MUTANTES & PODEROSOS I - O Segredo dos Poderosos escrita por André Drago B


Capítulo 28
Capítulo 27 - Paz+Tristeza=Segredos


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês curtam o capítulo. Apesar da demora, os nosso personagens ainda estão vivos. E que a nossas espadas continuem afiadas!

PS.: verifiquem se leram o ultimo capitulo da Kira, o anterior, por favor. ;)



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CAPÍTULO 27

PAZ+TRISTEZA=SEGREDOS

Jessie seguiu pela estrada principal. Pessoas passavam para lá e para cá, pareciam nem vê-la ali, afinal, pensavam ser apenas mais uma passante. Ela seguiu mais um pouco, mas antes de chegar na hospedaria, ela virou em uma rua secundária, que derivava da rua principal. Estava bem movimentada também, ainda mais com os restaurantes e outros pontos de onde se encontravam alimentos.

 Jessie se envolveu com os seus próprios braços, tentando manter o calor corporal em meio àquela noite gelada. Ela colocava suas orelhas para trás e mantinham-nas assim, no objetivo de fazer os sons entrarem com menos intensidade. De um lado, um menino chorava. Do outro, um grupo de amigas colocavam as conversas em dia.

  Ignorando tudo isso, ela seguiu reto. Ao final da rua secundária, uma outra rua a atravessava, e nessa terceira rua, uma simples casa era o foco da Mutante. Essa casa de madeira não era nada demais perto das outras que a cercavam, mas para Jessie era motivo de alegria.

  Ela foi andando com dificuldade, seus pés doendo. Com esforço, chegou a porta irregularmente cortada da casa. Levantou sua mão e bateu na porta. Um sorriso apareceu em seu rosto, suas presas agora à mostra.

  Um barulho atrás da porta animou a jovem, e então, uma mulher atendeu. Estava com uma capa por cima, cobrindo sua simples roupa de dormir.

—Em que posso aju...- de repente, a mulher reconheceu Jessie. –Jessie? É você? Oh, eu não acredito!

  A Mutante foi cercada pela mulher em um abraço. Lágrimas saíram dos olhos da jovem.

—Entre! – mandou a mulher.

 O calor do local era mantido por outra lareira. Jessie deslizou os olhos pelo recinto.

—Continua o mesmo!

—Claro! A última vez que eu te vi foi apenas algumas semanas atrás. E por que você chora? Você conseguiu? Como está o seu irmão?

 Jessie sentou-se num banco, triste. Sua expressão não era boa, mas de desânimo. Seu olhos avermelhados derramaram mais lágrimas, não conseguindo segurá-las.

—Calma, Jessie! Me conta, o que aconteceu?

—Eu não consegui! Um maluco que disse que me hospedaria me manteve presa semanas, e eu não consegui voltar a tempo. Tenho medo de ele ter morrido e... – ela não conseguiu mais falar, mas começou a chorar ainda mais.

 A mulher a abraçou.

—Meu amor, o que... – um homem chegou à sala, sua feição assustada quando reconheceu a jovem chorando. –Jessie! Que bom que você voltou! O que aconteceu?

 Ele abraçou-a junto com sua esposa, tentando consolá-la.

—Eu...eu não sei como ele está! Ele não conseguiu o remédio porque, como eu disse para Stella, um maluco me fez ficar presa semanas e eu não consegui.

—O quê?! Ô, Jessie! – o homem sentiu a tristeza da jovem. –Mas, como você saiu de lá?

 Jessie hesitou um pouco.

—Eu...eu tive ajuda de uns...uns Mutantes!

—Mutantes?! – a mulher pareceu assustada. –Jessie, eles estão sendo caçados e...

—Eu sei, Stella! Mas era a única forma de sair de lá. Eu não conseguiria sozinha. Além do mais, eu também sou Mutante.

—Ah! Tudo bem! Você tem razão. – a mulher disse, com um tom de receio na voz. –Mas, tome cuidado com estes...Mutantes!

 A jovem concordou com a cabeça. Ela se pôs de pé.

—Onde você vai? – perguntou o homem.

—Me desculpem, mas tenho que voltar o mais rápido possível. Não posso demorar.

—O que? Pelo menos tome um chá, um café, alguma coisa.

—Não! Eu não posso. Obrigada, mas não!

—Onde vocês estão hospedados?

—Em uma hospedaria. Não lembro o nome. Alguma coisa “espadas”...

—Hospedaria Três Espadas! – corrigiu o homem.

—Isso!

—Por que não vieram aqui?

 A jovem ficou triste, seus olhos se encharcaram novamente.

—Eu quero voltar o mais rápido possível para a casa. Eu tenho que me reencontrar com ele e saber se está tudo bem! Não quero ficar aqui. Quero sair logo de Hangária Mindória! Sabia que vocês iriam insistir. Mas eu não posso! – ela já chorava tristemente de novo. –Já basta ter que esperar até amanhã.

—Por quê? – perguntou a mulher.

—Porque os portões estão fechados e não...

—Jessie! Os portões dessa cidade só fecham em tempo de guerra. Ela é movida ao comércio. Precisa de visitantes a todo o momento.

—O quê? Então, tem como ir embora?

—Eu não recomendaria. Está de noite, e é perigoso.

—Não há problema! Eu sei me defender. – ela olhou para as próprias mãos.

—O que? Jessie, você não pode fazer isso! Achei que não faria desde aquilo...

 A jovem pareceu um pouco triste, mas respondeu:

—Se for para me reencontrar com ele, sim! Eu usarei isso.

—Mas... –Stella tentou impedi-la, mas ela não ligou.

—Obrigada por uns minutos de atenção!

—Mas...

  Já era tarde. A jovem já abrira a porta e saia para a rua. O ar tocou-lhe o rosto e ela se encolheu dentro da capa. Quando virou para trás, viu o casal olhando para ela. “Obrigada!”, sussurrou.

 Depois, seguiu em direção à estrada principal.

 

 Taya estava quieta, encolhida no canto de sua cama, no escuro. Uma cama a separava da que a mulher estava. E ela não parecia estar bem, principalmente por estar desacordada.

  Suas lágrimas pingavam na cama. Alguém subiu as escadas. Era Luke. Ele entrou no quarto e se sentou perto de Taya.

—Está tudo bem, Tay? – ele não a chamava assim há anos.

—Eu acabei de matar uma pessoa e...

—Você não a matou! Ela está viva. Jessie vai voltar com o remédio.

  Taya olhou para a parede, pensando. Novas lágrimas, mesma culpa. O sentimento de culpa e tristeza ainda não sumira, e mostrava que não sumiria tão cedo. Ela sentiu-se carregada, como se um peso enorme caísse sobre suas costas, fazendo-a se sentir cheia de preocupação, e, é claro, de culpa.

—Tay...tudo vai ficar bem! não se preocupe.

—Eu...eu matei ela! – sua voz foi enfraquecida pela tristeza.

—Não Tay, olha...

—Não! Nada que você diga vai mudar isso. NADA! ABSOLUTAMENTE NADA! – por dentro dela, a tristeza e a raiva a percorreram juntas, como duas correntezas em meio ao mesmo rio. Ela se levantou da cama e seguiu para fora do quarto, deixando Luke sozinho, com exceção da mulher, mas era como não ter ninguém ao lado, já que estava descordada.

  Ela desceu as escadas e chegou até aporta à metros do balcão. Foi até ela, e ali, na cozinha, se assentou e esperou. Esperou o sentimento de tristeza passar.

 

  Jessie chegou apressada à hospedaria. Olhou para trás, mas ninguém naquela multidão dava a mínima atenção a uma menina encapuzada de aparentemente dezessete anos de inexperiência. Ela reparou que todos passavam apressados, moedas guardadas em sacos, amarrados às suas cinturas. Pessoas que perdiam horas para consumir, comprando e comprando.

 Ela remexeu seus cabelos ruivos quando revirou o rosto para a porta de madeira. Sua mão tocou a maçaneta. Novamente, o ar da noite entrou em seus pulmões e ela adentrou o local.

  Quando entrou, viu algo lindo. Não era o salão da hospedaria, mas algo bem mais bonito. Era como se todos os tipos de seres humanos se ajoelhassem diante de uma mesma pessoa, em meio a uma linda paisagem. Era como se todas as árvores balançassem em harmonia para Ele. Quem era Ele? Aquele que todos reverenciavam, prostrados. Quem era? Quem era? “Ele pode unir todos, todos, todos, todos...” uma voz sussurrou. “Ele pode amar à todos. Ele tem um amor que pode amar à todos!

 Uma inundação de vozes, como se tudo no universo decidisse falar junto, gritavam a mesma coisa, como chamando aquilo tudo de simples em comparação a Ele. E era.

 Jessie sentiu como se tudo aquilo fosse real. Tinha certeza de que podia tocar numa daquelas pessoas, e sentia um vento calmo, mas que era como um vendaval - “Como isso é possível?”—que passava pelo local

—Onde estou?

Você vê? — a voz perguntou – Precisa contar isso!

—Mas... – seus olhos se desviaram para a cena, que parecia ser a mais linda que já havia visto. -Como descreverei isso?

Conte apenas que ele está chegando!

—Ele quem? Quem é você?

Eu sou uma parte dele. Eu sou ele. Eu te conheço, mas você ainda não me conhece. Me chame apenas de “Apenas sou”.

Então, “Apenas Sou...” – Apenas Sou era estranho e diferente, de uma forma positiva. Lindo ele era, mas não apenas em aparência. –O que direi?

Olhe novamente! — quando ela olhou novamente, viu uma imagem, uma pessoa atrás dele, ainda maior, imenso, passava os limites de tudo. –O que você dirá?

 Então, um sussurro contava as coisas que ela diria, e mostrava lindas imagens. Mas, no meio, uma terrível imagem, algo horrível, acompanhado de uma extremamente linda e outra esperançosa.

 Seus olhos se fecharam e então ela ouviu novamente a voz a falar. “Estou chegando!”.

 

—Jessie! Jessie! Acorda, Jessie! Acorda! – ela abriu seus olhos lentamente, o ar quente tocando seus olhos e fazendo-os arderem. O brilho fosco de tochas mostrava que ela tinha voltado para o salão da hospedaria.

—O que...o que aconteceu? – ela se apoiou nos próprios cotovelos, sentindo o peso do seu tronco pesar neles. Sentiu um frio ao perceber que sua capa não estava mais em seu corpo.

—Eu é que pergunto! O que aconteceu? – quem a segurava era Isaac. –Como você pode desmaiar assim?

  Os olhos dela, de repente, derramaram lágrimas. Mas não eram de tristeza, e sim, de alegria.

—Por que você está chorando, Jessie? O que foi?

—Ele está chegando!

—Quem?

—O Amor que pode Amar à Todos!

 Ela se levantou antes dele poder fazer mais perguntas. Andou lentamente pela sala escura. Em uma porta, perto do balcão, alguém chorava.

—Quem está chorando?

—Taya. – respondeu Isaac, com feições preocupadas. –Ela continua daquele jeito.

 Jessie compreendeu, mexendo a cabeça lentamente. Nunca havia sentindo tanta preocupação por Taya.

—E as ervas laranjas?

—Luke! Já fez o que deveria e está usando-o na pobre mulher. Taya subiu com ele, chorosa e com esperança de que a mulher melhore. Logo a mulher estará melhor!

—Quem disse? Quem garante que ela não vá morrer?

—Como? Jessie, é melhor torcer para ela ficar bem, senão Taya não vai melhorar.

—A mulher melhorando não vai consolar Taya. Ela vai continuar com medo. A resolução de nossos problemas nem sempre são sinônimos de que você voltará a ser feliz. Uma esperança que traz descanso sim. Acalme-se que tudo ficará bem.

—Como você sabe?

—Porque sei que Ele está chegando.

—Jessie...você está bem? Pare de falar como estranha. Você não é estranha!

—Desmaiar na porta de um hotel em plena noite de consumismo não é estranho? Quem disse que tudo deve ser normal?

  Ele olhou desconfiado. O que teria acontecido naquele desmaio?

—Não acha melhor irmos?

—E deixar a mulher ai? Vão nos caçar e...

—Já estamos sendo caçados mesmo!

—Mas agora saberão da nossa existência.

—Isaac, não importa...

—Jessie, existe uma mulher morrendo ai. Você vai deixá-la?

  De repente, o grito de Taya veio da sala. Ela chorava e gritava ao mesmo tempo. Isaac e Jessie correram para as escadas, subindo-as apressadamente. Chegaram no quarto, onde, caída no chão de madeira, Taya chorava e olhava para suas escamas esverdeadas.

—O que eu fiz? O que eu fiz?

 Luke se jogou ao lado dela e tentou consolá-la, mas ela não aceitava. Então, entenderam tudo. “A mulher morreu”, pensou Isaac.

   O corpo da mulher, sangrando, em cima da cama, marcada por terríveis bolhas vermelhas que deformavam o seu corpo, o cheiro da madeira da hospedaria. Tudo foi como um carimbo para Isaac, marcando-o. Uma sensação ruim, de calor e formigamento, fazendo sua barriga doer, percorreu-o.

—Eu não acredito! – disse ele, passando as mãos em seus cabelos castanhos, bagunçando-os. –Ela morreu! Eu não acredito.

—Cale a boca, Isaac! – gritou Luke, ao ver que Taya chorou ainda mais. –Por que você demorou tanto Jessie? Olha o que fez!

—O que? – Jessie deu um passo para frente. –Eu não tenho culpa dela ter morrido. Fiz o que podia!

—Mas você poderia ter chegado mais cedo... –ele parou, sério, e pensou por alguns segundos. – Espere! Você não quis que Isaac fosse com você. O que você fez, Jessie? Por que demorou tanto?

—Não...não posso falar! – ela engoliu a voz de choro que lentamente se manifestou.

—Você disse que já conhecia este lugar. O que você fez? Fala!

—Não! Eu não posso.

—Por que não? Fala! Por que você não pode falar?

—Porque eu não posso. Não vou! – ela mantinha os olhos fixados no chão, evitando olhar para o rosto de Luke. Lentas lágrimas começaram a escorrer por seu rosto.

—Fala Jessie! FALA!

—NÃO! EU NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO! – ela se jogou no chão em prantos. –Eu não quero, eu não quero, eu não...

  Luke olhou, com raiva, para Isaac, que parecia não estar contente com o que o louro fizera. Jessie se levantou do chão, seu rosto queimando com o calor do choro.

—Eu...eu te perdoo!

 Ela seguiu até as escadas, descendo-as rapidamente e chegando à porta.

—Aonde você vai, Jessie? – perguntou Isaac, seguindo-a.

—Vou embora! Já voltei andar e sei como me virar.

—Você não pode! Como passará pelos portões?

—Eu dou meu jeito. Tenho uma estratégia, mas, por favor, não me siga.

—Mas... – ele tocou a mão dela, mas ela puxou-a bruscamente. –Confie em nós, Jessie!

—Meu maior erro foi confiar em alguém! – em seu rosto, uma expressão de raiva. Ela limpou as lágrimas que escorriam com o próprio antebraço, tapado por uma manga grande. –Se eu não tivesse confiado naquele Corriqueiro, já teria chegado em casa e, provavelmente, esse desastre não teria acontecido.

—Que desastre? Jessie, que desastre? Do que você está falando?

—Essa é a parte mais difícil – mais choro. –Não sei se estou pronta para contar.

  Isaac, lentamente, se aproximou e fez algo que quase nunca fazia:  abraçou. Ou melhor, abraçou-a. E seu abraço caloroso fez Jessie liberar mais lágrimas. Seu coração começou a bater mais devagar e ela se sentiu mais tranquila. Um misto de paz com...com uma sensação que não sentia há muito tempo: “amor!”. Há quanto tempo não sentia aquilo. Uma sensação que achou estar morta dentro dela, algo que achou que ninguém mais sentia por ela.

—Viu? Agora confia em mim? – perguntou Isaac, delicadamente.

—Eu...eu te amo. Amo todos vocês! – ela sentiu as palavras deslizarem por sua boca, acompanhada por lágrimas. –Me desculpe!

—Tudo bem! – ele disse. –Nós também te amamos. Não precisa contar nada, se não quiser. Só não vá embora, tudo bem? Você foi muito importante para esse grupo e continua sendo.

  Ela afastou seu rosto do peito dele, acabando com o abraço, assentindo com a cabeça. “O amor que pode amar à todos. Não é um amor como esse, mas muito, MUITO melhor. Como quero entender isso!”.

—Isaac, não podemos ir embora?

—E o que faremos com o corpo?

—Sei lá! Vamos cremá-lo na cozinha...

—Ou deixa-lo ai! – sugeriu o Corriqueiro.

  A jovem enrolou uma mecha de cabelo avermelhado no próprio dedo, pensando.

—Deixar o corpo ai. Pelo menos saberão que ela não desapareceu.

  Isaac mexeu a cabeça positivamente, concordando.

—Sim! Vou chamar os outros.

 

    Quando o vento tocou o braço de Taya, ela se encolheu em cima do cavalo. Suas lágrimas formaram uma trilha seca em seu rosto, mas ela nem se importava. Seu pensamento ainda se mantinha naquela mulher. Estava tão distraída que ainda nem percebia a silhueta da montanha à sua frente, ocupada por uma floresta, as duas escondidas pela escuridão da noite. Talvez não a vira por causa de Luke, que estava assentado à sua frente.

  A Mutante encostou a cabeça nas costas do jovem e sentiu algumas penas da asa dele pinicarem sua testa. Ele não deu importância, e nem ela. Luke havia oferecido o lugar para Jessie, mas ela não quis. Havia pouco tempo que voltara a andar normalmente, mas era como experimentar algo bom e esquecido há muito tempo novamente. Ela andava ao lado de Isaac que, com uma tocha nas mãos, se guiava pelo mapa de Inimigo. Ele observava atentamente o mapa pictórico à luz do fogo, o que fazia com que o papel que o formava ficasse com um aspecto bem mais amarelado. O ar gelado adentrou os pulmões dos quatro. Jessie, ainda com a toca por garantia, ouvia de longe o som da cidade. As vozes, as carroças, os animais, as risadas, tudo foi se afastando lentamente deles. Os sons agora foram sendo substituídos pelo silêncio geral da natureza, que só não reinava totalmente pelo piar de algumas corujas e o som de folhas saltitando e árvores balançando ao redor quando o vento deslizava lentamente ao redor deles.

  Sentindo a alegria e – “Ah. O amor!” – Jessie tentava em vão ocultar um sorrisinho. Pelo canto do olho, Isaac percebeu. Era incrível o que um simples abraço e algumas palavras sinceras podiam fazer.

  A ruiva seguia ali, em silêncio. Pensou em seu irmão mas algo a consolou. Era como se dissesse “calma! Tudo vai ficar bem. Você ainda não está na melhor parte da história!”.

Três corujas piaram simultaneamente em diferentes distâncias dentro da floresta à sua frente. Suas orelhas se inclinaram para trás. Também sentia como se alguém estivesse perto deles. Parou de andar e olhou em volta. Todos pararam também.

—O que está ouvindo, Jessie? – perguntou o Corriqueiro.

—Shhh!

—Jessie, o qu...

—SHHHHHH! – as orelhas dela se empinaram de uma forma a poderem ser vistas mesmo sub o capuz. Tinha o som leve de uma quinta respiração humana, mas ela não sabia se era de um Mutante ou Corriqueiro (nem dava para saber). Mas, o cheiro ela reconheceu. Era como, como...ela arregalou os olhos. Lembrou de quem era aquele cheiro. Chegou a se arrepiar.

—Jessie... – Isaac disse novamente.

—Não é nada! – ela disse -Só achei que estávamos sendo seguidos, mas não é nada de preocupante. Deve ser só um animal ou algo assim. Vamos!

 Ela seguiu o caminho, e Isaac e Luke se entreolharam. Taya só voltou a encostar a cabeça nas costas do Mutante. O cavalo voltou a andar e a balança-la. O caminho de relva esverdeada porém escurecida pela noite não representava nada para ela.

 O caminho prosseguiu por entre colinas e campos, até que viram que o céu pontilhado de estrelas sumiu, escondido pela copa das árvores. Estavam entrando na floresta.

 

  Já era madrugada. Tudo em volta deles estava claro e seus olhos podiam ver cada árvore. Estavam no inicio da manhã. Haviam entrado totalmente na floresta, e por todos os lados estavam cercados por árvores, altos pinheiros adaptados ao clima frio de Hangária Mindória. O cavalo bufava e os pássaros cantavam. Pareciam entoar um cântico juntos para alguém, para alguém especial. Jessie pareceu perceber isso e, levantando suas orelhas, começou a escutar o som delicioso. Pássaros, Ajudante, as folhas, as árvores, um córrego à distância, tudo compunha uma música juntos. Ela começou a cantarolar junto com tudo. Deixou que sua voz subisse e descesse tons e notas, tudo cantarolando.

  Isaac olhou para Luke. “O que está acontecendo com Jessie? A mal-humorada e, às vezes, irônica, agora cantarola músicas?”, seu olhar parecia dizer. Jessie cantarolou ainda mais alto quando três passarinhos começaram a piar perto e um ninho de vespas a zumbir longe. Os outros três não conseguiam ouvir todos os sons da natureza como Jessie, mas perceberam que estavam em harmonia, a natureza e Jessie.

—Jessie, está tudo bem? – perguntou Isaac.

—E por que não estaria? – ela disse com uma expressão de paz e alegria.

—Bem, pode ser por causa de que você está diferente. Era irônica e às vezes até mal-humorada, mas agora está tão...diferente.

  Ela sorriu e virou para frente, continuando a andar. Isso não fazia sentido. Enquanto Jessie estava tão em paz, Taya estava tão triste. Eram exatamente dois opostos emocionais em um mesmo grupo. Por quê? É claro, Isaac sabia que precisaria cuidar dos três daquele grupo, principalmente as duas meninas. Ele sabia que elas tinham menos força que Luke, por exemplo (se bem que agora as coisas pareciam estar tão diferentes. Taya, a mais indefesa talvez, possuía peçonha em suas unhas, e Jessie, longas presas. Logo ele e Luke que precisariam de defesa, afinal, as pessoas mais improváveis podem vir a serem as mais fortes). Mas ele se sentia na responsabilidade de cuidar dos três e de...

—Olhem lá! O que é aquilo? – Jessie apontava para algo em meio às árvores.

—Parece...parece uma cabana! – disse Isaac. Apertando mais os olhos, ele concluiu. –Sim, aquilo é uma cabana. Eu vou lá para conferir.

—Eu vou! – disse Jessie.

—O que? Não! Eu vou.

—Isaac, cai entre nós, mas minha audição e meu olfato são mutantes. São bem melhores que os seus, meras percepções de um Corriqueiro. Agora, me dê licença! – seu tom de voz era autoritário.

 Ela começou a andar, mas Isaac segurou o seu braço.

—Tome cuidado! – disse ele, e ela soltou um sorrisinho envergonhado por perceber a preocupação do jovem por ela.

—Relaxe!

  Ela seguiu em frente. Seus ouvidos estavam prontos para ouvir qualquer ruído. Ela se aproximou lentamente da cabana. Á medida que chegava mais perto, sentiu um frio na barriga de medo. “Será que há alguém ali?”.

  Ela chegou perto da cabana. Sua madeira negra e velha denunciava ser antiga, talvez construída justamente para peregrinos que passassem por aquela estrada, ou talvez fora feita para algum caçador. O cheiro no ar de madeira apodrecida era forte. Várias partes dela estavam pintadas pelo musgo, e isso dava à ela uma aparência ainda mais antiga e feia. A jovem se aproximou da cabana. Subiu os degraus  e chegou na pequena varanda, que dava visão para  as árvores. Ela tentou sentir o cheiro de mais alguém , mas não sentiu nada mais do que madeira podre. Aproximou-se da maçaneta, girando-a. A porta estava emperrada, e ela não conseguia abri-la. Então, afastando-se, ela deu um chute bem forte na porta, que fez metade dela quebrar.

  Ela entrou no local. O cheiro de mofo era forte. Ratos e baratas corriam por todos os lados da cabana, que pareciam ter um único cômodo, além de outro bem menor lá atrás, onde estava um forno à lenha.

 Ela verificou, mas não havia cheiro de nada no local. Para falar a verdade, havia um cheiro de mulher, mas ela parecia ter estado lá algumas semanas antes.

  Jessie saiu da cabana, e olhando para os três, ainda no caminho, metros à frente da cabana.

—Está vazia! Podem vir.

 Os três se aproximaram. Quando já estavam próximos, Isaac disse para Jessie:

—Está tudo bem?

—Não há sinal de habitação. Senti um leve aroma de uma mulher, mas ela parecia ter estado aqui semanas antes. Não há mais ninguém.

—Tem certeza? – perguntou Isaac.

—Absoluta! Só tem o problema do forte mofo.

—Isso não é bom, mas veremos.

—Se eu entrei e saí viva, acho que dá para pelo menos usar o forno à lenha.

—Hã...gente! Falando sobre comida... – Luke disse. Havia descido do cavalo e verificava a bolsa de alimentos. –Temos um problema grave.

—O que? A comida não acabou, ainda havia algumas frutas um dia desses. – exclamou Jessie.

—Exatamente. Essas frutas estão aqui faz algum tempo e, hã...acho que o nosso estoque de comida apodreceu.

—Ah, que ótimo! – gritou Isaac, com raiva.

—Calma Isaac. Podemos caçar e resolver isso.

—Tínhamos toda a comida aqui conosco, em nossa mão, mas...Bah!

—Mas...

  Enquanto os dois discutiam, Luke olhou para Taya, que olhava para baixo.

—Segure no meu ombro Taya, para descer do animal.

  Ela levantou a cabeça. A feição era de extrema tristeza.

—O que está acontecendo Taya? Você não era triste assim. Eu amava te ver sorrir... Cadê aquele seu sorriso? – ele amava mesmo.

—Eu...eu não sei! Nada mais faz sentido, nada mais me dá alegria. Por que eu tive que matar aquela mulher?

—Ah Taya! – ele tocou o rosto dela. Ela o abraçou, mesmo em cima do cavalo, e então ele a puxou para fora do animal. Colocando-a no chão, a jovem o abraçou ainda mais forte. –Eu estou aqui!

  Ele beijou o topo da cabeça dela. A Mutante afundou seu rosto no peito dele.

  De repente, Jessie deslizou os olhos pela floresta a procura de alguém. Seus ouvidos empinados ouviam algo. Esperava ter sido a mesma pessoa da noite passada, mas o cheiro era diferente.

—Quem está ai? – ela começou a chegar perto da borda da floresta. Viu uma silhueta. –Quem é você?

  Uma criatura mutante se aproximou. Tinha braços despidos de pelos e uma pele rosada. Suas pernas eram estranhas e nojentas, enrugadas. Seu rosto era marcado por pequenos olhos amarelados e presas enormes. Não tinha cabelo, mas andava a duas pernas como ser humano. Era magro a ponto de poder ser visto seus ossos.

  A criatura começou a rosnar.

—Jessie, venha para cá! – disse Isaac. Ele já planejava em pegar rapidamente sua espada para matar a criatura, mas não sabia se seria mais rápido do que ela.

  Luke começou a puxar lentamente Taya para trás, e ela mantinha seus olhos fixos na criatura. Mas, apesar de tudo, Jessie continuava parada.

—Vem para cá, Jessie! Jessie!

  Mas ela parecia nem ouvir. A criatura começou a mostrar as presas para a moça. De suas costas, seis pernas como as patas de uma aranha, porém enormes, surgiram e começaram a apontar para Jessie.

—Jessie! Venha...

 A criatura deu um passo para frente, e depois outro, e outro.

—para...

 Ela começou a roncar mais alto, agora ainda mais alto.

—cá...

 O bicho soltou um rugido alto, enquanto Jessie fechava os olhos.

—agora!

  Isaac correu em direção ao cavalo que guardava sua espada, mas era tarde. A criatura pulou em cima da jovem Mutante.

—JESSIE! NÃO, JESSIE! – gritou Isaac.

 De repente, a criatura caiu no chão, dura e na mesma posição que estava quando pulava em cima dela, como se tivesse congelado instantaneamente durante o salto. Mas, o mais impressionante era que Jessie apontava a mão para cima, para onde a criatura estava.

  Isaac correu até ela, acompanhado pelos outros três. Parecia sair uma fumaça leve e quase invisível da criatura que também envolvia a ruiva.

—O que foi isso Jessie? – perguntaram os três, assustados.

  Ela virou-se lentamente para os três.

—Tenho um segredo para contar!


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Notas finais do capítulo

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