KAYLA

Estávamos cansados demais e por acaso toda aquela confusão havia acontecido num hotel. A solução para onde dormir era meio lógica, mas não necessariamente confortável considerando a cena sangrenta daquela praça central do hotel que deixava o resto dele parecendo um cenário de filme de terror. Mesmo depois que procuramos o andar e corredor mais sem aparentemente normal, eu continuei com a sensação de que ali não era um lugar para relaxar e dormir. Mas, apesar de tudo, eu dormi feito uma pedra. Foi bastante cansativo tentar manter Annabeth viva quando cortaram o pescoço dela.

Quando acordei com a luz entrando forte pela janela, notei que outra que pareceu ter dormido muito bem, foi duas das minhas colegas de quarto, Zia e Piper. O que fazia total sentido, já que elas realmente pareciam muito cansadas quando achamos aquele quarto para invadir. O que também era normal já que uma usou muita magia na luta e a outra estava ali no hotel lidando com monstros a mais tempo que todos. 

Como aquele quarto era composto por duas camas de casal, nós as dividimos também com Reyna. Não sei o quão boa a noite de sono havia sido para ela, mas, como Reyna parecia ainda um pouco cansada quando acordamos, imagino que ela já teve noites melhores. 

Como as coisas dentro do quarto ainda estavam lentamente voltando à vida, eu aproveitei o banheiro vazio para tomar um bom banho. Felizmente, hotéis também davam shampoos, sabonetes e afins. Então seria de fato um bom banho. Mas eu nem tinha terminado de tirar as roupas, e ouvi um grito vindo do quarto.

— MALLORY FOI SEQUESTRADA! - exclamou Zia.

Eu conhecia o nome, já tinha entendido que ela era do grupinho dos nórdicos, mas não tinha a conhecido ao vivo ainda. Afinal, pelo o que eu me lembre, ela devia estar com as caçadoras desde quando Clarisse se juntou a elas também, e isso já fazia bastante tempo. 

Enrolada na toalha, eu abri a porta do banheiro e botei a cabeça para fora e vi Piper e Reyna sentadas ao redor de Zia prestando muita atenção no celular na mão dela.

— Quem é Piper? - perguntou Piper.

— Uma semideusa de algum deus nórdico. Ela estava junto com as caçadoras. - explicou Reyna mas evidentemente preocupada - País de Gales… Tenho que ir pra lá. Algo com certeza aconteceu com as caçadoras, a Mallory estava com elas.

— Não vai mais pra Phoenix então? - perguntei.

— Provavelmente não. - disse Reyna levantando o olhar notando que eu tinha saído do banheiro - Queria falar logo com Lady Ártemis. Kayla, se importa se eu interromper um pouco sua tentativa de tomar um banho para mandar uma Mensagem de Íris para as caçadoras? Vai ser rápido… espero… 

— Claro que não. - respondi indo para o banheiro de novo - Vou só… pegar minhas roupas.

Reyna parecia preocupada então não tomei o tempo dela me vestindo de novo. Ela até praticamente saiu correndo pra dentro do banheiro. Apenas… né… não queria deixar minhas roupas lá largadas. E estávamos só nós quatro ali mesmo, por mais que eu não conhecesse Zia e Piper, especialmente a Zia, tão bem assim. Mas de certa forma, apesar dos problemas e preocupações, era como se estivéssemos na manhã após uma festa do pijama.

— Sabem dizer se os demais acordaram? - perguntei para Zia e Piper enquanto Reyna tentava fazer a Mensagem de Íris no chuveiro.

— Não… - respondeu Zia.

— Também não… - respondeu Piper se levantando da cama e se apoiando na parede do lado oposto da porta do banheiro, acho que queria ouvir melhor a conversa de Reyna - Mas acho que ouvi alguém vindo aqui e conversando com a Reyna no meio da noite pra ver se estava tudo bem. Acho que foi o Grover.

Estrategicamente posicionada em um lugar onde minha imagem enrolada numa toalha não fosse aparecer para Ártemis e as caçadoras dela, ouvi que a Mensagem de Íris parecia ter se conectado e, embora de meu esconderijo não conseguisse ver Ártemis, percebi pelo som que ela provavelmente estava no mar, pois ouvia o som de ondas se quebrando.

— Lady Ártemis, fiquei sabendo que Mallory foi sequestrada! - exclamou Reyna - Está tudo bem por aí? Posso ir daqui de Las Vegas até onde estão de alguma forma.

— Sim… Mallory foi sequestrada… - disse Ártemis suspirando pesadamente - Algumas meninas estão um pouco feridas, mas sendo curadas nesse exato momento e... perdemos a Kowalski.

Eu imediatamente fiquei chocada e acho que Reyna mais ainda. Um minuto de silêncio seguiu-se enquanto eu sentia meu coração apertando. Eu não podia dizer que era próxima de cada uma das Caçadoras ou até que soubesse o nome de cada uma delas, mas a notícia da morte de uma doeu mesmo assim. Eu troquei um olhar com Piper, e ela parecia bem pálida e triste também. Tanto que deslizou as costas pela parede até sentar-se no chão.

— Vou arrumar talvez umas passagens para você até… não sei… - disse Ártemis suspirando com a voz triste - Estamos no mar indo pro País de Gales mas estamos ainda perto da costa da Espanha. Talvez até Londres? Bristol acho que é mais perto… apesar de não sabermos ainda onde, no País da Gales, Balor pode ter levado Mallory.

— Meu pai não pode dar uma carona no carro dele? - perguntei delicadamente colocando a cabeça para dentro do banheiro e olhando para Reyna, vendo também seu rosto branco e subitamente triste - A Carruagem Solar. Ela voa né? E… imagino que seja bem rápida. Talvez mais que um avião? Não sei.

— É mais fácil a Carruagem Solar cair no meio do Atlântico. - disse Ártemis - A magia não está funcionando direito já tem um tempo, mas pelo menos isso é para ambos os lados. Alguns dos meus poderes estão falhando também e ouvi dizer que Afrodite estava extremamente irritada porque não estava conseguindo fazer suas flores.

— Como fica o sol então? - perguntou Piper - Apolo não está pilotando?

— Outros deuses dividem o sol com Apolo. - explicou Ártemis - E… bem… tem a Física também.

— Vocês dividem o sol com a Física? - perguntou Zia se aproximando da conversa também provavelmente com a mesma curiosidade que a gente.

— Isso é uma explicação extremamente complicada e longa para o momento e temos coisas mais importantes para nos preocuparmos. Mas é como se fossem dois lados da mesma moeda e ao mesmo tempo o mesmo lado da mesma moeda. - disse Ártemis, não ajudando em nada a matar nossa curiosidade e logo mudando para assuntos, que tenho que admitir, eram mesmo mais importantes - Mas enfim, uma ajuda sua seria extremamente útil.

— Precisa de mais algum de nós? - perguntou Piper.

— Pelo o que entendi já tem um grupo suficientemente grande vindo. - disse Ártemis pensativa - Minha principal intenção no momento, quanto a Reyna pelo menos, era juntar minhas caçadoras novamente. Espero que até lá saibamos onde está Mallory. Estou tentando entrar em contato com Elatha, o deus celta da lua, mas acho que ele está adormecido à alguns séculos já. Mas acho que Cernunnos, o deus celta da caça, está acordado e muito bem vivo, o que é difícil para os deuses celtas, então devo tentar contactar ele. Vamos passar bem perto da França mesmo. Acho que nessa hora conseguirei.

Foi nessa hora que alguém bateu duas vezes na porta do quarto interrompendo a conversa completamente. Esse alguém logo se provou ser Percy.

— Meninas? - perguntava ele do outro lado da porta - Vocês estão acordadas? 

— Estamos. - respondi - Espera só um minuto.

— Ok. - respondeu ele - Eu tô indo com o Grover e a Meg procurar algo pra gente comer e falar pro Apolo que já estamos acordados.

— Aposto que a comida daqui é muito boa! - exclamou Meg.

— Ok. - respondi - Já já acho que vou também. Depois de tomar um banho.

— Beleza. Tchau. - respondeu Percy indo embora, acho que não sabiam da Mallory ainda.

Ah, sim… Tínhamos deixado meu pai de olho em tudo para que nenhuma surpresa surgisse e, considerando que todos precisavam dormir e descansar, ele era a escolha mais óbvia para ficar de olho em tudo. Afinal era o que menos precisava de uma boa noite de sono. 

— Vão comer e recuperar as energias. - disse Ártemis - Sem dúvida estão precisando disso. E fique no aguardo Reyna, darei um jeito de se juntar a nós novamente. Espero que tenha conseguido muitas informações úteis pelos livros em Nova Roma no tempo que esteve por lá. 

— Sem dúvida, mas queria ter encontrado mais. - respondeu Reyna - Confirmei a suspeita de que a base da teoria da confusão é egípcia. Ah! E descobri que são pirâmides estrategicamente localizadas.

— Não disse essa última parte ontem. - comentou Piper.

— Acabei esquecendo porquê essa informação ainda está bem contraditória e em aberto. - disse Reyna dando de ombros - Estrategicamente localizada pode significar muita coisa. É um termo muito vazio. Estrategicamente localizada baseado em quê? Quais ficam em lugares melhores para aguentar um exército? Quais ficam em lugares com mais magia? Quais foram construídas em lugares elevados? Ter uma em cada continente? Quais quando se traça uma reta formam algo? Os textos eram confusos quanto a isso. Precisamos de mais informações.

— Tenho que ir. - disse Ártemis e no segundo seguinte, a Mensagem de Íris se desfez.

O quarto ficou completamente silencioso, com exceção de um suspiro pesado que Reyna deu uns segundos depois. Quando olhei direito para ela, notei que ela não estava com a cara muito boa.

— Pode tomar seu banho, Kayla… - disse Reyna inspirando e expirando lentamente logo em seguida - Eu… vou lá fora um pouco.

Eu, Piper e Zia ficamos, sem saber o que fazer, olhando para Reyna abrir a porta o mínimo possível e então sair do quarto. Não sabia quão próxima de Kowalski ela poderia ser mas, ambas ainda eram caçadoras. Eu, Piper e Zia nos entreolhamos, mas ficamos quietas até que eu decidi que a única coisa que me restava era finalmente entrar no banheiro e tomar banho.

E bem, deixei as duas no quarto e tomei um bom e merecido banho. Era bom se sentir limpa. Provavelmente eu deveria ter tomado banho antes de dormir, mas estava muito cansada pra isso. Durante o banho, só fiquei pensando na conversa com Ártemis e como Reyna estava. Talvez eu devesse ir vê-la depois que ela tiver um tempinho para ela. Enquanto pensava nisso ao sair do banheiro, vi Zia usando o celular aparentemente bem preocupada. Digitava, ligava e bufada.

— Tá tudo bem? - perguntei sentindo minha barriga roncar.

— O Carter não tá me atendendo. - disse Zia colocando o celular no ouvido novamente - Cleo? O Carter já chegou aí?

Preocupada e devidamente vestida mas com o cabelo molhado dentro da toalha enrolada ao redor da minha cabeça, me sentei ao lado de Zia pois ela parecia preocupada, e com razão. Eu torcia para que o Carter não tivesse atendido por algum motivo bem besta, tipo ter deixado o celular no silencioso e não ter ouvido ele tocar.

— Chegou mas… - ouvi Cleo falar pelo celular - Eu não entendi ainda o que aconteceu. Ele foi atacado. Chegou praticamente desacordado aqui com o Freak e bem ferido. 

— COMO?! - exclamou Zia.

— É… - disse Cleo suspirando - Mas ele vai ficar bem. Os ferimentos nos braços são feios mas, relaxa. Eu e os outros estamos cuidando dele. Já usamos magia nos ferimentos e agora ele está dormindo mas provavelmente vai acordar dolorido ainda.

— Por favor me avise mesmo… - disse Zia se encolhendo na cama e colocando a mão na frente dos olhos. Meio instintivamente, eu passei o braço pelos ombros dela tentando passar uma forcinha - Tava tão feio assim?

— Parecia ferida de garras. Garras bem grandes. - disse Cleo - Já estão praticamente curadas pelo o que entendi.

— Tantas notícias ruins uma em cima da outra. - disse Piper suspirando pesadamente.

— Pede para ele me ligar quando ele acordar? - pediu Zia pelo telefone.

— Pode deixar.- respondeu Cleo e logo em seguida Zia desligou o celular e olhou para mim - Valeu, Kayla, eu tô bem. Ele tá bem pelo o que parece.

— Tanta notícia ruim na mesma manhã. - comentei baixo suspirando longamente.

— Vou pegar comida pra gente antes que alguma outra notícia preocupante chegue. - disse Piper saindo do quarto. 

— Vou tomar banho também. - disse Zia apesar de ainda parecer preocupada.

E assim lá estava eu sozinha no quarto. Eu tinha uma sensação de que o banho da Zia ia demorar bastante, então eu gritei para Zia que estava indo atrás de comida também e abri a porta do quarto torcendo para ver alguém, talvez a Reyna, do corredor, mas ao invés disso, eu me lembrei de como aquele hotel estava desconfortável e vazio. Queria sair logo daqui.

Como estava incomodada por causa da energia negativa que agora havia naquele vazio, achei que talvez fosse melhor me juntar à provável festinha que devia estar acontecendo agora na cozinha do hotel, pegar um chocolate ou algo doce, e levar para Reyna. Fui até o elevador e, olhando o mapa de andares que havia na parede do elevador, cliquei no andar que parecia ser o do restaurante. Mas assim que a porta do elevador abriu, eu dei de cara com meu pai, Apolo, com os braços cheios de comida. 

— Ah não não não não. - disse ele entrando no elevador, me impedindo de sair e apertando o botão que ia para o nosso andar  - Você não vai ver aquela cozinha.

— Eu ia pegar uns chocolates pra Reyna. - disse - Aconteceu algo lá?

— Aconteceu algo com a Reyna? - perguntou ele.

— Notícias ruins... - respondi - Kowalski morreu.

— QUÊ?! - exclamou ele olhando para mim chocado - COMO?! ONDE?! PORQUÊ?!

— Não sei. - respondi - Ártemis não entrou em detalhes disso e a Reyna também não perguntou.

— Estavam falando com a minha irmã? - perguntou ele suspirando e encostando na parede do elevador - A Kowalski morreu? Não pode ser… Pode? Eu e Meg nos encontramos com ela uma vez. Salvamos ela da prisão de Cômodo. 

Ficamos em silêncio até a porta do elevador abrir, acho que eu ainda sentia como se a informação ainda não tivesse sido processada. Talvez ele sentisse o mesmo. Ele suspirou olhando para as comidas nos braços dele e, meio desengonçadamente porque estava com muita coisa, ele me deu um sanduíche embrulhado em plástico transparente e um chocolate.

— Eu peguei pra você. - disse ele meio apático pela notícia.

— Obrigada, pai. - respondi pegando o sanduíche e o chocolate e sentindo o coração mais quentinho. Era bobo, eu sei. Mas eu tinha vivido minha vida inteira só com um pai, meu pai normal, mortal e carinhoso, instrutor de arco-e-flecha, era gostoso ter também o pai imortal, deus do arco e flecha e mais meio mundo de coisas, ali fazendo coisas que meu outro pai também fazia. Dava um gostinho legal e novo de família completa.

— Vamos entupir a Reyna de chocolate também. - disse ele - Onde ela tá?

— Não sei. - respondi - Mas o que tem na cozinha que não queria que eu visse? Os outros estão lá também?

— Estão. - respondeu ele - Eu até queria tirar a Meg de lá, mas ela é teimosa como uma porta. Mas lá… argh… vamos resumir que tem mais bagunça de Nyx… quanto menos gente ver, melhor.

— Ok então… - respondi confiando nele.

Andamos pelos corredores do hotel procurando por Reyna, mas não demoramos muito. Encontramos ela sentada no chão num canto do corredor do nosso andar. Ela levantou a cabeça e eu e Apolo nos sentamos cada um de um lado dela. 

— Trouxemos comida. - declarou Apolo.

— É. Consigo ver isso. - respondeu Reyna fungando o nariz e olhando para Apolo - Ela te contou né?

— É… - respondeu ele suspirando pesadamente - Você era muito amiga dela?

— Não tem tanto tempo assim que me juntei às caçadoras e também fiquei praticamente esse ano inteiro em Nova Roma com o pessoal então… nem tanto. - admitiu Reyna - E isso também me deixa muito mal porque eu fico pensando na amizade que a gente poderia ter tido.

Assim, ficamos em silêncio mais uma vez. Isso é, até Apolo abrir um pacote de chocolate e oferecer pra Reyna fazendo ela abrir um sorriso fraco e revirar os olhos antes de pegar o chocolate.