Diga que me ama escrita por Lara Queen


Capítulo 3
Elo




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Elo

Elemento de ligação, de entrelaçamento ou de união.

 

O amor é um elo que conecta dois corações. Dificilmente essa ligação se parte, não importando o quão desgastado esteja.

Então por que estava tão aflito? Não seria um objeto a medir o tamanho de seu amor. Não era supersticioso a ponto de acreditar que uma pulseira frágil seria capaz de cortar sua verdadeira ligação com a garota que amava; ou seria? Estava sendo idiota, mas seu coração e cérebro não chegavam a um consenso.

Com o olhar desolado, Adrien permaneceu ajoelhado no chão sem conseguir se mexer. Todo o seu corpo travou, até mesmo o sangue havia parado de fluir. Foram-se minutos encarando as bolinhas coloridas rolarem para longe com a brisa, sem enxerga-las realmente. As pessoas que passavam pela rua o olhavam confusas, mas ninguém parava para perguntar se estava tudo bem com o ele.

Seu peito pulsava dolorosamente com o sentimento ruim que cismava lhe tomar. Aquela maldita sensação de que algo muito errado estava prestes a acontecer na intensão de destruir sua felicidade. Não queria ser pessimista, pois isso não era de seu feitio, mas o pensamento não o abandonava, corroendo-o por dentro.

O loiro só voltou a se mexer quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair em suas costas, fazendo-o acordar de seu torpor. Catou as bolinhas cuidadosamente, juntando-as em suas mãos e guardando no bolso do uniforme para repor mais tarde. Quanto ao fio arrebentado, encarou-o com o cenho infeliz. Não havia muito tempo que tinha comprado a pulseira achando que seria uma boa ideia ter algo em comum com a sua joaninha. Algo palpável que tivesse um grande significado para os dois. Sempre que a usasse, sentiria que Marinette estaria o tempo inteiro consigo.

Não queria que fosse o fim de algo que lhe custou para construir. Um laço tão forte como aquele não podia ser arrebentado de uma hora para outra.

Suspirou tristonho. Se não tivesse omitido para todos que estava jantando com Lila durante aquelas noites, talvez sua situação não estivesse tão ruim quanto naquele momento. Agora Marinette achava que ele era um traidor. Não tinha argumentos para justificar o quão idiota ele foi. Queria que alguém lhe socasse como um castigo pelo seu ato impensado.

Falhou miseravelmente com sua promessa de que nunca a magoaria.

O corpo estremeceu, não sabendo se era pelos pingos gelados que encharcavam sua roupa, ou pelo mau pressentimento. Abaixou-se um pouco para checar a calça meio rasgada nos joelhos, que estavam um pouco ralados. Passou as mãos para tirar o excesso de sujeira, mesmo que isso não adiantasse de muita coisa, já que estava todo ensopado pela chuva. Recomeçou a andar, parando de frente para a porta lateral da padaria, onde dava direto para a casa de Marinette. Levantou a mão trêmula para tocar a campainha, com o coração disparado de nervosismo.

Juntou coragem e apertou o botão. Esperou alguns segundos e apertou de novo. Estava ansioso e com medo. Quais eram as chances de ela nunca mais querer olhar na sua cara? O pensamento o fez engolir em seco.

Ouviu um tilintar de chaves do outro lado da porta, que em seguida foi aberta revelando a pequena joaninha. Sua bugboo. A mesma vestia um short preto de pijama e uma blusa branca de bolinhas rosa. Ela estava com a cabeça abaixada, esfregando os olhos inchados de quem tinha chorado muito durante aquela tarde.

— O que você quer? – A voz doce saiu rouca e um pouco embargada.

No impulso, Adrien a abraçou sem se importar de molhá-la com suas roupas encharcadas. Ela estava muito frágil, e vê-la naquele estado só o fazia sentir mais culpa. Por que foi tão cego em não perceber que sua namorada estava sofrendo?

Marinette não se mexeu, mesmo que o corpo gelado de Adrien a fizesse sentir calafrios. Encostou a boca no ombro dele enquanto era envolvida pelo abraço de seu amor. Mesmo após ler a entrevista de Lila, ainda era difícil de acreditar que Adrien a enganaria daquela forma. Desde que se conheceram, vivia numa montanha russa de emoções descontroladas. Eram tantos sentimentos que ela não suportava carregar, que se sentia um copo de água transbordando. Já estava no seu limite, sem conseguir aguentar o sofrimento que acompanhava sua paixão.

Esses altos e baixos na relação dos dois só a estava tornando fraca e distante. Além de estar fazendo mal a si mesma, também estava preocupando as amigas, e não queria ser um peso na vida delas. Sua mente estava uma bagunça, e não sentia mais nada além da dor em seu peito. Tudo o que fazia era chorar pelos cantos como uma idiota, alimentando seu coração de pura angústia. Teria sido melhor se tivesse continuado sozinha desde o início, ou não estaria passando por aquilo de novo. Só que dessa vez era infinitamente pior. Deixou-se ser levada pelos encantos daquele garoto, agora estava eternamente amaldiçoada; condenada a amá-lo com tudo o que tinha.

— Eu sinto muito, meu amor. Desculpe por tudo. – o loiro implorou, colando a testa na dela; perto o bastante para que a respiração dos dois se misturasse desenfreadas.

— Você prometeu... – Ela abaixou a cabeça, fazendo as lágrimas voltarem a escorrer. – Disse que nunca me magoaria.

— Foi um mal entendido. Lila é só uma amiga, entendeu? Não aconteceu nada entre nós.

— Por sua causa... – Soluçou, afastando-se o encarando nos olhos – Me tornei uma garota horrível. Eu queria confiar em você, mas não consigo. Sinto raiva de Lila o tempo todo, mesmo que ela pareça ser legal com todo mundo. Eu deveria saber que não seria fácil ser namorada de um modelo, mas não aguento mais. As pessoas me odeiam por estar ao seu lado e... – outro soluço – às vezes eu queria voltar a ser invisível.

— Não diga isso. Eu não queria que você se sentisse assim. Não tinha percebido o quão ignorante eu estava sendo até Alya e Chloe terem vindo falar comigo. Por favor, me desculpe. – Ele passou as mãos no rosto dela, afastando as lágrimas que caíam sem parar. – Eu te amo muito, Marinette. Nunca te trairia, mesmo que pense o contrário.

— Pra mim já chega. – Tirou as mãos de seu rosto e deu um passo para trás, colocando os braços na frente do corpo, tentando reerguer a muralha de seu coração. As mãos dele penderam ao lado do corpo, encarando-a surpreso e chateado. – Estou farta disso tudo. Estou farta de estar vulnerável quando estou com você, e da maneira como as pessoas me olham torto.

— Então você quer terminar tudo? Vai jogar todo o amor que te dei no lixo? – Perguntou sôfrego. Sentiu o peito apertar-se em meio ao desespero que o preenchia. Os olhos marejaram deixando escapulir algumas lágrimas.

— Adrien... – Ela suplicou, encolhendo-se, dolorida. Sua muralha estava ruindo, faltava pouco para ir ao chão.

Os fios loiros gotejavam no piso de entrada, os lábios trêmulos estavam arroxeados pelo frio daquela tarde cinzenta. Mas os olhos focavam-se nela, quentes e firmes, pedindo – quase implorando – por palavras sinceras que acalentassem seu espírito agitado. Ele precisava saber a verdade antes de tudo ir abaixo – se já não estava. Mesmo que ela demonstrasse com gestos singelos, da maneira tímida dela, ele sentia necessidade de ouvir de sua boca, com clareza, que era retribuído da mesma forma. Ele merecia, afinal; já que sempre dizia abertamente o quanto a amava. Sempre foi franco com ela e nunca negou o que sentia desde que trocaram as primeiras palavras no corredor da escola.

— Antes que você termine tudo, quero que diga que me ama. – Disse diretamente, olhando no fundo dos olhos azuis cristalinos.

Marinette ofegou, ficando estática. Os olhos arregalados pela surpresa, encarando os orbes esmeraldinos numa profundidade intensa. Um pequeno brilho de esperança queimava dentro de si como uma faísca. Ela se preocupava com incêndio que aquilo pudesse causar, porque já estava suficientemente marcada pelas mágoas feitas por aquele garoto.

Se dissesse que o amava... Não teria mais volta. Estaria totalmente perdida.

— Diga que me ama pelo menos uma vez na vida, então terei certeza de que meus sentimentos não são em vão. – Mas que não sejam palavras vazias, pois meu coração receberá tudo aquilo que você disser.

Ela mordeu os lábios, um sinal claro de nervosismo. O cabelo escuro caiu sobre os olhos, escondendo sua fragilidade. Não queria vacilar diante dele, mesmo que estivesse desmoronando aos poucos. Era difícil livrar-se da sensação de traição, por mais que não tenha acontecido nada. Estava numa disputa interna que não tinha vencedores. Por um lado queria muito continuar vivendo sua fantasia cor de rosa com Adrien, mas por outro, queria voltar a não ter que lidar com os problemas amorosos. Tudo seria mais simples se fosse possível colocar o amor dentro de uma caixinha e devolver ao remetente, pois não precisaria passar por tanta coisa complicada; ciúmes, raiva, tristeza e uma rachadura no coração.

— Se eu disser que te amo, terei que ceder meu coração inteiramente a você. – murmurou com a voz falhando. – Estou com medo.

— Não há o que temer. – ele disse, diminuindo a distância entre ambos. Agora bem próximos, sussurrou erguendo o queixo dela, fazendo os narizes se tocarem. – E em troca, eu lhe darei o meu. Você nunca ficará de mãos vazias.

— É uma troca justa. – Ela também sussurrou. Ele curvou levemente um dos cantos da boca.

— Você me perdoa? De agora e diante vamos fazer isso dar certo. Não esconderei mais nada de você, está bem?

Pronto, ela já estava entregue a ele. Era sempre assim; sempre se rendia facilmente quando se tratava de Adrien Agreste. Não podia lutar contra esse poder que a atraia.

— Eu não sei... – soprou o hálito quente no rosto do loiro, fazendo-o despertar sua sede de prová-la.

— Por favor... Diga que me ama. Se disser... Nunca mais deixarei que saia do meu lado. Eu preciso de você. – murmurou insistente.

Estavam tão perto um do outro, que ele prensou-a na porta aberta, colando os corpos. Teve um choque térmico, seu corpo frio com o quente dela. Ela fechou os olhos, rendida às investidas de Adrien sem se importar com os arrepios que as roupas molhadas causavam. Na verdade, isso fez despertar uma vontade inesperada, um tipo de desejo de estar junto dele. O coração pulsava forte, inflado de emoções. Também precisava dele. Os lábios roçaram, até que ele não aguentou mais e tomou-lhe um beijo, necessitando de mais contato. Ela arquejou apaixonadamente, aos poucos ficando mais relaxada, sendo envolvida no aperto dos braços de seu amado, sentindo a felicidade que lhe faltava nos últimos tempos.

Ele distribuiu os beijos, descendo até o pescoço morno de sua joaninha, que soltava suspiros satisfeitos. Aspirou o cheiro delicioso de Marinette, que o embriagava, deixando-o desejoso por mais. Não queria perder o controle ali na frente, assustando-a por ser um selvagem desesperado. Então parou por um instante, voltando-se para olhar o rosto corado e marcado pelas lágrimas secas da garota. Os olhos dela ainda estavam fechados, tentando controlar a respiração. Ele não estava muito diferente, esquecendo-se do frio que sentia, procurando acalmar de alguma forma o coração agitado. Se continuasse ali na friagem, certamente pegaria um resfriado.

— Marinette... – Chamou, fazendo-a soltar um muxoxo e encará-lo com os olhos semiabertos. – Olhe bem nos meus olhos e diga.

Ele mantinha a expectativa no olhar, vendo-a se remexer inquieta. Por pouco Marinette deixou-se fraquejar, perdendo-se na onda de pensamentos que a inundavam. Do que seria sua vida se Adrien não tivesse vindo falar com ela no corredor? Viveria naquela monotonia, apenas existindo dentro de sua bolha antissocial. Sem ele, não teria descoberto tantas coisas novas. Não teria conhecido Alya, que também se tornou alguém muito importante para ela, junto de Chloe, Alix, Sabrina, Rose e tantas outras pessoas. Repensando tudo o que havia decidido até aquele momento, se arrependeria amargamente caso desistisse de continuar com Adrien. O amor tinha suas complicações, mas se não lutasse, estaria sendo fraca e inútil. Seu falecido pai não teria orgulho em vê-la desistir tão fácil. Ele próprio a havia ensinado a batalhar pelo que importava para ela. Ela via, mesmo sendo tão nova, o amor entre seu pai e sua mãe que reinava dentro de casa. Ela queria se espelhar naquilo, viver aquela alegria. Seus pais não eram um casal perfeito, obviamente tinham suas brigas, mas se amavam mesmo assim. Enfrentavam os problemas juntos, sendo sinceros um com o outro. Então por que com eles seria diferente? Por que abriria mão de seu amado por causa de ciúmes, sendo que ele sempre demonstrava seus sentimentos com tanta clareza? Era uma boba egoísta.

Ela amava Adrien. Amava com todo seu coração. Era justo dizer isso a ele.

Respirou fundo, olhando-o com uma determinação que vinha das profundezas de sua alma. Colocou as mãos em cada lado do rosto dele formando uma careta fofa, fazendo-o encará-la com surpresa e admiração.

— Adrien Agreste, - pronunciou o nome firmemente, brotando um sorriso pequeno nos lábios – eu amo muito você. Prometo nunca mais esconder meus sentimentos e ser sempre sincera. Se algo me chatear, direi a você, e enfrentaremos os problemas juntos.

Ele fraquejou sem acreditar no que ouvia. Um arfar surpreso escapou de sua boca, formando um O perfeito. Caramba, ouvir aquilo naquele momento era infinitamente melhor do que jamais conseguiu imaginar. Não havia dúvidas: eles pertenciam um ao outro. O que eles tinham não era um elo comum. Era tão forte, que não poderia ser chamado de “fio”; mas sim, cabo de aço que nunca se partia.

Ele sorriu, a felicidade fluindo em suas veias, alcançando seu coração que batia acelerado. Sem mais, puxou-a para mais um beijo, arrancando uma risada baixa da morena. Estava realizado. Finalmente poderia dizer que era o homem mais feliz do mundo.

 

 

***

 

 

Adrien estava sentado no sofá da sala, batendo os dentes de tanto frio. O corpo tremia, mesmo que estivesse perto do aquecedor, fazendo Marinette ficar cada vez mais preocupada. Havia preparado um achocolatado quente para ver se o ajudava a se aquecer. Também emprestou algumas roupas guardadas de seu pai, já que as dele estavam na secadora. Ouviu um espirro vindo do loiro e percebeu que o nariz do mesmo estava avermelhado, em contraste com a pele pálida fora do normal.

— Você está bem?

Ele fungou.

— Estou sim. Não é nada de mais. – tentou tranquiliza-la sem sucesso.

— Vou pegar minha maleta de quites médicos. Espere um minuto, está bem? – Antes de sair, ela passou a mão na testa dele, levantando a franja ainda úmida para medir sua temperatura, que estava muito gelada. Arfou assustada, com medo de ele estar com hipotermia.

Subiu para o quarto e foi direto para a suíte, procurando a maleta que estava guardada dentro do armário embaixo da pia. Aproveitou e também pegou algumas toalhas para secar o cabelo molhado do garoto. Voltou para o quarto e, de repente, parou de andar na metade do caminho até a porta.

Bem ali, em cima da escrivaninha, estava a pulseira que havia arrebentado no dia anterior logo após a briga estúpida que tiveram no parque. As bolinhas estavam espalhadas dentro de uma caixinha cor de rosa onde guardava suas bijuterias, junto ao fio frágil arrebentado. No início, aquilo a tinha assustado, porque era um presente que Adrien havia lhe dado com muito carinho. Por um instante pensou que poderia significar que algo ruim estava para acontecer, mas no fim das contas não era nada de mais.

Suspirou. Não era do tipo que acreditava em superstição; então, se havia um fio arrebentado, era seu dever repor o que estava fora do lugar. Essa era a sua especialidade, não é? Era o mesmo que fazia quando uma roupa rasgava. Só precisava de uma agulha e linha para resolver o problema.

Foi até a mesa, colocou a maleta e as toalhas em cima da cadeira, em seguida procurou algumas ferramentas que usava para fazer os seus modelos. Tinha sorte de ser uma boa estilista e ter o hábito de guardar as sobras de roupas e objetos. Abriu a gaveta da escrivaninha, pegou uma caixa de cordinhas resistentes para fazer pulseiras e pôs junto às outras coisas em cima da cadeira.

Desceu até a sala, carregando tudo desajeitadamente e despejando em cima do sofá. Adrien estava com a cabeça apoiada no encosto, sentindo-se um pouco ofegante. A caneca de achocolatado estava vazia em cima da mesinha de centro. Os olhos estavam fechados e pesados, mal conseguia abri-los de tão cansado.

— Adrien? – Murmurou perto dele, preocupada. – Quer que eu faça mais chocolate para você?

Novamente passou a mão na testa dele, o mesmo relaxou com o contato morno em sua pele.

— Não precisa. Eu estou bem. – Ele disse sonolento, quase inaudível.

Ela pôs a toalha sobre a cabeça dele, esfregando cuidadosamente os fios para secá-lo. Ele estava amolecido no sofá, esforçando-se para não dormir na presença dela. Queria valorizar aqueles minutos junto de sua joaninha, com medo de acordar e tudo não passar de um delírio de sua mente.

— Vou buscar alguns cobertores. Você precisa se aquecer. – Ouviu-a falar. Antes que ela saísse, agarrou o pulso, impedindo-a de ir.

— Fique. Esquente-me você mesma.

O sangue subiu-lhe até a cabeça, deixando as bochechas de Marinette num vermelho intenso, e Adrien pôde vislumbrar isso com os olhos semiabertos. Percebeu que sua frase poderia ser entendida de várias formas. Sorriu.

Nenhum chocolate quente ou toneladas de cobertores teriam o mesmo efeito de esquentá-lo quanto os olhares calorosos e abraços aconchegantes que Marinette oferecia. Se apenas o toque de sua mão era capaz de confortá-lo, quem dirá se fosse envolvido pelo corpo todo dela.

A morena se recompôs, contornando o sofá e beijando o topo da cabeça dele. Com um sorriso gentil, respondeu:

— Voltarei logo. Espere um minuto.

Tão rápido quanto foi, ela retornou segurando três edredons. Encontrou-o deitado no sofá beirando à inconsciência. Ela o cobriu o máximo que pôde, enquanto o mesmo se remexia em busca de uma posição confortável. Apoiou as costas no braço do sofá e sentou-se ao seu lado, aproveitando que o sofá era grande, e pegou as bolinhas coloridas e a cordinha para consertar a pulseira. Olhou de relance para Adrien, que dormia inquieto pelas tremedeiras. Por baixo dos cobertores podia sentir o quão gelado ele estava. Parecia um vampiro, ainda mais pela palidez. Sabia que calor humano ajudaria a subir a temperatura, e esperava que isso desse certo.

Encaixou as bolinhas, uma após a outra, cuidadosamente para que não saíssem durante o processo.

Não estava mais com raiva dele. Toda aquela sensação ruim, de uma hora para outra, havia se esvaído de seu coração. A mancha negra que a consumia, tornou-se apenas um hematoma que sumiria aos poucos. Não queria guardar ressentimentos de ninguém. Também se esforçaria para não sentir raiva de Lila, por mais que ainda não gostasse dela. Estava agindo como uma idiota. Tudo se cabia ao seu ridículo ciúme e falta de segurança em si mesma. Lila era linda, e sentia-se inferior diante a sua beleza. Queria ser um pouco como ela, segura, bonita e sempre sorridente.

Mas Adrien a amava do jeito que era. Então por que ela teria que mudar, se ele mesmo não foi capaz de deixá-la para ficar com a outra garota?

Estava sendo boba novamente.

Sorriu, colocando um ganchinho nas duas pontas da pulseira para que não se soltasse mais. Colocou no braço e observou as bolinhas refletirem na luz da sala. Sorriu. Aconchegou-se no sofá abraçando Adrien, vendo-o parar de tremer. Inconscientemente, o mesmo a puxou para um abraço, sendo rapidamente aquecido pelo calor de sua joaninha.

— Mari... nette... – Ele grunhiu, sonolento. Ele estava acordando. – Me... desculpe...

— Está tudo bem. – Sussurrou, acariciando de leve o rosto do garoto que voltava a ter cor. Ela sabia do que se tratava. – Eu perdoo você.

— Eu não... cumpri... minha promessa. Eu te magoei. – Ele abriu um pouco os olhos para olhá-la, mas só encontrou o azul-celeste encarando-o com doçura.

— Você tem que descansar. Feche os olhos e volte a dormir. – Ela continuava fazendo carinho, a pulseira roçando no rosto dele, fazendo o toque formigar na pele.

— Minha pulseira arrebentou. Não sei como consertar. Eu só estrago tudo, não é? Você vai me deixar... – murmurou com a voz falhando e desviando o olhar. Parecia estar a ponto de chorar.

Ela parou, franzindo as sobrancelhas, incrédula.

— Não diga bobagens. – Disse sendo firme. – Não vou te deixar só por causa de uma pulseira arrebentada. O que sentimos um pelo outro vai além de um objeto, não é? – Ela desceu a mão para o peito dele, onde o coração batia. – Enquanto meu coração bater, continuarei te amando. Ou até mesmo depois que todo o universo explodir e não houver mais nada além de espaço vazio. Vou continuar amando você. Será eterno.

Adrien sentiu-se como um balão de gás que flutuava para o espaço; completamente leve, sem que nada pudesse impedi-lo de voar. Não conseguia responde-la, porque não havia palavras que superassem uma declaração tão verdadeira como aquela. Ele era amado por ela. Não precisava de mais nada, já estava satisfeito com o que tinha.

— Onde está sua pulseira? – Ela se levantou, deixando Adrien com uma sensação de que algo lhe faltava.

— Está dentro do bolso do casaco. – Respondeu na intensão de se levantar, mas foi impedido.

— Nem se atreva a levantar. Ainda está doente, então é meu dever cuidar de você. – Ela disse o empurrando de volta para o sofá. – Ainda bem que não coloquei o casaco na secadora. – Ela riu.

Sem contestar, obedeceu, principalmente por ainda sentir-se zonzo pelo sono. Esperou por breves instantes enquanto se ajeitava para dar mais espaço para a garota quando retornasse. Fechou novamente os olhos, sentindo o calor que ainda permanecia ao seu lado. Já não sentia mais tanto frio quanto antes; talvez sua temperatura já estivesse voltando ao normal graças ao calor da companhia de Marinette. A garganta ardia um pouco sempre que puxava o ar para os pulmões. E um dos narizes estava entupido, fazendo-o falar engraçado.

Uma chuva torrencial caía do lado de fora, e provavelmente não passaria tão cedo. Ligaria para Nathalie depois para dizer que estava na casa de Marinette, caso pudesse busca-lo mais tarde. Como se algo tivesse o acertado em cheio na cabeça, ele finalmente percebeu que tinha esquecido uma coisa muito importante. O maldito ensaio fotográfico daquela tarde. Levantou-se num salto e cambaleou quase caindo de volta para o sofá. Sua cabeça doeu pela tontura, e o sangue começou a circular rapidamente pelas veias. Levantou rápido demais.

Pegou o celular caído na mochila do lado do sofá e arregalou os olhos. Tinha em torno de 28 chamadas perdidas. Todas eram de Nathalie. Ele só não tinha visto ainda porque havia tirado as notificações do aparelho. Olhou para o relógio acima da tela, fazendo as contas de quanto tempo havia se passado. Estava atrasado há mais de uma hora, e do jeito que estava chovendo, nem daria tempo de chegar. E ainda se sentia doente para fazer esforço, as fotos sairiam horríveis.

Droga!

Sentiu-se enjoado, o estômago afundando dentro dele. Estava frito! Quando voltasse para casa, não teriam piedade de sua alma. Passaria a vida inteira de castigo sem sair com os amigos, e pior, sem ver a Marinette! Teria que cumprir pena, fazendo três caminhos: Casa, escola e estúdio; sem restrições.

Passou uma das mãos nervosamente pela cabeça, apavorado. Seria melhor nunca mais voltar para casa e se refugiar na casa de Marinette. Engoliu em seco imaginando a cara de reprovação do pai quando o visse. Nem teria compaixão pelo filho doente.

Teve uma ideia melhor: fugiria de Paris junto com Marinette e se isolariam no interior, usaria todas as suas economias para comprar uma fazenda e viveriam vendendo frutas e legumes em alguma vila próxima para se sustentarem enquanto não arrumavam um emprego melhor. Ideia brilhante!

No que raios ele estava pensando? Ideia mais absurda não há. Teria que encarar o pai e a Nathalie como um homem de coragem. Coragem? Há! Com coragem ou não, arcaria com as consequências.

— Eu falei para você ficar no sofá. – Ouviu a voz autoritária de Marinette que estava parada de braços cruzados, encarando Adrien e fingindo-se de irritada. Ela segurava o conjunto de bolinhas em uma das mãos, enquanto que com a outra tamborilava o braço. Quando viu o olhar assustado do loiro, arqueou as sobrancelhas em surpresa. – O que aconteceu?

— Eu vou morrer! É isso que vai acontecer! – Ele respondeu, o corpo tenso andando pelo cômodo de um lado para o outro.

— Você só está doente. Isso não vai te matar, caso você me escute e deite até se sentir melhor – Suspirou. Dirigiu-se a ele, empurrando-o para que se deitasse novamente, mas ele sequer saiu do lugar.

— Eu não estou falando disso. Eu faltei ao ensaio de hoje. – Ele segurou-a pelos pulsos numa força equilibrada, agindo como um maluco, deixando-a derrubar as bolinhas no chão pelo espanto. – Esse é meu fim! Meu pai vai me deixar de castigo pelo resto da vida e não vou poder ver você.

— Adrien, fique calmo. Vamos conversar com seu pai e resolver essa situação. Afinal, a culpa também é minha. Você está doente e tem que relaxar. Ficar histérico não vai ajudar em nada, está bem? – Ela segurou o rosto dele com as duas mãos, mantendo-o parado. Ele estava muito aflito, e parte disso era por causa dela.

— O que eu vou fazer, Marinette? – Gemeu em agonia, as lágrimas brotando pelos cantos dos olhos.

Adrien deveria estar tendo algum tipo de delírio.

— Shhhh... Está tudo bem. – Ela o conduziu novamente até o sofá. Abriu a maleta de quites médicos e pegou um comprimido. Foi até a cozinha, encheu um copo de água e entregou a ele junto ao remédio para tentar acalmá-lo.

— O que é isso? – Ele perguntou, fazendo uma careta.

— Isso vai te ajudar a se acalmar. – Respondeu com a voz mansa, querendo transmitir toda a tranquilidade possível para ele. Por dentro, ela também estava com medo das mil coisas que poderiam acontecer. Logo agora que “reataram” o namoro, não queria que mais nada pudesse impedi-los de ficarem juntos.

Ele abriu a boca para protestar, mas desistiu. Colocou o remédio na boca com desgosto, e bebeu a água rapidamente para não ter que sentir o sabor amargo. Estremeceu ainda com frio e puxou o cobertor para cima enquanto ajeitava-se para Marinette se deitar também. Ela se abaixou no meio da sala para pegar as bolinhas que havia deixado cair durante o surto, depois se sentou na ponta do sofá, pegando as ferramentas que estavam na mesa de centro.

Assim como fez com a sua pulseira, encaixou cada peça enquanto refletia.

Lembrava-se de seu pai dizer que ela tinha um dom muito especial. O dom da criação. Desde pequena gostava de desenhar roupas e criar suas próprias bijuterias. Tom Dupain sempre comprava tudo que era necessário para que ela criasse os próprios modelitos em casa, incentivando-a a seguir uma carreira que tivesse haver com suas habilidades. Deu-lhe uma máquina de costura no aniversário de sete anos, e ela aprendeu rapidamente como usá-lo, mesmo com a pouca idade. O mais velho sorria ao ver o rosto infantil da filha todo alegre pelo presente. Ela era muito esperta como a mãe. Aos oito, ele ajudou-a a montar um manequim para que pudesse saber as medidas certas para as roupas. Naquele mesmo ano ela decidiu fazer um chapéu de padeiro personalizado como um presente de agradecimento, e também por ele ser um ótimo pai e cozinheiro. Ela o amava mais que tudo.

Meses depois, Tom passou mal e foi parar no hospital. Aquilo fez com que o mundo de Marinette caísse. Ele havia sido diagnosticado com câncer. No início ele parecia bem, mas o tempo foi passando e aos poucos foi ficando cada vez mais magro e pálido. Mas nunca perdia o brilho divertido no olhar, sempre tentando aproveitar o máximo que podia com a família, sem preocupá-las. Começou a fazer um tratamento, mas que parecia não estar dando certo. Ele foi enfraquecendo até não conseguir mais sair da cama.

Um dia antes do óbito, Marinette passou o dia inteiro com o pai, mal saía do lado dele. Deitada na cama, junto ao corpo desnutrido, ela pôde ouvir o coração dele falhar algumas batidas. Discretamente deixou algumas lágrimas caírem sob a camisa branca de hospital.

Mesmo muito fraco ele se esforçava para confortá-la, passando gentilmente os dedos finos nos fios escuros da menina. Sentia o corpo pequeno convulsionar pelo choro baixo, mas decidiu permanecer em silêncio sem saber o que dizer. Sabine estava sentada no sofá perto da cama, observando silenciosamente seus dois amores, o coração apertado pela angústia em ver que sua pequena princesa sofria assim como ela. A mulher já havia se conformado com o triste destino de seu marido, mas ainda era difícil vê-lo naquele estado.

Com um pouco de dificuldades, Tom virou o rosto na direção da esposa e deu um breve sorriso como uma forma de dizer que estava tudo bem. Mas os olhos verdes brilhavam significativamente, fazendo-a sentir mais vontade de chorar. Verde cor da esperança. Olhos que fizeram-na se apaixonar quando jovem. Olhos que salvaram seu espírito incompleto. Passou os dedos pelo anel dourado, lembrando-se dos votos no casamento. “Nem mesmo a morte será capaz de nos separar. Sempre estarei com você, minha querida, amando-a não importando o que possa acontecer.” Ela sorriu tristonha.

Aquele foi o último momento em que Marinette viu o seu pai, quando ele disse suas ultimas palavras antes de ter que deixa-lo descansando no quarto de hospital. “Faça amizades, mas não precisa ser muitas, mas suficientes e que sejam verdadeiras. Você é uma menina muito doce e gentil, então será fácil para você. Saiba que não importa onde eu esteja, estarei sempre te observando e te apoiando para quando se tornar uma boa estilista de moda.” Ele sorriu. “E lembre-se... Eu te amo muito, minha filha.” Por fim os médicos entraram no quarto pedindo educadamente para que se retirassem.

Desde então Marinette tentou fazer amigos, esforçando-se para cumprir a promessa. Procurava uma maneira de confortar seu coração fragilizado, sem pensar nas consequências. Sua ingenuidade foi a causa de seu isolamento. Afinal, ainda estava sensível com a morte de seu ente mais próximo. Confiou nas pessoas erradas, e no momento que mais precisava, elas não estavam lá para ajuda-la. Foi como levar uma facada, vê-los abandonando-a sem saber o motivo.

Enquanto colocava os ganchos na pulseira, sentia as lágrimas molhando o rosto. Pensar no pai ainda era doloroso. Fungou baixinho, sem querer incomodar o sono do namorado que dormia profundamente sob efeito do calmante. Esfregou os olhos com os pulsos, afastando as lágrimas teimosas, e olhou para o rosto sereno de Adrien. Com delicadeza, levou a pulseira até o braço do loiro e amarrou-a para que não se soltasse mais.

Sorriu, passando o dedo indicador nas bolinhas coloridas. Esticou o corpo para alcançar o celular que estava jogado de qualquer maneira na mesa de centro, e desbloqueou a tela que tinha uma foto dos dois sorridentes. Por sorte ela sabia a senha de Adrien, o que já mostrava o nível de confiança que tinham um no outro. Foi até a lista telefônica e encontrou o número de Nathalie, que tinha várias chamadas perdidas. Ela deveria estar muito preocupada. Esperou por dois toques e logo foi atendida.

— Adrien, onde você está? – A voz do outro lado da linha atendeu exaltada.

— Oi, Nathalie... – Ela disse sem graça, num tom sussurrado.

— Quem é que está falando? Onde está Adrien?

— É a Marientte. Sinto muito, a culpa é minha. Adrien está comigo, mas não está passando bem. Só liguei para avisar que não precisa se preocupar.

Ouviu um suspiro aliviado.

— O importante é que ele não está desaparecido. Fiquei morrendo de preocupação achando que algo pior poderia ter acontecido com ele. – Marinette podia imaginá-la andando de um lado pelo outro enquanto falava. O barulho de pessoas conversando no fundo dava a entender que ainda estava no estúdio. – Ainda não falei sobre isso com o Sr. Agreste, mas tenho certeza que essa falta não passará despercebido por ele.

— Adrien também está muito preocupado com a reação do pai. Ele teve um surto, então eu tive que dar um remédio para acalmá-lo.

— Mas o que Adrien tem? Ele está bem?

— Está melhorando. Só pegou muita chuva, e teve uma queda de temperatura corporal. Não se preocupe.

— Hipotermia?

— Acho que sim. Mas é bom continuar de olho nele. – Ela olhou para o lado e Adrien se remexeu inconsciente.

— Bom... Obrigada por cuidar dele, Marinette. – Sentiu que a mais velha sorria ao dizer isso.

— De nada. Agora Adrien está dormindo, mas se quiser eu posso avisá-lo que você está a caminho para busca-lo.

— Tudo bem. Chegarei por volta de vinte minutos.

— Certo. – Desligou o aparelho e colocou de volta na mesa.

 

 

***

 

 

Adrien se revirou na cama, passando a mão pelo espaço vazio e frio ao seu lado, sentindo falta de alguma coisa. Abriu vagarosamente os olhos, vendo nada mais além da escuridão do cômodo. Acendeu o abajur ao lado da cama e sentou-se para tentar localizar onde estava. Ainda sentia-se sonolento, mas não sabia se seria capaz de voltar a dormir. A última coisa de que se lembrava era de um leve roçar em sua bochecha, como uma caricia gostosa que fazia correntes elétricas percorrerem seu corpo trêmulo, esquentando-o de dentro para fora. Sua memória ainda não estava muito clara. Vasculhou em sua mente até encontrar o rosto de Marinette sorrindo gentilmente enquanto passava os dedos finos em sua testa para checar a temperatura.

Adrien Agreste, eu amo muito você.

Só podia ter sido mais um sonho bobo que o iludia. Provavelmente Marinette ainda estava com raiva dele, sem querer encará-lo nem pintado de ouro. Mas então... Como ele foi parar ali? Lembrava-se das garotas terem vindo falar com ele, dando-lhe uma bela bronca por causa da entrevista de Lila para a revista Rouge. Depois correu para a casa dela com o intuito de resolver o mal entendido e...

Olhou para o braço direito, encontrando a pulseira colorida amarrada firmemente no pulso, com alguns novos detalhes. Depois mirou para o próprio corpo, vendo que ainda vestia as roupas emprestadas do pai de Marinette, porque as suas estavam molhadas por causa da chuva.

— Foi real... – Ele sussurrou atônito.

O relógio marcava quatro horas da manhã. Ainda era muito cedo para levantar, pois só se arrumaria para a escola às sete horas. Continuou deitado na cama, olhando para um ponto fixo no teto enquanto pensava em todos os acontecimentos do dia anterior.

A declaração de Marinette ainda ecoava em seus ouvidos, marcando seu coração com batidas fortes. Ele estava mais do que feliz, mas não haviam criado uma palavra melhor para expressar seu sentimento.

As horas se passaram sem que ele pudesse perceber. Os feixes de luz entravam sutilmente pela fresta da cortina, clareando o quarto aos poucos. Ele só acordou de seus devaneios quando ouviu três batidas baixas vindas da porta, que logo foi aberta pela Nathalie. Como sempre, ela estava com o rosto impassível, segurando o celular com a agenda aberta.

— Que bom que está acordado. Já está se sentindo melhor?

— Estou sim.

— Que bom, porque hoje vamos ter que dobrar as suas horas de trabalho para compensar a sua falta de ontem.

Ele arregalou os olhos, a aflição despertando-o por completo.

— Meu pai sabe que faltei? Ele disse alguma coisa?

Ela suspirou, comprimindo um pouco os lábios.

— Ele sabe, mas ainda não disse nada a respeito. Creio que mais tarde o chamará para uma conversa no escritório. – Vendo o olhar assustado do menino, decidiu complementar. – Não se preocupe, Adrien. Ele sabe que esteve doente, e garanto que não levará uma bronca por ter faltado um dia de trabalho.

— Nathalie, eu não sei se consigo encará-lo. – Ele disse cabisbaixo.

Ela guardou o celular no bolso da roupa social e caminhou até o meio do quarto para sentar-se na cama. Ela conhecia Adrien desde que ele era criança, quando foi contratada para ser a secretária do grande estilista Gabriel Agreste. Conhecia cada expressão que ele esboçava, e sabia quando ele estava feliz, quando estava triste ou preocupado com alguma coisa. Ás vezes ele aparecia em sua sala para lhe fazer companhia quando a mãe não estava em casa, e nessas horas ela deixava sua postura profissional de lado para ouvir o que ele tinha a dizer. Acabou criando uma afeição muito grande por aquele pequeno loirinho que iluminava seus dias monótonos no trabalho.

Ela pôs a mão no ombro dele, fazendo-o encará-la.

— Por que tem medo do seu pai? Ele não é um homem tão ruim quanto parece.

Ele se encolheu, esfregando as mãos com nervosismo. Uma das manias que pegou de Marinette.

— Não é medo... Eu só... - Suspirou. – Sei lá. Desde que mamãe morreu, ele não demonstra muitos sentimentos. Sempre fiz tudo o que ele mandasse, esperando que ele sentisse orgulho de mim. Sinto que só o decepciono.

— Mas ele sente orgulho de você, Adrien. Tenho certeza de que nunca irá decepcioná-lo. Ele é seu pai acima de tudo. Se você se sentir mal com alguma coisa, ele irá escutá-lo. Tudo o que ele quer é a sua felicidade.

Ele riu sem humor, como se aquilo fosse a piada mais absurda que já ouviu.

— Obrigado por tentar me confortar, mas se ele realmente me ouvisse, tudo o que me incomodou durante todos esses anos já teria sido resolvido há muito tempo. Ele mal fica em casa, sempre se ocupa com o trabalho, e às vezes penso que sou insignificante na vida dele. Só estou nesse mundo para ser o garoto propaganda da marca Agreste. – Falou com amargura, balançado os ombros em conformidade.

— Por favor, não diga isso. Ele se importa com você mesmo que seja do jeito dele. Talvez ele não saiba expressar bem os sentimentos...

— Não saber se expressar é diferente de realmente tentar demonstrar. A única expressão que ele tem é de total desdém. Já estou acostumado com isso. – Bufou.

Ele se levantou da cama, querendo fugir do assunto. Nathalie mordeu o lábio com vontade de retrucar, mas se conteve. Ambos iriam acabar discutindo, e não era isso que queria naquela hora da manhã. Ela entendia o ressentimento que ele tinha. Era inevitável o sentimento de abandono após perder alguém. Depois que Clarisse Agreste morreu, ela se prontificou a cuidar dele como um filho, sempre estando ao seu lado na ausência do pai.

O que Adrien não entendia era que, como secretária, ela convivia muito com seu patrão. Ela era bastante eficiente em seu trabalho, podendo perceber quando Gabriel mostrava sutilmente suas emoções, por mais que ele sempre estivesse com uma expressão séria. Quando ele folheava as revistas com o rosto do filho, os cantos dos lábios curvavam-se com a sombra de um sorriso orgulhoso. Quando Adrien ficava doente e não podia vê-lo por conta do trabalho, ele ficava agitado batucando a mesa da escrivaninha enquanto preenchia algumas fichas, e às vezes esfregava as têmporas, pensativo, tentando manter a compostura. Era uma forma clara de preocupação, tratando-se de Gabriel Agreste. Tudo bem que ela não podia justificar o fato de Gabriel ser um homem muito fechado e não ser tão presente, mas ela sabia que ele se importava.

— Como você sabia que eu estava na casa de Marinette? – Adrien questionou mudando totalmente a linha da conversa, fazendo-a encará-lo.

— Marinette me ligou para que eu não ficasse preocupada. Você estava dormindo, então não quisemos acordá-lo. O motorista me ajudou a carrega-lo até o carro.

O rosto de Adrien começou a ficar vermelho até a raiz do cabelo, imaginando a cena constrangedora na frente de Marinette quando vieram pegá-lo. Ele não ficava bonito quando dormia, e pior ainda quando ficava doente. Será que ela o ouviu roncando? Ou ela riu de quando foi carregado no estilo noiva até o lado de fora? Caramba, isso era humilhante! Esfregou as mãos no rosto, tentando esvair o excesso de pensamentos vergonhosos.

Nathalie ria das expressões que ele fazia, adivinhando o que se passava pela cabeça dele.

— Eu estava ridículo? – perguntou dividido entre querer ou não saber a resposta.

— Você estava uma graça dormindo. Quando cheguei, Marinette não tirava os olhos de você, toda preocupada com seu bem estar. – Ela pôs a mão na boca para reprimir o riso.

Ele balançou a cabeça com muita timidez. Foi até o armário e começou a procurar pelo uniforme apenas para se livrar do assunto. Ela se levantou e andou até a porta.

— Te esperarei lá embaixo. – Ela disse antes de se retirar.

 

 

 

***

 

 

 

Os burburinhos começaram assim que colocou o pé para dentro da escola. Marinette encolheu-se segurando os livros com força contra o corpo e andou rapidamente até a sala de aula. Sentou-se no lugar de costume a abriu um dos cadernos até a última página, onde gostava de ficar fazendo rabiscos para se distrair. Com uma lapiseira de ponta fina, teve a ideia de desenhar um casaco personalizado com orelhas de gato no capuz, onde imaginava uns detalhes verdes que lembravam certos olhos que não saíam de seus pensamentos. Quando chegasse em casa, começaria a trabalhar no seu novo projeto. Sorriu contente.

— E então, Marinette? Como você está? – Alya surgiu de repente, fazendo-a borrar o desenho com o susto.

— Hein? Ah, estou bem. – Procurou a borracha no estojo e apagou o erro para consertar.

A ruiva arqueou uma sobrancelha fina.

— Pelo visto você e Adrien já se resolveram. Do jeito que saiu daqui transtornada ontem, pensei que demoraria a perdoá-lo.

Levando em conta a vulnerabilidade de Marinette, naquele momento ela realmente tinha pensado em demorar a perdoá-lo; mas então, sem explicação alguma, ela foi enfeitiçada por aqueles olhos esmeraldinos que a atraíam, fazendo-a se render facilmente e abrir mão de qualquer ideia que envolvesse estar longe dele. Não queria pensar que tinha sido tão fraca, mas, de verdade, ela não queria viver sem ele. Adrien foi um marco positivo em sua vida, apesar dos recentes problemas que tiveram e que quase os separou. Afinal, que casal nunca teve uma briga, não é?

— Não vale a pena continuar chateada sendo que ele já pediu desculpas para mim. – respondeu sem olhar a amiga. – Eu também cometi meus erros e agora pretendo ser mais sincera com ele.

— Isso é bom, sabe? Mostra que ambos estão amadurecendo a relação dos dois. – Vendo que a morena não parecia estar dando muita atenção, Alya debruçou-se na mesa para observar melhor no que Marinette estava tão concentrada. – O que está fazendo?

— Estou pensando em fazer um casaco de moletom com orelhinhas de gato. Se quiser, também posso fazer um para você. – Ela virou-se sorrindo, mostrando o caderno como se fosse um filho que tivesse acabado de sair da maternidade. Os olhos da ruiva brilharam com o talento que a garota tinha.

— Não gosto muito de preto, mas aceitaria se fosse laranja, já que é a minha cor favorita.

— Certo, vou fazer um laranja. – Ela riu do olhar divertido que a outra demonstrava. – Mas você ficaria bem de raposa. São animais bem espertos e combina com você.

— Saiba que vou cobrar até você fazer um pra mim. E tem razão, sou realmente muito esperta e combina comigo. – Ajeitou os óculos com o ego bem inflado.

— Raposas também são traiçoeiras, mas não sei se esse pode ser seu caso. – Chloe apareceu colocando seus pertences em uma mesa próxima e debruçou-se do outro lado de Marinette. Alya revirou os olhos. – Não acredito que vai fazer um casaco para ela, mas nem sequer pensou em mim! – Ela fez um bico infantil, indignada.

— Quer que eu faça um para você também, Chloe?

A loira jogou o cabelo para o lado, dando de ombros e fazendo-se de desinteressada.

— Tanto faz. Mas caso faça, por favor, lembre-se que sou uma Abelha Rainha. Não faça muitas listras, porque acho que fica muito brega.

— Você não parece ser do tipo que usa moletom. – Marinette pôs a base da lapiseira no lábio inferior, olhando atentamente para Chloe, analisando-a de cima a baixo. – Pra você vai servir um cardigã amarelo com listras nas pontas e mangas pretas, como se fosse um colete.

 - Na minha cabeça isso me parece esquisito. – Alya comentou debochada.

Marinette riu da cara emburrada da loira que encarava a outra, irritada. Abriu o caderno em outra página, desenhando o cardigã. Quando Chloe viu o desenho, quase arrancou a folha para levar com ela.

— Vou te dar todo o material que precisar. É só me dizer o preço. – Disse segurando o caderno, olhando maravilhada para sua nova roupa.

— Se for assim, também vou te pagar. Um talento desses precisa ser valorizado.

Marinette sentia-se feliz como nunca. Realmente queria mostrar para todos a sua incrível habilidade que levou anos para desenvolver, graças ao seu pai que a motivou desde pequena a seguir este sonho. Era bom que houvesse mais pessoas lhe dando apoio para que este sonho se realizasse. Afinal, ela sempre gostou de criar coisas.

As meninas ficaram conversando enquanto os outros alunos chegavam. O celular de Marinette vibrou uma vez com a notificação de uma nova mensagem. Olhou para a tela, era Adrien.

 

 

Adrien: Hj terei q trabalhar em dobro pra cobrir a minha falta.

Ñ vou poder passar a tarde com vc... Sinto muito :(

 

 

Tudo o que era bom tinha que durar pouco. Logo desfez o sorriso ao ler a mensagem.

Claro... Tinha se esquecido desse mero detalhe. Adrien era um modelo famoso e tinha suas responsabilidades. O tempo juntos era escasso, pois o loiro, além das sessões de fotos, também tinha suas aulas particulares. Só poderiam se ver na escola, e pra piorar, eles eram de turmas diferentes.

E tinha a Lila, que parecia passar mais tempo com ele do que ela própria. Ela confiava no namorado e sabia do intenso amor que nutria por si, mas não se sentia segura com a bela modelo que também demonstrava interesse por ele. Ok, a garota era legal com todo mundo, mas não confiava totalmente nela, ainda mais após aquela maldita entrevista que quase acabou com o relacionamento de ambos.

A mancha negra pulsou, querendo se espalhar. Não queria ficar triste de novo e voltar para o fundo do poço. Não queria ser aquela pessoa horrível que estava se tornando antes. Confiar no amor de Adrien era mais importante do que pensar nas intensões de Lila...

Marinette novamente estava em um conflito interno. Apertou a lapiseira com força, quebrando a ponta em cima do rascunho de um novo desenho que fazia. Alya puxou uma cadeira, sentando-se de frente para Marinette, encarando-a seriamente através de suas lentes grossas. Chloe também se prontificou a se abaixar na altura da garota para encará-la com curiosidade. Os olhos azuis finalmente se viraram para as duas meninas que miravam em si como imãs que acompanhavam seus movimentos.

— O que foi? – Ela perguntou tímida. Não gostava quando ficavam olhando para ela tão descaradamente.

— Você não nos engana. O que aconteceu?

— Não aconteceu nada. – Mentiu na cara dura, não conseguindo disfarçar o nervosismo.

As duas olharam-na desconfiadas. O celular de Marinette novamente vibrou, e antes que pudesse alcançar o aparelho, Chloe que estava mais próxima, pegou primeiro, lendo a mensagem pela tela de bloqueio.

— É uma mensagem do Adrien: “Posso te compensar neste sábado. Vou estar o dia inteiro livre.” – Terminou de ler, olhando para a garota, surpresa. – Vocês já se resolveram?

— Sim, mas... Ele não vai poder passar a tarde comigo hoje. – Marinette abaixou a cabeça, escondendo-se com a franja por alguns segundos. Depois olhou para as meninas forçando um sorriso amarelo. – Mas não tem problema. Ainda é quinta-feira e logo o fim de semana estará aí.

— Ai, Marinette... – Alya esfregou as têmporas, reprovando. – Você disse que sempre seria sincera, e agora está escondendo de nós o que está sentindo.

Soltou um suspiro de derrota. Quando pretendia abrir a boca para desabafar, o professor entrou na sala pedindo para que todos os alunos fossem para seus lugares. Alya bufou, se levantando e indo para seu lugar sendo seguida por Chloe que se sentava do outro lado.

— Continuaremos essa conversa depois. – A ruiva disse calmamente, mas dava para perceber o leve tom de ameaça.

Marinette engoliu em seco, em parte sentindo-se aliviada por adiar a conversa. Apenas abriu o caderno na matéria de física e tentou esquecer seus problemas por algumas horas para prestar atenção na aula.

Mas durante esse tempo, dentro de si, o coração batia fortemente como um alerta. Tocou a pulseira e respirou fundo, tentando manter-se o mais tranquila possível. Adrien a amava, não é? Já ouviu várias declarações sinceras que provavam isso. Então por que não se sentia totalmente em paz?


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo estava tão grande que tive dividir em duas partes. Ele teria mais de 13 mil palavras, e ainda não consegui finalizar kkkkk. Como eu estava demorando muito pra postar, desde o final do ano passado, decidi postar esse de uma vez.
Eu não tenho o hábito de escrever em terceira pessoa, por isso eu achei esse capítulo bastante complicado, ainda mais pelo tempo que fiquei parada e perdi um pouco do ritmo da história.
O próximo capítulo tem em torno de 5 mil palavras – ainda – e tende a ficar maior, porque quero resolver logo todos os problemas que levantei na fic.
Me desculpem pela demora e também por algum erro que não consegui corrigir hehe
Espero que tenham curtido o capítulo e muito obrigada por lerem. Aguardarei os comentários :3
Kisses :*



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