Superstition 2 escrita por PW, Jamie PineTree, MV


Capítulo 9
Capítulo 07: The Natural Selection (Parte II)


Notas iniciais do capítulo

Segunda parte do capítulo.

Escrito por PW



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Vários minutos haviam passado desde que Andreas se enfiara debaixo da cama e Sun atrás do guarda-roupas. Os dois em um silêncio profundo, sem sequer mudarem a respiração contida e abafada pela poeira excessiva no quartinho.

Logo após alguém abrir a porta do casebre, ouviram vozes. Ora agitadas, ora ecoando feito sussurros perturbadores. Eram vozes femininas que conversavam, enquanto avançavam pelos cômodos. Sun podia ouvir inúmeros passos se espalharem e vibrações vindas das paredes feitas de argila. Chutaria mais de dez pessoas.

Ela estava preocupada. Eles precisavam dar o fora do local o quanto antes, mas só quando estivessem seguros de que ninguém os veria.

Sun arriscou dar uma olhadela pelo cômodo, inclinando seu rosto na direção da porta. O silêncio foi sua resposta. Ela não ouvia mais vozes ou passos, agora todos distantes. Suspirou e cochichou para que Andreas saísse do esconderijo. O homem se ajoelhou ao lado da cama e sacudiu a poeira da roupa. Seu joelho bateu em algo metálico.

— Cuidado aí! — Sun alertou.

— Como vamos sair? Nem minha cabeça passa nessa janela minúscula. — O homem murmurou, dedilhando o vidro velho. — Será que existe alguma saída pelos fundos?

— Você quer dizer saída direta para o abismo? — Sun franziu. — Não, obrigada. Vamos pela porta da frente.

— E se ainda estiverem na sala?

— Damos nosso jeito.

Então, a oriental começou a abrir as gavetas da pequena escrivaninha com cuidado. Não havia nada que pudesse aproveitar, além de pequenos objetos que ela nunca saberia identificar.

Andreas esbarrou o pé em um castiçal empoeirado jogado embaixo da cama e segurou o objeto na frente dos olhos, analisando-o.

— Que tal isso?

Sun semicerrou os cílios, mas no fim, concordou.

— Espero que não seja preciso usá-lo. Não quero machucar ninguém.

— Eu também não, mas ladrões costumam ser traiçoeiros. É só por precaução. — O barbudo deu de ombros e viu Sun sinalizar para que ficasse em alerta.

Girou a maçaneta e torceu para que não desse de cara com terceiros.

X-X-X-X-X

O dia estava ficando mais ameno. A densa floresta parecia se abrir à medida que Vânia avançava na trilha de folhas secas que dava próxima ao rio. O céu tinha um azul puríssimo e Vânia voltou a pensar no bem-estar dos filhos, se eles saberiam se virar sem ela por tanto tempo. Nunca passara mais de três dias longe de casa e em Hadiah já contabilizavam cinco dias. Aquele pensamento estava maltratando seu coração.

Durante o percurso, Georgia reclamou algumas vezes. A revendedora amparava Skylar, que repousava o braço pálido ao redor do seu ombro. O adolescente não estava totalmente recuperado dos ferimentos do templo, mas se negou a ficar sozinho na tenda. Os olhares de alguns moradores contra o grupo o deixaram ainda mais desconfortável de continuar no vilarejo. A localidade tornou-se obscura e sem a vivacidade que encontraram ao chegar.

Skylar temia ter causado o problema junto dos outros sobreviventes.

— Eu não faço a mínima ideia de que caminho seguir. — Vânia soprou. — É muito mato.

— Usa a intuição. — Georgia comentou, recobrando o ritmo. — Pode ser a luz que necessitamos.

Vânia ergueu a sobrancelha, mas a ideia não era ruim. Ela respirou fundo e fechou os olhos.

Georgia tremeu quando um arrepio percorreu seu corpo e Skylar sentiu o gesto.

— Aconteceu alguma coisa?

A negra nada respondeu, apenas olhou por cima dos ombros e viu um vulto se mover atrás de uma árvore. Folhas se partiram perto dali e ela engoliu em seco. Poderia ser qualquer coisa, inclusive um bicho assustado. Mas uma pequena parte de Georgia começou a ficar paranoica.

— Acho que estamos sendo seguidos. — Proferiu baixinho.

— Eu não vejo ninguém além de nós. — Skylar constatou, dando uma olhada em volta. Deu de ombros.

— Vânia, podemos ir logo? — Georgia pediu.

A empresária não mexeu um músculo e continuou parada, na mesma posição. Georgia deixou Skylar num canto, apoiado em uma árvore e foi até Vânia com o coração na mão. Esticou o braço, incerta, e tocou seu ombro devagar. Ela já vira como a mulher podia reagir em transes repentinos por conta de sua ligação com o acidente.

Por alguns segundos, Vânia viu o chão se desmanchar e desaparecer. Seu corpo entrou em queda livre. Ela despejou um grito sôfrego, arrebentando suas cordas vocais e acordou nos braços de Georgia.

Ela dava leves tapas no rosto bronzeado e pedia com a voz suave para que Vânia acordasse.

— Eu fiz de novo? — A joalheira arregalou os olhos.

Georgia acenou positivamente e ajudou-a a levantar.

— O que viu dessa vez?

— Eu estava caindo de algum lugar. — Foi direta, ainda sentindo a garganta arder e a vertigem causada pela visão. — Acho que a próxima morte vai envolver altura, mas aqui não tem nada parecido.

— Andreas… — Georgia voltou a apanhar Sky rapidamente. — É ele! Vamos!

X-X-X-X-X

Sun e Andreas iam pé antepé rumo à saída do casebre. Poucos metros os separavam na mata, e se tivessem sorte, não chamariam a atenção de nenhum morador. Eles estariam livres daquela teia de mistérios que cercavam a antiga construção. O terapeuta segurava firme o castiçal entre os dedos, mas sentia o suor umedecer sua mão, prestes a escorregar.

De repente, seu comunicador começou a chiar dentro do bolso. Só significava uma coisa: Dawn estava mantendo contato. Agora não! O barbudo enfiou sua mão nervosa no bolso, tentando retirar o objeto, que escorregou entre os dedos afoitos.

O comunicador caiu no chão com força, mas não sofreu nenhum dano aparente. O chiado parou e deu lugar à voz de Dawn entrecortada do outro lado da linha:

“Amor, está aí? Andie… Falta pouco para… Só tenho que…”

O homem se entreolhou com Sun, suando frio. Desligou o aparelho, mas tinha sido tarde. O barulho deveria ter percorrido a casa inteira. A detetive roubou o castiçal de sua mão e ignorou o comunicador, partindo para fora. Mas foi surpreendida pela chegada de uma mulher.

A mulher prostrou-se no meio do caminho, segurando uma xícara. Possuía os cabelos longos e lisos, na altura dos quadris. Seus traços indonésios se confundiam nas rugas amadurecidas pelo tempo. A saia tocava o chão e colares chamativos enfeitavam seu pescoço. Sun reconheceu uma das joias comufladas pela estamparia da blusa. A ladra maldita está usando as joias da Vânia!

Inicialmente, a nativa não disse uma palavra sequer. Apenas encarou a loira com um semblante apático no rosto.

— Oi, tudo bem? Não sei se pode nos entender, mas é que estamos perdidos. — Andreas arriscou. O homem tomou a frente de Sun e estendeu o braço para um aperto de mãos amigável.

— Por que invadiram minha casa? — Disse ela em um inglês arranhado.

— Achamos sua casa depois de uma caminhada cansativa procurando o vilarejo. A sua porta estava aberta e pensamos em pedir as coordenadas certas. — O terapeuta jogou a primeira mentira que veio a sua cabeça e esperou que a nativa engolisse.

Sun escondeu o castiçal atrás de si e cutucou Andreas discretamente. Ele sorriu, procurando ser o mais simpático possível.

— Sawar? — Alguém chamou da soleira da porta que dava acesso aos cômodos dos fundos.

Era uma jovem mulher, usando vestimentas semelhantes às da ladra. A tal Sawar lançou um olhar sugestivo para a moça, que assentiu e saiu dali como se levasse uma bronca das feias.

Sun estranhou o comportamento da nativa, de modo que passou a analisá-la detalhadamente. Os pés descalços de unhas grandes e dedos enrijecidos, as joias brilhantes, as pinturas nos braços, os olhos inquietos; e por fim, a xícara que ela fazia questão de segurar, sem líquido algum.

— Sei que foi muita indelicadeza da nossa parte sair entrando assim na sua residência. Peço desculpas, já estamos de saída. — Andreas disse a um passo de se virar.

Tudo aconteceu em um intervalo de cinco segundos.

Sawar bebericou um gole de seu chá invisível sem tirar os olhos dos dois turistas. Os olhos de águia de Sun deram um rasante sobre o gesto, notando que havia muita coisa errada naquela situação. Então, viu quando a nativa enlouqueceu e jogou a xícara na altura do rosto do terapeuta. Andreas já estava virando de costas, mas dera tempo de ser pego de surpresa.

Era porcelana.

A xícara partiu-se em vários pedaços ao ir de encontro com a face do homem. Cortes foram abertos em seu nariz, testa e principalmente bochechas. Por pouco, seus olhos não fizeram parte da rota dos cacos. Andreas gemeu de dor e tapou o rosto, sem verificar a quantidade de sangue e a profundidade dos ferimentos. Sua reação foi das passos confusos, tentando se equilibrar sobre os próprios pés, completamente desnorteado.

Sun não aguentou ver aquilo, seu sangue fervilhou dentro das veias. Movida pela fúria e pelo instinto de proteger Andreas, ela contra atacou e voou em cima de Sawar.

A nativa ainda tentou gritar por ajuda, mas o grito foi interrompido pelo golpe certeiro e molhado do castiçal pesado em seu queixo. Não houve tempo para reações, ela cambaleou e foi direito para o chão, de costas. O baque contra o piso de madeira levantou poeira e um dente sobressaltou de sua boca. Sun ajoelhou sobre o corpo de Sawar, prendendo-a com seus joelhos impulsionados, e ergueu o castiçal, pronta para lhe desferir mais golpes. Contudo, esquecera que a nativa não estava sozinha e que acabara de chamar a atenção das demais.

Do outro lado do cômodo, surgiram mulheres de todos os cantos, todas vestidas como ela. Verdadeiras réplicas. Elas seguravam artefatos perigosos, dentre: tesouras, louças, canivetes... E seus olhares ardiam em chamas, determinadas a irem até o final para defender uma das suas iguais.

Sun também faria o mesmo. Afastou-se do corpo amolecido de Sawar, que ria com dificuldade e passava os dedos nos lábios ensanguentados.

A oriental segurou o castiçal na altura do peito e disparou:

— Se aproximem, e eu afundo a cara dela.

X-X-X-X-X

Vânia andava o mais depressa que podia, mas sem esquecer do perigo que a floresta oferecia para os sobreviventes do maremoto. A morte era esperta demais para deixar qualquer um deles passar, a menos que eles se sobressaíssem a esta esperteza e fizessem decisões inteligentes.

Georgia constantemente olhava para trás, incomodada com a sensação de estar sendo seguida que arrastou por vários metros. Ela não era de ignorar seus sentidos, Georgia nunca se enganava. Mas exclusivamente daquela vez, tentou ignorá-los, só assim não viveria sob a sombra de uma paranoia.

— Vocês estão sentindo esse cheiro de fumaça? — Vânia, que ia guiando o trio, parou.

— Ele está forte. — Skylar mexeu a ponta do nariz.

Click! O barulho de uma arma sendo engatilhada foi ouvido e Georgia se negou a olhar para trás.

Skylar fez as honras e não esboçou qualquer reação que pudesse prejudicá-los nas mãos do estranho. Ele encarou o cano extenso da arma apontado para as costas de Georgia e respirou fundo. Os batimentos do seu coração aumentaram e as palmas de suas mãos formigaram ao mesmo tempo.

Vânia ficou de frente para o responsável pelo barulho. Ele tinha as roupas surradas dos moradores do vilarejo e uma expressão nada contente impressa no rosto. Barba negra e suja, olhos zangados, sobrancelhas grossas e juntas. A pele castigada pelo sol de Hadiah e lábios rachados. E possuía uma espingarda em ponto de disparar contra seus alvos. Vânia não entendia por que diabos eles estavam na mira daquele homem, mas não estava disposta a deixar que atentassem contra eles.

A joalheira ergueu os braços em sinal de rendição.

— O que você quer? — Seu objetivo era dialogar.

O homem ouviu, mas decerto não havia entendido a pergunta. Ele estava focado em cumprir seu propósito de eliminar o trio. Impulsionou o cano contra as costas da revendedora de cosméticos. Georgia deu um pulinho amedrontado, e suando, deu alguns passos para frente. Skylar acompanhou-a, sem saber o que fazer.

Who's in your shadows?

Who's ready to play?

Are we the hunters?

Or are we the prey?

Todavia, Georgia pensou de maneira prematura e deu uma cotovelada contra o cano da espingarda. A arma girou e consequentemente atirou para cima. O estampido ecoou e espantou pássaros barulhentos, que sacudiram a copa de uma árvore. Georgia voltou a se defender e mordeu o braço do nativo com força. A arma caiu para o lado e o senhor de barba escura não conseguiu recuperá-la, esbravejando em indonésio.

Vendo a cena se discorrer, Vânia avançou e alcançou a espingarda. Tomada por adrenalina, ela engatilhou e apontou-a na direção do homem.

There's no surrender

And there's no escape

Are we the hunters?

Or are we the prey?

No último minuto, ele puxou Skylar para si, dando uma gravata apertada no adolescente. Sky gemeu sem êxito em se desvencilhar. Sua garganta estava sendo comprimida e mal podia sentir o ar circulando pelos seus pulmões. Desesperado, começou a se debater, tentando por vezes arranhar o inimigo, enquanto Georgia chorava e tapava a boca, horrorizada.

— Larga ele! — Vânia ordenou, fechando um dos olhos e fingindo saber manusear a espingarda. Foi como se visse seu filho mais novo como um refém no lugar de Sky. Ela sabia que se atirasse, sua mira ruim poderia ser fatal para ele.

O homem deu um sorriso mórbido, mostrando seus dentes amarelados e sem proferir nenhuma palavra. Ele sequer estava entendendo o que a empresária dizia, muito menos fazia questão de entender.

Atrás dos dois, Vânia observou um movimento estratégico e teve um insight. Se o próximo da fila a morrer era Andreas, a morte não estava disposta a sabotar o próprio esquema. Aquilo só poderia significar uma coisa…

This is a wild game of survival

Vânia respirou profundamente, contou até três e apertou o gatilho.

O tiro atingiu em cheio o ombro do nativo, que urrou com a dor lancinante. Só então Sky conseguiu abrir espaço e se desvencilhar, correndo atordoado com o estampido para os braços de Vânia. A mulher abraçou-o com ternura, protegendo-o de todo o mal.

O homem ainda continuava de pé, cambaleando na direção dos dois. Ele puxou uma faca de dentro das calças, mas tombou na terra batida sem precedentes. O sangue espirrou para cima, sujando o rosto apavorado de Georgia com o líquido vermelho e quente.

This is a wild game, game of survival

Banhada em torpor, a figura de Georgia largando a pedra e movendo os lábios trêmulos murmurou:

— Podemos achar o Andreas agora?

X-X-X-X-X

Através da ajuda dos seguranças reais, as mercadorias de Alya eram colocadas com cuidado dentro do castelo. Os paredões de pedra que compunham a construção colossal não impressionavam a mulher de pele negra e cabelos presos em uma trança no topo da cabeça. Acostumada a peregrinar de um lugar para outro, já tinha visto de tudo por onde passou. Usava vestimentas grossas e pesadas, como se tivesse feito mais uma de suas grandes viagens, se protegendo do frio e das ameaçadas da densa floresta do reino.

Para ela, fora relativamente fácil entrar nas terras dos Hightower. Eles eram conhecidos por negociar os mais variados tipos de mercadorias com reinos vizinhos e Alya possuía muitas coisas relevantes em seu estoque. Passara boa parte da vida adquirindo objetos raros, exóticos e de muito valor por terras distantes. Embora sua forma de adquiri-los infringisse a lei de qualquer terra. Esconder-se atrás de uma mercadora passou a ser sua atividade predileta. Os Hightower logo se interessaram em convidá-la para uma negociação e ela aproveitaria para conhecer as instalações da fortaleza alta. Facilitaria seu trabalho na hora de surrupiar as riquezas daquele reino abastado.

Alya não era nenhum tipo de justiceira, que tirava dos ricos para dar aos pobres. Ela dava a quem conseguia pagar mais pelos seus produtos. E preferia trabalhar sozinha, embora comunicativa, não gostava de abrir espaço e confiar muito nas pessoas. Ela sabia o suficiente de si mesma para entender que a ganância é um prato que se come sozinho. Além de aprender, às duras penas, que se esconder era a melhor forma de sobreviver e ganhar o mundo.

Encontrada boiando em um cesto de palha, após o terrível naufrágio de uma embarcação, foi resgatada por uma serviçal. Esta alma bondosa e curiosa resgatou-a e passou muitos anos da infância de Alya escondendo-a da família para a qual trabalhava. Se descobrissem poderiam matar o bebê indefeso. Sem os pais, aquela habilidade de ser sorrateira e desconfiada tornou-se parte do seu ser. Alya cresceu conhecendo a parte ruim do mundo e aquela névoa nunca se dissipou.

— Soube que hoje haverá uma grande cerimônia para o príncipe de Hightower? — Um dos guardas perguntou.

— Oh, não sabia! — Alya mentiu. Ela tinha sido informada dias antes sobre a cerimônia. — Sendo assim, pretendo ficar para apreciá-la. Parece que teremos uma noite animada.

X-X-X-X-X

A cena era a seguinte:

Andreas estava espremido em um canto do que seria a sala de estar do casebre, rangendo os dentes pela dor aguda que os cortes causavam. Alguma parte do sangue já estava seco em sua testa suada, enquanto outros cortes ainda liberavam filetes do líquido rubro, manchando seu rosto e tingindo sua barba. Ele não quis abrir os olhos, tinha receio de que eles estivessem feridos. Por isso, continuou de olhos fechados, e não conseguia enxergar nada, nem mesmo como Sun lidava com as seguidoras ensandecidas de Sawar.

A ladra estava ajoelhada no chão, ainda rindo de maneira incessante, crente de que conseguiria recobrar seu equilíbrio e acabar com a oriental de pé ao seu lado, numa pose firme, empunhando o castiçal que brilhava ao toque mínimo do sol da manhã. Diante dela, pouco mais de uma dúzia de mulheres de saias longas, de peles pintadas e olhos consumidos pela raiva.

— Nos deixem ir embora! — Berrou a detetive, dando passos precisos para frente, mas sem tirar o olhar das nativas. Não se sentia intimidada.

Ao fundo, Andreas tentou se levantar e não percebeu que Sawar fazia o mesmo, se apoiando nos joelhos para se erguer. Ela o fitava, esperando o momento exato de concluir seu trabalho. Ela sabia como tinha que fazer, e se corresse tudo bem, seria mais uma vítima contabilizada.

— Agora! — Sawar gritou e todas as suas seguidoras marcharam com voracidade na direção de Sun.

A oriental se esquivou de um golpe de tesoura e derrubou a primeira maluca barulhenta com seu castiçal.

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As outras ergueram suas armas e tentaram acertá-la, mas Sun abaixou-se e passou por debaixo do braço de uma delas de maneira ágil. Começou a correr e subir de dois em dois os degraus da escada que dava acesso ao andar de cima.

Olhou para trás, três seguidoras da ladra no seu encalço.

Sun não esperou que elas avançassem e segurou no corrimão, se pendurando e acertando um chute no meio dos peitos da que estava mais próxima. Uma confusão de cabelos desgrenhados e uma queda feia lá embaixo. As outras ignoraram o baque e continuaram subindo. Uma golpe de martelo assustou a detetive, que quase teve o calcanhar esmagado. Suando, ela girou seu castiçal, rasgando o ar e fazendo-o se chocar num som crocante contra o rosto da segunda ensandecida. Ela urrou e rolou escada abaixo.

Já no andar superior, Sun continuou correndo, procurando por todas as partes mais formas de se ver safa daquele pesadelo. Porém não encontrou nada. Não haviam móveis, nem enfeites nas paredes, nem portas. Era apenas um cômodo circular e o teto de palha logo acima de sua cabeça. Encurralada, ela virou na direção da última mulher que a perseguia.

A mulher já estava em cima. Pulou e agarrou em seu pescoço sem sua arma de outrora. O castiçal caiu das mãos de Sun e rolou pelo piso, despencando lá embaixo e fazendo um tilintado característico.

A oriental reunia força em seus braços para tentar apalpar os cabelos de sua predadora. Sentia o ar sumir e seu pescoço ser comprimido, Sun foi ficando com os olhos avermelhados e o rosto arroxeado. Seria seu fim?

Suas pequenas filhas sorriram no mais fundo de seus pensamentos e a detetive decidiu que não deixaria que ninguém lhe dissesse quando seria a hora de partir. Então, com fogo nos olhos, segurou a cabeça da mulher e girou seu corpo, levando a cabeça da nativa consigo. Ao girar o corpo, Sun ficou em cima dela e segurou sua cabeça virada para o chão. Segundos depois, a loira bateu a testa de sua algoz contra o chão diversas vezes. Baque por baque, ela ouviu os grunhidos e o sangue pingar no chão. Uma, duas, três, quatro… Oito vezes.

Ao constatar que o corpo apagara, Sun se voltou para o corrimão e não viu mais ninguém no cômodo inferior. Sawar, Andreas e as outras mulheres haviam sumido.

Há alguns metros dali, Andreas era arrastado pelas mulheres na direção da cozinha. Ele implorava e se debatia. Em vão, suas pernas estavam justapostas e amarradas. Em seus punhos, mãos de muitas delas. Já de olhos abertos, o rosto banhado em sangue, ele encarava os rostos apáticos das nativas, falando sua língua entre si. Apenas torcia para que a morte resolvesse poupá-lo. Por que isso está acontecendo comigo? Vânia Vandelli é a pessoa amaldiçoada, não eu! Andreas se debateu outra vez.

Com os olhos marejados, o homem foi colocado em cima de uma mesa de madeira, de frente para uma janela redonda. Diferente das outras, essa era grande e sua vista embaçada para o abismo e para praia bem ao longe quebrava por míseros segundos a tensão. Andreas poderia morrer em paz com aquela paisagem.

Apoderadas de objetos cortantes, afiados e perigosos, todas as mulheres rodearam a mesa e se puseram de frente para ele. Elas fecharam os olhos e começaram a dançar em volta da mesa onde Andreas estava estirado. Confuso, o terapeuta tentou levantar com pressa, mas uma tapa voou no seu rosto. Sua cabeça tombou para trás de novo.

Ficara tonto e os cortes em suas bochechas voltaram a arder. Se sentia enfraquecendo aos poucos.

— Ei, piranhas, olhem pra cá! — O grito veio da soleira da porta.

Andreas virou a cabeça na direção da porta a tempo de ver Sun adentrar no cômodo carregando um imenso lança-chamas militar. Puta que pariu!

Ele arregalou os olhos assim que as chamas lamberam a primeira mulher, que berrou em desespero. As outras partiram ao seu auxílio, mas o fogo também consumiu seus membros. Elas se debatiam pela cozinha, derrubando todo e qualquer tipo de louça ou utensílio doméstico.

Uma garrafa de óleo derramou o líquido denso pelo piso. Vasilhas caíam das prateleiras e colheres de pau tremiam em cima da bancada de argila. O homem assistia tudo de sua mesa, aproveitando o momento de confusão para usar as mãos livres e desfazer as amarras de seus tornozelos.

A oriental apontava o lança-chamas e queimava a maioria das mulheres. Outras corriam para longe e tropeçavam. Andreas conseguiu ver o vulto de Sawar entre elas. Mas ao contrário de estar correndo na direção oposta, ela vinha para cima dele.

A faca na mão de Sawar perfurou o antebraço do barbudo repentinamente, que urrou.

The night is blind

So hard to find

The way back home

Losing grip

But it's worth the risk

To brave the cold

Andreas tombou por cima da mesa e caiu para fora, tentando se segurar.

O terapeuta escorregou no óleo derramado no caminho e se apoiou na janela. Sawar encarou Andreas e segurou nas extremidades da mesa, empurrando o móvel direto nele. Ela correu dali no momento em que a mesa prensou Andreas contra a janela.

No matter where you go

I'll find you

O vidro não resistiu e arrebentou. Todo o peso de Andreas e da mesa foi mandado direto para o abismo. A inércia faria o resto. O corpo do barbudo atravessou a vidraça com força e os cacos dançaram ao redor dele, cintilando à luz do dia. O tempo passou em câmera lenta para Sun e a detetive viu o terapeuta bater os braços, tentando se agarrar a qualquer coisa, qualquer resquício de sobrevivência.

Ela sabia que ele não sobreviveria à queda, que seu corpo talvez nunca mais fosse encontrado. Tinha plena consciência de que quando Dawn voltasse, a esposa ficaria devastada e teria que conviver com a sombra de não ter voltado para resgatar o marido antes do pior. Depois que chegasse no fundo do precipício, Andreas não seria nada além de uma lembrança distante.

Hold on for your life

It can't be time

I won't say goodbye

Hold on for your life

It can't be time

I won't say goodbye

E seu primeiro instinto foi de se arremessar até lá para salvá-lo.

O coração de Andreas saltou pela boca, preenchendo sua garganta. Pensou ter morrido por um milésimo de segundo, mas ele não estava em queda livre. Não mais. Suas pernas bambas penduradas diante do abismo, o suor se misturando ao sangue seco dos cortes no rosto.

Olhou para cima, encarando uma expressão de alívio de Sun. A loira abriu um sorriso fácil, pela primeira vez desde que chegou, e acenou positivamente com a cabeça. Ela havia segurado-o a tempo.

Hold on, hold on for your life

— Peguei você.

Andreas não soube o que dizer além de acenar também com a cabeça, agradecido e com os olhos marejados.

De repente, começou a subir. Sun estava lhe puxando, mas a mulher não se encontrava sozinha. Com os braços ao redor dela, Georgia ajudava, enquanto Vânia também segurava nos braços de Andreas.

Skylar vigiava o lugar. Ele estava vazio agora. A Sun conseguiu… Nós conseguimos.

X-X-X-X-X

O mesmo pedaço de tecido vermelho que vendava o homem de barba farta e peito nu em cima do colchão, também apertava seus pulsos colados na direção do teto da cama de madeira da melhor qualidade, encontrada nas árvores mais resistentes do reino. Era uma madeira brilhante e adornada de entalhes genuinamente detalhados.

O cômodo de pedra era gigantesco para sua mobília. A tapeçaria era refinada, as janelas enormes com vista para as águas de um mar calmo. Os lençóis eram de seda pura e as cortinas eram quase translúcidas. Ainda de olhos vendados, o homem poderia viver ali eternamente, no meio daquele perfume de rosas, provavelmente retiradas do jardim de seu próprio castelo.

Ele rosnou e um segundo homem pulou no seu colo, lhe fazendo estremecer de tesão. Deixou que o amante desse mordidas nos mamilos alvos e escondidos embaixo da mata de pelos que cobriam seu peito. Mordidas ferozes e violentas. Era assim que incitava seu prazer. A dor despertava os mais íntimos de seus instintos.

— Tu tens que ir… — Sussurrou, o suor deixando o ar abafado. — Tenho uma coroação para conduzir e ninguém poderá vê-lo aqui.

— Tudo bem, posso esperar o tempo que for, contanto que me pague o dobro da próxima vez que vier aqui.

— Vá o quanto antes, Angus! — Retrucou de maneira firme, suspirando e concordando. — Mas me desamarre primeiro.

Angus soltou um riso e desfez os nós que envolviam os pulsos do senhor barbudo. Ele poderia muito bem deixá-lo para ser recebido pela vergonha de alguns de seus familiares, mas não valia a pena fazê-lo passar pelo sofrimento naquele momento. Só tinha que aguardar mais um pouco até que seus planos o deixassem totalmente satisfeito. Além de amante do rei de Hightower, Angus era um prostituto do reino. Ele era apenas um plebeu, mas repleto de regalias, pois tinha o prazer e o desejo do poderoso Endric Hightower em suas mãos.

Mas Angus não teve esse nome perante o rei por todo este tempo. No início, aproveitara da alcunha de Brooke, uma moça, para atraí-lo e envolvê-lo em sua teia de persuasão. Angus conseguiu ornamentos e vestimentas femininas com suas irmãs, que possuíam um estoque vasto. A maioria, eram presentes de homens que serviam à realeza, seja em serviços prestados dentro do castelo ou na cavalaria. Mas a vida delas não era um mar de rosas, muito menos cheirava como uma.

As irmãs de Angus trabalhavam em um prostíbulo, nos confins da aldeia, sob supervisão de sua mãe. As moedas que ganhavam mal dava para sustentá-las, mas tentavam dia a dia ganhar o prestígio que tanto sonhavam. Por causa de dívidas aos Hightower, sua mãe e irmãs tinham que serví-los, a dança e o sexo eram tudo que poderiam oferecer para quitar uma dívida que já perdurava por anos. Impostos por cima de impostos, até se tornarem uma bola de neve cobrindo-os até o pescoço.

Angus cansou daquele ambiente hostil, transbordando humilhação e indignidade. Eles eram tratados feito lixo pela cavalaria, assim como a maioria da população que vivia na base da construção social imposta pela autoridade da família Hightower. Entretanto, ele precisava ganhar moedas se precisava chegar até o rei. Então, começou a prestar pequenos serviços sexuais aos mais nobres do reino, até Brooke se tornar alguém de renome no ramo. Fora assim que conquistara a atenção do senhor de Hightower.

E ele queria encerrar aquela dívida que sua família possuía de sua própria maneira. “Se pretendes eliminar uma cobra, corte-lhe a cabeça”, sua mãe costumava dizer. Era isso que ele faria, cortaria a cabeça de Endric no momento perfeito.

O prostituto saiu do quarto escondido, pelas penumbras dos corredores de pedra, mas ele não saiu do castelo. Haviam muitas pessoas chegando, era perigoso demais dar as caras.

A coroação estava prestes a começar.

X-X-X-X-X

The fear in me is pulling deep

Like an undertow

But I will escape the hands of fate

Before it knows

No matter where you go

I'll find you

O grupo de sobreviventes voltou para a tenda temendo estarem sendo vítimas de perseguição dos moradores do vilarejo.

Passaram a tarde toda conversando sobre o que viveram naquele dia. Do ataque do morador com a espingarda, da histeria coletiva no casebre de argila, do sumiço do ancião, de Sawar, do momento em que Andreas quase se desfez no abismo. Depois do que Georgia contou, Sun começou a acreditar que eles não estavam seguros nem mesmo ali, onde acreditaram que estavam recolhidos a salvo.

Eles conseguiram tratar os ferimentos no rosto e nos braços de Andreas e o homem se encontrava em repouso, repleto de curativos, mas acordado. Vânia contou sobre a teoria das vidas passadas e depois do que vivenciou, Andreas decidiu ajudá-los com uma técnica que aprendera em uma sucessão de palestras durante a faculdade, de uma mulher de renome chamada Gloria Chang.

Todos eles estavam deitados em seus respectivos tatames, olhando para o alto, prontos para serem guiados pela voz do terapeuta.

Hold on for your life

It can't be time

I won't say goodbye

Dawn veio correndo pelo corredor abarrotado de pessoas andando para lá e para cá. Ela desviou de macas, voluntários e enfermeiras. Kevan levava uma jovem para tomar vacina antitetânica, quando a loira passou por ele correndo e dobrou no corredor. Jon estava em sua maca, olhando para o teto. Era uma das únicas coisas que lhe restara enquanto estivesse com aqueles pontos frágeis no peito.

Sentiu um toque suave em sua perna e olhou para frente, vendo Dawn parada com um sorriso no rosto. Ela proferiu:

— Eu consegui, Jon, consegui! — Seus olhos brilhavam e sorriam junto de seus dentes alinhados.

— Do que está falando?

— O resgate finalmente está a caminho para irmos buscar o nosso grupo na montanha. Skylar vai voltar pra você!

Jon também abriu um sorriso e Dawn sentiu a mão quente do britânico tocar a sua.

Hold on for your life

It can't be time

I won't say goodbye

Hold on, hold on for your life

— O que vamos descobrir do outro lado? — Skylar perguntou num rompante, antes que Andreas começasse.

— Eu espero que as respostas para nossas perguntas. — Vânia sibilou.

— Vocês estão preparados? — O terapeuta indagou.

Todos concordaram, respirando fundo e fechando os olhos. Era hora da regressão.

Andreas murmurou em um tom calmo e suave:

— Esvaziem suas mentes… Deixem que apenas minha voz nos guie durante essa caminhada de volta ao passado…

No matter where you go

I'll find you


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Notas finais do capítulo

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