“Meu hijab estava todo molhado com as lágrimas que derramei. Cada uma delas acompanhada de um pensamento incerto, que me fazia temer ainda mais pelo futuro.

A única coisa que acalmou meus pensamentos turbulentos, em meio ao silêncio daquele carro, foi ouvir a voz dele chamando meu nome pela primeira vez.”

Taehyung estava preocupado. Tudo bem que ambos não falavam a mesma língua e a comunicação era difícil, mas ela tinha chorado o trajeto inteiro, sem falar uma única palavra, do hotel até o apartamento da jardineira, que correspondia a 10 minutos de viagem.

Ao mesmo tempo em que ele queria saber se ela estava arrependida e queria voltar, ou se estava chorando de felicidade por não acreditar que tinha conseguido escapar, ou ainda, se estava chorando por estar com medo por ter fugido com um desconhecido, ele não queria incomodá-la. Achava que ela precisava do espaço e do tempo dela. Por várias vezes pensou em falar com ela, mas algum pensamento o fazia recuar, e só quando o carro chegou ao endereço de destino e ela permaneceu olhando pela janela, sem esboçar qualquer reação, foi que ele se sentiu obrigado em chamá-la.

—Zohar?

Ela então se virou, dando-se conta de que não estava sozinha.

A única luz que iluminava –em partes- o interior do carro era a do poste de iluminação logo à frente na rua, mas Taehyung percebeu que ela estava olhando para outro lugar do seu rosto antes de erguer os olhos para encontrar os seus. O pensamento de que ela estaria olhando para sua boca percorreu sua mente, mas ele espantou aquilo rapidamente.

—Chegamos.- disse, e esperou por uma reação dela.

Ela olhou para a janela novamente, para aquela paisagem noturna tão estranha a ela quanto o futuro à sua frente, e voltou a olhar para Taehyung, acenando com a cabeça. Ele pagou o motorista do taxi e a ajudou a sair do carro, dando-lhe a mão.

O apartamento não era muito grande, mas bastante acolhedor. Toda a decoração da casa bem como a disposição dos móveis em cada cômodo convidava o visitante a se sentir em casa. Taehyung percebeu que o lugar tinha agradado Zohar, já que ela olhava detidamente para cada detalhe.

Ele fechou a porta atrás de si, lembrando-se de trancá-la para tranquilizar sua mente perturbada de uma possível invasão árabe, e foi até onde ela estava.

—Filho dela, talvez?- ele comentou, parando ao lado da moça e apontando para um quadro pendurado na parede, onde um menino de aproximadamente cinco anos segurava a mão da mulher que cedera o apartamento. Na foto ambos estavam em frente a uma roda gigante.

—Possivelmente...- ela disse, dando uma olhada rápida em Taehyung, antes de se afastar. —Vou ao banheiro.

Com as mãos nos bolsos da calça ele a seguiu com o olhar e ficou pensativo, dizendo para si mesmo que talvez não devesse se aproximar muito. Assim, enquanto ela se demorava no banheiro, Taehyung terminou de olhar os quadros pendurados e foi até a cozinha procurar alguma coisa para comer.

—Noona das flores, posso comer alguma coisa da sua dispensa?- perguntou para o nada, abrindo as portas e gavetas. — “Ah sim, claro. Fique a vontade”.- ele mesmo respondeu, afinando a voz e assumindo o papel da dona da casa. —Obrigado noona, você é muito...- parou de falar ao se virar e dar de cara com Zohar, olhando para ele.

Eles se encararam por alguns segundos, ela sem entender o que ele estava fazendo e falando, e ele sem saber onde esconder a cara de vergonha.

—Oi...- ele abriu um sorriso envergonhado e coçou a cabeça. —Está com fome? Quer comer alguma coisa?

Ela tinha tirado o véu que cobria o rosto, deixando-o à mostra, enquanto seus cabelos ainda permaneciam cobertos. Ela também tinha tirado a maquiagem e sua expressão estava muito mais tranquila e em paz, apesar de estar com o rosto um pouco inchado de tanto chorar.

 —Quero.- ela respondeu, dando um sorriso tímido.

Taehyung a observou por alguns segundos, enquanto ela olhava para a decoração da cozinha, e quando ela percebeu os olhos dele sobre ela, ela olhou para ele. Ele sorriu e se virou para o armário mais uma vez. Estava aliviado por ela estar bem.

Na procura, ele encontrou alguns pacotes de biscoito, salgadinhos, e um pacote de ramyeon, que tinha outro nome. No freezer encontrou uma pizza, um pacote de lasanha e um pacote de salsicha.

—Zohar?- ele olhou para ela, que estava do outro lado da cozinha, e perguntou o que ela preferia. Ela se aproximou para olhar de perto.

—Estou me sentindo mal por estar mexendo no que não é meu.

—Eu vou pagar...- ele a tranquilizou. —Não se preocupe.- sorriu.

Ela olhou para o sorriso dele por um tempo, depois para os olhos, que também sorriam, e voltou-se para a geladeira.

—Só os biscoitos é o suficiente...- e se afastou.

Ele fechou a geladeira e buscou os biscoitos, abriu um pacote e entregou para ela, que estava sentada à mesa. Ela agradeceu e ele puxou uma cadeira de frente para ela, sentando-se também.

Por um tempo ambos comeram em silêncio, olhando para mesa, cada um perdido em seus próprios pensamentos. Até que num repente, ambos ergueram o rosto e seus olhares se encontram. Taehyung estava curioso demais para desviar o olhar, e ela sorriu sem graça, voltando a olhar para o pacote de biscoito sobre a mesa.

—Desculpa.- disse ele, rindo.

Ela olhou para ele, repetindo o mesmo movimento de olhar para o sorriso dele antes e olhá-lo nos olhos, e sorriu.

—Você está sendo tão gentil comigo, que fico um pouco sem graça.- ela disse devagar, para que ele pudesse entender, sem olhar para ele. —Por que você me tirou de lá? Seu amigo não gostou.- olhou para ele, esperando uma resposta.

—Eu gostei.- Taehyung deu de ombros e sorriu. —Quero dizer, ele não importa.

E pela primeira vez ele a viu rir.

Sua mente lembrou-se, de repente, do rosto dela carregado de tristeza e desespero, sentada ao lado daquele cara estúpido na festa. Por mais que sua consciência ainda o condenasse por tê-la “raptado”, fugir de lá tinha sido uma escolha dela, e ele de tempos em tempos reafirmava isso consigo mesmo. Ele tinha sido apenas o meio pelo qual ela pode escapar de lá.

—A propósito, qual é seu nome?- ela chamou a atenção dele, que estava perdido em pensamentos.

—Kim Taehyung.- respondeu rapidamente.

—Como?

Ele riu.

—Kim. Tae.hyung.- repetiu pausadamente. –Difícil?

Ela pensou por um momento, repetindo o nome dele para si mesma.

—Diferente...

Ele riu, preferindo manter em segredo o trabalho que era para ele pronunciar o nome dela como tinha escutado a princípio, no jardim, sem carregá-lo com o sotaque coreano.

—Zohar...