Assassin's Creed: Between Two Worlds escrita por Meurtriere


Capítulo 6
Um Menino de Atitude




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Ratonhnhaké:ton não costumava sorrir, mas também não se enfurecia com facilidade. Por isso vê-lo chegar de sua caçada com aquele ar raivoso em volta de si me tirou instantaneamente de minha leitura. Fiquei de pé quando o vi se aproximar e procurei respostas em Kanen’tó:kon que apenas me sinalizou negativamente.

Eu tinha dezesseis anos na época, enquanto eles dois tinham treze, cada um. Ratonhnhaké:ton já era o melhor caçador de nossa aldeia e também o rapaz mais bonito dentre todos os jovens. Sua altura logo o destacava entre os homens de nossa tribo e sua seriedade compunha o perfeito quadro de um guerreiro feroz.

Mas o garoto tinha um bom coração com quase todo mundo. Ajudava a todos que precisavam dele, era paciente conosco e mesmo com suas caças demonstrava respeito. Poucos eram os que o conheciam tão profundamente quanto eu e Kanen’tó:kon. Por isso fora com nós dois que ele dividiu muitas horas de sua infância.

Tal liberdade entre nós me dava espaço para recebê-lo preocupada. Vi que ele ia direto para a aldeia, mas me coloquei em seu caminho e o segurei pelos ombros.

“Ratonhnhaké:ton, espere. O que houve lá?”

Eu o questionei em inglês. Quando estávamos só nos três, tínhamos o hábito de praticar o que costumávamos ler nos livros. Foi a forma de encontramos de simplesmente não esquecer nossas lições diárias.

“Há homens brancos rondando de perto nosso território.”

“Podem estar apenas de passagem.”

“Não, Konwatsi'tsiaienni, já vi aqueles homens antes. Sei que não estão de passagem.”

Em sua fúria, ele passou por mim com passadas pesadas e Kanen’tó:kon o seguia de perto. Não me vi com escolhas melhores e fui atrás dos dois. Ratonhnhaké:ton nos liderou até à grande cabana da Mãe do Clã e lá a encontramos sentada próximo às cinzas da fogueira da noite anterior.

“Ratonhnhaké:ton...”

Fumaça deixava seus lábios ressecados e murchos, seus olhos eram serenos e aquela áurea esquisita a rondava como sempre.

“Os povos brancos estão se aproximando de nossa tribo, Mãe do Clã. Não podemos deixar isso continuar. Temos que fazer algo.”

“Poderiam me deixar a sós com o meu neto?”

Olhei para Kanen’tó:kon brevemente e juntos assentimos antes de deixar a tenda que ocupava o espaço central de nossa tribo. Aquela era a primeira vez que eu o via tão furioso. Há essa altura eu já sabia que seu ódio pelos homens de pele branca e olhos claros eram profundos, pois Ratonhnhaké:ton acreditava firmemente saber quem incendiou nossa aldeia e consequentemente resultou na morte de sua mãe.

Meus olhos se mantiveram fixos na entrada do local, esperando Ratonhnhaké:ton sair dali, mas minha mãe me encontrou antes disto acontecer. Ouvi meu nome e me despedi de Kanen’tó:kon rapidamente antes de atender ao chamado dela.

“Vi que estava na cabana da Mãe do Clã com Ratonhnhaké:ton e Kanen’tó:kon. O que houve?”

“Ratonhnhaké:ton viu alguns homens brancos próximos de nossa tribo.”

Meus olhos não desgrudavam da grande cabana, nem ao menos me virei para encarar minha mãe durante nosso diálogo e isso obviamente não passou despercebido a ela.

“Está na hora de você passar menos tempo com esses meninos e começar a olhar para o seu caminho a frente.”

Suspirei cansada e enfim tornei minha atenção a ela. Eu sabia o que ela estava insinuando, pois não era a primeira vez que ela abordava tal assunto entre nós. Meu corpo já não era de uma menina e as pinturas de meu rosto junto às penas de meu cabelo passaram de meros enfeites para adornos de decoração de minha própria beleza.

Meus pais costumavam dizer que eu era a jovem mais bela de nossa tribo, porém, eu acredito que todos os pais dizem isso à suas filhas e filhos. Logo eu não os levava tão a sério. Além do mais, eles nasceram sob o espírito da raposa e raposas eram vaidosas em tudo que faziam. Até mesmo em sua prole. Contudo, há um ano aproximadamente, os garotos que antes brincavam comigo de esconde-esconde começaram a me procurar com presentes e elogios.

Ainda que contra a vontade de minha mãe rejeitei todos, pois meu coração já tinha dono e eu precisava esperar por ele. Aos olhos experientes dos mais velhos, minha interação com Ratonhnhaké:ton deixava claro que eu o via muito mais como um amigo. De maneira natural e gradual, minha admiração pelo garotinho forte e determinado virou uma amizade e nos últimos anos eu sentia que essa amizade havia gerado um algo a mais em mim.

Minha vontade de ficar com ele passava de coisas simples como passar tempo estudando ou o observando pelas árvores junto de Kanen’tó:kon. Às vezes, quando estávamos sentados lado a lado eu queria segurar sua mão, as vezes queria repousar minha cabeça em seu ombro e as vezes eu só queria acariciar seu cabelo. Logo percebi que eu queria ser ainda mais próxima dele. Mas ele ainda era um menino e eu estava disposta a esperar.

Certamente não fui a única a notar o amadurecimento de Ratonhnhaké:ton. Outras jovens começavam a notá-lo como um guerreiro habilidoso, mas nenhuma ousava se aproximar e tentar algo graças ao seu jeito calado. Mesmo os jovens de minha idade perceberam a concorrência que teriam em um ou dois anos, quando ele chegasse em idade de começar a pensar em alguém para compartilhar sua vida.

Na época eu estava segura e confiante que seria eu a escolhida, nascemos sob o mesmo espírito protetor, conhecíamos bem um ao outro e confiávamos um no outro. Todavia, esse meu desejo não era do agrado de muitos, incluindo minha mãe que insistia em dizer que Ratonhnhaké:ton não tinha um bom sangue por causa de seu pai.

“Não nascemos sob o lobo por mero acaso mãe. Não existe acaso no destino. A Mãe do Clã sempre diz isso.”

 “Nem todos se casam com seus iguais. Há jovens muito bonitos com interesse em você e nem os nota por alimentar essa sua obsessão por aquele menino sem pai e nem mãe.”

“Pare de julgar ele, mamãe. Ele não tem culpa disso, é somente uma vítima.”

“Um homem que deixa uma mulher grávida de seu filho sozinha, não é um homem digno e Kaniehtí:io não devia ter escolhido um homem fora de nossa tribo. Um homem branco...”

Minha mãe estava atenta à cabana grande onde estava Ratonhnhaké:ton e sua voz deixava claro o repúdio que sentia pelos homens brancos. Mas aquela era uma informação nova, ninguém nunca falava do pai de Ratonhnhaké:ton. Era quase como um assunto proibido e eu já havia desistido de tentar descobrir qualquer coisa a respeito.

“Como pode saber que seu pai era um homem branco?”

“Não é difícil notar. Veja sua pele.”

Não era difícil a mim relembrar com detalhes do rosto de Ratonhnhaké:ton e a verdade era que mesmo passando muito tempo sob o sol, sua pele era ligeiramente mais clara que a minha e de Kanen’tó:kon.

“De qualquer forma, Ratonhnhaké:ton nunca me deixaria.”

“E por que diz isso? Ele lhe deu algum presente? Segurou sua mão?”

Eu não a respondi. Não havia motivo. Ela sabia bem as respostas de todas as perguntas e queria apenas enfraquecer minha convicção.

“Espere mamãe, ele logo alcançará a idade adulta e olhará para mim. Então ficará feliz por sua filha se unir ao melhor guerreiro da tribo.”

“Seu irmão é o melhor guerreiro da tribo.”

Eu a deixei sozinha por não desejar me aprofundar naquela discussão tola. Fui para as margens do rio e lá fiquei até a noite chegar. Não vi mais Ratonhnhaké:ton naquele dia. Demorei horas e horas para adormecer, estava mergulhada em preocupação e na época eu não fazia ideia do porquê. Repeti a mim mesmo que ele não apareceu para comer porque ainda estava com raiva, mas havia em mim uma enorme vontade de correr até ele.

Quando enfim o galo cantou eu me levantei em um pulo para pentear meus cabelos, enfeitar-me com penas e pintar meu rosto para mais um dia. Passei a manhã ajudando minha mãe e outras mulheres a cuidarem de nossa horta, mas sempre com os olhos a procura dele. Nada. Após ao meio dia eu quase corri para fora dos muros com nossos livros e cadernos, porém, para minha infeliz surpresa encontrei apenas Kanen’tó:kon sentado na pedra que usávamos como ponto de encontro.

“Onde ele está?” – questionei sem ao menos prestar muita atenção ao rapaz e revirando os arredores com meus olhos.

“Ele me disse pela manhã que estaria com a Mãe do Clã e juntos os vi sair para a fronteira. Ainda não retornaram.”

“O que Mãe do Clã foi fazer na fronteira?”

Ele me olhou e deu de ombros. Aquela aflição tomou posse de meu coração novamente. Mil e uma coisas se passavam em minha mente. Talvez a Mãe do Clã e ele tivessem ido procurar os homens brancos para tentar conversar. Ou quem sabe ela o tivesse punindo pelo seu comportamento de ontem. Mas eu nunca poderia imaginar o que realmente se passou até a Mãe do Clã retornar no meio daquela tarde.

“Veja, Kanen’tó:kon, é ela.”

Ainda descendo a colina a passos lentos eu a vi caminhando com auxílio de seu apoio de madeira. Levantei-me e corri até o seu encontro, tendo Kanen’tó:kon atrás de mim. Logo ele me passou e cedeu ajuda à anciã. Me posicionei do outro lado dela e fui direta ao ponto.

“Onde está Ratonhnhaké:ton?”

Ela riu fracamente e me olhou com seus orbes quase que completamente ocultos.

“Eu sabia que me perguntaria isso assim que me visse, pois você é impulsiva e sincera como ele.”

Olhei para Kanen’tó:kon em busca de ajuda, mas ele estava ainda mais desarmado do que eu.

“Sempre nos encontramos a tarde na mesma hora e mesmo local. Mas eu não o vejo desde ontem a noite.”

“Posso sentir seu coração acelerado daqui, minha jovem. É um coração forte e cheio de amor. A mãe dele adoraria ver uma moça tão dedicada a seu filho como ti, mas o destino dele está longe daqui.”

“O quê? O que isso quer dizer? Ele está bem?”

Novamente aquele riso fraco e misterioso a qual eu não consigo compreender mesmo nos dias de hoje.

“O desejo que ele tinha ficou ainda mais claro e ele seguiu a vontade dos deuses. Uma força além de nossa compreensão o quer longe.”

“Para onde Ratonhnhaké:ton foi?”

“Atrás de um homem, um velho que conheceu sua mãe e seu pai e poderá lhe guiar melhor em sua jornada do que qualquer um de nós. Seu espírito já não podia mais ser contido e ele ascendeu tal qual a águia.”

“Ele é um lobo e não uma águia.” – respondi a ela secamente e visivelmente insatisfeita.

Contudo a Mãe do Clã já não disse mais nada e se limitou a sorrir como se soubesse de uma piada a qual apenas ela podia compreender.

Depois de deixar a anciã na segurança de sua cabana, Kanen’tó:kon veio ao meu encontro na mesma pedra de sempre. O sol já estava se pondo e coloria os céus com tons vermelhos e laranjas. Seria lindo de se ver se Ratonhnhaké:ton estivesse ali.

“Não devia ficar tão brava assim. Parece um puma prestes a atacar alguém.”

Ele sentou-se ao meu lado, mas eu mantive os olhos fixos nas copas das árvores a frente de nós.

“Ratonhnhaké:ton é um menino que não saberia interpretar o que a Mãe do Clã diz e ainda sim ela nada fez para impedi-lo de partir. Ela era a única família dele...”

“Pelo que eu me lembre, você também era só uma menina quando ela disse sobre seu espírito protetor, revelando ser o mesmo que o dele. E você acredita nisso até hoje com todas as suas forças.”

“É diferente...”

Um silêncio constrangedor permaneceu entre nós. Kanen’tó:kon tinha uma voz mansa e no fim das contas era um bom amigo. Um bom ouvinte e um ótimo observador. Se ele não era um excelente guerreiro como Ratonhnhaké:ton, era certamente muito bom em entender as outras.

“Está tarde, é melhor você retornar. Ele não irá aparecer por entre essas árvores em meio a noite. Não conheço alguém que saiba as regras desse lugar melhor do que ele. A essa altura já encontrou um lugar seguro para pernoitar.”

“Devíamos ir atrás dele. Ele pode estar ferido ou com fome.”

Kanen'tó:kon riu sem qualquer vontade ou graça. Somente então eu o encarei descrente de sua postura diante de toda a situação. Fiquei possessa ao imaginar que ele estava achando graça em mim. Mas eu estava redondamente enganada.

“Não diga essas coisas. Você mais do que ninguém deveria acreditar nas habilidades dele. Afinal ele já as provou inúmeras vezes. Ele não morrerá de frio ou fome. Não é como se ele nunca tivesse se enfiado por essa floresta. O que lhe incomoda é que ele não voltou para você, ainda que de fato ele nunca tenha voltado por você e sim por uma mera questão de hábito.”

Eu raramente fico sem palavras para responder alguém e aquela foi uma das vezes. A verdade sempre é um tanto dolorida quando fingimos que ela não está ali, mesmo sabendo que está. E sim eu estava triste porque Ratonhnhaké:ton não voltou para mim naquele dia. Estava furiosa porque minha mãe estava certa. Estava possessa por ver todos os meus esforços e sonhos se perderem. Pela primeira vez eu estava realmente zangada com Ratonhnhaké:ton, isso porque eu me sentia traída.

Fui deixada para trás sem remorsos e nem explicações. Mas eu não podia exigir nada dele afinal. Ratonhnhaké:ton nunca me prometeu nada. Nunca me presenteou ou me olhou como alguém além de uma amiga. Todas as minhas esperanças nunca foram alimentadas por ele e sim por mim através de todos esses anos. A verdade nas palavras de Kanen’tó:kon perfuraram meu coração mais profundamente que uma espada um dia poderia fazer. Foi quando comecei a chorar. Abracei minhas pernas e afundei o meu rosto entre os joelhos.

Senti o braço comprido de Kanen’tó:kon sobre meus ombros e não o repeli por isso. Sua mão afagava meu braço enquanto eu fungava intensamente.

“Você manteve seus olhos fixo nele por tanto tempo que nem ao menos notou quem sempre sorria para ti quando sentava ao seu lado.”

Ergui minha face, que a essa altura estava manchada em uma mistura de lágrimas e tintas, e meus olhos lacrimejantes encontraram os gentis olhos de Kanen’tó:kon. Havia um sorriso discreto desenhado em seus lábios finos. Enxuguei as lágrimas que ainda escorriam e me afastei de seu abraço. Respirei profundamente e reuni toda a coragem que eu ainda tinha depois de toda aquela cena vexatória.

“Você sabe que não posso... Não posso aceitar a aproximação de alguém enquanto meu coração bater por outro e unicamente por esse outro. Seria o mesmo que mentir não é verdade?”

Ele não me respondeu, mas seu sorriso se desfez e seu olhar não mais foi sustentado em minha direção. Me ergui e parti rumo à entrada de nossa tribo com meu coração duplamente partido.


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