OverTime - The Overwatch untold escrita por AllBlueSeeker


Capítulo 1
A Família Morrison


Notas iniciais do capítulo

Vou começar com essa, que é um gosto meu e uma homenagem a um grande amigo meu. Espero que fique do agrado de todo mundo



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 Busan, Coreia do Sul. A humanidade vive em paz e progride assustadoramente em paz com as máquinas. Um destino pitoresco para dois agentes da famosa Overwatch, a protetora da humanidade. Decidindo tirar umas férias de seus afazeres, o Comandante de Ataque Jack Morrison escolheu seu destino para a Coreia por indicações de seus amigos do Quartel General. E com ele foi Angela Ziegler, a oficial médica da equipe. Há algum tempo, os dois criaram um laço muito mais forte do que a amizade costumeira e, fomentados por Gabriel Reyes, Torbjörn Lindholm e Reinhardt Wilhelm, os dois se deram uma chance. 

Numa noite, os dois estavam voltando de um jantar num restaurante que a própria Angela escolhera e repetira desde o primeiro dia na cidade:

   -K-Pop, comida estranha... Eu devia mesmo me ouvir e não te ouvir. Onde tem uma rede de fast food aqui?

   -Jack, você comeu duas porções de Bulgogi sozinho. Quer enganar quem?

   -Eu estava apenas garantindo que você não comece nada ruim  -tentou disfarçar - Você está desmerecendo o serviço voluntário do meu estômago?

Ela apenas sorriu, e ele se deu por vencido. Tinha acabado de chover, e a rua estava cheia de pessoas. No caminho de volta à casa alugada por eles, os dois passaram a um templo. O lugar tinha poucos frequentadores e apenas uma lanterna iluminando, onde uma mulher falava sozinha com um cesto e um holo-comunicador verde. Os olhos atentos do Comandante assistiram àquilo e geraram um incômodo em seu coração:

   -Angela...

   -Sim? -a jovem suíça estava distraída com o horizonte

   -Esqueça... Já passou.

   -O quê?

   -Não, não é nada. Foi um pensamento passageiro. 

Chegaram em casa, e o incômodo ainda não havia passado. Ele decidiu, então, pegar um pouco de café. Angela estava na sala, assistindo o noticiário suíço no grande televisor:

   -Algo interessante? 

   -Não. Nada que mereça nossa atenção, meu bem. 

   -Que droga, o cheiro de munição pela manhã me faz uma falta danada...

   -Devo lembrar que estamos, aliás, que VOCÊ se pôs de férias e eu só vim como convidada? -ela pôs a cabeça no marco da porta para observar a reação de Jack, e se contentou com um olhar deveras revoltado - Você não trouxe nenhum armamento, né?

   -Não...

   -Jack.

   -Eu falei "não", Angela. 

   -Ja-ack. -ela suavizou o tom

   -Não é como se meu rifle estivesse no armário e eu fosse pegá-lo a qualquer momento. -ele sorriu, com a caneca nos lábios - Juro mesmo!

 Ele terminou seu café e sentou-se ao lado da loira, puxando as pernas dela para seu colo. Depois do noticiário, ela mudou para um canal onde passava um programa de comédia bem comum na Ásia, onde pessoas deviam completar um circuito de atividades para receber um determinado prêmio. Um bom tempo passou, e Angela acabou adormecendo. Morrison pegou a jovem nos braços e a pôs na cama, beijando sua testa. Voltou para a cozinha e buscou seu comunicador:

   -Aqui é a Capitã Amari. 

   —Ana, sou eu. Preciso de um conselho.

   —Ora Comandante, é uma honra poder ajudá-lo. Tem algo a ver com a Dra. Ziegler? 

   —Não. Eu não sei explicar direito.... -ele tentou descrever a situação que vira no templo e o incômodo incessante que sentia até aquele momento - Eu não sei o que fazer.

   —Ora, volte até lá. Aproveite que a Angela está dormindo e vá. Tenho certeza que você pelo menos levou uma pistola de íons consigo e seu monóculo tático, não é?

   —Um homem não pode andar por aí sem suas ferramentas, não é? E nem uma palavra sobre isso. 

    -Está tudo bem, senhor. Não posso perder a confiança que garante meu título de segunda em comando na Divisão de Ataque Morrison. Antes que pergunte, sim, estamos todos bem. Os meninos mandaram lembranças.

   -Aqui já é bem tarde. Você tem alguma ocupação para logo mais?

   —Creio que não. A Overwatch está calma. Jesse e Fareeha estão brincando com o Winston e a Cadete Oxton. Os rapazes estão jogando poker na mesa de reuniões, e eu estou na cozinha. 

   -Capitã, Segunda em comando, mãe, esposa do Reinhardt... Sua versatilidade não tem limites, hein? Vou verificar a situação, e te aviso o que encontrar. Morrison desligando.

O Comandante largou seu comunicador sobre o balcão e, de fininho, pegou suas "ferramentas" e um sobretudo no armário. Fechou a porta na maior sutileza, destinando-se ao templo. Pôs o scouter em seu olho direito e conferiu a funcionalidade de sua pistola azul. Caminhou com as mãos nos bolsos, em meio a uma chuva fina e com ventos frios. Ao chegar no portal, conferiu a passagem de transeuntes, sacou a pistola e assegurou o perímetro com seu detector de calor. Nada. Apenas um choro de bebê incessante. Algo dentro de si mandou ele se apressar em direção ao lugar onde vira a mulher mais cedo. O choro aumentou e, por instinto, ele derrubou a porta de uma pequena casinha. Lá estava a cesta, de onde vinha o choro de bebê, e muita sujeira com roedores ao redor. Jack atirou em todos eles e tirou a cesta de lá de dentro, carregando-a nos braços até chegar debaixo da marquise do templo. Desembrulhou a criança e conferiu se ela não tinha nenhum ferimento ou problema aparente:

   -Uma criança... Que diabos?! Aquela devia ser a mãe, mas... Por que largá-la logo aqui? O que eu faço? Argh! Por que isso só acontece comigo?! 

A garotinha parou de berrar e abriu seus olhinhos puxados, estranhamente fitando Morrison. Estendeu as mãozinhas em direção ao rosto dele:

   -O que foi? Parou de chorar? 

Ele aproximou o rosto das mãozinhas dela e deixou que elas passeassem sobre sua barba rala e espetada. A menininha começou a rir e a brincar com aquilo, o que arrancou um sorriso nunca antes visto no rosto do Comandante, juntamente com uma sensação de calma:

   -Então você está tentando agradecer o tio estranho por ter te salvado daquela sujeira? Está tudo bem. -Jack puxou de si o cachecol e envolveu a garotinha. Era um cachecol vermelho, com flores de cerejeira que ganhara em um de seus aniversários do seu pessoal. - Que tal se eu te chamasse de Hana, hein? 

Ela riu e gritou alto:

   -Você gostou de "Hana", não? Que jeito de se expressar... 

Mas algo ainda não estava certo. Uma figura curvada e protegida por um guarda-chuva apontava no portal do templo. Jack passou a mão pelo cabo da pistola e deixou-a pronta para qualquer coisa. A figura proferiu uma voz idosa:

   -Com licença, esta é a criança chorosa?

   -Sim. Eu a encontrei ali dentro, em meio à sujeira e roedores. Ela é sua? 

   -Sim, é minha netinha. Minha filha largou ela aqui, porque não pode criá-la. Pode por favor me entregar a criança?

A velha não se parecia nada com aquela mulher. O Comandante resolveu jogar aquele jogo:

   -Aqui. Espero que a senhora possa criá-la de forma digna. Se me permite, eu tenho que voltar para casa. -ele deixou a criança nos braços da mulher e trocou um último sorriso com ela - Adeus, Hana. Fique bem.

Assim que deixou os braços do homem, a garotinha disparou a chorar outra vez. O incômodo no coração voltara, mas ele manteve-se firme. Rapidamente, configurou seu monóculo para traduzir simultaneamente qualquer frase no idioma coreano e reduziu seus passos. Não ouviu nada, até que:

   —Certo, criança amaldiçoada e bastarda, aqui está a lâmina que purificará o pecado da sua existência e nos fará ter prosperidade a partir de hoje. Aquele moço até que foi tolo, não percebeu que você era o jantar daqueles roedores e acabou prolongando sua vida inútil. Pois bem, a vovó vai te por pra dormir pra sempre. Morra!

—VOCÊ ESTÁ NA MINHA MIRA! —uma única bala de energia atravessou a cabeça da velha assassina enquanto o Comandante corria para pegar Hana nos braços. O corpo da mulher bateu no chão segundos antes das mãos dele alcançarem a menina em segurança. O cachecol caiu sob a poça d'água e ela de novo ficou quieta, apenas encarando o homem e a luz azul emitida pelo visor. Ele bufava, cansado:

   -É, eu ainda levo o jeito. Desculpe por deixar você na mão daquela mulher, Hana. Mas não posso te levar pra casa... Não creio ter tempo de criar uma criança, e não sei como a Angela reagiria... Preciso da Ana e-- Ah, merda, onde está o meu... -ele se lembrou de tê-lo deixado no balcão - Ah Jack, seu imbecil! Você só trouxe o de curto alcance...  Certo, Hana, olhe bem pra mim: Você precisa ficar quietinha. Nós vamos até a minha casa buscar uma coisinha que vai me ajudar a achar um lar pra você. 

A menininha sorriu e, de novo, pôs suas mãozinhas na barba rala do homem. Ele a ocultou sob o casaco e marchou para casa. Abriu a porta com cuidado para ter certeza que não seria notado, e o sensor de calor acusou que Angela estava dormindo ainda. Ótimo. Numa investida rápida, ele refez a ligação para a Capitã Amari, mas quem atendeu foi o nobre Tenente Reinhardt Wilhelm:

   -Essa é a linha da sra. Wilhelm. Que-- Ah, saudações Comandante! Como vão as férias?

   -Indo, Reinhardt. Cadê a Ana?

   -Foi cuidar das feridas da Fareeha. Ela caiu do planador com o Jesse?

   -Aquele pivete está usando meu planador de novo? Argh, Gabe, eu já falei mil vezes!

   -Se me permite, senhor, dessa vez não foi o Reyes. O Jesse pegou porque quis, e a Fareeha foi atrás. Nós, pais, sempre sabemos no fim das contas. Um dia, quem sabe, o senhor entenda isso. Ah, ela chegou! Querida, é o Jack! 

   -Desculpe por tê-lo feito esperar, senhor, mas tive que cumprir meu dever. -ela sorriu

   -Por falar em dever... -ele apontou o comunicador para a pequena Hana, que ficou impressionada e estendeu as mãozinhas - Esta é a Hana. Ela é a "situação". Acabei de salvar sua vida duas vezes, mas não posso criá-la. Ana, será que você pode pedir ao Winston para procurar um lugar de ponta para criá-la? 

   -O que há de errado com ela?

   -Bom, nada, mas... O que quer dizer com isso?

   A egípcia inspirou fundo e disse, calma:

   -Jack, veja a alegria desta pequena nos seus braços. Sei o que seu coração está sentindo, e mais ainda que ele quer que você fique com ela. Ou será que estou errada?

   -Mas eu tenho a Angela. Não sei se ela está preparada para uma criança... Não somos nem ao menos casados. 

   -Por que não pergunta a ela? 

   -Eu sei lá... 

   -Não se deixe levar pela dúvida, Comandante. Pense nisso como uma missão, e o bem estar da pequena Hana é o objetivo-mor. Amari, desligando.

   -Ana, esper--! Ah, droga... 

Jack encarou a pequena, que o encarava de volta com semblante curioso. Rapidamente, ele fez uma careta e viu Hana cair na gargalhada. Uma gargalhada potencialmente alta, o suficiente para:

   -Olha só, nós temos visitas -apareceu Angela, coçando os olhos - O papai não vai me dizer o que está acontecendo?

   -Ah, merda. Era só o que faltava.

   -Por que vocês estão molhados? 

Ele contou parte a parte do que aconteceu, inclusive sobre a velha assassina. A dra. Ziegler tomou Hana nos braços e a levou até o banheiro para secá-la. As duas acabaram interagindo uma com a outra, e o mesmo sorriso no rosto de Morrison brotou em seu rosto, acompanhado da sensação única:

   -Angela... Nós não podemos ficar com ela. Pedi à Ana para avisar ao Winston que estou a procura de um lugar bom o bastante para deixar a Hana.

   -Hana? -a garotinha de novo sorriu - Ela gosta mesmo desse nome. Sabe Jack, eu não vejo problemas em criar essa criança. Talvez a presença seja um sinal que precisamos trabalhar em equipe, e que alcançamos uma nova missão. 

   -Você... 

   -É, eu estou aceitando criá-la com você. Estou me sentindo estranhamente bem com essa bochechudinha rindo. Uma sensação de paz bem estranha. 

   -Certo, me dê ela aqui. Hana, olhe pra mim.

Morrison pôs o dedo indicador frente aos olhos da garotinha e testou para ver se ela o acompanhava. Teste feito e resultado obtido. Levou o dedo até o rosto da jovem suíça:

   -Mamãe.

Depois, trocou para seu dedão e apontou para o próprio rosto: 

   -Papai. E aí, o que você acha?

A menininha soltou outro gritinho animado. Balançava os bracinhos na direção dos dois, que trocaram um olhar de aceitação e orgulho: 

   -Seja bem-vinda, agora você é uma Morrison honorária. Hana Morrison. Agora é hora de dormir, garotinha. Seu pai está mandando. 

   -Vem com a mamãe, vem. -Angela a carregou para o quarto -Ah e... Eu sabia que você tinha trazido equipamento. -ele gelou - Ainda precisa de treinamento pra tentar me enganar, Jack.

   -Bom... Eu tentei, né. -ele sorriu, dando de ombros

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13 anos se passaram desde aquele dia que mudou o destino da "família" Morrison. Hana agora era uma jovenzinha, e Jack e Angela assumiram um casamento que foi um grande evento até mesmo televisionado no Quartel da Overwatch. A garota desenvolvera um gosto e uma facilidade absurda para mecânica, já que passava um bom tempo com o "avô" Reinhardt e o "tio avô" Torbjörn. Com o auxílio dos dois, ela conseguiu seu primeiro robô movido a controle, e ela o batizou de "Mecha":

   -Olha, ele está vivo! Tio Björn, dá pra melhorar ainda?

   -Querida... Você é promissora. Mas acho que não. 

A alegria dela se tornou um enorme beiço de desapontamento:

   -Veja pelo lado bom, querida - Reinhardt pôs a mão sobre o ombro dela - Ele é a sua primeira criação e, consequentemente, seu primeiro protótipo. Você já sabe construir esse carinha. No próximo, use o que aprendeu com esse aí e transgrida as limitações dele.

   -Exatamente. Quem sabe o próximo tenha um futuro mais longo. Tenho certeza que você vai conseguir.

A garotinha deixou a oficina desapontada consigo mesma, indo direto para a cozinha buscar refrigerantes e salgadinhos. Seu quarto não ficava muito longe dali. No chão mesmo, ela abriu o pacote e virou todos os salgadinhos em sua bacia de coelhinho e deu a primeira golada na lata de refrigerante de cola. Como um anjo guardião, a mãe apareceu:

   -Seu avô me contou o que aconteceu, filha. Não se pese tanto, aquele foi o seu melhor. Vamos, anime-se.

   -Mas eu não entendo, mamãe... O Genji também é meio robô, e ele recebeu muitas melhorias. Por que o Mecha não poderia?

   -Mas o Genji é um caso a parte. O Mecha não tem nada humano senão a engenharia coreana da melhor qualidade. 

   -Ah... Certo... 

Em seguida, veio o pai estendendo um pacote preto para Hana:

   -O que é isso?

   -Toma. O carinha disse que esse é o top de linha. Me custou uma nota.

Ela desfez o embrulho e quase enfiou o presente nos olhos:

   -PAPAI, VOCÊ ME COMPROU O NOVO STARCRAFT?! MAS ELE É MUITO CARO E... E... Pai, onde cê comprou?

   -Não é caro quando minha filha é a aluna destaque do colégio. -ele sacou o papel do bolso do colete - Acabei de pegar. Parece que o nome "Morrison" tradicionalmente é o melhor. E tem tanto 100 nesse papel que ele parece ser mais caro do que paguei nisso aí.

   -Mas... Ele é um lançamento.

   -Seu velho manja das coisas. -ele sorriu

   -Obrigada, papai. Obrigada, mamãe. Eu já...

   -Sim, claro. Vamos estar lá fora para qualquer coisa.

Os dois deixaram a garota a sós. Algumas horas, muitos pacotes de chips e refrigerantes depois, Hana era aclamada em todas as partidas por onde passava. Todos os jogadores que a conheciam pediam para que ela fizesse transmissões para que eles aprendessem suas técnicas. Por um momento, ela se desconectou de sua estação de jogo e foi procurar pela mãe. Angela estava sentada com uma pilha de prontuários para análise:

   -Manhê!

   -Eu!

   -Eu preciso pedir um conselho. -e disse o ocorrido - O que eu faço?

   -Seria legal se você não dissesse o seu nome verdadeiro, pra qualquer caso. Se bem que nada de ruim poderia te acontecer, porque seu pai ia caçar o indivíduo como um lobo faminto. Você se lembra da historinha da vovó fantasma?

   -Aquela com o pistoleiro herói? Papai me conta quase todo mês. Eu adoro muito. Aí ele chega e: pew! E salva a garotinha em perigo e dá muitos doces pra ela!

A mãe sorriu, e pôs a mão na cabeça da filha:

   -Hana... Se te faz feliz, vá atrás. As pessoas fazem tanta questão da sua presença, então dê a eles o que querem. Seja o exemplo. Seja uma Morrison. 

   -Eu estava pensando em usar "Hana Song" como um pseudônimo. Eu não me sinto confortável não me chamando Hana. Tenho um treco com esse nome que nem eu entendo. Meu nick online já é D.Va, então acho que já tá tudo certo. Ah, mãe, a senhora se importa se eu um dia trabalhar com isso?

   -Isso não é comigo, querida. Eu sou uma mãe orgulhosa desde que te vi à primeira vez. Você fez a minha vida e a do seu pai ser uma aventura e tanto. Se o que você quer é trabalhar com isso, a mamãe até pode arrumar um tempo pra te assistir de vez em quando. 

—Ebaaaaa! Obrigada mãe, você é a melhor! 

A garota correu de volta ao quarto. Nisso, Jack apareceu:

—Será que ela acredita que você a adotou no hospital em que trabalhou um tempo e que a história da velha bruxa é só uma história?

   -Ela é sua filha. Talvez acredite que nem você acredita naqueles seus filmes...

   -São CLÁSSICOS, Angela.

   -Certo, certo... Seus "clássicos".

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Anos mais tarde, Hana conseguira uma fama monstruosa e um número incontável de fãs e inscritos em suas livestreams. Um dia, o pai bateu na porta de seu quarto:

   -Hana?

   -Oi, pai. Pode entrar.

Ele pôs a cabeça para dentro do quarto:

   -Tá tudo bem, filha? 

   -Tá sim. Acabei de terminar uma transmissão de 10h jogando e conversando com os inscritos. Eu tô bem cansada.

   -Você tava transmitindo com ESSA blusa? -ele se referia a uma blusa dos Jogos de Verão que ele ganharam há quase 30 anos e ela tomara posse sem nem ao menos avisar - Essa velharia?

   -O jogo tava acirrado. Eu precisava da minha armadura mística que eleva a percepção ao máximo e mantém a mira calibrada.

   -É uma camisa velha do seu pai, Hana.

   -Exatamente. É a Armadura Morrison da Precisão Divina. Não erro nada com ela. 

   -Tsh... -ele sorriu - Quer tomar café? 

   -Não, eu tô de boa. Só vou dormir um pouquinho. Talvez o Lúcio venha aqui mais tarde.

   -Argh, aquele pivete...

   -Paiê! Eu tenho 19 anos, tá?

   -Não gosto daquele pivete pensando coisas impuras sobre a minha menininha. Eu devia ter sido mais rígido com ele desde o começo. 

   -Você é chato hein, Comandante Superprotetor... Vai, dá licença, eu tô cansada. 

Algumas horas mais tarde, após eu merecido descanso, a garota se juntou à família para o almoço:

   -Ah, Hana, venha. Eu acabei preparando uma coisa que seu pai gosta muito e é um prato típico da Coreia: Bulgogi. Você até que dormiu pouco.

   -Nah, eu tô descansada. Obrigada, mãe. 

   -Você sabe que o aniversário do seu pai tá chegando, né? E aí, o que daremos de presente pra ele?

   -O papai sempre tem tudo. Perde a graça comprar as coisas e ver que ele tem uma igual, sempre na cor azul. Não pensei em nada pra ele ainda.

   -Surpreenda seu pai. Ouvi dizer que ele está te imitando e jogando online. Ele é bom. Já ouviu falar num tal de "Soldado:76"? 

   -Ah, já. Esse não é o cara que ficou famoso com o tiro em primeira pessoa? Puxa... E pensar que é o meu pai. Uau. Realmente, o nome "Morrison" é O nome.

   -Mas não conta pra ele, tá? Finja que você não sabe que é ele.

     -Sim, senhora. Ô mãe, eu vou sair com o Lúcio tá? Se eu achar, compro algo pro papai. 

   -Tudo bem, querida. Desde que você volte pra cá.

   -Relaxa, eu não gosto muito de dormir sem a blusa do papai. Me dá uma insônia indescritível...

   -Vocês dois são ligados assim desde sempre. E ele morre de amores pela filha que ele tem. 

   -Ele é superprotetor, mas é o meu pai superprotetor. Sabe mãe, às vezes eu sonho com um lugar chovendo e o papai olhando pra mim enquanto fala coisas incompreensíveis. E uma sombra que me dá medo, mas depois o papai aparece de novo e tudo fica claro. E depois vem você, e uma cama com cobertores amarelos. Isso quer dizer algo?

Angela ficou em silêncio, buscando uma resposta:

   -Talvez seja só um sonho que, na sua cabeça, simbolize essa ligação sua com seu pai. 

   -Mãe, se seu silêncio for pelo que eu acabei de falar, saiba que a senhora é meu anjo guardião, e sempre esteve por perto pra me trazer a luz. 

   -Eu sei, meu bem. Não foi por isso que eu fiquei em silêncio. Ah, é a campainha! Por que não vai atender?

—Papai esqueceu as chaves de novo?

  -Não, ele saiu de carro mais cedo com o Gabe.

   -Então é o Lúcio! Ai, eu tô desarrumada?

   -Não, querida. Você está ótima, como sempre -Angela riu - Vai lá.

O jovem brasileiro apareceu, cordial e bem vestido:

   -Oi dona Angela, posso entrar?

   -Oi Lúcio, pode sim. Gostaria de almoçar?

   -Não, eu tô suave. Acabei de vir do estúdio, e almoçamos lá.

   -Compreendo. Você se importa em esperar a Hana almoçar?

   -Não, tá tranquilo. Deixa a gatinha fazer o tempo dela. Posso assistir TV?

   -Sim, fique à vontade.

Depois de um longo tempo entre almoçar e se arrumar, os dois jovens saíram do carro do brasileiro. Numa certa altura do trajeto: 

   -Peraí Lu, para o carro!

   -É a primeira vez que você me chama de Lu, gatinha. O que foi?

   -Estacione por aqui. Eu preciso fazer uma coisa importante. 

   -Certo, vai lá. Eu te espero.

O carro anti-g verde taxiou e pousou na vaga. A garota soltou o cinto de segurança e disparou em direção à loja. Lá, foi atendida por uma jovem senhora africana:

   -Pois não, em que posso ajudar?

   -A senhora faz encomenda? -ela bufava

   -Sim, claro, mas sai mais caro. 

   -Não interessa.... essa.... parte.... Me dá só um segundinho.

Hana recuperou seu fôlego e abriu o modelador 3D. Com agilidade e precisão, ela criou três modelos e enviou-os para a senhora:

   -Preciso disso para daqui a uma semana. A senhora consegue?

   -Oh, que belo. Acredito que até o fim da semana fique pronto. Pode pagar quando vier buscar?

   -Claro, claro, pode ser. Obrigada, senhora.

E retornou ao carro quase no mesmo passo. Os dois ficaram juntos até o início da noite, quando ele a levou de volta pra casa:

   -Tchau, gata. A gente se vê online?

   -Claro, querido, o que seria de mim sem meu parceiro favorito? Até daqui a pouquinho!

Assim que entrou em casa, Hana perguntou sobre o paradeiro do pai:

   -Ele já chegou, e está no escritório, provavelmente jogando. Por que não vai lá vê-lo?

   -Antes, eu preciso te mostrar uma coisa. Veja.

   -Nossa filha, que carinhoso! Mas espera, esse ali é meu?

   -É, você também merece um.

A suíça sorriu, sem palavras. A garota se embrenhou pelos corredores da casa até ouvir a voz do pai. Bateu duas vezes e abriu um espaço na porta:

   -Papi?

   -Oi Hana, vem cá.

   -Você tá ocupado?

   -Não. 

   -Desde quando você joga video-game?

   -Desde que eu comecei a me interessar, e jogar secretamente no seu quarto. 

   -Ah, então você é o "Soldado:76" que aparecia nos meus recordes de arcade.

   -Puxa, eu achei que apagava depois de escrever... Aí eu comprei esse mais velhinho pra eu me acostumar. E ele até que tem um bom servidor. Não sou tão bom quanto você, filha. 

   -Mas é bem famoso. Parece que ser um Morrison é estar sempre no topo.

   -Espera, você sabia?

   -Bom, sim e não. Eu já tinha visto sobre um Soldado:76 ser o melhor jogador de tiro em primeira pessoa, mas não esperava que fosse a pessoa mais óbvia de todas. 

   -Eu sou óbvio assim?

   -Não é isso, pai... Ai, olha, o que eu quis dizer é que você tem o costume do campo de batalha. E eu acredito que no seu tempo de recruta tenha passado por simuladores. E eu sei das suas histórias da época da Overwatch. O senhor era foda! Não me admira que o cara mais foda dos tiros seja o próprio Comandante de Ataque da Overwatch.

   -V-você acha que eu levo o jeito? -ele sorriu, um pouco orgulhoso

   -Cara, você é o meu pai! É claro que sim! E quer saber mais, larga esse aí e vem comigo. Hoje a live vai ser sua.

No quarto de Hana, os preparativos para a live da noite foram feitos. No início, ao ver o homem na cadeira da garota, os seguidores pensaram que ela fora hackeada. Mas logo ela apareceu do lado do pai, explicando a situação toda. Um dos inscritos sugeriu um jogo que fez a garota ter certeza que o pai iria gostar: um simulador de guerras de quase 200 anos antes. E, como era de se esperar, o Soldado:76 foi o líder de placar nas 16 rodadas. Ela apenas observava, orgulhosa, o pai marcar pontos matando inimigos numa velocidade incrível e com uma precisão invejável. No fim da live, as pessoas pediam por mais participações do lendário "pai da D.Va":

   -Viu, papai, você é foda! -ela batia palmas, animada

   -É... Eu levo o jeito. Acho que fiz direito com a live, né?

   -Eu estou orgulhosa do seu desempenho. Quando eu crescer, eu vou ter esse placar também. Aliás, o que o senhor quer ganhar de aniversário, já que está chegando a grande data?

   -Eu não preciso de nada, querida. Já tenho tudo o que preciso desde sempre.

   -Sabia... -ela soou desapontada

   -Quer saber? Me surpreenda! -ele abriu os braços - Você já me conhece a tempo o bastante pra saber como fazer isso! E agora, se me der licença, deve estar na hora dos esportes, e eu preciso assistir com sua mãe.

O velho Morrison saiu, fechando a porta:

   -Mas é exatamente o que eu ia fazer. -ela sorriu, serelepe

Uma semana se passou, e finalmente chegou o dia do aniversário do pai. Logo cedo, ela pediu para o namorado buscar os presentes e transferiu para ele a quantia de pagamento. Ainda era cedo, e Jack Morrison ainda deveria estar no estágio final de sua sinfonia de roncos. Rapidamente, Hana foi para a cozinha fazer a cafeteira trabalhar a bebida sagrada de todo dia, e as torradas que ele tanto gostava. Minutos depois, sua mãe apareceu assustada:

   -Hana? 

   -Oi mami, você demorou! Acho que tá faltando alguma coisa. 

   -Deixa que eu assumo aqui. Fica atenta pra enrolar ele se aparecer no corredor. 

Passos de chinelo sobre o piso: era ele. A campainha tocou, e a garota ouviu um: "Malditos pivetes, saiam do meu gramado!" ecoar da esquina do corredor. Voltou correndo a ponto de ver Lúcio com os presentes e Angela já usando o seu, sentada em sua cadeira frente à mesa farta:

   -Eu adorei, filha. Rápido, pega o seu!

A garota se vestiu e tomou seu lugar ao lado do namorado. Nisso, o Comandante surgiu limpando os olhos e espreguiçando: 

   -Bom dia, fam--

   -FELIZ ANIVERSÁRIO! 

Ele parou, fitou a mesa e suas duas garotas, além do "intruso" no conjunto:

   -O que vocês estão vestindo?

   -Esse é seu, sr. Morrison. Parabéns pelo dia! -Lúcio estendeu o embrulho amigavelmente

   -Obrigado, pivete. 

Aquele fora o presente mais surpreendente que ele recebera. Não era azul, mas era algo único: Um belo suéter branco e rosa, com o coelhinho característico de Hana, com os dizeres "D.Va's daddy" no peitoral. O de Angela tinha vários anjinhos amarelos e dizia "Their angel". Já o de Hana era azul, tinha o número 76 em vermelho por toda a extensão e dizia, bem grande: "Soldier:76's baby":

   -Agora você não pode dizer que tem tudo, pai. Isso aí você não tinha, e eu posso garantir. Espero que você tenha gostado.

   -Vocês duas... -os olhos do homem não paravam de lacrimejar - uma hora vocês vão matar esse velho coração. É o melhor presente, obrigado família Morrison. 

   -Você merece, querido. -Angela sorriu - Agora venha, vamos tomar o café de aniversário do melhor Comandante, pai, jogador nas horas vagas e marido do mundo.

   -Certo, mas as torradas são minhas. E o café também! -ele sorriu, enquanto vestia seu suéter novo

 

—FIM

 

 

 


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