“Se ele soubesse a calma que preenchia meu coração toda vez que eu via aquele sorriso...”

Taehyung olhou para o relógio da parede e viu que ele marcava quase 22h30 da noite, o que o surpreendeu. Depois de comerem e limparem a sujeira, ele e Zohar começaram a conversar, fazendo perguntas um para o outro. Em alguns momentos ele não entendia o que ela falava e ela repetia devagar, fazendo gestos com a mão. Outras vezes ela que não compreendia o que ele estava tentando dizer, o que os fazia rir.

Taehyung descobriu algumas informações sobre a garota à sua frente. Ela tinha recém completado 17 anos, tinha vindo para Londres com a mãe e o tio há um ano depois de passarem por outros países. Tinha perdido seu pai e seu irmão na guerra da Síria, onde tinha nascido. Seu nome era de origem hebraica, que significava “luz, brilho”, e foi-lhe dado em homenagem à sua bisavó, que ela não conheceu. Gostava mais de doces do que de salgados, sua cor preferida era azul, tinha alergia a pelo de gato e em nenhum momento tinha concordado com aquele casamento. Ela não quis entrar muito em detalhes, mas ouvir da própria boca dela que ela estava desejando que alguém pudesse tirá-la daquele pesadelo foi o suficiente para fazê-lo se comover e sentir seus olhos lacrimejarem.

—Mas... E se eu não estivesse lá? O que você ia fazer?-­ ele perguntou, mas ela apenas abaixou os olhos e não respondeu.

Ele sentiu seu coração apertar dentro do peito. Pediu licença e foi até o banheiro por um momento, onde não conteve as lágrimas ao imaginar o que poderia ter acontecido e que rumo a vida dela teria seguido.

Quando saiu do banheiro, estando ainda no corredor, pode ouvir a voz de Zohar falando em inglês como se estivesse falando com alguém, embora não escutasse a voz dessa pessoa. Ele se aproximou aos poucos até onde ela estava e viu que ela estava na verdade falando com alguém no telefone. Ao mesmo tempo em que ela falava ao telefone, ora olhava para Taehyung, já sentado no sofá, ora olhava para o chão. Ele forçou seu cérebro para tentar entender o máximo possível o que ela falava, mas o vocabulário de inglês dela, mais ampliado do que o seu, o impediu de compreender alguma coisa.

 Pouco depois ela chamou a atenção de Taehyung e este foi até ela.

—Pra você.- disse ela, estendendo o telefone na direção dele.

Ele olhou para ela, surpreso, e pegou o telefone depois de um momento de hesitação.

—Alô?

­——Sou eu.- a voz conhecida no outro lado da linha se pronunciou. —Por que cargas d’água você não atende o celular?!

Taehyung tirou o celular do bolso da calça e viu que estava no silencioso. Viu também 14 chamadas perdidas de Namjoon.

—Hyung...

Mas antes que ele tivesse a chance de falar, Namjoon continuou:

—É o seguinte: estão indo aí buscar ela, ok? Uma prima da jardineira vai passar aí pra levar a garota até a cidade da tia dela. Tia da jardineira, no caso. A mulher tem uma ONG que cuida de mulheres que sofreram traumas, abusos e tudo mais e lá a moça vai receber cuidados e assistência.- Namjoon tomou fôlego e continuou. —Taehyung, você não sabe a bagunça que aconteceu aqui depois que ela desapareceu e não pense você que o Sejin Hyung vai passar a mão na sua cabeça. Ah! A mãe da garota veio aqui atrás da gente. Não sei qual é a história delas... Também não sei como ela descobriu que estamos envolvidos na fuga dela, só sei que ela entregou algumas coisas aqui que a moça vai levar até aí. Então preste atenção: chame um taxi assim que elas saírem e volte pra cá imediatamente, entendeu?!

Taehyung ficou em silêncio, olhando para chão enquanto processava a informação.

­—Entendeu?! Volta pra cá imediatamente. Você me ouviu?- Namjoon repetiu com veemência.

Taehyung deu um sorriso de canto.

—Tá’ preocupado que eu vá junto com ela?- riu e ergueu os olhos do chão, direcionando sua atenção para Zohar, que estava sentada no sofá olhando para ele sem entender nada.

—Eu não estou de brincadeira, Tae. Isso é sério. Tudo bem que não é nenhum crime desistir de um casamento, mas deu um auê aqui que você não faz ideia! Eu não tenho a menor ideia do que a mãe da moça falou com a família do noivo, mas eles estavam furiosos.- soltou todo o ar dos pulmões. –Eu ainda não acredito que você fez isso, é sério. Caramba, Tae! Eu te admiro pela coragem, mas você não conhece ela! E se tivessem fãs por aqui? E se alguma câmera tivesse fotografado tudo? E se...

Namjoon continuou nomeando os motivos que deveriam ter impedido Taehyung de ter feito aquela loucura e aquilo começou a irritá-lo.

—Sabe, Hyung...- Taehyung assumiu um tom de voz sério, o que fez sua voz soar ainda mais grave. —Aquele tapa que você me deu, doeu muito.

Namjoon ficou em silêncio do outro lado da linha, sentindo um nó na garganta ao relembrar a cena.

—Eu sei, me desculpe. Mas...

— “Mas...”? Eu só não podia deixar ela passar por isso sem ao menos tentar fazer alguma coisa. Entendeu?- cortou a fala do amigo mais velho, que ficou quieto do outro lado da linha. –E eu sei, tá? Eu sei que ela é uma completa estranha pra mim, e eu para ela. Ela nem faz ideia de que possivelmente eu vou ser destaque de notícias na internet amanhã. Isso é, se é que vazou alguma coisa daí, porque daqui tá’ tudo em sigilo. E além do mais, ela que escolheu fugir daí. Tenho certeza que ela teria dado um jeito de escapar de qualquer jeito. Eu só estendi, literalmente, a minha mão e facilitei as coisas.

Ambos ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Taehyung falou novamente.

—De repente aquela frase “keu soneul naemireojwo, save me”* meio que se tornou uma realidade. Eu estendi a minha mão, Hyung, e salvei ela de uma possível vida de maus-tratos.

—Tae...

—Ela mesma disse, Hyung, que estava esperando até o último minuto que alguém fosse tirar ela do casamento.- Taehyung sentiu seus olhos lacrimejarem mais uma vez, enquanto sua voz falhava. —Eu não me arrependo do que eu fiz, e se tivesse um jeito de voltar pro’ passado, ainda assim eu faria tudo isso de novo.

 Namjoon engoliu em seco ao ouvir aquelas palavras, sentindo-se envergonhado de si mesmo. Ele estava apenas preocupado com o que poderia acontecer com Taehyung se aquilo se espalhasse pela mídia e na loucura que surgiria por conta daquilo e esqueceu-se do outro lado da moeda. No fundo, não podia deixar de se sentir tocado com tudo aquilo. Mesmo morando sob o mesmo teto com Taehyung naquele tempo todo, não fazia ideia de que ele seria capaz de fazer uma coisa dessas. Não fazia ideia de que ele tinha caráter e coragem suficiente para se arriscar tanto assim.

—Só volte pra cá o mais rápido possível, ta’ bom?- disse ele por fim, em tom baixo, e Taehyung despediu-se e desligou o telefone sem dar uma resposta.