O Olho do Inferno escrita por Tori Veiga


Capítulo 2
Capítulo 1




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Chamas bruxuleavam nas velas já bastante derretidas em uma sala vazia. Só eu permanecia ali, usando uma túnica longa e branca, meus cabelos estavam presos em um rabo de cavalo e minhas mãos algemadas as minhas costas.

Ouvi passos largos ao longe e quatro vultos aproximaram-se, todos usavam capas com gorros que me impediam ver seus rostos. O primeiro era coberto de branco, o segundo preto, o terceiro vermelho e o último amarelo.

O primeiro vulto destampou o rosto e pude notar ser um homem de meia idade, velho e debilitado, com um olhar fundo e uma aparência assustadoramente doente. Aproximou-se de mim e repentinamente o temor tomou-me.

— Estamos aqui para novamente implorar que nos diga a sua localização atual... – ficou cara a cara comigo e seu hálito cheirava a enfermidades. – Estou cansado de correr em círculos. – agarrou meu queixo e o puxou com força. – Não vê que já estou doente. – riu malévolo e foi acompanhado pelo coro dos outros três vultos.

— Não sei do que está falando. E-eu... não sei onde estou. - sussurrei.

— Você sabe! – gritou, apertando meu queixo com dedos finos e repletos de pequenas escaras. – Diga-nos onde está agora!

— Eu estou aqui, com os senhores. – respondi rapidamente e sem aviso prévio o homem deu-me um tapa.

— Ela não irá responder nada assim, Ardore[1] – levantou-se o vulto da capa amarela.
— E como acha que a garotinha aqui vai nos dizer algo, Mortis[2]? Não vê que ela está caçoando de nosso poder? – virou-se indignado.
— Ela não entende, é humana. Não entende o poder de seu somniatis[3]. - falou firme, com uma voz grossa e rouca.

— E como a faremos entender? – perguntou o tal Ardore, aos outros dois homens de capa. – Alguma ideia, Bello[4]? Esurientem[5]? – quando ambos não responderam, voltou-se a mim. – Ótimo, então será do meu jeito. – sorriu sádico tirando uma espada de sua bainha na calça e perfurando meu abdômen.

Quando senti a lâmina afiada em cada órgão vital meu, uma lágrima escorreu de meu olho esquerdo e...

... Acordei de mais um de meus pesadelos estranhos, deitada em uma possa de suor. Essa não era a primeira nem seria a última vez que isso acontecia.

Geralmente durante esses sonhos eu era salva por algum anjo que expulsava todos os vultos de perto de mim, mas, ultimamente meu guardião havia me abandonado à custa dos quatro seres sádicos que me torturavam pelo mero sabor de me ver sofrer.

Ardore, Bello, Esurientem e Mortis, quatro homens de capa que, provavelmente me queriam morta. Não é engraçado como nosso inconsciente age? Quem diria que eu fosse tão criativa a ponto de criar uma batalha em minha cabeça.

Levantei-me lentamente, sentindo o efeito das tequilas da noite anterior. Minha visão era turva e minhas pernas pesadas. Arrastei-me até o banheiro e liguei a torneira da banheira, arrancando rapidamente o pijama velho que usava e me jogando na mesma.

A água quente em contato com meu corpo frio e suado me deixou em paz para digerir aquele sonho estranho, anjos, monstros e eu. O que eu tinha a ver com tudo aquilo? Ótimo, beber não me fez bem mesmo. Estou ficando louca. Mas, não posso negar, a cada pesadelo aquilo fazia mais parte da minha vida, tornava-se mais e mais real e amedrontador.

Divagar sobre anjos e demônios, já me levou a conhecer tantos psiquiatras quanto o dinheiro mandado ao orfanato que passei minha infância pode pagar, pensar sobre isso agora não ajudaria em nada. Resolvi afogar essas lembranças e não será agora que elas emergirão de meu subconsciente.

Decidi ocupar a mente com coisas realmente uteis, como meu turno no Drunk Death que logo começaria ou a ressaca que não me permitia lembrar das prováveis loucuras que fiz na noite passada. Terminei meu banho, vesti-me, e corri até o bar da esquina, que às 12.00 am. já encontrava-se lotado de velhos bêbados e tarados.

— Mais um dia no inferno. – suspirei em frente a porta da entrada de serviço, segurando a cópia das chaves que me foram dadas logo que comecei a trabalhar ali, a cerca de 4 anos atrás, no auge dos meus 18 anos. – E lá vamos nós. – sorri amarelo abrindo a porta e logo sentindo o cheiro podre daquele lugar. Agora sei de onde meu cérebro tirou o cheiro do hálito daquele homem em meu sonho, pensei, rindo logo em seguida.

— A minha heroína chegou! – gritou uma de minhas colegas de trabalho, Diana, que aparentemente pedia por mais uma folga ao chefe, a sétima em um mês. – A Anna vai me cobrir hoje. – piscou para mim com seus cílios carregados de rímel. – Eu realmente preciso ficar com ele hoje, minha mãe disse que não vai mais cuidar e o imprestável pai fugiu com aquela vadia nojenta. – mordeu seus lábios carnudos e rachados, tentando parecer preocupada, mas aparentando muito mais uma atriz pornô de filme ruim.

Na verdade, todos sabíamos que Diana sairia dali para uma boate cheirar cocaína e transar com o primeiro desconhecido que lhe pagasse uma bebida. A meses a víamos se perder nisso e abandonar o filho as custas de sua mãe. Mas isso não era sobre mim, então não devia me intrometer, apenas concordei e fui até meu armário para vestir meu uniforme e assumir meu posto.

[1] Peste em latim, nome de um dos quatro cavaleiros do apocalipse, juntamente com Fome, Guerra e Morte, citados na Bíblia, livro de Apocalipse, capítulo seis.

[2] Morte em latim.

[3] Sonho em latim.

[4] Guerra em latim.

[5] Fome ou muita fome em latim.


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