O Príncipe

Ansélia, capital de Edésia

Naquela noite, Ethan não dormiu.

Corria entre as sombras do castelo, enquanto caos e morte marchavam pelas ruas de Ansélia. Em questão de minutos invadiriam completamente o interior do Castelo de Gelo. E quando isso acontecesse, estaria tudo arruinado de vez. A cidade cairia, seu reino cairia, sangue e destruição banhariam as ruas anselianas.

Mas ele iria arriscar a própria vida, o último ato de sua existência.

Quando soou o alarme avisando que o castelo havia sido atacado na madrugada, Ethan vestiu suas roupas e disparou em direção aos aposentos de seus irmãos. Mas o caos reinava, e os guardas que guardavam os corredores não foram páreos para os soldados sombrios que haviam invadido o palácio. E ele chegara tarde demais, e fora covarde o suficiente para fazer absolutamente nada, enquanto os homens de armaduras negras arrastavam Vincent Rosenrot desmaiado para outra direção do castelo. Já Olivia, os sinais de vida que pudera detectar da irmã mais nova foram apenas os gritos de pavor e socorro, que foram silenciados rapidamente após o som de um corpo caindo no chão.

Depois disso houvera um minuto de silêncio assustadoramente mortal, que foi quebrado somente quando a batalha entre os guerreiros anselianos e os soldados sombrios continuou.

E ele era Ethan Rosenrot, herdeiro de Edésia e todo o Norte.

Seu título não teria importância se tudo acabasse naquele dia.

Tinha fé que Olivia e Vincent estavam vivos, mas não poderia intervir, não naquele momento. Portanto, Ethan decidiu correr para a Sala do Trono, desviando pelos corredores sombrios e as passagens secretas. Precisava de um objeto para provar quem ele era, só então poderia ir para a Fortaleza das Feras, que talvez fosse a opção mais lógica e segura naquele momento.

Quando a assombrosa porta da passagem se fechou, quase que imediatamente uma enorme bola de pedra adentrou a sala do trono, fazendo com que o vidro da grande janela se estilhaçasse completamente e uma névoa gelada adentrasse o local. Ethan protegeu o rosto com as mãos quando os cacos de vidro voaram na sua direção, arranhando seus braços.

E o caos perambulava nas ruas de Ansélia, a cidade queimava, uma luz de morte e destruição em meio ao branco da neve que circundava a região.

Pelo seu conhecimento, e pelas poucas lembranças que tinha da época, aqueles trajes sombrios dos soldados eram da Legião Mork. Os malditos filhos das fadas que haviam atacado o continente e travado batalhas por território e poder por anos. Há última aparição deles fora há quase duas décadas atrás, antes de ocorrer a Queda e todos acreditarem que não haveria mais invasões daquelas criaturas.

Tanto sacrifício no passado, apenas para que ocorresse novamente.

Tudo estava arruinado.

A cidade estava sendo dizimada e destruída. Seria transformada em cinzas. Casas queimadas, crianças assassinadas, meninas e mulheres estupradas e abatidas como um animal, homens feitos de retalho pelas lâminas dos invasores bestiais. Era esperado que tomassem conta de tudo, que dominassem todos após aquele dia. O Reino de Edésia não pertenceria mais aos humanos, aquelas criaturas terríveis e cruéis iriam dominar todo o território. Aquele ataque era apenas o início.

Os morks estavam de volta, e ainda mais fortes, e com vantagens sobre eles, apenas criaturas sem magia. Tolos. Os humanos eram tolos, deveriam ter previsto que poderia acontecer uma invasão como aquela.

Tentar fugir era a única possibilidade para ele no momento, iria para bem longe e buscaria ajuda.

Se conseguisse sair vivo.

Ethan subitamente obrigou-se a parar, após atravessar todo o longo tapete vermelho sangue da sala do trono.

Havia... Cabeças.

Estavam expostas no trono. E o príncipe não teve dificuldade em reconhecer os olhos vazios e arregalados.

Eram os reis de Edésia, seus pais.

Estavam mortos, e suas cabeças no trono, como se aquilo fosse uma piada. Como se os soldados mork já esperassem que ele iria para aquele lugar.

Seu corpo ferido com o vidro latejava de dor, mas ele não ousou soltar ruído algum quando passos ecoaram na sala do trono e uma sombra surgiu, e se aproximou calmamente. Um homem com as mãos nos bolsos, como se toda a batalha que acontecia do outro lado das paredes do castelo fosse entediante. Como se estivesse acostumado com todo aquele inferno, nem a presença das cabeças dos reis mortos pareceu fazer diferença.

Os olhos castanhos do príncipe quase congelaram, quando ele finalmente viu quem estava ali.

― Olá, Príncipe Ethan. ― A figura de um homem moldou-se, detendo-se no meio do caminho do jovem. O herdeiro quase parou de respirar quando gemas douradas brilharam e o rosto do mork saiu das sombras. ― O meu nome é Raiden. ― As orelhas pontudas, e os olhos intensos como de uma besta selvagem, aquele homem sorrindo sádico a sua frente era um dos Três Príncipes Mork.

E foi então que tudo ficou preto.

Quando uma dor forte atingiu sua cabeça, quando estava há dois metros de distância do trono, tudo girou e então nada.

Simplesmente apagou.