Quando decidi fugir do casamento, pensei que decisão nenhuma na minha vida seria mais difícil do que aquela...

Até o momento em que fui obrigada a dizer adeus.

Taehyung colocou o telefone no gancho e ficou parado, olhando para o chão por alguns segundos enquanto sua mente processava tudo o que tinha escutado. Alguém ia chegar em alguns minutos trazendo alguma coisa e levaria Zohar para algum lugar. Onde mesmo? Tentou se lembrar do lugar para onde ela iria, mas não conseguia. Só sabia que, aparentemente, era um lugar seguro.

Ele olhou para ela, que estava sentada no sofá também perdida em pensamentos, e por um momento lamentou ter pedido ajuda da jardineira.     Se tivessem ido sozinhos para outro hotel... Bem, o que aconteceria depois? Ela teria algum lugar para ficar? Ela provavelmente não poderia ir pra Coreia, até por que... Por que ela iria? Ele era um estranho que tinha aparecido num momento oportuno para ajuda-la, e só. Então, o que aconteceria? Ele não poderia ficar em Londres para sempre, para ajudá-la. E pensar nisso o fez ter a impressão de que Namjoon tinha dito alguma coisa sobre aquilo. Tinha mesmo? O voo continuava marcado para às duas da madrugada, então... O que era?

—Está tudo bem?- ela perguntou.

Ele estava novamente olhando para o chão e quando a ouviu falar, ele ergueu os olhos na direção dela e forçou um sorriso. Estava preocupado...

Mas com o que?

—Não estou acreditando que as coisas estejam acontecendo...- ela continuou falando.

Taehyung se sentou ao lado dela e a viu abrir o sorriso, mas ao mesmo tempo que sorria estava preocupada. Dava para ver isso pela ação repetida de cruzar as mãos e descruzá-las.

—Você está feliz?

—Sim, mas também estou com medo...- ela encolheu os ombros. —Mas vou aproveitar a ajuda da ONG para aprender a me virar sozinha e depois vou pagá-los de volta.- ela sorriu novamente, parecendo mais aliviada. Ansiosa, mas mais aliviada por saber que pelo menos teria algum lugar para passar as noites.

Eles ficaram em silêncio por um momento até que ela se virou bruscamente na direção dele.

—Eu...- olhou para as próprias mãos. —Eu não tenho dinheiro agora para te pegar pelo que você fez...

E ele quase pulou para fora do sofá.

—Não. Não precisa.- balançou as mãos, reafirmando aquilo.­ —Não precisa.­

—Mas...

—Realmente não precisa.- ele sorriu. —Foi um... presente de não-casamento...-  deu um meio sorriso, não sabendo como ela reagiria. Mas ao ver ela rindo, abriu o sorriso e se recostou no sofá novamente, lembrando-se de que tinha que chamar um táxi.

Ele recostou a cabeça no sofá e olhou para o teto, pensando no tempo que faltava para a tal mulher chegar e levar Zohar embora. Fez uma careta ao pensando naquilo, não gostando da ideia de voltar para o hotel depois de tão pouco tempo com ela.

—Você vai voltar para Coreia?- ela falou de repente, quebrando o silêncio repentino.

Ele virou o rosto na direção dela, ainda com a cabeça apoiada no sofá, e confirmou.

—Quando?

—Hoje.- respondeu.

—Já?- ela pareceu surpresa. —Então...- deixou a frase morrer e olhou para as próprias mãos.

Ele continuou olhando para ela.

—Acho que não vamos mais nos ver.- disse ele.

Ela olhou na direção dele novamente e fez uma careta de desgosto, lamentando. E ele sentiu-se feliz por saber que não era o único que não gostava da ideia de nunca mais se verem.

Não demorou muito e logo ouviram a campainha tocar. Estavam no meio de uma conversa sobre o que ela gostaria fazer dali em diante e quando a conversa foi cortada por aquele som, que fez ambos emudecerem, eles olharam para a porta e se entreolharam mais de duas vezes. Taehyung, com o coração pulando no peito, ainda pensava na possibilidade de o noivo ou quem quer que fosse a encontrasse e a levasse de volta para o casamento.

Quando eles finalmente decidiram se colocar de pé e ir até a porta, ouviram a campainha soar mais uma vez sendo seguida de uma batida abafada na porta.

—Tem alguém aí?

Eles ouviram uma voz feminina falar com um inglês nativo.

—Vim dar uma carona pra moça...- e mais uma batida na porta.

Taehyung e Zohar se olharam, aliviados, e sorriram. Não corriam perigo de serem pegos.

Zohar correu até a porta e a destrancou rapidamente, abrindo a porta e se deparando com uma mulher um pouco mais alta, com os cabelos da cor castanho claro amarrados em um coque frouxo no alto da cabeça. Usava uma calça jeans desbotada e uma camiseta cinza mais larga.

­A mulher encarou Zohar por algum tempo e olhou para algo escrito na palma da mão.

—Zohar? É isso?- ela perguntou, voltando a olhar para Zohar, não tirando os olhos do hijab dela. —Acho que isso é pra você...- entregou uma mala de mão. —Você é a tal noiva do casamento árabe?- olhou Zohar de alto a baixo e só então Zohar se deu conta de que ainda estava usando o vestido do casamento. ­—Agora entendi porque tem roupa dentro da sua mala. Desculpa, mas eu não faço a menor ideia de quem é você e simplesmente me acordaram dizendo para levar alguém –do nada- pra ONG que minha mãe cuida à 70km de distância, à noite, urgentemente. Eu tinha que ter certeza de que não estrava transportando drogas sem saber pela segunda vez essa semana.- e deu uma risada.

­Ela fez menção de entrar no apartamento e Zohar abriu espaço, segurando a mala de mão contra o peito.

—Ah, desculpe. Meu nome é Sarah.- passou por Zohar e deu alguns passo à frente, olhando em volta. ­—Mas minha prima tem realmente mau gosto pra decoração, hein?- analisou cada objeto com uma cara de desgosto, e em seguida pousou seus olhos sobre Taehyung. —E seu nome é?

—Taehyung.- respondeu, sem jeito, fazendo uma leve inclinação.

Ele e Zohar se entreolharam, sem saber o que fazer, e percebendo o silêncio e também que ninguém se mexia dentro da sala, Sarah se virou para Zohar.

—Você vai vestida assim? Não prefere trocar de roupa, não?- sorriu mecanicamente.

—Ah, sim.- Zohar passou entre ela e Taehyung e se dirigiu até o banheiro.

Taehyung ficou parado onde estava, sem saber se era certo ou não se sentar, ir pra rua ou ficar ali mesmo. Afinal, apesar de não ser a dona do apartamento ela era a prima, e entre eles, os estranhos, e ela, a prima, era ela quem tinha mais “direitos”.

Ela passou por Taehyung, olhando de relance para ele, e foi até a geladeira onde pegou uma garrafa de água. Bebeu do gargalo até a última gota e a colocou dentro da pia. Em seguida passou por Taehyung, olhando-o novamente, e foi até a parede onde os porta-retratos estavam pendurados.

—Nossa!- ela exclamou de repente. —Ela tem isso aqui?- gargalhou, observando uma fotografia. —Céus! Como eu era seca naquela época.- riu mais uma vez, olhando de relance para Taehyung outra vez.

Ele sorriu sem jeito, e nesse momento ela veio na direção dele.

—Desculpa, mas... A gente se conhece?

Ele sentiu o coração pular dentro do peito, enquanto um calor subia por seu pescoço e rosto.

—Acho que não.- ele respondeu, evitando olhar diretamente nos olhos dela.

E se ela realmente o conhecesse? Dos “MVs”, talvez? Uma fã? Uma nova fã? Alguém que só viu ele em algum vídeo da internet sem querer?

Um milhão de pensamentos se passou pela cabeça dele, fazendo-o suar frio.

—Tenho a impressão de que já te vi antes. Não conheço muitos asiáticos, então quando vejo meio que fica registrado.- ela sorriu, analisando-o. —De onde você é? Taiwan? Japão?

Taehyung por um momento não sabia se falava a verdade ou não. Se ela realmente tivesse visto ele, talvez, em algum MV, o que ela faria com a informação exclusiva que tinha, de estar diante de um cantor famoso que ajudou uma noiva a fugir do casamento?

—Esqueceu de onde é?- ela riu.

Mas para encerrar o assunto ali mesmo sem precisar dar uma resposta, Zohar saiu do banheiro usando uma calça jeans, uma sapatilha preta e uma blusa que, apesar de não ser tão larga no corpo, chegava até metade das coxas.

—Terminou?- Sarah olhou para Zohar de alto a baixo. —Então vamos, mocinha. O caminho é longo.- ela passou pela porta, sendo seguida por Zohar.

Taehyung verificou se estava tudo no lugar, apagou as luzes e trancou a porta. Ao chegarem ao portão, Sarah deu um aceno com a mão, se despedindo de Taehyung, e entrou no carro. Zohar foi até a porta e parou, virando-se na direção dele.

De relance ele viu Sarah fazer uma ligação no celular e receou que ela estivesse fazendo uma ligação “importante”. Os vidros do carro estavam fechados, tornando impossível saber sobre o que ela estava falando. O que ele faria se aquilo viesse à tona?

Ele percebeu que Zohar estava olhando pra ele, e sorriu sem graça, passando a mão no cabelo.

—Acho que ela sabe quem eu sou.- ele falou num tom mais baixo, para não correr o risco de Sarah ouvir (apesar do vidro fechado), lançando um olhar para a dona do veículo mais uma vez. —Será que ela vai me reconhecer...?

—Como assim?

Quando ele olhou para Zohar novamente, com cara de quem não tinha entendido o que ele queria dizer com aquilo, percebeu que ela não sabia quem ele era. Por um momento ele ficou mudo.

—Não... Nada, não...- sorriu.

Zohar olhou para ele por algum tempo, observando cada detalhe do rosto da única pessoa que teve coragem de ajuda-la, tentando memorizar como era o contorno dos olhos, a cor do cabelo liso caindo sobre a testa, o formato dos lábios, por onde aquela voz grave saía, chamando por ela, atraindo sua atenção. Olhou então para chão por um momento, sem saber o que dizer.

E no meio daquele silêncio Taehyung se lembrou de que, a partir dali, ele nunca mais iria vê-la.

          “Colocar ela no carro.”

                                               “Chamar um táxi.”

                        “Voltar direto para o hotel.”

A voz de Namjoon de repente soou em sua cabeça.

Ela iria embora para a nova e desconhecida vida, ele voltaria para Coréia, sua conhecida e inquebrável rotina, e aquele seria o fim de uma página inédita na história de sua vida. Ele manteve seu olhar fixo sobre ela e quando ela voltou a olhar para ele, eles se olharam por um tempo, sem dizer nada.

No fundo ele não queria simplesmente que aquilo terminasse ali. Ele sentia que tinha feito uma coisa muito grande se comparado com o padrão de acontecimentos da sua vida e não queria que aquilo terminasse ali, simplesmente vendo ela entrar dentro de um carro com uma mulher meio maluca sem nunca mais saber nada sobre ela.

—Você tem telefone?

Ela negou.

—Email? Twitter? Facebook?

Ela negou mais uma vez.

Ele coçou a cabeça tentando pensar em alguma coisa.

—Está na hora de ir, querida.- Sarah abaixou o vidro do carro, chamando a atenção deles. —Vamos? Tenho que acordar cedo amanhã e são 140 km de ida e volta.

Zohar voltou a olhar para Taehyung, que permanecia parado na calçada, com as mãos nos bolsos da calça.

—Acho que tenho que ir.- ela deu um fraco sorriso, e sem saber o que fazer eles fizeram um pequeno aceno com a cabeça antes que ela entrasse no carro.

Ela fechou a porta, colocou o cinto de segurança e olhou para ele através da janela assim que o carro andou, dando um aceno triste com a mão.

Taehyung observou o carro andar alguns metros à frente, onde Sarah fez a volta, e quis correr até lá e tirá-la de dentro dele. Mas ele não podia. Ele tinha sua própria vida e seus compromissos. Um voo aguardava por ele. Uma agenda de compromissos, fotos, viagens e gravações esperava por ele assim que ele chegasse ao seu país de origem.

Ele sentiu um aperto no peito, como se estivesse perdendo algo de valor bem diante de seus olhos, sem poder fazer nada, e uma explosão de sentimentos e pensamentos inundou sua mente, acompanhando as batidas aceleradas do coração, enquanto via o carro vir em sua direção para então seguir viagem. E quando o carro estava a poucos metros à sua frente e ele pode ver Zohar sentada no banco do carona, olhando para ele, ele soltou um longo suspiro e tirou o celular de dentro do bolso.