioneiros á virem parar no Além Universo... –ele emendou, sorrindo. -Gostei do som disso! “Além Universo...” Estou ótimo com essa coisa de dar nomes ás coisas hoje...

—É, é... Nós sabemos! –ela apreçou-se em dizer. –Mas como podemos estar fora dos limites do universo? Será que desobedecemos alguma lei? Ignoramos alguma placa de “fim da linha”? Porque eu francamente não consigo entender...

—Corrompido. –ele murmurou para si próprio enquanto ela falava.

—O quê?

—O sistema operacional –ele apertou uma seqüência de botões e nada aconteceu. –Os motores foram desligados intencionalmente.

—Isso é porque aterrissamos...

—Ou... Isso é porque alguém queria que aterrissássemos aqui.

—Está me dizendo que alguém manipulou nosso pouso?

—Não sei. Mais acho que só há um jeito de descobrirmos... E isso inclui colocarmos a mão na massa.

—Quer dizer que temos que sair e investigar?

—Com certeza. –ele se abaixou para apanhar alguma coisa embaixo do painel de controles. Quando ergue-se novamente, estava com tampões de ouvido feopudos e laranjas nas orelhas. -É a única forma de descobrirmos o que aconteceu...

Luisa tentou ignorar a peça chamativa que o amigo usava.

—Mais o que aconteceu? –ela perguntou, seguindo-o até o armário de casacos (torto por causa das guinadas da cabine), onde ele se enfiou e só reapareceu minutos depois, com luvas vermelhas nas mãos, um gorro na cabeça e um cachecol colorido ao redor do pescoço. A garota fitou-o abismada.

—Aconteceu que estamos em solo desconhecido... –ele respondeu a primeira pergunta. Depois, estendeu-lhe um poncho de cor vinho, deixando-a ainda mais encabulada. Vendo que a garota não estava entendendo nada, ele se explicou: -Vista isso. Acho bom estarmos preparados... –e seguiu para a direção das portas azuis.

—Vestir por quê? Doutor! Espera! –ela vestiu o poncho correndo, para alcançá-lo. Quando chegou ás portas, o amigo já havia saído. Sem pensar duas vezes, ela as atravessou e imediatamente deparou-se com um cenário inteiramente novo e todo branco. Havia neve por todos os lados! Era possível ver as montanhas á longa distancia crescerem cobertas de gelo, como uma grande bola de sorvete de flocos, mas sem os flocos de chocolate. Apesar de tudo, não estava nevando, mas mesmo assim, a quantidade de gelo era assustadora. O chão coberto de neve parecia fofo e, ao mesmo tempo, escorregadio. O cenário era lindo, mas não havia nada mais ali em toda uma grande extensão de terras. Nenhuma instalação, ou moradia. Nem mesmo uma caverna para alguém se abrigar. Somente a branquetude do inverno. Ao se ver bombardeada por essa visão estonteante, Luisa só conseguiu dizer uma coisa, com um sorriso amplo no rosto: -Inacreditável...

O Doutor ficara entretido com a vista tanto quanto ela. Havia ficado um pouco em silêncio e tomado uma certa distância da cabine para poder contemplar o cenário com a atenção que ele merecia. Mas agora que já assimilara tudo, andava novamente em direção a amiga, juntando-se a ela, ainda parada ás portas da TARDIS.

—Sente frio? –perguntou ele.

—Não. Estou bem. –ela sorriu. –Isso aqui é lindo...

—É mesmo incrível, não é? –os dois fitaram o horizonte juntos, cheios de expectativas. Então o Doutor voltou-se para ela: -Tem certeza que está bem? Parece meio... Intrigada.

—Como você sabia que estaria fazendo frio?

—A terceira regra mais importante do Manual de Regras Universais para Viajantes do Tempo: “Certifique-se sempre de como estará o clima do lado de fora da sua nave antes de sair dela”. É uma regra essencial!—ele falou como se fosse obvio.

—É? Mas de tempos em tempos você ignora essa regra! –lembrou ela.

—Eu posso abrir exceções... Fui eu mesmo que inventei essas regras!—ele interpôs.

—Criou um Manual de regras para que todos os viajantes do tempo às seguissem, menos você? –ela indagou incrédula. –Não sei se foi uma boa idéia...

—Eu estava entediado! Eram onze horas da noite e eu estava com tédio diurno... –ele completou. Então, sem mais nem menos, o Doutor fez uma careta. –Ou será que eram onze horas da manhã e eu estava com tédio noturno?

Luisa não pôde deixar de rir. O amigo sempre ficava engraçado quando confuso.

—Você devia era criar um dispositivo para nunca perder a hora! –ela brincou. –Não imagino como é ver você entediado. Muito menos criando regras... –Luisa insistiu. -Você sempre desobedece á todas elas!

—Para você ver como a situação estava crítica! –ele afirmou, rindo também.

Os dois riram por um pequeno intervalo de tempo, então voltaram ao foco inicial:

—Você não disse que estávamos no meio do nada? –Luisa indagou e, após o amigo assentir com a cabeça, prosseguiu: -Então por quê estamos no meio do nada cobertos de gelo?

—Talvez porque... Não estamos no meio do nada!—ele anunciou de repente, contornando a cabine e a menina o seguiu rapidamente. O rapaz parou bruscamente e Luisa foi obrigada a fazer o mesmo. Cheio de empolgação, ele anunciou: –Veja só o que eu achei!

Incrível...—Luisa reprimiu uma exclamação ao deparar-se com um enorme casarão bem á sua frente, agora. Aí estava a explicação pelo qual ela não avistara nenhuma moradia até então: a única casa que parecia existir por lá estava bem ás suas costas o tempo todo!

Seus olhos brilharam de admiração, então o Doutor fez sinal para que avançassem rumo á entrada. Caminharam até a porta. Pretendiam bater, mas acabaram se detendo em um primeiro momento já que havia a cabeça de um animal morto pendurada acima do pedaço de ferro em formato de ferradura, usado para se bater.

—Não gostei muito da decoração... –comentou o Doutor. –Isso pode ser um tanto chocante á primeira vista...

—O que deve ser? Um caçador? Quem mais colocaria a cabeça de um guaxinim na porta?

—Não é um guaxinim. Acho que é um furão.

—Tanto faz! –ela arrepiou-se. –Mesmo assim é nojento... E francamente! Acho que qualquer um que tiver uma cabeça de animal pendurada na porta de casa ao invés de um tapete de boas vindas, não deve ser grande coisa.

—Não posso descordar, mas mesmo assim temos que ser insistentes... A pessoa que mora aqui pode ser nossa única salvação! Lembre-se de que estamos sem motor de arranque e que todos os demais controles estão desativados permanentemente, o que significa que estamos presos aqui até então. A TARDIS não conseguirá se deslocar um centímetro sequer do chão sem os controles! Se formos bastante simpáticos, talvez conseguiremos uma ajudinha até o fim do dia... Ou, em último caso, até o amanhecer.

—Certo. –concordou ela.

—Portanto, vamos manter a postura e sorrir bastante. Simpatia é a chave para tudo!

Luisa forçou um sorriso enorme. E o Doutor bateu na porta. Porém, a única coisa mais improvável, além deles terem caído em um lugar coberto gelo e terem perdido o controle da nave, ocorreu naquele instante. A porta se abriu de relance, mas o que parecia ser a casa de um homem robusto e de poucos amigos, mostrou-se muito diferente quando uma donzela, de uns dezoito anos, loira, de cabelos escorridos e trajes rosa de dança apareceu por trás da porta grossa e pesada que rangeu ao ser movimentada.

—Pois não? –a garota instigou.

—Ah... –o Doutor olhou confuso para Luisa que retribuiu o mesmo olhar. –Tá legal... Por essa eu realmente não esperava!

—Quem são vocês?

—Eu sou o Doutor e essa aqui é Luisa. Nós viemos de muito longe, mas não queremos causar problemas. Apenas gostaríamos de poder nos abrigar por enquanto, até conseguirmos consertar nosso veículo de deslocamento temporal...

A garota ficou na ponta do pé (o que não era difícil para ela, já que era uma bailarina) e olhou por cima do ombro dele. A única coisa que viu foi uma cabine telefônica azul, parada há alguns metros de sua residência. 

—Espero que não estejam se referindo àquela caixa lá fora...  –ela apontou para o objeto e a dupla virou-se para olhar. –Não é nada potente para ser considerado um veículo... Apesar de ser brega demais para poder ser considerado qualquer coisa!

—Ei! –o Doutor se ofendeu, mas Luisa o impediu de continuar.

—E aquela história do morador da casa ser a nossa única chance? –Luisa falou entre dentes. –Quer por tudo a perder agora só por causa do seu orgulho?

O Doutor se recompôs.

—Não! Imagina... Eu? Dirigindo aquela coisa? Isso nunca! –ele riu forçado e Luisa ajudou-o com o teatro e as mímicas.

—Claro, por que seria mesmo ridículo, não é? –riu a dona da casa. O Doutor e Luisa foram obrigados a concordar, debochando da cabine. Mas logo mais Luisa teve a singela impressão de que cada palavra ou sinal que o amigo fazia desvalorizando a sua tão fiel companheira azul, estava sendo como uma apunhalada nas suas costas.

De repente, o silêncio reinou entre o trio e a situação começou a ficar tensa. O amigo já não tinha mais cara para continuar. Parecia um tanto inquieto e envergonhado por ter mentido sobre sua TARDIS. A garota da porta também não colaborava. Á todo instante ela os fiscalizava com os olhos, como se procurasse imperfeições nos dois. Foi então que Luisa achou melhor acabar logo com todo aquele observatório:

—Podemos entrar? –pediu. –É que nós já andamos muito e o meu amigo aqui precisa ir ao banheiro...

Imediatamente, o Doutor voltou-se para ela, e de novo para a dona da casa.

Eu preciso?—perguntou ele confuso.

—Precisa! –Luisa afirmou. Até então, o Doutor não havia percebido que essa seria a tática para que conseguissem entrar na casa. A garota revirou os olhos para o descuido dele: –Já se esqueceu?

Ah é!—ele captou a idéia dela ainda em tempo e lançou-lhe uma piscadela de canto de olho. –Eu preciso.

—Tá legal... –bufou a moça na porta, revirando os olhos. –Podem entrar então. Mas sejam breves, eu estou no meio de um ensaio!

Abrindo passagem para eles entrarem, os dois se dirigiram para o lado de dentro, de modo que logo estavam contemplando, boquiabertos, a coleção particular de quadros nas paredes e toda a formosura de um casarão antigo, apesar de antiquado em alguns aspectos, como por exemplo, na construção do banheiro. O casarões do século XIX não tinham banheiros dentro de casa. As chamadas “casinhas” eram construídas fora de casa, ainda nos limites das terras, bastante longe da casa principal e, mesmo assim, ainda não eram quase nada parecidas com um banheiro de verdade. A casa em que estavam, porém, era provida de banheiro e, provavelmente, muitas outras coisas modernas que estavam perfeitamente vinculadas com a estrutura antiga. Era quase como se passado e futuro estivessem se chocando em uma só construção. Era interessante de se ver, mas ao mesmo tempo, deveras intrigante.

—Boa estratégia... –parabenizou-a o Doutor, em um mero sussurro pelo canto dos lábios, assim que teve chance. –Eu mesmo não teria pensado em algo melhor... Essa foi clássica!

Logo que entraram, a garota logo lhes mostrou o caminho para o banheiro. Ficava á terceira porta do corredor, á direita da sala de estar. Fora tão veloz na descrição que eles nem haviam notado que ela havia ao menos começado a falar. Ela queria logo despachá-los, mas sabia que a etiqueta não permitiria que o fizesse antes de ao menos servi-lhes um chá.

—Bom... Cá estamos. –a moça chamou-lhes a atenção novamente para ela (já que os dois não paravam de olhar abismados as pinturas nos quadros das paredes). Então, inesperadamente por algum motivo estranho, ela franziu a testa.

—Algum problema? –Luisa perguntou-lhe.

—O seu amigo não queria ir ao banheiro? –ela fitou o Doutor com tamanha desconfiança. O Doutor fitou-a pego de surpresa, então sorriu simpático, ajeitou a gravata por baixo do cachecol e assentiu.

—Uh! É verdade... –ele riu sem motivo, contorcendo-se e cruzando as pernas instantaneamente. Então apontou para Luisa, ao seu lado. –Nós somos tão inseparáveis que ela chega a saber melhor do que eu a hora que minha bexiga está querendo funcionar!

Ele passou o braço ao redor do pescoço da amiga e deu-lhe um beijo na testa, deixando Luisa hesitante.

—Eu não sei o que meus rins fariam sem ela! –ele riu, soltando-a e seguindo seu caminho. Mesmo que não precisasse ir ao banheiro, ele precisava criar a ilusão de estar apertado, ou então a dona da casa desconfiaria dos dois, por isso ele saiu do cômodo bem apressadamente, deixando-as á sós.

A garota deu uma outra boa olhada em Luisa, fazendo-a se sentir meio sufocada. Luisa odiava ser observada. Ainda mais na cara dura! A outra fez sinal para que se sentassem e tratou de servir o chá, que estava em um bule muito bonito, em cima de uma bandeja disposta na mesinha de centro. Luisa tentou não encará-la enquanto a garota o fazia, mas isso não ajudou muito. De vez enquanto ela não resistia e acabava olhando de esguelha para a dona da casa, e esta estava sempre observando-a.

—Quantos anos tem?

—Hum? Desculpe, o quê? –Luisa não esperava receber uma pergunta, assim de repente, sem aviso.

—Eu perguntei quantos anos você tem.

—Ah! Dezessete. Completei dezessete anos á pouco mais de duas semanas...

—Semanas? O que é isso?

—Ora... É a separação de um determinado conjunto de dias. –Luisa falou meio truncado. -Uma semana tem sete dias...

—Dias?

—É. Cada vinte e quatro horas forma-se um dia.  

—Eu nunca ouvi falar nisso. –a outra retrucou. –Que besteira! Dividir dias por horas... –ela zombou. -De que planeta vocês vieram?

Luisa deixou os lábios se abrirem, indignada.

—Como você pode não saber de uma coisa dessas?

—Eu pergunto o mesmo à você! –ela disse excêntrica. –Como você pode afirmar uma idiotice dessas? –ela riu. –Você é burra mesmo ou só se parece com uma?

—O quê? –Luisa irritou-se. –Do que você me chamou?

Naquele momento, o Doutor irrompeu no espaço, muito saltitante.

—Sabe o que não faz sentido algum? –ele chegou ao lado da amiga e apoiou-se no ombro desta, sem nem ao menos reparar na cara de indignação dela. –Não tem um relógio sequer em todo esse lugar! Já reparou como é bizarro quando isso acontece... Considerando minhas credenciais!

—Á propósito... Eu me chamo Ofélia. –a garota anunciou do nada, ao ver o Doutor se aproximar.

—Ah! Ofélia... Gostei. Parece nome de flor! Apesar de eu preferir o ressonar inigualável que Amélia faz nos meus ouvidos...

—Oh, que poético! –ela disse, dando de ombros. –De qualquer forma, eu preciso me manter concentrada em meu ensaio. Agora, se vocês não se importarem em partir...

—Mas já? –o Doutor se precipitou, dando um passo à frente. –Logo agora que nós estávamos começando a nos socializar...

—Fale por você! –Luisa cruzou os braços, emburrada.

—Ei... O que foi? –ele quis saber.

—Essa garota estúpida ficou me falando idiotices sobre dias seres compostos por horas e umas tais de Semanas serem compostas por dias! –anunciou Ofélia descrente.

Foi a vez do Doutor fitá-la com incredibilidade.

—Mas Luisa está coberta de razão... –ele apoiou-a. –É assim que as coisas são. Ela está completamente certa!

—Se ela está certa, então eu sou um elefante de tutu!—interveio a garota, erguendo-se do sofá com naturalidade. –Agora, se me derem licença... Eu preciso praticar!

O Doutor contornou Luisa e deu mais uma corridinha, impedindo a passagem de Ofélia para o restante dos cômodos internos da casa.

—Mais uma constatação... –ele sorriu forçado, ao que ela começou a se irritar com sua presença naquele recinto. –Se estamos no meio do nada, então por que você precisa tanto treinar sua dança? Vai se apresentar para quem? Um boneco de neve?

O comentário pareceu ter ofendido a garota que fechou a cara para ele e forçou passagem, empurrando-o contra a parede. O Doutor, que não esperava a reação dela, acabou perdendo o equilíbrio e batendo as costas com tudo na parede. Ela passou reto sem nem checar os danos e sumiu dentre a escuridão do corredor mal iluminado. Luisa imediatamente correu ao seu encontro.

—Doutor! Você está bem? –ela perguntou preocupada, tentando ajudá-lo a se por em pé.

—Eu já vou ficar –ele assegurou. –Não se preocupe. Eu agüento coisa pior...

—Não diga isso em voz alta... Ela pode te ouvir! –repreendeu Luisa.  -Ou pior: ela pode achar que você a está provocando...

—Que ache então! Eu não tenho medo de uma pirralha metida á adulta feito ela...

—É, mas essa “pirralha metida á adulta” conseguiu te derrubar. –Luisa fitou o corredor escuro com assombro. –Nunca subestime um pequeno frasco...

—E nunca, jamais, ignore coisas obvias, como a falta de relógios no ambiente! –ele interveio, já em pé, novamente renovado. –Vamos! Precisamos de respostas e somente Ofélia é que pode nos dar o que precisamos...

—Infelizmente, você quer dizer. –Luisa comentou. –Não gostei dela! Sujeitinha egocêntrica...

—Não gostou dela? Você ficou uma fera!—ele lembrou com ar cômico. –Melissa diz que ás vezes eu sou egocêntrico... Se você me olhasse toda vez com a mesma intensidade que olha para aquela garota, eu já estaria morto há séculos!

—Falando em Melissa... –Luisa suspirou, depois que viraram o segundo corredor, correndo lado á lado. –Ainda acho que devíamos tê-la trazido!

—Eu discordo! –ele sorriu triunfante, fitando-a de canto de olho. –Gosto muito mais assim...

Luisa revirou os olhos de modo brincalhão e deu-lhe um empurrãozinho de nada, só para desconcentrá-lo na corrida. Ele logo se recuperou e em pouco tempo já estavam de novo lado a lado, disputando o “primeiro lugar”. Mas infelizmente, a brincadeira chegou ao fim quando ambos os dois chegaram ao mesmo tempo em frente á sala de ensaio. Um espaço fechado, com apenas uma vidraça transparente em tom esverdeado que separava o cômodo do resto da casa. Do lado de fora, os dois puderam contemplar a bela Ofélia dançando balé. Ela ficava tão delicada e tão leve dançando que nem parecia a mesma garota de momentos antes. Era como se aquilo a deixasse realmente feliz, ao contrario de visitas indesejadas no meio da tarde. Ela nem os notou ali, já que estava tão concentrada e tão tomada pela música clássica que ressonava no ambiente todo, dentro e fora.

—Ela é incrível dançando... –admitiu Luisa. –Pena que não tem essa classe toda quando se põe a falar com outros seres humanos!

—Tem razão –admitiu o Doutor, fitando-a por trás do vidro. –Tudo aqui é muito intrigante! Assim como a constante ausência de relógios e a inesperada construção de um banheiro em uma casa do século XIX –ele se voltou para trás. –E essa estranha sensação de estar sendo observado...


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Notas finais do capítulo

Yep! Casarões bizarros tão em evidencia esses dias... (Minha miguinha Dalek vai pegar essa referência ;D

Bom, esse aqui é só o começo da história. Espero que tenha ficado intrigante o suficiente! (Muhahahahahaha)

Ah... E só pra dizer: das que eu escrevi, essa é uma das aventuras que mais mexe com o psicológico, então preparem-se!

Continua semana que vem!

Beijos!!



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