Canção Vintage (Crânio & Magrí - Os Karas) escrita por Lieh


Capítulo 37
O Código Perfeito [Especial São Valetim 2019]


Notas iniciais do capítulo

Olá Karas, tudo bem? Deixa eu explicar o que é este conto — já que não estava programado originalmente — mas que eu resolvi escrevê-lo para participar do Concurso São Valetim do Wattpad. Este conto é meio que um universo alternativo dos Karas (vocês vão entender porque), e pode ser lido de forma independente dos outros contos. Não vou dar mais detalhes, pois eu posso estragar a brincadeira haha :P

Espero que gostem ;)



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— Eu não sei mais o que fazer, Crânio. É como se toda a minha vida só andasse em círculos, sem direção nenhuma — Magrí suspirou de forma triste — Achei que a vida adulta seria mais fácil do que isso.

Do outro lado da mesa, Crânio sorriu com tristeza. O rapaz bebeu do conteúdo da taça deixando o álcool impregnar no sangue. Estava tudo bem. Deixou o carro na garagem, voltaria de táxi. Tudo sempre ficaria bem com ele, pois aprendera a lidar com as adversidades melhor do que a bela jovem mulher à sua frente.

Magrí fazia círculos com o dedo mindinho na boca da taça, deixando reluzir à meia luz do barzinho, as delicadas unhas pintadas de vermelho carmesim. Ela o fitou com o seus belos olhos, que eram capazes de puxá-lo para um abismo fora da realidade. Sorriu com doçura. Por alguns leves instantes, Crânio se segurou para não se inclinar pela mesa e beijá-la.

Não. Não podia fazer isso. Era cedo demais, ela tinha... bem, não importa. Sentia-se muito cretino ao pensar aquilo, enquanto Magrí provavelmente apenas via ele como um velho amigo de escola.

— Nunca acreditei que as coisas seriam mais fáceis só porque podemos ser presos e ficar bêbados — Crânio falou num tom leve para fazê-la rir e conseguiu — Acho que quanto mais o tempo passa, quanto mais velhos ficamos, a vida vai te afunilando mais, você apanha mais. Pelo menos é o que o meu pai sempre diz...

Ele parou quase não dizendo a última frase. O rapaz piscou e bebeu um pouco mais da copo. Magrí percebeu o desconforto, e de forma suave, fazendo um leve carinho na mão direita de Crânio apoiada na mesa, sussurrou:

— Eu sinto muito sobre o seu pai. Muito mesmo.

Crânio detestava se sentir tão vulnerável daquele jeito. Contudo, os últimos dois anos desde o que aconteceu com o pai deixou os nervos do rapaz em frangalhos. Precisava ser um rocha, uma coluna de serenidade e ação para a mãe e a irmã, ao mesmo tempo que reprimia o próprio sofrimento. Sentia-se mais velho do que vinte e dois — às vezes achava que tinha cinquenta.

— Obrigado — murmurou constrangido — Eu vou ficar bem. Vamos ficar bem, não se preocupe conosco, Magrí.

A jovem balançou a cabeça com uma expressão de súplica.

— Você não pode querer lidar com isso sozinho, Crânio. Eu posso ajudar, tenho colegas de classe já formados que trabalham naquele hospital, excelentes profissionais de psiquiatria que podem amenizar...

Ela suspirou e parou de falar mordendo o lábio. A cabeça inclinada de Crânio era um claro sinal que não queria falar daquilo, e cada palavra que ela proferia era como se fosse uma surra que ela dava nele. Vê-lo sofrer fazia com que o coração generoso dela se apertasse a ponto de doer no próprio peito.

Ficaram em silêncio por alguns minutos. Em seguida, tentando mudar de assunto e querendo falar de coisas mais alegres, Magrí começou:

— É engraçado ainda nos tratarmos pelos mesmos apelidos do Elite, né? É bom ser chamada de "Magrí" de novo, já que na faculdade ninguém me chama assim.

Ela fez o seu famoso beicinho que Crânio conhecia bem — até demais. Ele sorriu e balançou a cabeça, grato por ela mudar de assunto.

— Ainda me chamam de "Crânio" na faculdade, então não sinto tanta falta assim.

Magrí deixou os ombros caírem um pouco e riu junto com o amigo. Se ele soubesse como ela se sentia a respeito de... De tudo. Se ele soubesse a verdade... As coisas teriam sido diferentes?

A jovem o fitou sem que ele percebesse — como ela costumava fazer em um certo forro de vestiário masculino no Elite, em certas ocasiões, onde os... Ah, como era doído pensar naquilo...

Ela voltou à realidade. Crânio estava com a testa um pouco franzida e com os olhos baixos — estava pensando em alguma coisa, sabia bem disso. Magrí se aproximou mais para perto dele e disse como se estivesse contando um segredo que não deveria dizer:

— Você teve notícias dos Karas?

Com a pronúncia de Karas, os olhos de Crânio se arregalaram levemente, mas ele logo se recompôs. Quando respondeu, no entanto, não escondeu a infelicidade na voz:

— Eu sei menos do que você, Magrí.

Um silêncio triste caiu entre eles. Magrí fingiu que prestava atenção na música de fundo, enquanto Crânio encarava os padrões da mesa. De repente, o rapaz levantou o rosto e num tom mais leve, desferiu:

— Mas eu ainda sei os códigos de cor, inclusive falar ao contrário.

Magrí caiu no riso ao se lembrar de uma certa ocasião nas primeiras reuniões dos Karas.

— Eu também sei, tá? Só não aprendi falar ao contrário ainda. Isso foi uma das coisas mais engraçadas que eu já vi na vida!

Os dois riram e ficaram perdidos nos próprios pensamentos e lembranças. Pelo rabo do olho, Crânio viu que Magrí estava naquele estado típico dela: um pouco tensa, entre alegria e tristeza. Era uma expressão que ele só tinha visto no rosto dela.

Era algo tão único de Magrí, tão característico dela — os belos olhos fixos num curso de pensamento, a boca numa leve curva, nem completamente aberta ou fechada, os longos cílios batendo como duas asinhas de borboleta. Ele sabia, é claro, que a lembrança dela depois que fosse embora seria dolorosa, mas não se importava mais.

Crânio chamou o garçom pedindo e pagando a conta dele e de Magrí — ele não deu tempo dela decidir se queria a gentileza ou não — e após colocar a carteira de volta no bolso, se levantou e pegou o casaco de Magrí pendurado na cadeira.

— Você já vai embora? — ela não escondeu o decepção na voz.

Aquele pequeno fato deu mais esperança a Crânio do que ele se permitiu em anos. Sorriu e balançou a cabeça:

— Vem, vamos dar uma volta.

O rapaz colocou o casaco nos ombros dela e fingiu que não percebeu a expressão feliz de Magrí. Ela, por sua vez, se fingiu indiferente ao suave toque dos dedos dele na própria pele.

Os dois saíram na noite fria e iluminada da cidade. Andaram em silêncio pela calçada, até Magrí olhar de relance para o antigo colega de escola, e começar num tom brincalhão:

— Você me contou muito pouco da sua vida, Crânio. Eu sei o suficiente sobre seus méritos acadêmicos, mas quero saber outras coisas. Amigos? Viajou para algum lugar diferente? Visitou uma tia excêntrica? Teve uma namorada misteriosa?

Ele riu pelas perguntas, mas sentiu desconforto. Aquela conversa poderia ir para um rumo perigoso.

— Lamento te decepcionar, mas minha vida tem sido bem monótona — ele sorriu fracamente e em seguida corou — E nada de namoradas misteriosas.

Magrí levantou uma sobrancelha:

— Eu não acredito em você. O que há de melhor para ocupar a mente do que um romancezinho por aí, hein?

— Não levo jeito para isso, Magrí. O amor é loucura demais para a minha cabeça...

Crânio falou quase que abruptamente, o que fez Magrí desviar o olhar e morder o lábio. Havia algo ali que ela não conseguia decifrar o que era.

Não respondeu de imediato. Só quando estavam chegando numa praça foi que ela continuou:

 Loucura? Pode até ser, mas nada do vem do amor é completamente irracional, só se for puro sentimento, o que não é amor. Mas se for algo testado pelo tempo, pesado em consequências e racionalmente decidido... — ela parou e não disse mais nada.

Crânio a encarou enquanto as palavras pairavam no ar. Magrí apertava os braços contra o próprio corpo e estava muito interessada numa plantação de orquídeas na praça. Não iam continuar nas "conversas seguras" pelo jeito. Sentia um ponto de interrogação gigante na própria cabeça.

— Pode ser verdade, mas... Não é racional sofrer por um amor plenamente decidido.

O rapaz não mediu bem as palavras quando as proferiu, porque querendo ou não, estava falando dele mesmo. Uma ideia cruzou sua mente prodigiosa. Ele precisava saber, ele não ia aguentar passar meses, talvez anos sem saber a verdade sobre Magrí e sobre, bem... os sentimentos dela. Ou a escolha que ela fez.

Magrí o encarou com os olhos brilhando à luz da noite, e Crânio sentiu aquele olhar transpassando sua alma.

— Então esse é o preço de amar alguém de verdade.

Crânio desviou o olhar e resolveu pôr "o plano" em prática. Abriu um leve sorriso e continuou caminhando pela praça.

— Eu acho o amor difícil demais de decifrar, mais do que uma fórmula matemática. Talvez seja um código.

Magrí bufou e riu logo em seguida.

— Não seja bobo, Crânio. De códigos nós entendemos bem, não é? Amor não é código nenhum, porque códigos são fáceis.

— Fácil? — ele sorriu malicioso — Se fosse fácil, você saberia falar ao contrário também. Não há código mais perfeito.

Magrí abriu a boca indignada.

— Falar ao contrário não é código, Crânio! Aliás, acho que só você fala ao contrário.

— Mas era um código semi oficial dos Karas. Era genial — ele riu petulante — Mas vocês não quiseram aprender.

Era a primeira vez que os Karas foram citados sem causar um silêncio triste e constrangedor. Magrí revirou os olhos. Algumas coisas nunca mudam, como a arrogância do amigo — mas era uma arrogância que ela achava fofa ao invés de insuportável. Como ela explicava isso, não sabia.

— Se o amor é equivalente a falar ao contrário — continuou Crânio com animação e um pouco de ironia — Então eu já decifrei a fórmula e mereço um Nobel.

Magrí riu alto e deu um leve soquinho no braço dele, enquanto contornavam a praça sem rumo nenhum. Já estava ficando tarde e a noite cada vez mais fria, mas nenhum dos dois pensava em voltar para casa. Num acordo silencioso, queriam a companhia um do outro o máximo que pudessem, mesmo que conversassem nada com nada.

— Você está errado como esteve outras vezes — disse Magrí num tom divertido — Amor não é explicado por códigos e também não é irracional.

Crânio parou de andar e se virou de frente para Magrí, que também parou. Havia aquele algo a mais na voz dele quando falou que sempre fazia o sangue dela subir até as bochechas desde os quatorze anos. Com vinte e dois, a sensação não mudou — era mais forte.

Nem mesmo os anos que não se viram, por terem tomado caminhos diferentes, a distância, as pessoas que conheceram, não mudou aquela conexão que tiveram desde o começo. Mesmo admitindo muito tempo depois que o breve relacionamento com Miguel não deu certo por causa disso ou daquilo, a verdade era que seu coração estava preso a pessoa que estava à sua frente... mas não sabia quais eram os sentimentos dele.

— Talvez... — ele se aproximou mais dela e Magrí sentiu-se presa ao olhar e a voz dele, que saiu quase num sussurro — Mas o amor pode ser explicado por código, como esse: ocev emi oe.

Ele piscou como se não acreditasse no que disse, enquanto Magrí ficou atônita. Não entendeu uma palavra da última frase do rapaz. O que aquilo queria dizer?

O silêncio caiu com as palavras no ar, mas logo foi quebrado. Recomeçaram a andar como se fugissem daquele momento que ficaram tão próximos, e conversaram sobre outras trivialidades, mas a mente de Magrí só conseguia repetir como um gravador a última frase em código. Era mesmo um código, mas o que significava? Não era TENIS-POLAR, nem o Código Vermelho, nem o Código Morse, nada.

Crânio pegou um táxi e deixou Magrí na porta de casa (algo que ela não conseguiu controlar em pensar que era uma demonstração de carinho a mais, não era?) e antes dele ir embora, durante a despedida, ela viu novamente aquele mesmo olhar de outrora.

Magrí gastou horas pensando naquela frase. Que brincadeira era aquela? Ele inventou um código novo que só ele sabia? Ela tentou todas as combinações dos códigos dos Karas, mas nenhum apresentava uma frase que fizesse sentido.

Só depois de três dias, enquanto batia um bolo na cozinha da mãe, que ela se deu conta da própria estupidez. Ficou tão atônita com a descoberta que quase deixou a massa na batedeira passar do ponto, e foi num salto digno da campeã de ginástica olímpica que era, que desligou a máquina a tempo. O coração estava aos pulos.

Rasgou uma folha de papel do bloquinho de anotações em cima da bancada da cozinha e escreveu o código que decorou como um mantra:

ocev emi oe

Ela reescreveu a frase e levou a mão à boca quando viu o significado. Correu para o telefone, discou o número e esperou, até uma voz atender:

— Alô?

— Eu decifrei o código!

— O quê?

— O seu código, Crânio! Eu decifrei! Apareça aqui e agora!

— Mas... ok, estou indo — ainda havia confusão na voz dele.

Menos de meia hora depois, Crânio estava na soleira da porta da casa de Magrí. Ela se escancarou e num rompante, a própria se jogava nos braços dele rindo como uma criança. 

Antes que o rapaz abrisse a boca, Magrí o calou com um beijo apaixonado que foi plenamente correspondido, com ele abraçando-a apertado e com carinho.

Quando se soltaram um pouco, com as testas coladas, Magrí sorriu de orelha a orelha.

— Acho que você estava certo. Isso é um código perfeito.

Um leve sorriso de não mais um confuso Crânio surgiu. Havia uma doce emoção na voz dele.

— Então você entendeu... Achei...— deu um selinho em Magrí sorrindo em seguida — Achei que não entenderia.

Ela riu e o abraçou ainda mais com um doce suspiro.

— Desculpe, eu te subestimei. Você pode falar ao contrário para mim quantas vezes quiser daqui para frente. Eu sempre amei você também, meu querido.


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Notas finais do capítulo

Não aguento a fofura desses dois haha ;)

Bjos e até a próxima!



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