A Cidade do Amor Mudou de Nome escrita por vupresque


Capítulo 2
Capítulo 2 - A Mecânica do Coração


Notas iniciais do capítulo

Alô! Voltei! Mais rápido do que esperava hahah. Quero agradecer a todx que vieram até aqui, a meu pedido ou não. Significa muito para mim. Agradeço também aos conselhos!!! Estou tentando usá-los para melhorar cada vez mais (:
Espero que tenham uma boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/747432/chapter/2

PARTE I - A CARONA

Capítulo 2 - A Mecânica do Coração

O motor de um carro, movido a gasolina ou álcool, funciona em quatro tempos: Primeiro, é a admissão, o momento em que uma mistura de combustível e ar entra na câmara de combustão, enquanto o pistão se posiciona de forma a aumentar o espaço na câmara. Segundo, a compressão, etapa em que o pistão comprime a mistura para que esta receba calor. Terceiro, a explosão, ao término da compressão uma centelha ocasiona a explosão da mistura. Quarto, escapamento, em que a mistura é liberada e o ciclo reinicia.

O ato de se apaixonar e amar não foge muito desse processo. Seu coração admite o combustível, a pessoa em essência, e abre espaço para ele; a essência é comprimida e fica extremamente concentrada, o que te permite doar o calor de seus sentimentos; uma centelha, uma palavra, uma ação, te faz entender que aquilo é amor e surge uma explosão conflitante de sensações e pensamentos; o escapamento é a aceitação do sentimento, podendo seguir dois caminhos: 1) tomar ação para tornar a pessoa sua ou 2) deixar o sentimento esvair-se e procurar senti-lo de novo por outro alguém.

Júlia criou essa teoria porque queria ter alguma noção do que seria estar apaixonada. Ela sofria do mau do achismo, em que sempre pensava estar com uma queda por alguém que dispusesse uma atenção a mais ou fosse gentil com ela. Evidentemente, nunca era uma paixão de verdade. Era um platonismo, uma queda, um crush. A teoria, que ela denominou “mecânica do coração”, servia como um tipo de enchimento provisório no buraco que ainda não estava preenchido no seu próprio bombeador de sangue. Servia também como uma excelente fonte de inspiração para os poemas que fazia durante as aulas do Curso de Formação de Condutores¹.

Ela se considerava uma menina de prazeres simples. Gostava de tirar fotos de paisagens, de aprender nomes de plantas, de contar seus problemas para seu gato e, principalmente, de desvendar (ao menos tentar) personalidades alheias. Considerava-se uma “menina” porque, no ápice da idade símbolo da juventude, ela sentia saudades da infância e estava evitando crescer rápido demais. Evitando o inevitável.

Em apenas dezoito anos de vida, Júlia tinha muitos pequenos arrependimentos. Arrependia-se de não ter aproveitado seus últimos anos de criança porque queria ser adulta cedo demais; arrependia-se de ter passado tanto tempo se deixando influenciar por outros porque tinha medo de desagradar; arrependia-se de ter aprendido a mentir tão bem; arrependia-se por não ter se permitido apaixonar durante a adolescência. E, em alguns breves momentos de maior fraqueza, se arrependia de não ter procurado, mais cedo, quem realmente era. Depois pensava que, se assim tivesse ocorrido, ela jamais teria descoberto seu “verdadeiro eu”.

A entrada na universidade tinha sido um momento crucial na vida de Júlia, já que a adolescência não fora nada fácil. Estar em um ambiente novo, com pessoas novas e também uma nova rotina, foi revigorante. Especialmente porque ela sempre adorou mudanças e sentia que já estava mais do que na hora de sua vida guinar em uma direção diferente. Mal sabia ela.

O primeiro semestre pareceu simples demais para ser verdade: apenas cinco matérias, professores bonzinhos, colegas que se esforçavam de verdade nos trabalhos em grupo, um ambiente pacífico e amigável, além das notas boas no fim do semestre. O problema é que, naquele momento, ela não tinha completado os almejados dezoitos anos e então não podia ir às festas, aos bares ou às baladas que seus novos colegas iam. Juntando ao fato de que ela não morava em repúblicas, pensionatos ou quitinetes próximas ao campus, Júlia não fez muitos amigos. Na verdade, sua única relação de proximidade com alguém era com Lorena, sua parceira de trabalhos acadêmicos.

Essa deficiência de relacionamento humano a estava enlouquecendo. Foram seis meses em que nada acontecera em sua vida. Nenhum evento memorável que ela contaria para todos nos próximos anos ou muito menos um alguém para dar e receber carinho. Seus únicos amigos eram do ensino médio, Paula e Guilherme, que estavam vivendo novas fases de suas vidas, bem longe dela.

Pensando em sua situação, Júlia havia prometido a si mesma que o segundo semestre seria muito melhor porque ela o faria ser melhor. De fato, ela tentou. Escolheu matérias que a misturasse com pessoas de outros cursos, se inscreveu para a equipe de ginástica acrobática, se inscreveu para práticas de conversação em inglês e, com em tudo isso, tentou se enturmar. Foi assim que descobriu que não serve para se enturmar. Mas decidiu manter-se positiva quanto a isso, afinal, ela estava fazendo tantas atividades que não tinha muito tempo para pensar no assunto. Apesar de todas as novas experiências que estava tendo, seus momentos de maior alegria e alívio ainda eram nas segundas e quartas, durante as tardes que tinha aula de Francês.

Para Júlia, aprender uma língua ia muito além da fala ou da escrita. Era aprender sobre a história e cultura de um povo, aprender como esse povo foi mudando ao longo do tempo e, mais do que tudo, aceitar a diversidade como um presente para a humanidade. Talvez esta fosse a razão de ter tanta facilidade na aprendizagem de idiomas. Ou talvez porque já tinha aprendido árabe e, depois disso, qualquer outra língua parecia mais simples. Ela não saberia responder caso perguntassem, mas talvez todos esses pequenos fatores foram indutores de sua escolha por cursar Linguística.

A opção por Francês não foi ao acaso. Júlia tinha um fascínio não tão secreto pela França. Não por Paris ou, menos ainda, pelo estereótipo francês comercialmente veiculado, não. Ela amava as pequenas histórias que pareciam estar escondidas nas ruas de Saint-Émillion, por exemplo, os ligeiros segredos que os franceses – e não os parisienses – transpareciam em seus olhares. Ela queria desvendar aquilo tudo e lhe pareceu um bom começo estudar a língua francesa.

— Bonjour.² – Júlia disse à Jeanne e ao aluno que já estava na sala.

— Bonjour. – eles responderam.

— João estava me contando que viaja para Brasília sozinho todos finais de semana. – Jeanne contou na entonação que transparecia sua habitual tentativa de esconder seu sotaque.

— Caramba, que coragem! – a moça expressou. – Você vai sozinho?

— Vou. E é bem esse o problema. – João riu em sua ironia. – Parece que aconteceu um acidente no caminho para lá e minha mãe está implicando que eu arranje alguém para ir comigo dessa vez, como se fosse servir de alguma ajuda.

— Oh, enfin ils sont tous arrivés. – Jeanne anunciou, interrompendo a conversa dos dois. – Maintenant, allons en cours.

— Ei, João. – Júlia cochichou. – Pode me esperar no fim da aula? Tenho uma proposta para te fazer.

Como resposta ela recebeu um aceno positivo e um olhar desconfiado. Em um jogo de sorte ou azar, a questão é que os dois precisavam ir para o mesmo lugar.

 

 

¹ Curso de Formação de Condutores (CFC) = processo feito para conseguir ser habilitado para dirigir no Brasil.

² Traduções francês – português:

Bonjour = Bom dia.

Enfin ils sont tous arrivés = Finalmente, todos chegaram.

Maintenant, allons en cours = Agora, vamos para a aula.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Cidade do Amor Mudou de Nome" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.