Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 20
Pode me levar embora daqui?




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103 dias antes.

Luana podia ouvir os pássaros começando a cantar mas não ousou se mexer. Estava sentada na beira do lago, molhada até os ossos. Seu corpo parecia ter espasmos de frio mas ela não conseguia se mover. Arrependeu-se profundamente de não ter ido pra casa dois dias antes.

Depois de terem ido até o bar e ficado bêbadas, ela brigou com Marina por algo que nem mesmo se lembrava e fugiu quando a loira foi ajudar Rafaela que estava passando mal. Assim que chegou no lago, sentiu-se idiota por ter feito o que fez mas estava tarde demais e ela estava muito longe de casa. Foi até a sua secreta casa na árvore e dormiu lá, iria passar o dia seguinte no lago pois sabia que as amigas iriam procura-la ali.

Passou o dia seguinte sentada observando as nuvens e os movimentos dos pássaros, sentindo-se relaxada. Mas com o passar das horas começou a ficar inquieta, como se algo estivesse muito errado. O dia foi passando e não havia notícia de ninguém, começou a sentir-se sozinha demais e não gostou da sensação. Nadou no lago a tarde inteira tentando se distrair e com a esperança de que faria o tempo passar mais depressa, até sua pele começar a enrugar. Quando escureceu e ficou frio demais pra continuar na água, sentou na beira do lago e esperou enquanto abraçava os próprios joelhos tentando se esquentar.

O dia já estava amanhecendo e seu corpo não parava de tremer, tentou segurar as lágrimas quando sentiu seus olhos ficarem marejados mas em pouco tempo estava soluçando como uma criança.

—Elas não vieram... – sussurrou para si mesma entre seus soluços.

***

Marina tentava arrumar coragem para entrar no quarto. Conseguia ouvir a voz de seu pai conversando com uma enfermeira lá dentro, tinha medo do que ele lhe falasse quando ela entrasse, sabia que tinha sido injusta na noite passada mas depois da conversa que teve com Eli estava decidida a não falar mais besteiras. Respirou fundo e abriu a porta.

O pai e a enfermeira a olharam, a enfermeira rapidamente saiu do quarto e foi fazer algo no fim do corredor mas o pai continuou a encarando sem saber o que falar, sua mãe permanecia sob efeito de medicamentos na cama.

—Oi – ela disse hesitante e sentou na poltrona ao lado da mãe.

—Marina – o pai se aproximou –Sobre ontem, só queria que você soubesse...

—Pai – ela o interrompeu, ele se assustou um pouco mas logo se recompôs –Só quero esquecer isso, se estiver tudo bem. Falei coisas que não eram verdade...

Ela voltou a atenção para sua mãe mas conseguia sentir o olhar do seu pai sobre ela. Escutou-o dar uma risadinha e responder:

—Tudo bem então, sou péssimo com essas conversas com adolescentes. Sabe que era sua mãe que costumava cuidar disso pra mim...

E com isso ficaram um longo tempo em silêncio.

***

Rafa escutou atentamente enquanto a mãe andava pela sala em busca do jaleco, ela sempre esquecia onde o colocava. Chegava tão cansada dos seus plantões que simplesmente jogava sua roupa em um canto e ia dormir. A garota saiu do seu quarto e desceu as escadas, ficou parada na entrada da sala olhando a mãe. Vislumbrou um tecido branco atrás do sofá.

—O jaleco está atrás do sofá – disse fazendo Luciana dar um pulo assustada e rir logo em seguida.

—Ah, claro – ela respondeu ainda rindo –Eu sabia...

—Mais um plantão?

—Sim – ela respondeu –Olha, Rafa, sabe que não precisa ficar sozinha aqui me esperando voltar...

—Achei que eu estivesse de castigo e não pudesse sair...

—Eu nunca disse que você estava de castigo – Luciana comentou enquanto vestia o jaleco –Só disse para você ir pro seu quarto...

Rafaela sorriu de um jeito melancólico, ainda estava preocupada com Luana. Não havia sinal da amiga e não queria incomodar Marina com isso, talvez a amiga já tivesse a encontrado e ligar iria apenas incomodá-la.

—Tchau, não esqueça de trancar as portas – Luciana deu um beijo no rosto da filha e saiu como um furacão pela porta.

Rafaela não pôde evitar a sensação de que havia algo terrivelmente errado.

***

Marina se assustou quando seu táxi parou na frente de sua casa e viu Guilherme parado na entrada. “Ok, agora eu vou me foder de verdade”, pagou a corrida e foi lentamente em direção a ele.

—Oi – ele disse se aproximando –Posso entrar?

—Claro – não sabia porque ela se sentia tão estranha mas procurou deixar isso pra lá enquanto abria a porta e o deixava entrar.

Ele foi imediatamente em direção ao sofá e sentou, estava visivelmente muito agitado e ela se perguntou por quê. Marina sentou no sofá um pouco distante dele e esperou que Guilherme falasse algo, ela estava exausta demais para começar essa conversa.

—Por que você não me falou nada? Por que não me avisou que sua mãe estava mal?

—Obviamente porque eu tinha mais com que me preocupar do que ficar te mandando recados – ela respondeu grosseiramente, não queria que seu tom tivesse saído tão amargo mas o fato de Guilherme parecer se importar apenas com ele a tinha irritado.

—Por que está desse jeito? – ele devolveu o tom agressivo com que ela o respondeu –Eu queria te ajudar mas não posso fazer nada se você ficar perdendo seu tempo com um monte de gente inútil...

—Inútil?! – Marina se levantou irritada –Está chamando minha mãe de inútil? Porque tudo que tenho feito esses dias é ficar perto dela...

—Não estou falando dela e você sabe disso – ele também se levantou e aproximou-se de Marina.

—Isso é sério? – ela perguntou extremamente irritada –Justo nesse momento você decide dar uma de suas usuais alfinetadas na Luana e no Eli, é só sobre isso que você sabe falar?

—Por que ele veio aqui ontem? – Guilherme perguntou sério e o sangue de Marina pareceu congelar dentro dela. Como ele sabia disso?

—Você está colocando alguém pra me vigiar? – ela rebateu irritada.

—Você tem vizinhos, Marina, e alguns deles são meus amigos e as pessoas comentam as coisas. Não pode fazer o que bem entender, os outros percebem. Agora, que tal me falar o que ele veio fazer aqui?

—Me ajudar! – ela gritou, Guilherme deu um passo pra trás irritado –Porque ele se importa comigo e isso é o que as pessoas fazem quando se importam umas com as outras, não ficar falando coisas ruins sobre as pessoas com quem eu ando e sim se fazer presente!

A expressão no rosto do seu namorado foi algo que ela nunca esqueceria, uma mistura de puro ódio e decepção mas ela já não se importava, não podia mais manter algumas verdades escondidas.

—O que houve com a gente? – ela perguntou baixando o tom de voz, sabia que tinha sido dura demais mas depois de tanto tempo aturando as reclamações dele ela achou que era hora de fazer as suas –Onde foi que tudo ficou desse jeito?

—Você que me diga – ele respondeu frio –Eu mal te reconheço...

—Gui... – Marina já começava a perder a paciência de novo mas Guilherme a interrompeu:

—Olha, você tem passado por muita coisa. Acho melhor e eu ir dar uma volta e depois conversamos...

Ele deu as costas e foi em direção à porta. Marina perguntou:

—Então você simplesmente vai me dar as costas e sumir mais uma vez?

Ele girou a maçaneta enquanto respondia:

—Parece que já tem gente cuidando de você. E não quero correr o risco de falar o que realmente tenho pensado se continuar aqui.

A porta fechou com um estrondo deixando Marina sozinha na casa.

***

Rafaela lia na cama quando escutou alguém batendo na porta. Já começava a escurecer e Luciana só voltaria na manhã seguinte, por um segundo pensou que fosse Marina mas sabia que ela não iria para nenhum lugar além do hospital onde sua mãe estava. Foi na cozinha o mais silenciosamente que pôde e pegou uma faca. As batidas continuaram insistentes.

Rafa se aproximou devagar da porta com a chave em uma mão e a faca na outra, quando chegou perto escutou o barulho de uma respiração ofegante mas foi a voz que a deixou apavorada:

—Rafa... – escutou Luana sussurrar.

Colocou a faca na mesa de centro da sala e correu para abrir a porta.

Luana estava encharcada e tremia da cabeça aos pés, sua cara estava inchada de tanto chorar e tinha olheiras profundas debaixo dos olhos. Rafaela não tinha ideia do que havia acontecido mas nunca antes vira a amiga naquele estado, poucas vezes a vira com uma aparência tão triste e vulnerável. A loira apenas entrou sem falar nada e tentando controlar os soluços.

—Luana... – Rafa fechou a porta tentando pensar em algo que pudesse fazer –O que houve?

—Me desculpa – a loira continuava tremendo, Rafa já não sabia se era de frio por estar tão molhada ou se era de tanto chorar.

—Ok, ok – ela a pegou pelo braço e a conduziu escada acima –A gente já conversa, preciso te arrumar umas roupas secas.

Rafaela levou Luana até seu quarto e pediu que ela tirasse a roupa molhada enquanto procurava alguma coisa pra ela vestir. Ouviu o barulho da amiga se despindo mas procurou não olhar, tinha que achar alguma coisa pra ela antes. Mas, quando ouviu o barulho de alguém sentando na sua cama, se virou para olhá-la.

Luana, apenas com as roupas de baixo, se enrolou no seu cobertor e ficou sentada na sua cama enquanto continuava a chorar. Rafa se aproximou e sentou ao lado da amiga.

—O que houve com você? – ela encostou gentilmente no braço da loira que não parava de tremer e olhar ao redor agitada –Pode me contar...

Luana fixou seus olhos cinzentos nela, as lágrimas não paravam de escorrer pelo seu rosto e pingar do seu queixo.

—Eu sei que só faço merda... Me desculpa... De verdade...

—Do que você está falando? – Rafa ficava mais confusa a cada instante.

—Eu não queria deixar vocês com raiva... – ela se aproximou de Rafa, o rosto a centímetros dela –Eu não quero ficar sozinha, por favor... Não façam isso comigo...

—Fazer o que, Luana? Não vamos a lugar nenhum... – Rafa a abraçou, Luana pareceu travar quando a amiga a tocou –Não faço ideia do que você está falando mas o que quer que tenha acontecido já passou...

—Vocês não foram para o lago... – Luana sussurrou enquanto os soluços diminuíam –Achei que estivessem com raiva...

—Sinto muito – Rafa respondeu e sentiu a amiga relaxar –Não podia sair e Marina tinha que ficar com a mãe mas não se passou um segundo sem que eu me perguntasse como você estava. Você não vai ficar sozinha, ok?

Luana balançou a cabeça e logo em seguida enterrou o rosto no pescoço de Rafaela enquanto voltava a chorar. Rafa abraçou a amiga por tanto tempo que seus braços pareciam doer, ela continuava falando sobre como elas se importavam com Luana e como tudo ficaria bem enquanto a loira continuava pedindo desculpas e se chamando de idiota. Mas o cansaço a venceu no final e ela acabou dormindo na cama de Rafaela quando a amiga conseguiu finalmente fazê-la parar de chorar.

***

102 dias antes.

Luana acordou com o barulho de uma porta batendo. Sentou na cama assustada ainda enrolada nos lençóis e deu de cara com Rafa de cabelos molhados, provavelmente recém-saída de um banho.

—Desculpa, não quis te acordar – a amiga afirmou.

—Tudo bem – a loira a tranquilizou com um sorriso desanimado. Rafaela se aproximou e sentou na beira da cama.

—Você estava muito mal ontem à noite – Luana se limitou a abaixar a cabeça envergonhada –Achei que eu nunca fosse te fazer parar de chorar.

—Eu não devia...

—Luana – Rafa a interrompeu antes que ela começasse a se desculpar de novo –Você é minha amiga. A minha porta está aberta pra você na hora que precisar. Você surtou ontem, surtou mesmo e eu tenho medo do que pode acontecer se eu não estiver por perto caso isso aconteça de novo.

—Não vai acontecer, eu me desesperei, só isso – a loira respondeu.

—Você vai vir até mim se acontecer de novo? – Rafa perguntou.

Luana fixou seus olhos nos dela, é como se ela implorasse por uma resposta. Ela se detestou por estar fazendo aquilo com a amiga, deixando-a tão preocupada.

—Você sabe que eu vou, é a única com quem posso falar sobre essas coisas.

—Mais do que isso, Luana – Rafa a encarou séria –Eu sou a única que mataria e morreria por você.

E Luana não duvidou disso nem por um segundo.


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