Zohar escrita por AnneFanfic


Capítulo 23
Arrependimentos




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Quando a situação chega ao seu limite.

 

 

Eram um pouco mais que cinco horas da manhã quando Aisha ouviu uma batida forte na porta do quarto, despertando-a do sono profundo. Ela inspirou profundamente para tirar forças do ar que a cercava para começar aquele dia e disse que já estava acordada.

—Você está atrasada!- exclamou Raed, dando mais umas batidas fortes na porta. E só pelo tom de voz dele Aisha soube que aquele seria mais um dia estressante.

Durante todo o caminho que percorreram até a loja de doces árabes onde trabalhavam Raed foi reclamando do aumento dos preços dos produtos que tinha para comprar, do ajudante que tinha desperdiçado uma bacia inteira de massa ao deixa-la cair no chão no dia anterior, e irritando-se com a falta de clientes. Estavam em um bairro próximo do centro, mas as pessoas ali pareciam não gostar muito de doces árabes ou simplesmente não tinham interesse em compra-los. Qualquer um podia passar por aquilo, mas nada tirava da cabeça dele que tinham sido sabotados. Aisha não aguentava mais ouvir aquilo, mas como sempre, quando tudo dava errado, ele finalizou o assunto criticando-a por estarem passando por aquela situação.

—Eu não tenho culpa de nada, Raed!- retrucou ela, irritando-se com todo aquele falatório e, principalmente, por ele tocar indiretamente no nome de Zohar.

—Ah! Mas é claro que tem! E eu vou repetir isso quantas vezes for necessário!- ele retrucou, abrindo a porta dos fundos da loja e entrando rapidamente. —Sua filha desperdiçou uma chance de ouro quando arranjei o casamento para ela. Khalil era um homem bom. Daria um bom futuro para ela e para nós!

Ele levou as formas de um lado para o outro, colocando-as em cima das bancadas sem se importar com o barulho estrondoso que elas faziam. E todo aquele barulho desnecessário deixava Aisha ainda mais irritada.

—Esqueceu quem emprestou dinheiro pra abrir isso aqui? Como você acha que eu vou pagar toda essa dívida?- ele se abaixou para pegar uma toalha que tinha caído no chão e quando se levantou viu a porta ser aberta e o ajudante entrar. —Pode voltar pra casa. Não te quero mais aqui.- Raed nem deu tempo para o garoto abrir a boca. Simplesmente tirou um envelope do bolso que continha o salário do rapaz pelo tempo de serviço até ali e o entregou, já virando o rapaz pelos ombros e empurrando-o porta a fora.  

Aisha já estava concentrada nas suas atividades quando ele voltou a falar.

—Viu só? Não temos dinheiro nem para pagar meio-período pra ele. Quanto tempo mais você acha que isso vai durar?

Aisha não respondeu nada, e isso o irritou mais. Foi até o lado dela para provocá-la ainda mais.

—Se sua filha tivesse casado com Khalil estaríamos nessa situação? Catando migalhas de tudo quanto é canto para ter o que comer? Mas não. Ela tinha que fugir com aquele infiel.- ele ergueu um saco de farinha do chão e o largou sobre a mesa. —Espero que ele a faça se arrepender do que fez!

Aisha soltou um longo suspiro e tentou ignorar tudo aquilo, mas não conseguiu se conter.

—Ela não é mais uma criança, Raed. Já é adulta o suficiente para tomar as próprias decisões e não aceitar se casar com alguém que ela nem conhece direito, simplesmente porque...

—Mas aceitou fugir com um desconhecido que nem segue nossas crenças!- ele a interrompeu, extremamente irritado. —E não a defenda dizendo que ela é adulta o suficiente, Aisha. Sua filha tem apenas dezessete anos!- ele deu uma risada sarcástica. —Que bela mãe você foi! Não sei como meu irmão foi capaz de casar com você. O que sua filha fez é uma vergonha para o nome dele e Allah o livrou de passar por esse vexame quando permitiu a morte dele na guerra!

Aisha sentiu como se um soco tivesse atingido seu estômago ao ouvir aquilo e foi impossível para ela, no estado mental em que se encontrava, conter as lágrimas enquanto trabalhava. Mesmo que amasse Zohar com todas as suas forças, sabia que aquela atitude diante de todos durante a festa tinha sido extremamente vergonhosa e uma grande desonra.  Mas quem realmente tinha culpa naquilo?

Apesar de tudo o que tinha acontecido e apesar de os conhecidos passarem a olhar para ela como se ela de fato não tivesse ensinado Zohar da maneira correta, nada causava mais angustia do que não ter notícias da filha. Quase dois meses tinham se passado e ela não tinha a menor ideia do que tinha acontecido. Onde ela poderia estar? E quem era aquele rapaz que fugira com ela?

Três semanas depois daquele dia que viu a filha pela última vez, Aisha teve a ideia de ir até o hotel tentar buscar informações sobre a filha com a mulher que trabalhava no jardim. Lembrava-se que tinha sido para ela que tinha entregado a mala de mão com algumas roupas de Zohar. E tomando todo o cuidado e inventando uma boa desculpa, ela foi até lá sem que Raed suspeitasse de suas tentativas de encontrar a filha. Contudo, acabou descobrindo que a tal mulher não trabalhava mais por lá e tinha ido para outro país. Aisha insistiu em pedir o telefone ou o que fosse para entrar em contato, mas a recepcionista tinha sido bem enfática ao dizer que não era permitido dar informações pessoais sobre os funcionários e ex-funcionários para quem quer que fosse. Diante daquilo, sentindo-se totalmente perdida e sem saber o que fazer, Aisha colocou a vida da filha nas mãos de Allah, e desistiu.

Todas as noites que deitava a cabeça no travesseiro ela recriminava-se por não ter tido aquela ideia de ir até o hotel naquela mesma semana do casamento ou mesmo no dia seguinte. Talvez, se não tivesse demorado tanto, teria conseguido entrar em contato com a filha. Mas a confusão tinha sido tanta, a raiva de Raed e os olhares dos conhecidos tinham sido tão aterrorizantes, que ela não conseguia pensar em mais nada além de fazer orações para que onde quer que Zohar estivesse, estivesse bem.

Também lamentava-se terrivelmente por tão ter prestado mais atenção à filha quando toda aquela história começou. No dia em que Raed comentou sobre o casamento arranjado, Aisha foi firme e disse que não. Mas nos dias que se seguiram ele fez sua cabeça e até organizou um encontro entre as famílias. Ela lembrava-se da primeira vez que viu Khalil falando sobre seu interesse em casar com Zohar e ajuda-los a melhorar de vida.  Ele de fato parecia um bom homem, e até lembrava seu falecido marido quando demonstrou interesse em se casar com ela. Mas lá no fundo algo dizia que aquilo não acabaria bem. Conhecia a filha e sabia que ela, passando por uma guerra como passou, enfrentando os problemas e dificuldades de ingressar em outro país, com um idioma e uma cultura totalmente diferente da sua, não aceitaria se casar com um estranho tão facilmente. Zohar já tinha visto todas as suas amigas passarem por aquilo enquanto estavam na Síria, e Aisha lembra-se de tê-la visto chorando pelos cantos algumas vezes, com medo de chegar sua vez. Se soubesse que tudo aquilo iria acontecer teria sido mais forte. Teria batido o pé e ficado do lado da filha, mas não estava em posição de apoiá-la naquela época. A situação não era boa para ninguém e eles não tinham nenhuma perspectiva de que fosse melhorar.

—Você está me ouvindo?!- Raed gritou do outro lado da cozinha, fazendo Aisha voltar para a realidade. —Eu disse para você checar a caixa de correio!

Ela sentiu a irritação voltar e respirou fundo.

—Vá você, Raed! E pare de me atormentar!- respondeu, largando o que estava fazendo e indo se trancar no banheiro.

Precisava colocar seus pensamentos em ordem. Sabia que estava perdendo o controle de suas emoções e seu cunhado não facilitava em nada o processo de se manter firme e forte. Tinha a impressão de que ele ficava mais insuportável a cada dia que passava.

—Céus! Onde está minha filha?- ela escondeu o rosto entre as mãos e deixou que as lágrimas caíssem. —Eu só preciso saber se ela está bem... Onde ela está?

—Pare de lamentar a morte de sua filha e volte ao trabalho de uma vez, Aisha. Ficar chorando não vai fazer com que ela volte, só vai atrasar seu serviço!- Raed bateu na porta do banheiro. —E ai dela se voltar!

Aisha olhou para a porta à sua frente sentindo uma raiva tão grande com as afrontas de seu cunhado, que sua vontade era de fazê-lo pagar por cada palavra que saia de sua boca.

—Uma hora você vai ter o que você merece Raed! E eu não vou estar aqui para ver o estrago!- ela vociferou, lavando o rosto e voltando ao trabalho.

Algumas horas mais tarde Aisha atravessou a porta e levou uma forma de Baklawa para o balcão da loja. Ajeitou os doces um ao lado do outro e quando terminou o processo e se levantou, sentindo suas costas doerem, viu uma moça encostada em um carro do outro lado da rua, olhando em sua direção.

—Allah! Ela de novo?!- disse para si mesma enquanto ajeitava as coisas sobre o balcão e a espiava.

Lembrava-se perfeitamente dela. Da última vez que ela esteve ali, tinha ficado o tempo todo encarando com uma cara assustada.

 —O que será que ela quer?

—Quem?- Raed apareceu ao seu lado trazendo mais uma travessa de doces.

 —Nada. Estou falando sozinha.

—É só o que falta para completar a desgraça na minha vida, Aisha. A filha adúltera e a mãe louca da cabeça.- ele deu uma risada zombeteira.

—Zohar não é adultera, Raed! Ela não assi...

—Eu não quero saber, mulher! Cale a boca e volte ao trabalho.

Aisha olhou para o teto da loja e inspirou profundamente para conter as lágrimas que mais uma vez teimavam em sair.

—Ah!- Raed apareceu ao seu lado novamente. —Acho que agora você consegue ver as teias de aranha grudadas no teto, né? Aproveita e limpa logo isso!


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Notas finais do capítulo

Oxente! O_O'





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