Mais que uma escolha escrita por nanacfabreti


Capítulo 2
Na corda bamba




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Meu nome é Maria Cecília Cortez e minha história com Marcus Demetri, começou na adolescência, quando a maioria das garotas e garotos da nossa idade passa por aquela transformação que deixa as pessoas parecidas com ETs. Quando algumas partes do corpo crescem mais do que deveriam, enquanto outras, parecem esquecer que têm de se desenvolver, só que nós dois fomos sortudos na loteria da genética.
Marcus e seu corpo de jogador de futebol sempre foi bonito, coxas grosas, ombros largos e abdômen desenhado naturalmente. Vinha de uma família de médicos, três gerações de jalecos brancos, e todos sabíamos que apesar de jogar muito bem, essa não seria sua carreira,ele não quebraria a tradição.
Minha família também queria que eu levasse os negócios por outras gerações. A
pequena floricultura que fora dos meus avós, e que com meus pais havia quadriplicado de tamanho, era mesmo um negócio lucrativo.
A Florista havia se tornado referência na região, principalmente depois que os
casamentos e batizados deixaram de ser meras comemorações, e passaram a ser grandes eventos.
Os clientes vinham das cidades vizinhas em busca de nossos arranjos, minha mãe estava sempre participando de feiras na capital para ficar á par das novidades, e elas eram muitas.
Nossa floricultura não se atinha apenas a cestas e flores, nós trabalhávamos com móveis, lustres, espelhos e tudo mais que fosse necessário para uma festa inesquecível.
Esse sucesso foi um dos motivos pelo qual o anuncio de que eu queria prestar
vestibular para farmácia causou um reboliço em minha casa. Meus pais não aceitavam que eu não pretendesse trabalhar na floricultura, queriam que eu fizesse administração para saber como comandar “A Florista”.
A história dos jalecos foi apenas outro fator que aproximou ainda mais Marcus e eu.
Conversávamos sobre todos os assuntos, mas adorávamos vislumbrar nossas carreiras e sempre nos surpreendíamos em como tínhamos muito em comum.
Enquanto nossa turma estava preocupada com espinhas, nós e nossa genética
favorecida, perdíamos tempo com outras coisas.
— E se você estudasse medicina também? — Marcus deu um jeito de tocar minha mão enquanto virou seu corpo todo em minha direção.
Estávamos no campinho de futebol depois de uma partida que os garotos organizavam todas as quartas-feiras. Os jovens todos se reuniam ali, e aquilo deixava de ser futebol e passava a ser azaração. As quartas eram o dia oficial da paquera e, mesmo os rapazes que jogavam, que ficam cobertos de suor, mesmo esses eram bastante disputados.
Nesse dia Marcus não havia jogado, estava com cãibras na panturrilha, ou tinha
inventado isso como desculpa para ficar o tempo todo comigo. Eu sabia que não demoraria muito para nosso primeiro beijo, estávamos num clima de mão na mão e abraços de mais, só faltava oficializar.
— Sabe que eu não lido muito bem com sangue, cortes e tudo o que é rotineiro para um médico—respondi tocando sua coxa.
—Mas na semana passada você cuidou bem do corte em minha testa, meu pai falou que seus primeiros socorros foram essenciais para minha sobrevivência. — Marcus se inclinou ficando ainda mais próximo.
— Eu sei, se não tivesse colocado aquele band-aid ,você certamente estaria morto agora. — Encarei-o, deixando que seus olhos castanhos continuassem surtindo efeito sobre mim.
Marcus sorriu, e seus caninos arrebitados o deixavam ainda mais desejável.
— Estou em dívida com você, queria ter mandado flores, mas a única floricultura da cidade é a da sua família, então não seria exatamente uma surpresa.
Ele conseguiu me deixar sem jeito. Na semana anterior, quando em uma dividida com um outro garoto as cabeças se encontraram ,foi a mim que ele veio enquanto o sangue escorria por seu rosto, e eu, mesmo não gostando, limpei seu corte com a ponta da minha camiseta,saquei da bolsa um band-aid e colei no pequeno corte sobre sua sobrancelha. Nesse dia quase nos beijamos, só que a presença daquele monte de gente ali acabou nos inibindo.
Dessa vez a parecia que a plateia não nos atrapalharia, enquanto eu ria sem graça com o que ele acabava de me falar, Marcus se aproximava cada vez mais, depois, quando ele segurou delicadamente meu rosto, fechei meus olhos e sim, nos beijamos ali, no campinho de futebol,na frente de um monte de gente, e sabíamos que nossos pais ficariam sabendo em menos de dez minutos, mesmo assim...tinha que acontecer.
Depois desse beijo, vieram centenas de outros mais, Marcus e eu não nos
desgrudávamos, nem eu sabia que estava tão apaixonada por ele, e mais, não sabia que era tão bom namorar.
Passamos a fazer tudo juntos, eu frequentava a casa dele e ele a minha, nossos pais aprovaram nosso namoro. As vezes Marcus até ajudava na floricultura.
Nossos amigos, no início ficaram enciumados, mas como eu já disse antes, numa cidade tão pequena, todo mundo faz as mesmas coisas portanto, estávamos sempre reunidos.
—Tenho uma surpresa pra você. —Marcus passou na floricultura já pela manhã. Fazia seis meses que estávamos namorando.
— Hum...quer encomendar umas flores para sua garota? — Brinquei. —Sei que ela gosta de peônias...
— Sério? — Ele ergueu uma das sobrancelhas. — Não sabia que dava para ter uma flor preferida quando se está no meio de tantas.
Balancei a cabeça em positiva.
—Peônias. —Apontei para um arranjo delas.
Marcus balançou a cabeça.
— Na verdade meu pai liberou o carro, queria te levar para um lugar diferente, — ele debruçou no balcão. —Só você e eu.
Senti um frio na barriga, e mesmo sem imaginar para onde Marcus queria me levar, eu sabia bem o que ele queria dizer quando frisou que seriamos, só nós dois.
Sei meses de namoro e muitos amassos, não dava mais pra ficar só nisso, mas eu sentia sim um certo pânico ao pensar que Marcus estava planejando nossa primeira vez.
— Lia, é perfeitamente normal. — Gabi ergueu as mãos como se acabasse de ouvir a maior sandice do mundo.
Ela era minha melhor amiga, e foi a primeira do nosso grupo a perder a virgindade.
Fora com um primo de segundo grau, em uma das festas de natal onde toda a sua família estava reunida.
— Eu sei que é normal, meus hormônios que o digam, mas... —sussurrei morrendo de medo que mais alguém ouvisse nossa conversa.
Era início de tarde eu havia dado uma escapadinha até a loja de cosméticos que Gabi trabalhava, a loja era da sua tia, e ela era uma bela fofoqueira, seria uma das últimas pessoas que poderia saber sobre o que estávamos falando.
— Não seja boba Lia, você não sabe o que está perdendo. — Gabi fez uma cara
sedutora.
— Falou a expert em... — interrompi-me quando sua tia aproximou-se de nós.
— Me liga amanhã...ou hoje mesmo se precisar. —Gabi continuou enquanto eu já me virava para ir embora.
Lancei a ela um sorriso cínico, queria poder mandá-la calar a boca, tudo que eu não desejava era que minha primeira vez caísse na boca do povo.
Combinei com Marcos às sete da noite, duas horas antes eu já me preparava para o nosso encontro. Tomei um longo banho, me depilei, e fiquei quase meia hora até decidir o que vestiria. Quando ouvi o motor do seu carro anunciando sua chegada, comecei a suar.
Não quis que ele entrasse, eu sempre acreditei nesse negócio de sexto sentido das mães e fiquei preocupada de que bem naquela noite, o da minha resolvesse aflorar.
—Você está linda Maria Cecília —Marcus elogiou-me depois de um rápido beijo.
Olhei a nossa volta, e todos os meus vizinhos pareciam ter decido conversar na calçada.
Eu sentia como se todos soubessem o que estávamos prestes a fazer.
— Obrigada, mas vamos...eu não aguento essa gente toda nos olhando. – reclamei nervosa.
Marcus abriu a porta do esportivo vermelho do seu pai, entrei rapidamente.
— Ei Lia, você está irritada? —Marcus me repreendeu.
— Não. —Senti-me uma idiota. — Eu só...para onde vai me levar?
Marcus puxou-me para mais perto e colocou os seus lábios nos meus, foi um beijo daqueles que anunciava o que estava por vir.
Ele dirigiu por cerca de meia hora, eu conhecia aquele caminho, estávamos entrando em Santo Valle, uma cidade vizinha da nossa e bem maior. Os mais abastados da região costumavam comprar casas ali. Imaginei que iríamos para algum restaurante chique e senti-me aliviada por estar bem vestida.
—Santo Valle? Alguma ocasião especial? —Tentei descontrair.
— Sim, bem especial eu diria. —Marcus olhou-me com um sorriso no canto dos
lábios.
Um minuto depois paramos em frente a um sobrado azul , estava tudo escuro e não havia movimentação nenhuma ali.
— Chegamos... — ele anunciou desafivelando o cinto de segurança.
Por um instante senti meu sangue ferver de raiva, eu não podia acreditar que Marcus imaginava que teríamos nossa primeira vez dentro de um carro, em uma rua deserta.
—Você não está sugerindo que...? — indaguei incrédula.
Marcus arregalou os olhos e demorou alguns instantes até entender o quê eu estava pensando.
— Não! — Ele levou as mãos ao rosto. — Essa casa, meu pai a comprou, eu a trouxe para conhecê-la.
Levei minha mão ao peito, estava desconcertada .
— Nossa...que susto. —Acabei rindo de mim mesma.
Marcus abriu o portão eletrônico e então entramos. Era uma bela casa e não aparentava ter ficado por muito tempo desocupada.
— Meu pai pretende montar um consultório aqui—ele avisou enquanto passeávamos pelos cômodos vazios. —Acho que ele está pensando em meu futuro.
— Legal...
—Só que a surpresa não é essa. — Ele voltou-se para mim e seus olhos brilhavam.
Sem mais nada dizer, puxou-me pela mão enquanto caminhava pelo corredor que levava ao último cômodo da casa. Quando abriu a porta, deparei-me com um cenário que me deixou sem palavras.
No chão sobre um tapete escuro, muitas almofadas, algumas sacolas de supermercado e um arranjo de peônias.
— Não acredito que fez isso... — Coloquei as mãos sobre minha boca, incrédula, eu realmente não esperava que Marcus pudesse ser tão romântico.
— Confesso... a dica das flores me ajudou bastante... —Ele envolveu minha cintura com seus braços.
Eu não sabia o que dizer, então o beijei antes que começasse a chorar, naquela noite eu tinha certeza que nunca sentiria nada parecido por mais ninguém. Foi tudo tão perfeito, Marcus, apesar de ser tão inexperiente quanto eu, parecia saber perfeitamente o quê fazer, como e onde me tocar e por isso, enquanto muitas pessoas têm recordações ruins de sua primeira vez,as minhas sempre seriam as melhores.
Como nem só de bons momentos vive um casal, com nós dois não foi diferente, com a proximidade do vestibular, tanto ele quanto eu, começamos a sentir a pressão da vida adulta.
Meus pais me cobravam por eu não querer cursar a bendita faculdade de administração,enquanto eu cobrava que Marcus escolhesse uma faculdade perto de onde morávamos, e não a que ficava do outro lado do país, como seus pais exigiam.
— Lia, eu posso vir a cada quinze dias... — ele argumentava enquanto eu já
vislumbrava, como terminaria nosso relacionamento se ele realmente se mudasse para outro estado.
— Eu não acredito nessa coisa de namoro a distância, ainda mais se tratando de medicina. Essa faculdade vai exigir muito de você e eu não quero ser um problema a mais —justifiquei.
— Acha mesmo que se eu me mudar, minha mãe vai permitir que eu fique sem visitá-la ao menos duas vezes no mês?
—Duas vezes no mês...parece ainda pior quando é dito dessa maneira. — Voltei a reclamar sentindo como se meu namoro estivesse com os dias contados.
O pior era que seria bem isso mesmo, eu me conhecia e sabia que não conseguiria viver desse jeito, eu não teria paz. Aquela foi a primeira vez que imaginar minha vida sem o Marcus me fez chorar por uma noite inteira.
Haviam outras faculdades mais próximas, algumas que ficavam á menos de uma hora de nossa cidade, mas o pai dele fazia questão que seu filho se formasse na mesma que ele, em algum lugar nos fundos do Paraná.
Para ajudar, eu sequer podia usar isso a meu favor, eu não tinha como reclamar dos pais dele, quando os meus também estavam e cima de mim, impondo qual seria minha profissão.
No dia em que ele viajou para fazer as provas, estávamos sem nos falar, e por pior e mais vergonhoso que possa parecer, eu desejei que ele se saísse mal, juro, fiz pensamento negativo o tempo todo.
No dia seguinte Marcus me ligou, meu coração acelerou de forma absurda quando ouvi sua voz.
—Lia, tudo bem com você? —Foi a primeira coisa que ele perguntou. Seu tom estava carregado de culpa.
Minha vontade foi de gritar com ele e dizer: "Claro que não está tudo bem, você está aí no Paraná e eu aqui no interior de São Paulo e logo isso pode ser permanente!"
—Tudo bem...e com você? —foi o que realmente falei.
Marcus ficou em silêncio por alguns instantes, eu podia ouvir sua respiração.
—Nada bem, acho que me saí mal nas provas , além do mais, eu não consegui parar de pensar em você por um minuto sequer.
Não vou negar, fiquei feliz e logo depois me senti culpada, mal mesmo.
—Eu...nem sei o que dizer. —Fui sincera.
—Olha Maria Cecília, eu só quero que preste a atenção... —Ele aumentou o tom de voz. —Independente do que aconteça, independente de como meu futuro se defina, você está cem por cento dentro. Ouviu?
Um nó se formou em minha garganta, e então, essa foi a segunda noite que chorei por Marcus.
Quando ele voltou nós fizemos as pazes, e ele por garantia acabou prestando vestibular em outras universidades mais próximas, quanto a mim, para evitar maiores problemas, acabei me submetendo ao vestibular de administração numa cidade vizinha.
Enquanto aguardávamos os resultados, tocávamos nossas vidas, apenas isso nos restava.
Uma tarde a Gabi me convidou para tomar sorvete com ela e as outras meninas,Marina, Carol e Emily.
Estávamos as cinco jogando conversa fora, há tempos não nos reuníamos assim, compramos um pote de dois litros sabor napolitano e dividimos como nos velhos tempos.
—E aí Lia, como vão ficar as coisas com Marcus caso ele tenha mesmo que se mudar?
 —Emily perguntou entre uma colherada e outra de sorvete.
 Respirei fundo, nem mesma eu sabia.
 —Difíceis no mínimo. —Respondi desanimada.
—Que merda não é? —Gabi solidarizou-se. Ela era a mais sincera das quatro.
—O pior é que, o que tem de mulher bonita nesses cursos...eu não daria conta de manter um namoro assim—Carol fez questão de destilar seu veneno.
Gabi encarou-a de forma repreensiva.
—Se ele for mesmo, vocês vão dar um jeito —Marina, a otimista da turma se
manifestou.
—É ,no começo ele vem toda semana, depois uma vez por mês até que... —Carol continuou.
—Até que eu enfie esse pote de sorvete na sua cara! —Gabi irritou-se mais do que eu.
Na verdade, eu pensava da mesma forma que a Carol, e mesmo sendo desnecessária tamanha crueldade, ela não estava mentindo, geralmente as coisas funcionam dessa forma.
—Deixa pra lá Gabi, a Carol está sendo só ela mesma. —Remediei, deixando a colher sobre a mesa e desistindo do sorvete.
—Para mim também já deu. —Marina abandonou sua colher, como eu. —Com tanto veneno, tenho medo de que esse sorvete tenha sido contaminado.
Levantei-me sem muita paciência.
—Bem meninas, foi um prazer...mas já vou indo. —Usei uma dose do meu cinismo.
—Vou com você. —Gabi me seguiu, não sem antes fazer sua expressão mais severa para todas as restantes na mesa.
Enquanto caminhávamos rumo a minha casa, ela não escondia sua insatisfação.
—Se eu fosse você, não dava ouvidos a nada do que a Carol falou, pra mim ela tem ciúmes do seu relacionamento com Marcus.
Balancei a cabeça tentando me livrar de qualquer pensamento.
—Tudo bem Gabi, eu nem esquento —assenti assim que chegamos. —De qualquer forma, muito obrigada, de verdade.
Como eu já previa, Marcus passou no vestibular, 6° lugar. Aliás, ele passou em todos os vestibulares que prestou, mas foi óbvio que ele escolheu por livre e espontânea pressão, pela faculdade do Paraná, aquela que nos separaria.
Aquilo caiu como uma bomba atômica em minha vida, faltava pouco mais de um mês até sua mudança e aqueles que deveriam ter sido dias memoráveis, que serviriam de lembranças para nos agarrarmos nos momentos de saudades, se tornam os mais angustiantes.
—Eu não quero ver você com essa carinha triste. —Marcus tentou me animar enquanto estávamos deitados em sua cama numa tarde de domingo.
—Desculpa, mas eu não estou conseguindo. —Virei meu rosto, já estava chorando.
Marcus me abraçou tão forte que eu quase acreditei que ficaria tudo bem.
—Eu amo você, ouviu? —ele sussurrou no meu ouvido.
Ele não era do tipo que ficava falando eu te amo á todo momento, mas quando o fazia,soava sempre tão sincero que eu me desmanchava.
—Espero que isso seja o bastante... —Acabei pensando alto.
Marcus apenas respirou fundo, talvez tenha concordado comigo.
Nesse meio tempo recebi também a noticia de minha aprovação para administração.
Não fiquei feliz, honestamente, não fiquei.
Na véspera da mudança do meu namorado, ele que também não estava nem um pouco animado, e não só por nós, mas por toda sua rotina que mudaria, quis deixar uma boa recordação.
Voltamos à casa de seu pai em Santo Valle, ele ainda não tinha dado um rumo ao imóvel.
—Prometa pra mim que só por hoje vamos nos esquecer do amanhã. —Ele segurou minhas mãos antes de entrarmos.

Ali, todas as lembranças da nossa primeira vez naquela casa, e todas as outras coisas que sentimos naquela noite, se fizeram vivas de uma forma renovadora. Tive que lutar contra minha personalidade realista e tentar ver nossa história por uma nova perspectiva.
Eu odiava criar expectativas sobre algo e depois me decepcionar, mas àquela altura , esperança era tudo o quê eu tinha para me agarrar, era isso ou terminar meu relacionamento sem dar chances a ele.
Lembrei-me do que minha mãe sempre dizia: "Maria Cecília, só peru morre de
véspera!", e mesmo achando a frese tórrida, foi nela que pensei.
Passamos uma noite maravilhosa, cheia de juras e promessas, eu nunca antes tinha visto Marcus tão entregue e romântico. Estava totalmente sem reservas.
No dia seguinte ele então partiu, garantindo que estaria de volta em duas semanas, e que nos falaríamos todos os dias.
Realmente foi assim, contrariando meu próprio pessimismo, nosso relacionamento estava sobrevivendo.
Quinze dias depois lá estava ele, nosso final de semana chegou perto da perfeição. A saudade tornava todos os nossos momentos mais intensos e especiais.
Um, dois, três meses e Marcus vinha cumprindo sua promessa, e inegavelmente, era tão gostoso quando ele retornava que cheguei a me achar uma tola, por ter dramatizado tanto as coisas.
Minha vida também estava uma loucura, tinha que conciliar a faculdade e o trabalho na floricultura que só aumentava, além da ansiedade por meus finais de semana com ele.
Depois de seis meses as tão esperadas férias chegaram, e depois de fazermos um balanço daquele primeiro semestre, chegamos a conclusão de que tínhamos nos saído muito bem.
Sua partida daquela vez foi menos difícil, ainda dolorosa, mas já mais aceitável, e tudo continuou correndo bem ...|té que os problemas começaram a aparecer.
As coisas começaram a desandar depois que, no final de semana em que Marcus deveria vir a Monte Real, ele ligou-me na sexta-feira de manhã para avisar que estava enrolado com umas matérias e não poderia sair de lá.
Eu já deveria esperar que o segundo semestre não seria tão fácil quanto o primeiro.
Mesmo o meu curso, muito menos complexo que o dele, começava a exigir mais de mim.
Percebi que não era uma desculpa, sabia que ele não estava mentindo, mas além de ficar sem ele, eu que havia feito um estardalhaço para não trabalhar naquele final de semana, fiquei sozinha em casa já que meus pais viajaram para decorar uma festa em outra cidade.
Aquele final de semana foi amargo, e pior, não foi único, aquela situação começou a se repetir com frequência. Houve uma vez em que ficamos dois meses sem nos vermos.
Então, depois de dois finais de semana sem vir, e com um casamento em que eu não poderia deixar de trabalhar, no final de semana seguinte, se Marcus falhasse seriam outros dois meses sem vê-lo.
—Estou morta de saudades —choraminguei na quarta-feira enquanto conversávamos por telefone.
—Eu também estou, e não tem ideia de como as coisas estão puxadas por aqui. —Ele pareceu-me cansado.
—Vou cuidar para que você relaxe. —Usei meu tom sedutor.
Marcus riu sem muita empolgação.
—Até mais então. —Ele encerrou a conversa antes do que eu queria.
Achei-o meio distante, mas preferi pensar que era apenas cansaço mesmo.
Minha resposta veio na sexta-feira à tarde, quando eu contava os segundos para sua chegada, até que o telefone tocou.
—Lia... —ele começou —Nem sei como dizer isso, mas eu não vou conseguir ver você, não vou poder sair daqui.
Enquanto eu digeria cada palavra que acaba de ouvir, senti-me como se tivesse sido golpeada na cabeça.
—Você está brincando, não é? —Desejei que sim.
Ele silenciou.
—Não sabe como estou me sentindo péssimo, só que...
—Chega! —Tive que interromper suas explicações. —Eu não aguento mais isso. —Tentei me manter calma.
—Lia, por favor, seja razoável. — Foi sua vez de ficar nervoso.
Sentei-me em minha cama, estava tremendo.
—Marcus, pra mim não dá. —Afirmei certa do que estava dizendo. —Eu não posso continuar fazendo isso, e, eu sabia que daria errado, eu falei pra você.
—Lia, por favor me escute —ele estava alterado —,semana que vem estarei aí custe o que custar.
Respirei fundo, sabia que estava no meu limite, e isso bastava, eu não era do tipo que se sentia confortável estando sobre uma corda bamba.
—Marcus, sua família mora aqui, por tanto, se tiver que vir, venha, mas não por mim,até porque se não se lembra, semana que vem tenho uma festa para decorar, das grandes, eu sequer vou estar aqui. —Mantive-me firme mesmo estando em pedaços.
—Maria Cecília, você precisa entender o meu lado, não sabe o quanto está sendo difícil pra mim. —Ele começou a chorar.
Eu sabia que sim, sabia desde o princípio que ele seria um estudante de medicina em uma das faculdades mais severas do país, e que no meio disso tudo, haveria a mim.
—Marcus, eu o entendo, mais do que pode imaginar—comecei a chorar também—,isso só tende a piorar e antes que a gente se magoe ainda mais, a ponto de nossa história deixar de fazer sentido, vamos deixar assim, vamos guardar nossas boas lembranças e se um dia tiver que ser...
 —Não Lia, não faz isso! —Ele soluçava copiosamente e aquilo acabava comigo. —Eu estou indo pra aí agora, me espere...
—Não faça isso! —gritei . — Se vier ,vai perder seu tempo, vai piorar as coisas.
—Lia...por favor...
—Marcus, sou eu quem pede, deixa assim, eu prefiro que terminemos dessa forma do que de qualquer outra.
Desliguei o telefone para não ter de ouvir mais nada, aí já dá pra imaginar que dessa vez não foi apenas a noite que passei aos prantos. Parecia que uma torneira havia se aberto em meus olhos, eu simplesmente não conseguia parar de chorar.
Aquilo doía tanto que cada vez que eu respirava, era como se tivessem arrancado algo de dentro mim.
Passei o sábado inteiro a mercê do meu sofrimento. No fim da tarde liguei para a Gabi e em menos de dez minutos lá estava ela, com uma caixa de chocolates nas mãos.
—Que droga Lia! — Ela me abraçou. —Como isso foi acontecer?
Permaneci jogada em minha cama enquanto ela sentou-se no chão, ao meu lado.
—Sabe Gabi, eu já imaginava que seria assim e você me conhece, sabe que não sou de ficar empurrando as coisas com a barriga. —Tentei conter aquelas malditas lágrimas.
—Eu tenho certeza de que vocês vão se entender, aliás, a cidade inteira acha. —Ela tentou me consolar.
Levantei minha cabeça e sorri com amargura.
—Claro...todo mundo já está sabendo, não é?
Gabi encolheu os ombros como se assentisse.
—Como não? Tem como algo ficar em segredo aqui em Monte Real?
Enfiei minha cabeça no travesseiro e sinceramente ficaria ali por tempo indeterminado.
Dormi mal e no domingo acordei com um fio de esperança de que Marcus, mesmo com minhas negativas, tivesse voltado para acertar as coisas.
Eu não sabia qual seria minha reação se ele realmente fizesse isso, mas no fundo, era tudo o que eu mais desejava. Vê-lo batendo na minha porta.
Não foi isso o quê aconteceu, Marcus não voltou para Monte Real, e eu tive que
começar a conviver com minha decisão.
A semana seguinte do nosso termino foi uma das piores da minha vida. Ter que ir para a faculdade e ainda ter de trabalhar na floricultura, aguentando as especulações e questionamentos daquele povo que parecia ter direito de se meter na minha vida, estava sendo maçante para mim. Sem contar os olhares penalizados que recebia, quando eu resolvia ir á algum dos lugares em que Marcus e eu frequentávamos juntos. Embora estivesse morta de saudades de ouvir sua voz, eu não liguei, sequer ensaiei fazê-lo. O fato de ele não ter vindo atrás de mim foi interpretado como um sinal, ou melhor, como nunca fui de acreditar em sinais, tomei aquilo como uma prova de que fizera a coisa certa,
e quando coloquei as coisas dessa maneira, dei a mim mesma o direito de sofrer de verdade, para mim, era algo sem volta.

Chorei mais um pouco, vi e revi nossas fotos, bilhetes trocados e me permiti relembrar todos os nossos bons momentos. Fiz isso por toda uma semana, tomei uma espécie de overdose do Marcus, até que na sexta-feira, exatamente oito dias depois do nosso final infeliz, avisei amim mesma que já era hora de reagir.
Respirei fundo e fui até o salão principal da floricultura ajudar na separação das coisas para o grande casamento que aconteceria no dia seguinte, em Santo Valle...isso mesmo, justamente lá.


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Notas finais do capítulo

Começamos bem...Bem sofridas... Espero que estejam gostando...Beijos no coração!



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