Uma dose violenta de qualquer coisa escrita por Blurryface


Capítulo 21
Eu não quero saber...




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/746011/chapter/21

101 dias antes.

Luana estava entediada. Olhava para o teto do seu quarto como se alguma dose de uísque fosse cair ou alguma balada fosse começar misteriosamente e a atrairia com a música mas nada disso aconteceu. A loira queria fazer algo, queria sair, se divertir, tudo para esquecer o que acontecera nas últimas 48 horas.

Começara a chorar que nem uma criança e se arrastou até a casa da Rafaela para pedir desculpas como se tivesse feito algo inaceitável. Para piorar, a amiga ficou olhando-a como se não entendesse completamente nada. Droga, nem mesmo Luana entendera o que tinha acontecido. Parece que as mudanças de humor dela estavam ficando cada vez piores, ela teria que arrumar um jeito de controlar isso logo ou as amigas acabariam descobrindo alguma coisa...

Não, elas não podiam descobrir! Seria melhor para todos se não descobrissem, ela precisava protege-las dela mesma...

Espantou os pensamentos indesejados que insistiam em incomodá-la de tempos em tempos enquanto se levantava silenciosamente para não acordar seu pai. Vestiu algo decente que estava no seu guarda-roupa e saiu pela janela desejando que a noite fosse o remédio que ela precisava.

***

—Não vou comer isso de jeito nenhum... – o pai de Marina disse quando a filha estendeu uma gelatina de cor estranha que ela havia pego na cantina do hospital –Nem vou me dar o trabalho de falar o que isso parece!

—Pai, você tem que comer – ela pediu se aproximando e sentando em uma das poltronas ao lado dele, a mãe estava dormindo devido ao efeito do calmante que os médicos achavam melhor continuar administrando até ter certeza de que ela não iria começar a surtar –Não pode ficar aqui sem comer dia após dia! Mamãe precisa de você forte... E eu também.

Ele a encarou rapidamente e deu um breve sorriso.

—O que eu não faço por minhas garotas... – ele pegou a gelatina e esforçou-se para não fazer nenhuma careta enquanto comia –E você devia ir pra casa descansar, ir à escola, posso cuidar dela...

—Sabe que não vou te deixar fazer isso sozinho – ela respondeu rápida –Aliás, tenho que ficar aqui pra garantir que você vai comer.

—O pai aqui sou seu, não preciso que você me vigie – seu pai respondeu rindo entre uma colherada e outra –Sério, Nina, vá descansar. Volte amanhã depois da aula, ela não irá a lugar algum até lá.

Marina o encarou por alguns segundos antes de responder:

—Volto quando sair da escola, nem um minuto depois.

—Estaremos te esperando – ele deu um sorriso de orelha a orelha com os dentes cheios de gelatina fazendo Marina rir.

***

 Rafaela sentia os ouvidos doerem devido a música alta que tocava nos fones de ouvido mas ela não se atreveu a abaixar o volume, era melhor do que o silêncio assustador em que ficava sua casa quando Luciana não estava. Ela odiava ficar sozinha...

Mas pelo menos podia pensar e, no momento, a única coisa que ocupava seus pensamentos era Luana e no que acontecia com ela às vezes. Tinha a sensação de que a amiga era duas pessoas diferentes ao mesmo tempo: em um momento inconsequente, rebelde e irônica, no outro sensível, preocupada e confusa... Rafa gostaria de entender melhor o que acontecia com ela. Sabia que havia algo que ela escondia, algo que ficava preso na sua garganta e a sufocava até ela precisar fugir pra longe e Luana estivera perto de contar o que era essa coisa algumas vezes mas sempre hesitava e o momento parecia escapar.

“O que há com você, Luana? Por que não consegue me contar? O que é tão terrível que você tem medo de dizer em voz alta?”, pensou enquanto as batidas da música continuavam provocando dores no seu ouvido.

***

A batida de uma casa noturna enchia a rua de vida enquanto um vento frio cortava os ossos de Luana, ela apenas esfregou os braços nus enquanto seguia a música. Encontrou-se em frente a uma prédio quadrado de dois andares de uma tonalidade roxa escura, várias pessoas se encaminhavam para a entrada enquanto dois seguranças grandes vigiavam o local. A música eletrônica que vinha de dentro fazia seu coração bater descompassado, imaginava que deveria ser ainda mais forte do lado de dentro.

A princípio, esse parecia apenas mais um lugar onde poderia beber alguma coisa, ficar com alguns caras e quem sabe até fazer algumas coisas no banheiro se conseguisse achar alguém que parecesse higiênico o suficiente mas quando viu Guilherme e alguns de seus amigos acompanhados de líderes de torcida entendeu que precisava entrar para entender o que estava acontecendo.

***

Marina caminhava até em casa sozinha, não quis fazer seu pai deixa-la lá. Na verdade, ela até apreciava essa caminhada, era bom poder ficar sob as estrelas em silêncio e sozinha. Ultimamente, ela tinha encontrado mais prazer sozinha do que com a maioria das pessoas.

Estava tudo bem até ela escutar o barulho de passos atrás dela mas não se atreveu a virar e olhar quem era. Não havia motivo para ter medo, certo? Centenas de pessoas poderiam estar caminhando de noite, não significa que alguém estava seguindo-a. Mas depois de algumas curvas e dela ter acelerado o passo um pouco ficou claro que alguém a estava acompanhando. Ela lutava contra o impulso de dar uma olhada rápida e sair correndo quando uma voz conhecida disse:

—Você não tem medo de ficar andando sozinha a essa hora? – Marina se virou e encontrou aqueles cabelos brancos conhecidos e os olhos ferozes.

—Por que você está me seguindo? – ela perguntou rindo de alívio, nunca ficara tão feliz em vê-lo.

—Vi você saindo do hospital, ia dar uma passada lá pra ver como você estava mas, quando te vi caminhando sozinha, pensei em ir te dar um puta susto. Como eu tenho um coração mole, fiquei com pena quando te vi tão assustada – seus lábios formaram um leve sorriso, Marina não pôde evitar sorrir um pouco também.

—Eu não estava assustada.

—Não? – ele riu alto dessa vez –Você estava quase correndo e não parava de tentar olhar para trás com o canto do olho, se isso não for estar assustada então acho que não sei o que é!

—Tá bom – ela admitiu mesmo sem querer pois sabia que não dava para enganar Eli –Talvez um pouquinho...

—Tudo bem se eu for com você? – ele perguntou sério –Não acho que seja uma boa ideia você terminar o caminho sozinha.

Marina simplesmente balançou a cabeça e deixou ele caminhar ao seu lado. Ficaram em silêncio por algum tempo, apenas ouvindo os barulhos que vinham de longe, sentindo o frio que parecia gelar seus ossos e olhando as estrelas que pareciam brilhar mais essa noite. No final, foi Eli quem quebrou o silêncio:

—Tinham uns garotos rondando meu apartamento – a loira encarou-o confusa –Tentaram se esconder mas eu reconheci alguns, eram amigos do Guilherme...

—Ah, meu Deus – ela sentiu-se cansada de repente, não entendia o que diabos acontecia com o namorado nos últimos tempos: tudo parecia ser motivo de briga e todas as pessoas pareciam não ser dignas de confiança, em breve Guilherme ia acusar Rafaela de querer ter um caso com Marina –Sinto muito, não queria fazer você passar por isso... Vou conversar com ele, quem sabe eu...

—Marina – ele a interrompeu com uma voz firme, ela o encarou um pouco assustada –Não é comigo que você tem que se preocupar mas sim com você mesma!

—Como assim?

—Quem namora esse louco é você. E se um dia ela tiver algum surto e fazer algo contra você? Quem vai te defender quando isso acontecer? – Eli perguntou encarando os olhos azuis da garota.

—Ele nunca faria isso... – ela respondeu hesitante. Será que não faria? Há alguns semanas ela poderia jurar que ele não faria metade das coisas que tem feito, o que mudara?

—A gente nunca sabe o que as pessoas podem fazer, não de verdade – ele respondeu mas pareceu falar mais para si mesmo do que para ela.

—E o que você faria, Eli? O que você pode fazer? – Marina perguntou mas se arrependeu no mesmo instante ao ver o maxilar dele se contrair, já achava que ele não iria lhe responder quando escutou-o:

—Eu poderia matar e morrer por você se precisasse – ela o olhou sem saber o que falar enquanto ele continuava –Só queria que soubesse disso... Se ele fizer alguma coisa ou mesmo tentar, é só me chamar que eu venho correndo e faço o que tem que ser feito.

Ela baixou a cabeça e se limitou a continuar andando em silêncio até sua casa. Eli não disse mais uma palavra e ela não conseguia parar de pensar que nessa maldita cidade podia-se encontrar violência em cada esquina e em todas as pessoas.

***

Luana tentava manter Guilherme sob sua vista apesar da pouca iluminação e de todos os corpos que apareciam no caminho dançando de um lado para o outro, alguns acompanhados outros não, alguns bêbados outros não...

Tinha um copo de vodka na mão mas não pretendia beber muito, tinha que entender o porquê dessa sensação de que algo estava muito errado. Rafa lhe dissera rapidamente no dia anterior que Marina e Guilherme haviam tido uma discussão e Luana não dera muita importância mas naquele momento, vendo o jeito que ele olhava para a saia das meninas que passavam perto dele e as mãos de Letícia nos seus ombros, todos os sentidos da loira pareciam ter sido alertados.

A líder de torcida sussurrava no ouvido do garoto e ele sorria maliciosamente enquanto as pessoas que os acompanhavam sorriam para os dois. Luana viu quando a garota enterrou seu rosto no seu pescoço e os olhos do namorado da amiga se fecharam mas, quando se abriram, eles pareceram focar diretamente em Luana e a expressão de Guilherme foi de prazer para puro ódio. Nesse momento a loira compreendeu que era hora de ir embora...

Foi o mais rápido que conseguiu para fora da casa noturna e se pôs a andar rápido. Não escutou ninguém saindo atrás dela mas não podia ter certeza, era melhor simplesmente continuar indo em frente.

“Droga, o filho da puta estragou minha noite!”, pensou amargamente quando escutou uma voz às suas costas:

—Luana! – reconheceu a voz de Guilherme imediatamente, parou e pensou em correr mas sabia que ele a alcançaria –Por que você está aqui? Marina te mandou?

Luana se virou e o encarou com seus olhos cinzentos, sentiu-o ficar levemente desconfortável como sempre acontecia mas a raiva que ele parecia sentir afastou essa sensação pra longe.

—Ninguém manda em mim, sabe disso. Vou aonde quero – ela respondeu tentando intimidá-lo mas quando ele começou a se aproximar devagar soube que não daria certo, hoje ele estava com uma coragem que não era característica dele.

—Não aconteceu nada e é bom que você não abra a boca – ele ameaçou.

—Acha que eu tenho medo de você? Que é desse jeito que você vai me impedir de contar as coisas pra Marina? Bom, se eu já estava com vontade de contar é agora que eu conto mesmo – a loira o enfrentou.

—Não vai – ele sorriu ironicamente –Ou eu te entrego pra polícia pelas pegadinhas que você fez. Por acaso, enquanto Marina me abraçava à noite, talvez ela tenha comentado o quanto estava preocupada com você... Talvez também tenha dito que sua mãe te levaria embora caso fizesse mais alguma merda...

Luana se sentiu enojada, estava completamente a mercê desse garoto e não poderia fazer nada para a amiga.

—Se você acha que vai me calar assim, está errado – ela respondeu fazendo o sorriso dele desaparecer do rosto –Talvez eu não possa contar pra Marina, mas eu posso protege-la de você. Posso fazer de tudo pra ela enxergar o que você é mesmo sem contar nada...

—Como se sua palavra significasse alguma coisa pra alguém nessa cidade – ele disse sério –Todos sabem quem você é, até mesmo ela! Sabem que você não fala nada com nada, que só arruma confusão, que é só uma garotinha problemática... Cada letra que sair da sua boca vai ser desacreditada, pode ter certeza.

—Ora, Guilherme – Luana riu –E quem disse que eu ia falar alguma coisa? Todo mundo sabe que eu sou mais o tipo que faz do que fala...

Os dois se encararam por alguns segundos, pareceu durar uma eternidade. Luana achou que ele fosse fazer algo, que fosse bater nela ou coisa pior mas ele se limitou apenas a falar:

—Muito cuidado como você fala comigo, não sou um dos seus cafetões...

Luana riu mais ainda, era divertido demais brigar com Guilherme especialmente pelo fato dele ser tão óbvio.

—E sorte a nossa que eu não sou a Letícia... – ele congelou novamente, a mesma expressão de raiva no rosto –Ela foi a única ou você tem uma lista por acaso?

—Eu já falei pra ficar fora disso! Sabe que eu vou...

—Eu não preciso fazer nada – ela o interrompeu –Você mesmo vai acabar se entregando. Pessoas como você não conseguem se dar bem por muito tempo...

E com isso ela virou as costas desejando imensamente poder contar tudo para amiga mas sabendo que não poderia.

“Me desculpa, Marina. Você merece uma amiga melhor mas eu vou dar um jeito nesse filho da puta”, ela pensou enquanto o frio a fazia esfregar os braços mais uma vez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma dose violenta de qualquer coisa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.