Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 38
Nuances do Eufemismo - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá Karas, tudo bem? Para quem já esqueceu, esse conto se passa no Elite em 1986 e os Karas estão com um problemão para resolver sobre o possível fechamento do colégio.

Boa leitura!



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Se ele estivesse nos EUA, os dias não teriam corrido como daquela forma. Quinze dias pareceram que foram apenas algumas horas. Crânio tinha esquecido que havia um mestrado para concluir, um professor orientador muito exigente que lhe mandou vários e-mails durante a folga e toda aquela expectativa silenciosa sobre quando seria o seu triunfo.

Enquanto lia de forma preguiçosa os e-mails acumulados no velho computador, que ainda conservava no antigo quarto na casa dos pais, Crânio massageou as têmporas e suspirou cansado. Depois que terminasse aquele bendito mestrado, ia arranjar um emprego, casar com Magrí e ficar quieto e sossegado por um longo tempo antes de se meter com o mundo acadêmico de novo.

Não era que o rapaz não gostasse da vida intelectual, pelo contrário: ainda mantinha o hábito de estar sempre lendo e aprendendo alguma coisa nova. Porém, toda aquelas burocracias do corpo acadêmico sobre como deveria escrever e o que deveria estudar já estava lhe dando nos nervos. Precisava dar um tempo.

Ia excluir mais um e-mail que tinha cara de spam quando parou e aproximou o rosto da tela do computador. Leu o e-mail esquisito repetidas vezes. 

Não… Era spam ou algum engraçadinho querendo arrancar dinheiro fácil dele. Contudo, a mensagem o deixou perturbado horas depois quando levou Magrí para jantar.

A moça, é claro, percebeu que havia algo errado com o namorado. Ela tinha acabado de contar uma história engraçada dos primeiros jovens pacientes, mas Crânio apenas acenou e sorriu. Magrí franziu a testa.

— Você está muito esquisito hoje, querido. O que foi?

— Nada não, não se preocupe — ele se endireitou na cadeira e segurou a mão direita dela por cima da mesa — Só não estou querendo pensar que logo eu já vou embora…

A expressão de Magrí murchou um pouco e ela apertou a mão dele de volta. Crânio se sentiu mal em mentir (ou omitir) e trazer à baila a sua partida cada vez mais próxima, mas foi por uma boa causa. Não queria deixar a noiva mais preocupada com ele do que o habitual. Iria deixar o e-mail idiota para lá.

— Mas não vamos pensar nisso, minha querida — o rapaz sorriu carinhoso — Temos tempo ainda e vamos aproveitá-lo, ok?

A expressão dela se iluminou, e logo ela já estava falando em um tom mais animado. Crânio queria ignorar o sentimento ruim que queria perturbá-lo e empurrou os pensamentos pessimistas para o canto mais distante da mente.

Ser paciente não era a coisa que Crânio mais gostava de fazer, mas o tempo o obrigou a ser mais cauteloso com o que falava… Como ocorreu tantas vezes nos anos do Colégio Elite.

***

— É o que todo mundo anda dizendo. Vão fechar o Elite, não há mais verba o suficiente, os pais estão tirando os filhos por medo dos últimos acontecimentos…

— Não pode ser verdade! — exclamou um garotinho do primeiro ano — Eu acabei de me matricular!

O outro garoto bufou:

— Grande coisa! Quantos alunos vieram para cá esse ano? Eu ouvi dizer que a cada ano a entrada de alunos no Elite estava diminuindo, enquanto que o Logos está com fila de espera de dois anos!

Uma garota de cabelos ruivos e um menino um palmo mais baixo que ela, passavam pelo corredor exatamente enquanto os dois garotos estavam tendo essa conversa super otimista. Os dois pararam de forma discreta para ouvir o diálogo.

— Estou te dizendo, Marquinhos! Se eu fosse você eu não faria tantas amizades por aqui. Pode ser que seus pais o tirem daqui antes do ano acabar.

O garoto chamado Marquinhos fez uma careta ao pensar naquilo, e os dois saíram pelo corredor em direção ao pátio ainda conversando, mas logo as vozes de ambos apenas se tornaram ecos disformes. 

A garota ruiva e o menino se entreolharam com uma expressão apreensiva.

— Você estava sabendo disso, Chumbinho?

Chumbinho balançou a cabeça em um sim transtornado.

— Está todo mundo falando disso, Dani, desde quando as aulas retornaram. Não tem outro assunto.

Dani conhecia pouco do garoto ao seu lado em comparação com os outros amigos de seu irmão, porém ela sempre teve a sensação que Chumbinho parecia ser mais esperto do que o normal dos garotos de sua idade. Sabia que ele entendia a gravidade do assunto.

— Talvez… Talvez o… — ela hesitou por alguns segundos até continuar, soltando a respiração — Talvez o Miguel pudesse fazer alguma coisa. Você sabe, presidente do Grêmio e essas coisas…

O jeito que ela falou o nome de Miguel — uma mistura de raiva e dor — passou completamente despercebido para Chumbinho, mas não para um observador mais atento. A garota tentava ao máximo evitar até dizer o nome dele ou lembrar que ele existia — e ignorava a existência dela.

Chumbinho deu o seu característico sorriso de que iria aprontar alguma coisa.

— Claro, eu vou garantir que ele não se esqueça disso.

Dani sorriu antes de continuar seu caminho.

— Obrigada, Chumbinho.

Antes que a garota fosse embora, o garoto a chamou de volta.

— Err, Dani?

— Sim? — ela se virou arrumando a alça da mochila.

— Independente do que os K.., quero dizer, o Miguel decidir o que fazer, você vai ajudar, né? Você conhece tanta gente na escola… Seria legal, sabe?

Dani piscou abrindo e fechando a boca. Por essa ela não esperava. Quando comentou a situação com o garoto, não passou pela cabeça dela que se envolveria com um problema que, sendo franca consigo mesma, ela pouco podia fazer. 

Contudo, a expressão tão esperançosa de Chumbinho a desarmou, ainda sim não queria deixá-lo ansioso.

— Talvez, Chumbinho… Talvez…

***

Miguel encarou os rostos na semi luz do forro vestiário naquele fim de tarde, que prometia uma chuva forte. Chumbinho havia convocado a reunião, mas antes mesmo que ele abrisse a boca, o líder dos Karas já sabia do que se tratava — mesmo assim deixou que o garoto falasse. Os outros Karas, por outro lado, estavam muito quietos e apenas se entreolhavam. Não precisava de uma lâmpada para ver que eles estavam preocupados com a situação da escola.

O silêncio reinou por alguns instantes. Miguel sabia que era a sua deixa para falar, ou melhor, para pôr um plano prático imediatamente. Contudo, o rapaz sentia uma paralisia na sua vontade de agir diante daquele problema. A parte mais egoísta de seu caráter estava falando mais alto com ele (parte essa que ele sempre tentava abafar) dizendo que aquela seria uma boa desculpa… Uma boa oportunidade de escapar das cenas que via (ou se forçava a ver, num impulso masoquista) todos os dias.

Ele escutava o sussurro dela, é claro. A gaita tinha parado de soar. É claro também que ela estava compartilhando seus temores com ele. A guerra interna de Miguel estava deixando-o com dor de cabeça. 

Por fim, resolveu tomar as rédeas, sentindo a careta de desgosto pelo o que iria falar.

— Eu ouvi os rumores que o Chumbinho relatou, e lamento dizer que não sejam apenas fofocas. É verdade o que estão dizendo sobre a possibilidade de fechar a escola pela “debandada” que está ocorrendo nos últimos anos. Muitas famílias abastadas da cidade tiraram os filhos do Elite só no final do ano passado. Cada vez mais os pais estão descontentes com a escola, pelo o que eu percebo nas reuniões dos Conselhos de Pais e Professores. A última, no mês passado, eu precisei segurar uma mãe que estava beirando a histeria pelo o que aconteceu com Charles Duarte… E outros alunos. A situação é grave, Karas. Muito grave.

Calú suspirou alto.

— Cancelaram a temporada de Romeu e Julieta da minha turma de teatro até junho por — ele fez aspas com os dedos — “por ordens superiores”. Sabia que tinha alguma coisa muito errada…

Magrí acenou concordando sem esconder a ansiedade.

— Era o que eu estava dizendo para Crânio, Calú. Parece que a escola simplesmente está parando todas as atividades por tempo indeterminado. Somente eu e as meninas que irão participar de campeonatos de ginástica esse ano estamos em treino, as alunas que somente faziam as aulas foram dispensadas… Temos que fazer alguma coisa, não podem fechar o Elite!

Crânio pulverizava pequenas lascas de madeira entre os dedos enquanto ouvia o que os amigos diziam.

— Mas o que há para se fazer? Não querendo ser muito pessimista, mas como vamos convencer os pais a voltarem a matricular os seus filhos aqui? Vamos ser francos, só aconteceram coisas bizarras no Elite nos últimos anos…

— Ora Crânio, você não entende nada de uma coisa chamada marketing, né? — Chumbinho debochou com um riso — Nada que uma campanha de marketing bem feita não resolva.

— “Matricule o seu filho no Colégio Elite — Magrí fez uma vozinha irritante — “O colégio por excelência no Enem e nos exames internacionais; além disso somos especialistas em fazer alunos desaparecerem ou serem mortos”. Bela campanha de marketing.

Calú balançou a cabeça irritado.

— Nada de publicidade, não vai funcionar. A escola precisa de dinheiro! Money, dim dim, bufunfa, uma chuva de cruzados, rios de dinheiro, Karas!

— Com essa palhaçada de cruzeiro para cruzados — resmungou Magrí — até minha mesada não está dando para o mês inteiro.

Crânio riu e disse alguma coisa que somente a garota escutou, o que fez ela dar um tapa no braço dele tentando soar brava.

— Eu não gastei toda a minha mesada em cadernos da Moranguinho, Crânio — ela sibilou de forma baixa, agradecendo que a pouco luz do forro não deixava que a vissem corando. O garoto riu mais ainda.

Do outro lado do forro, Miguel se segurou para não revirar os olhos. Estava começando a pegar nojo de casais… Balançou a cabeça tentando espantar os pensamentos. Desde quando era tão amargurado assim?

Resolveu tomar as rédeas da discussão novamente. Suspirou de cansaço. As reuniões dos Karas estavam se tornando tão desgastantes como as reuniões do Grêmio?

— Calú tem razão — começou e os amigos se calaram — A escola precisa levantar fundos para manter as contas pagas por pelo menos seis meses, pelo o que eu fiquei sabendo… Mas a questão é: de onde vai sair esse dinheiro?

Ele parou deixando a pergunta pairar no ar antes de continuar. Temia o que deveria dizer.

— Vocês não vão gostar do que eu vou falar, mas eu acho que esse é um problema que está fora do nosso alcance.

Não precisava encarar cada um para saber que os amigos o olhavam com espanto e desolados. Enquanto se fitavam tentando digerir o que o Miguel disse, Crânio por sua vez, levantou o rosto e encarou o amigo. Franziu a testa.

— Que conversa é essa, Miguel? Como isso está “fora do nosso alcance”? Acho que já resolvemos problemas muito mais difíceis do que isso, não acham?

— Exatamente! — Magrí exclamou — Esse problema de agora, em comparação com tudo o que já fizemos pelo Elite, não é nada de outro planeta. Eu já sei o que podemos fazer…

Ela respirou fundo sem dar tempo que a alguém a interrompesse. Todos, com exceção de Miguel, olhavam para a garota com um sorriso.

— Podemos muito bem promovermos festas durante o semestre para arrecadar fundos para a escola. Pensei em fazer festas da pizza, o que acham? Todo mundo gosta de pizza!

— Eu acho ótimo, Magrí! — Chumbinho mal conseguia se manter no lugar de tanta animação.

— Eu posso fazer parte do time que come as pizzas? — Calú riu — Isso eu sei fazer!

As risadas ecoaram pelo forro do vestiário, até Crânio — que parecia fazer alguns cálculos mentais — continuar a discussão:

— Acho que pode dar certo se conseguirmos vender por um bom preço — ele pegou um papel amassado e caneta do bolso e começou a fazer alguns cálculos — Se calcularmos bem o quanto queremos ganhar de lucro, daí conseguiremos saber quanto devemos cobrar por pessoa e quantos vamos gastar com a festa.

Seguiram-se conversas animadas sobre valores x e y, sobre como poderiam divulgar, dentre piadinhas infames do Calú de vestir o Chumbinho de boneco biruta de posto de gasolina versão pizza. 

Somente Miguel falava pouco e não parecia compartilhar a mesma animação deles. Porém, não era somente pelo motivo egoísta que o fazia sentir-se péssimo, mas também por um outro problema que os Karas teriam de enfrentar no qual ele nada poderia fazer.

Tentou conter o desânimo na voz sem sucesso.

— Isso tudo é ótimo, Karas, de verdade. Mas temo que como as eleições do Grêmio Estudantil estão chegando, eu não vou poder me envolver.

— Quê?! Como assim? — Chumbinho o fitou indignado.

Antes que os outros manifestassem a revolta, Miguel levantou a mão e eles se calaram.

— Minha ação agora como presidente precisa ser de máxima cautela para não gerar suspeitas com a minha candidatura à reeleição do Grêmio. Se os meus adversários souberem que eu aprovei uma proposta que pode ajudar o Elite, tão próximo das eleições, eu vou ser acusado de estar usando da festa para fazer campanha para mim. Entendem? As regras do Elite quanto a isso são muito rígidas. Se eu for acusado e for provado no Conselho que eu fiz isso, eu perco o direito de me candidatar.

Os outros Karas pareceram dar um suspiro coletivo de desânimo. Tudo o que precisavam era da influência de Miguel para a proposta da festa ser aprovada e terem a ajuda do Grêmio na organização. Sem ele, tudo seria mais difícil.

Magrí, por fim, falou:

— Bem… Isso quer dizer que teremos de agir sem te comprometer, Miguel. Mas pelo menos você pode vender alguns ingressos, né?

Ela o encarou com o seus grandes suplicantes. Por mais ressentido que estivesse, o garoto sentiu de novo aquela mesma sensação que somente Magrí provocava nele. Como poderia recusar algo quando ela o olhava daquele jeito?

— Claro, claro. Eu posso ajudar…. apenas como um aluno normal. Sem envolver o Grêmio.

— Ótimo! — Magrí bateu palmas — Então eu tomo as rédeas junto com o Chumbinho, que convocou a reunião. Tudo bem para você, Chumbinho?

Se alguém tivesse dito ao Chumbinho que ele seria o próximo presidente do Grêmio ele não teria parecido tão feliz como naquele momento.

— Sim, sim! Faremos um time e tanto, Magrí.

Ela sorriu para o garoto, e continuou distribuindo as tarefas:

— Crânio, você vai cuidar do caixa.

— Sim senhora.

Ele fez um gesto brincalhão imitando a continência dos soldados. Magrí riu e revirou os olhos.

— Calú, você vai liderar a divulgação da festa.

— Conte comigo, Magrí — ele não escondeu o tom brincalhão — Eu vou ser o melhor vendedor que esse colégio já viu.

— Acho… Acho que você pode ajudar o Calú, não é Miguel? — Magrí disse suavemente e de forma hesitante — Por favor?

Miguel fitou o rosto de cada um dos amigos. Somente ele sabia a guerra interna que estava vivendo. A lealdade aos Karas, sua posição como líder, alguém que precisa ser centrado e movido pela razão, aquela parte que faria de tudo para ajudar no empreendimento, estava lutando contra a sua parte menos nobre — a parte do adolescente egoísta e enciumado, a parte que lhe dizia que o fechamento do Elite seria o fim dos seus tormentos, uma excelente desculpa para dissolver os Karas e nunca mais ver Crânio beijando a sua Magrí.

Discretamente, ele fechou a mão esquerda em punho. Finalmente ele disse aquilo para si mesmo, mas logo em seguida sentiu-se horrível. Não, não ia deixar o adolescente ciumento e egoísta vencer. Ele era melhor do aquilo, não era?

— Vou fazer o que eu posso — disse numa voz mecânica.

Aquilo foi o suficiente para deixar Magrí satisfeita e abrir um leve sorriso. Mas não passou despercebido para Miguel o olhar questionador e desconfiado de Crânio em meio às partículas de poeira…

***

Alguns dias depois, Magrí estava sentada num canto da sala de música com vários rascunhos de panfletos para a divulgar a primeira festa da pizza. A ideia foi levada ao Grêmio e a direção da escola, mas ainda não tiveram uma resposta definitiva. Não proibiram a festa, mas também não demonstraram apoiar tanto assim a causa. O evento já tinha algumas possíveis datas dali há alguma semanas, mas enquanto não tivessem o apoio do colégio, o esforço seria em vão.

Magrí tentava pensar de forma positiva, mesmo que no fundo temesse que os esforços para  salvar o colégio não valessem de nada. 

Estava entretida nesses pensamentos felizes quando sentiu que alguém a abraçou pelos ombros e deu-lhe um beijo na bochecha. Não precisava virar o corpo para saber quem era.

— O que está te preocupando? — disse Crânio com aquele tom de voz carinhoso que reservava somente para ela.

Magrí suspirou e acompanhou com os olhos, enquanto o rapazinho puxava uma cadeira ao lado dela. A menina tomou a mão dele entre as suas.

— Nada de mais… É só o meu medo das coisas darem errado. Sem a influência de Miguel no Grêmio e no Conselho, o sinal verde para o nosso projeto vai ser mais difícil…

Crânio franziu a testa e desviou um pouco o olhar. Parecia que ele tinha uma opinião muito bem formada sobre isso, mas parecia relutante em dizer o que pensava para Magrí.

— Eu acho… bem — ele parou e encarou o chão, depois murmurou — Não, o Miguel deve ter as razões dele.

Antes que uma confusa Magrí perguntasse do que ele estava falando, o próprio Miguel adentrou a sala. O rapaz esperava encontrar somente Magrí, porém relutou por alguns segundos em continuar quando viu Crânio. A voz irritante no fundo de sua mente, que vociferava sua parte egoísta, começou a despertar. Era um sentimento esquisito querer bater no melhor amigo sem nenhum motivo aparente.

Por fim ele se aproximou se dirigindo mais a menina dos Karas.

— O Conselho ainda está discutindo a proposta, Magrí, mas temo que a decisão seja negativa.

Magrí se revoltou.

— Mas por quê?! Eu não entendo a razão deles não apoiarem uma iniciativa dos próprios alunos em ajudar a escola! Eles deveriam estar pulando de alegria! Calú me disse hoje mais cedo que conversou com várias turmas do nono ano e a maioria dos alunos estavam dispostos a comprar um ingresso ou ajudar no que podia.!

Miguel massageou as têmporas e suspirou alto.

— É por causa de toda aquela chatice burocrática sobre impostos e alunos menores de idade estarem manuseando altas quantias de dinheiro. Talvez eles vão exigir que algum professor nos supervisione. E tem a questão da segurança da festa, etc., etc.

— Como se eu fosse roubar o dinheiro do caixa — Crânio resmungou — Mas eu entendo a relutância do Conselho em deixar tudo nas nossas mãos. Vamos ter que encontrar algum professor que nos “ajude”, Karas.

Os três ficaram em silêncio. Magrí não viu os olhares fulminantes que Crânio estava jogando na cara de Miguel que fingia que não era com ele. Até ela sentir que o garoto estava ficando tenso ao lado dela.

A menina levantou a cabeça e parecia que Crânio e Miguel estavam tendo uma discussão silenciosa.

— O que há com vocês dois?

Antes que Miguel desse uma desculpa para sair da sala, Crânio falou numa voz um pouco amarga.

— Pergunta para o Miguel porque ele não quer nos ajudar.

— O-o-q — Magrí mal conseguiu falar, pois Miguel a cortou tentando conter a fúria.

— Eu estou fazendo o que posso, Crânio! Não me venha com essa!

— “Não me venha com essa?!” — o gênio dos Karas debochou — Eu sei muito bem como funciona o Grêmio. E sei bem que você pode se envolver que ninguém vai te criticar por isso!

Miguel bufou já sentindo a paciência indo embora.

— Se vocês querem que eu continue no cargo, é melhor deixar eu seguir as regras.

Crânio falou que soou como um xingamento que somente Magrí conseguiu ouvir.

— Ninguém liga para isso, Miguel. E que concorrente você tem? O Ricardinho? Ah pelo amor de Deus! A questão é: porque você está sendo um covarde, hein? Qual é a sua verdadeira razão?

Os dois se encararam em desafio. Crânio parecia querer arrancar a informação de Miguel a qualquer custo, mesmo já adivinhando o que o líder dos Karas teria vergonha e medo de admitir em voz alta.

Miguel estava exalando fúria. Sabia que tinha sido fácil demais enganar Crânio, só ficou surpreso em Magrí ter engolido a história.

— Do que diabos você estão falando? — disse ela, ora encarando o namorado, ora encarando Miguel.

— Crânio só enlouqueceu, só isso — Miguel respondeu com desdém — E está me chamando de mentiroso, como se eu fosse o único falso aqui.

O gênio dos Karas recuou e piscou pela acidez na voz de Miguel. Magrí se levantou e estava pronta para apartar a briga se fosse necessário nocauteando os dois, mas Miguel saiu da sala de forma tempestuosa, deixando o melhor amigo entre a raiva e a mágoa. Se Crânio tinha dúvidas sobre as razões de Miguel, agora ele não tinha mais.

Assim ele tomou uma decisão. Somente ele ia sofrer a raiva de Miguel, enquanto que deixaria Magrí fora daquilo. Afinal de contas, quem foi que insistiu em investir no relacionamento dos dois às escondidas? Era justo que só ele pagasse o preço. O problema seria até quando conseguiria esconder isso dela…

A menina o encarava com uma expressão zangada.

— Você foi terrivelmente rude, Crânio! Ele está fazendo o que pode! Você não ouviu ele dizendo isso na reunião?

Claro que ouviu. Mas Crânio ajudou a eleger Miguel na última eleição; o garoto foi o braço direito do líder dos Karas. E ele sabia que nem os alunos, nem o Conselho se importavam com as tais regras, elas só estavam lá para cumprir tabela. 

Era fato que Miguel tinha grandes chances de ser reeleito, e se ele ajudasse na festa como presidente do Grêmio, o Conselho iria agradecer, não destituí-lo do cargo. A mentira de Miguel para ocultar suas razões estava deixando Crânio pasmo e furioso.

Porém, ele apenas acenou sem querer brigar com Magrí também. “Pobrezinha”, pensou com tristeza “ela nem sonha o que Miguel está pensando…”

— Tudo bem, eu fui muito grosseiro, você tem razão.

A boca de Magrí se escancarou. Já estava prevendo uma discussão com o namorado, mas ele aceitar que estava errado assim tão fácil era muito raro!

— Vai chover forte hoje, hein? Muito bem! — ela deu um selinho no garoto se levantando — Depois peça de desculpas para ele. Preciso ir encontrar o Chumbinho para vermos sobre o espaço da festa, as mesas e as cadeiras. Te vejo mais tarde.

Ela saiu saltitante com toda a sua graça e beleza. Crânio fechou os olhos e deixou uma pequena lágrima se acomodar no canto do olho, mas ele não chorou.

***

Dani não esperava esbarrar (literalmente) daquele jeito em Miguel no estacionamento do Elite. O garoto ficou embaraçado por quase derrubá-la.

— Desculpe, Dani, eu não te vi. Me perdoe.

— Tudo bem, eu também estava andando distraída.

O garoto parecia muito transtornado e um pouco nervoso. Olhava distraído e estava relutante e alheio a tudo. Dani se aproximou com cautela.

— Tá tudo bem?

Miguel balançou a cabeça.

— Não…

— Talvez eu possa ajudar — ela quase murmurou e apertou o caderno que segurava contra o peito.

Miguel a encarou.

— Talvez você possa dizer para o seu irmão que… eu… — ele se sufocou com as palavras, mas não continuou.

Com horror, Dani percebeu que ele estava com uma expressão de alguém que poderia chorar a qualquer momento. O garoto, porém, viu que não conseguiria dizer mais nada e ficou calado.

— Eu estou ajudando o Calú sobre a festa da pizza — disse ela sem jeito — Mas todo mundo quer ser saber se o Elite aprovou ou não…

Antes que Miguel respondesse, um esbaforido Chumbinho apareceu gritando o nome dele. O menor dos Karas parou tentando pegar fôlego e disparou:

— Eles votaram não, Miguel! O Conselho votou contra a festa! Você tem que fazer alguma coisa!


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Notas finais do capítulo

Bjos e até a próxima!



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