Bishounen Senshi Sailor Moon escrita por Bella P


Capítulo 20
Capítulo 20




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Usagi girou sobre um joelho, colocando-se entre duas armaduras e fugindo do arco de corte da espada de uma delas, ao mesmo tempo em que rodava o cajado sobre os ombros, cortando no metal em pontos estratégicos, justamente onde seriam as juntas, fazendo os soldados de metal vazio caírem em pedaços no chão. Assim que eles foram derrubados, Usagi desconectou as espadas e cravou cada uma no peitoral das armaduras, onde seria o coração se essas criaturas possuíssem alguém dentro delas.

A única forma de derrotá-las era atingindo o coração, coisa que Usagi levou um tempo para descobrir, e não queria perder mais tempo pensando no que aquilo implicava. Como príncipe Selene, ele foi devidamente treinado para ser um nobre e um soldado. Como Usagi, a ideia de machucar as pessoas daquela maneira, mesmo que fosse questão de sobrevivência, que fosse uma guerra, e que o inimigo fosse literalmente latas vazias, ainda causava embrulhos no seu estômago.

Usagi levantou e uniu as espadas novamente. O chão do corredor agora era coberto por metal amassado ou cortado, espalhado em vários pedaços em forma de membros humanos. Ao longe, ele ouviu o clanc clanc de mais armaduras aproximando-se e grunhiu. Estava praticamente sem fôlego e, sinceramente, sem paciência. Portanto não foi com vergonha alguma que ele girou sobre os saltos e disparou corredor abaixo, colocando o máximo de distância entre ele e as armaduras.

Usagi correu até o momento em que a única coisa que ecoava nas paredes era o som dos saltos de suas botas contra o chão. Quando deu-se conta disto, ele foi desacelerando, até que parou de vez e deu um relance por sobre o ombro, não vendo nem sombra do inimigo. Suspirou aliviado, recostando em uma parede e apoiando uma ponta do cajado no chão enquanto usava a outra como escora.

Talvez tenha ficado um minuto naquela posição, talvez tenha ficado menos, mas enquanto ele recuperava o fôlego, os seus olhos atentos percorriam todos cantos escondidos por móveis e tapeçarias, não confiando em nada naquele castelo. Ele podia sentir o poder da Escuridão pulsando, como as batidas tranquilas de um coração, quase acalentador, tentando atraí-lo para o seu abraço frio e solitário.

Usagi franziu as sobrancelhas ao notar que as paredes eram completamente adornadas por quadros e tapeçarias que no começo ele pensou mostrar cenários simples, com pessoas desconhecidas mas, quando ele aproximou-e de uma das obras, viu o rosto sorridente de Serenity, sentada sobre a relva e com os raios do sol criando uma aura etérea ao redor dela. A outra pintura também era de Serenity, de costas para o pintor, dando um relance para ele e um olhar misterioso enquanto guiava pela mão, entre as barracas do mercado, alguém fora do enquadramento da pintura.

A obra seguinte era uma tapeçaria e estrelava, adivinha, adivinha? Serenity. Desta vez ela estava trajada como a rainha que Usagi lembrava, parada no alto de uma colina, majestosa sob a luz da lua.

O próximo quadro era uma cena meiga. Uma criança, talvez um ou dois ou três anos, de sorriso largo. Os seus olhos azuis eram cheios de vida e ele estendia os braços pequenos e rechonchudos para alguém fora do enquadro. As pontas dos dedos de Usagi tocaram com reverência a pintura, traçando as linhas formadas pela tinta. Aquele era Mamoru, ou Endymion, no momento mais doce de sua vida.

E foi ao ver o bebê sorrindo e, ao lado dele, o quadro dessa mesma criança mais velha, e então havia um rapaz e, no fim, um homem feito, e mais imagens de Serenity, várias e várias delas, aliás, que Usagi percebeu que aquilo não era uma simples arte. Havia pinturas de Serenity que alguém só conseguiria captar em um momento de intimidade e em nenhuma delas a rainha posava para o pintor. Todas eram naturais, e como pinturas levavam tempo, ou o pintor tinha uma ótima memória, ou era outra situação.

A última imagem, a maior de todas, adornando o corredor, era uma gigantesca tapeçaria com a imagem de Sailor Moon.

Bem, não Sailor Moon exatamente. Esta senshi não existiu dentro do ranking dos guerreiros da lua, mas a rainha, vez ou outra, vestia o uniforme que era característico à elas.

A tapeçaria era a rainha Serenity, em toda a sua glória, com o Milênio de Prata destruído e em chamas as suas costas. O seu cabelo praticamente soltava-e de seu penteado tradicional. Fios pratas caíam sobre o rosto bonito e triste, extremamente triste e marcado pelas lágrimas. A saia branquíssima de seu uniforme ondulava com o vento, ela segurava o centro onde em sua ponta brilhava o Cristal de Prata e os olhos claros pediam perdão.

Usagi ofegou, aproximando-se da imagem como se hipnotizado por esta. Ao dar um relance sobre o ombro para o corredor, percebeu que as artes expostas ali não eram simples pinturas, eram lembranças. Lembranças de Metalia, de momentos felizes, de momentos tristes mas, principalmente, de momentos com aqueles que lhe foram queridos.

Usagi poderia não estar consciente quando o Cristal de Prata resolveu revelar algumas verdades para Zoisite, mas ele assistiu de camarote todas as lembranças expostas pela joia. Cada momento feliz que pareceu passar em um segundo e cada momento sofrido que levou uma vida para terminar.

A Escuridão pulsando ainda o atraía e emanava com maior intensidade naquele ponto do corredor, Usagi empurrou a tapeçaria para o lado e esta expôs a parte de uma enorme porta de carvalho, a qual ele abriu com dificuldade.

O cheiro de rosas que o atingiu, assim que ele entrou no salão, era enjoativo e estrangeiro. As plantas haviam se espalhado pelo chão como ramas, escalado colunas, e com os seus caules espinhosos cravaram-se de forma dolorosa na pedra. Onde deveria estar o trono da rainha, o que havia era um enorme cilindro de cristal e a sua superfície era tão lisa que era possível observar claramente o que ele continha.

Metalia dormia dentro do cilindro, preservada com o cuidado e a delicadeza que alguém empregava para preservar uma boneca de porcelana rara. As rosas espalhadas pelo chão também formavam um emaranhado de flores e caules e espinhos ao pé do cilindro de cristal, lembrando um ninho de pássaro diante de seu formato, e elas pulsavam e brilhavam. As rosas no chão e nas colunas eram vermelho vivo, mas as que envolviam o pé da prisão de Metalia eram negras e brilhavam como a superfície de uma pérola.

Cuidadosamente, Usagi foi caminhando na direção do cilindro, evitando pisar nas rosas e procurando por espaços no chão que não estivessem ocupados pela planta. Quando chegou perto o suficiente, girou os ombros e apertou com força o cabo de seu cajado. Ele só precisava de um único golpe e tudo acabaria ali.

Ele ergueu a lâmina, pronto para cravá-la com a mesma ferocidade com que enterrou a arma no peito das armaduras mais cedo, mas assim que moveu-se em ataque, algo rodeou o seu pulso, o puxando. Usagi tropeçou diante do tranco, mas conseguiu manter o equilíbrio, quando virou, foi para encontrar-se sob o olhar irado de Beryl.

— Achou que seria tão fácil assim? – a mulher disse com desdém e Usagi arqueou uma sobrancelha para ela.

— Achei. – respondeu presunçoso, convocando o cajado da mão presa para a livre e cortou o chicote de espinhos com um girar da lâmina. Felizmente a armadura tinha braçadeiras, o que evitou que a arma de Beryl abrisse buracos em seu braço.

Beryl rosnou diante da petulância daquele garoto. Selene era o seu calo há milênios, a criatura que tirou dela a chance de finalmente ter o afeto do príncipe Endymion. Em que um rapaz poderia oferecer para o príncipe além de uma boa diversão na cama? Beryl daria um lar ao homem, herdeiros, e seria uma mulher digna de carregar a coroa de rainha, mas os seus planos foram por água abaixo quando Selene surgiu no cenário, fazendo os olhos do príncipe divergirem para o garoto. E até mesmo agora, até mesmo com novas vidas, novas identidades e história, os olhos de Endymion ainda desviavam para Selene.

Beryl ficou séculos e mais séculos condenada àquele castelo, não podendo sair deste com a mesma facilidade que os generais quando Metalia recobrou um sopro de consciência e poder o suficiente para abrir a barreira entre as duas realidades, mas ela sempre observou, no espelho de duas faces, a nova vida de Endymion.

Sim, Beryl sempre soube quem o príncipe era. Chorou com ele a morte de seus pais no acidente de carro, o acompanhou em cada vitória e derrota, manteve este segredo consigo porque sabia que a lembrança de Endymion poderia ser o suficiente para fazer os generais saírem de sob o controle da Escuridão, e urrou de ódio quando o inevitável aconteceu. Quando uma folha de papel amassada encontrou o rosto de Endymion e os olhos dele encontraram os de Selene e nunca mais desviaram.

O espelho de duas faces em seu quarto, apesar de poderoso e a única conexão dela com a realidade, não era tão preciso assim. Se fosse, teria lhe dito antes sobre quem Sailor Moon verdadeiramente era, e Beryl teria usado todas as forças possíveis para eliminar de vez aquela praga de sua vida, mesmo que isto esgotasse toda a energia do Reino Negro e eles levassem mais de dois mil anos para se reerguer e agora, ver o senshi, o príncipe que ela descobriu existir somente no último momento, quando a Terra invadiu o Milênio de Prata, rindo e zombando dela com aquele ar vitorioso, fazia o sangue borbulhar dentro de suas veias.

O chicote estalou, envolvendo-se no tornozelo de Sailor Moon, claramente o pegando de surpresa, e Beryl sorriu maldosa quando com um puxão o senshi foi ao chão, sobre espinhos que estavam há tanto tempo mergulhados em energia negra que perfuraram facilmente o uniforme do rapaz, fazendo sangue escorrer sobre a pele e manchar a sua roupa. Outro chicote surgiu na mão live de Beryl e ela o estalou no ar. Sailor Moon só teve tempo de girar sobre espinhos, ignorando o estrago que esses estavam fazendo em seu corpo, para evitar que a arma lhe atingisse a cabeça e abrisse o seu crânio.

Usagi puxou a perna ainda presa e Beryl deu um puxão de volta, claramente querendo arrancar o membro a força. O ataque surpresa poderia tê-o derrubado, mas não o fez perder a sua arma, que ele girou no ar e cortou o chicote, emitindo uma onda de choque ao mesmo tempo e Beryl só teve tempo de arregalar os olhos antes dela ser arremessada contra uma coluna e ter espinhos perfurando a sua pele. Usagi levantou aos tropeços e correu na direção do cilindro, girando sobre as pontas dos pés quando o seu instinto gritou em seus ouvidos e espinhos afiados passaram raspando em frente ao seu rosto enterraram-se na superfície de cristal do cilindro, quase atingindo Metalia. Usagi franziu as sobrancelhas e voltou–se para Beryl, que erguia-se vagarosamente e o mirava com puro ódio flamejando em seus olhos claros. O cabelo ruivo dela ondulava as suas costas, balançando devido a concentração de energia ao seu redor, e ela erguia os braços lentamente, invocando as rosas derramadas no chão, as presas nas colunas, transformando-as em um bolo de pétalas e espinhos.

Usagi disparou uma onda de energia que foi facilmente repelida pelo bolo desforme em frente a Beryl. As rosas ainda pulsavam com Escuridão e impediam o ataque. Usagi arqueou uma sobrancelha. Beryl parecia bem ocupada em seu surto de jardinagem, deixando Metalia completamente desprotegida. Com isto, ele sorriu e pôs-se a correr na direção do cilindro, apenas para soltar um “oof” sob a respiração quando um chicote de espinhos envolveu sua cintura e dorso, espremendo o ar para fora de seus pulmões, e então o arremessou contra uma parede. Usagi encontrou o chão de forma dolorosa e sentiu todo o seu esqueleto vibrar diante do impacto. O chicote o soltara em meio ao arremesso e agora era recolhido de volta para dentro da mão de um youma de uns dois metrôs de altura e feito somente de rosas.

O monstro não tinha face, mas botões das flores simulavam cabelo, os caules emaranharam-se de forma que braços e pernas exibiam a silhueta de músculos. O peito era largo e também musculoso e com espinhos protuberantes. E ele era feio, mesmo com as rosas o adornando, ele formava uma figura feia e mortal.

Usagi não ficou parado por muito tempo observando a nova criação de Beryl. Ao invés disto, ele espalmou as mãos no chão, tomou impulso e mesmo com os seus músculos protestando de dor, ele pulou para fora do caminho do ataque, pois os braços do monstro alongavam-se e iam em direção a Usagi como duas estacas afiadas, mas no fim eles somente acertaram o encontro do chão com a parede, onde o sailor estava segundo antes, e não perderam tempo permanecendo cravados na pedra, pois em seguida eles retraíram e esticaram-se de novo, investindo mais uma vez contra Moon, que tinha acabado de pousar no chão e mal girara sobre as solas dos pés, precisou dar outro pulo, saindo de novo da linha de ataque.

Sailor Moon pousou mais uma vez no chão, tropeçando sobre os própríos pés, e mais uma vez teve que dar um salto, saindo da direção dos braços-estacas. Ainda em meio ao pulo, ele girou o cajado no ar e a onda de energia e choque foi com violência contra o gigantesco youma. Uma barreira de energia negra circulou o monstro e Beryl, dispersando o ataque que espalhou-se pelo enorme salão, destruindo vidros de janelas, trincando colunas, arrancando cortinas de seus suportes e deixando a claridade da manhã e o vento gelado entrar no local.

Usagi aterrissou de forma desajeitada, tropeçando mais uma vez nos próprios pés, sentindo-se estranhamente tonto e letárgico. Quando ele piscou repetidamente e viu entre a visão embaçada o sorriso de triunfo de Beryl, percebeu que tinha algo extremamente errado naquele cenário. Ele cambaleou e ergueu um pouco o braço que parecia pesar como chumbo para avaliar os ferimentos em seu corpo, causados pelos espinhos de mais cedo. Esses ainda vertiam sangue, mas o mesmo estava misturado com pus e uma substância enegrecida e de cheiro adocidado e que fazia os ferimentos arderem.

Veneno.

Os espinhos eram envenados com Escuridão.

— Eu esperei mais de dois milênios por este momento. – Beryl soltou em um rosnado. – Minha vingança por toda a humilhação que você me fez passar. Pela prisão a qual você me condenou.

— Humilhação? – Usagi perguntou e a sua língua parecia estranhamente dormente. Os olhos verdes de Beryl brilharam de puro ódio.

— Faz ideia do que é ser rejeitada? Eu era a mais bela das nobres da corte da Terra. A minha mão era cobiçada por todos. Quando Metalia me escolheu para ser a futura rainha, a honra foi inexplicável. Quando Endymion me rejeitou por causa de outro homem, a vergonha foi incomparável. Eu fui a fonte dos gracejos da corte, as pessoas riam as minhas costas e na minha cara. Beryl, que sempre teve tanto orgulho de sua posição e beleza, rechaçada porque não tinha o que era necessário para atrair o príncipe da Terra!

— O quê? Personalidade? – Usagi não conheceu Beryl pessoalmente em seus tempos de Selene, mas agora recordava-se vagamente dela. Ou do que ouvira sobre ela. A mulher era conhecida na corte terrestre, filha de um general que servia junto a Metalia, um conselheiro e nobre. A sua beleza realmente fazia os bardos criarem sonetos em seu nome, portanto ninguém surpreendeu-se quando Metalia a escolheu como noiva de Endymion. Mas todos surpreenderam-se quando Endymion disse não. Os outros boatos que rolavam também, sussurrados pelas sombras e becos, era que Beryl foi escolhida porque ela era bem parecida com a rainha Metalia. Uma mulher de temperamento difícil, personalidade desagradável, atitudes suspeitas, e que levaria o príncipe em rédeas curtas.

Usagi quis encontrar Beryl e arrancar-lhe a cabeça naquela época, porque ele sabia exatamente o que Metalia planejava. A rainha queria dar a Endymion o mesmo destino miserável que ela teve, o mesmo casamento infeliz, com uma pessoa amarga e traiçoeira. A rainha queria destruir Endymion da mesma forma que ela foi destruída, e Usagi não iria deixar isto acontecer. Beryl não sentia-se humilhada pelo fato de ter sido rejeitada e trocada por um homem que, à época, até onde todos sabiam, era apenas um simples camponês. Ela sentia-se humilhada porque os seus planos de grandeza e dominação foram por água abaixo graças a Selene. E a história estava se repetindo.

Beryl não amava e nunca amou Endymion. Para ela, o príncipe era uma posse, uma joia rara a qual ela queria ter para si e manipular ao seu bel prazer. Usagi apertou os dedos ao redor do cabo de seu cajado, sentindo não apenas o sangue pulsando quente em suas veias como também a energia do Cristal de Prata, correndo por sob músculos, expurgando o veneno das rosas de seu corpo, trazendo pouco a pouco o seu controle e lucidez de volta.

Beryl recuou um passo, a expressão de triunfo em seu rosto morrendo pouco a pouco quando ela percebeu que Sailor Moon não parecia tão desorientado quanto antes. Na verdade, os olhos azuis a miravam com uma fúria estrangeira, uma fúria que ela não tinha ideia de que o rapaz era capaz de sentir.

A mulher ouvira histórias sobre a princesa da Lua, quando todos presumiam que Serenity havia tido uma herdeira, como de praxe. Os boatos eram de que a princesa era uma jovem belíssima, de longos cabelos dourados e expressivos olhos azuis. Seu complexo pálido e pele perfeita lembrava porcelana. Ela era de gestos comedidos, voz suave e carregada de doçura e encantamento. Havia inocência em seu olhar e os seus sorrisos sempre deixavam todos a sua volta encantados. Ou seja, a jovem herdeira era a personificação perfeita da palavra “princesa”, e Beryl a odiava. Embora a jovem não representasse nenhuma ameaça concreta, pois Metalia jamais criaria uma aliança entre os dois reinos sugerindo a união dos herdeiros do trono, Beryl ainda sim a odiava e a invejava, porque a princesa causava tanto furor no coração dos homens quanto ela, e a maioria dos terráqueos jamais colocaram os olhos nela. Portanto, mesmo após ter descoberto que a dita princesa não existia, mas que era sim um príncipe, Beryl ainda manteve em sua cabeça a ideia de que o príncipe da Lua era tudo aquilo que ela ouviu a princesa ser: doce, gentil, inocente, indefeso.

Selene não era doce. Não havia doçura nenhuma no modo como ele a olhava, ou inocência e bondade, e ele estava longe de ser indefeso. Também não havia crueldade, mas a determinação que contorcia o seu rosto em fúria, fazia a energia estalar ao seu redor e ele separar o cajado em duas espadas, colocando-se em posição de ataque, mostrava que Beryl havia julgado mal a situação. O reino da Lua tinha a mesma tradição que o da Terra: o de treinar os seus herdeiros do trono para serem políticos, diplomatas e guerreiros. A própria rainha Serenity vestia o manto de sailor senshi vez ou outra, e Beryl convenientemente esqueceu de que a princesa faria o mesmo um dia, portanto teria que ser preparada de acordo. Mas o modo com que todos a descreviam a fazia parecer tão frágil que a tornava uma candidata inapropriada para ser uma sailor. Portanto, se a princesa era um príncipe, o destino dele não seria diferente e provavelmente foi mais árduo.

Beryl podia imaginar o que era ser um homem nascendo dentro da longa linhagem matriarcal das Serenitys. Será que ele foi rechaçado? Provavelmente não, os selenitas respeitavam como ninguém a sua família real e aqueles que não o faziam, com certeza temiam o poder da rainha o suficiente para ficarem de boca fechada. Mas se não foi rechaçado, de alguma forma o príncipe foi menosprezado. Onde na Terra as mulheres eram consideradas inferiores e frágeis, na Lua os homens eram criaturas selvagens e de emoções descontroladas, para quem não era seguro ou confiável entregar o poder. Selene com certeza teve que lutar com unhas e dentes, suar sangue e engolir as lágrimas para provar que ele era merecedor do trono, para provar que ele era exceção a uma regra que existia somente na cabeça dos selenitas, e isso com certeza o tornou o completo oposto da princesa que a rainha Serenity pintou para os reinos do primeiro quadrante da galáxia.

Talvez esta tenha sido a intenção dela por todo este tempo. Serenity apresentou as cortes vizinhas uma princesa que era o completo oposto do príncipe, o que jamais faria as pessoas descobrirem a verdade, não enquanto ela assim o desejasse.

Beryl fez um gesto brusco com o braço, o recolhendo de forma como se estivesse puxando algo, e estava. O youma, que preparava-se para outra investida contra Sailor Moon, foi arrastado por uma força invisível até a rainha. O seu corpo foi desmanchando pouco a pouco e as rosas e seus caules retorcidos desfizeram os seus nós e serpentearam a mulher de forma lenta e fascinante, até formarem uma armadura viva ao longo do peito e braços dela. Uma espada de rosas cresceu na mão direita de Beryl e Usagi afastou mais as pernas, centrando o peso do corpo, e ergueu os braços com as espadas.

Um segundo tenso passou, sem nenhum dos dois se movendo. E então o vento soprou, trazendo um único floco de neve para dentro do salão, floco que pairou no ar e foi descendo, em uma contagem regressiva, e assim que ele tocou o chão, ambos partiram para ataque, com as suas armas chocando com violência o suficiente para a energia desprendida destruir tudo a sua volta como a explosão de uma bomba atômica.

 

oOo

 

Os sailors e Mamoru pararam de correr quando o terremoto os atingiu. O chão tremeu com intensidade, as paredes trincaram, farelos de areia e pedra caíram sobre eles, enquanto quadros desprendiam-se das paredes, movéis eram derrubados e um sopro de vento poderoso veio pelo corredor e quase os derrubou. Um guincho agudo ecoou por todo o lugar, tudo parou de balançar por um segundo, o silêncio imperou por outro segundo e então Júpiter agarrou Mercúrio pela cintura quando outro tremor mais violento fez-se conhecer, desprendendo um bloco de pedra que teria esmagado a senshi se o outro sailor não tivesse sido rápido o suficiente para tirá-la do caminho.

— O que está acontecendo? – Mercúrio perguntou, chocada. A tela em frente ao seu olho esquerdo mostrava números e cálculos absurdos. O desprendimento de energia era surreal, como se duas estrelas de primeira grandeza estivessem batendo uma contra a outra repetidamente.

— Vamos! – Mamoru ordenou. Ele sabia que poder era aquele que parecia penetrar sob a sua roupa, seus poros, querendo invadir o seu corpo. Ele o sentira na invasão da Terra ao Milênio de Prata, antes da bola de fogo levar a sua vida. Ele sentira quando Metalia e Serenity encontraram-se, finalmente, em campo de batalha, e ele sabia que fim isto levaria e ele precisava impedir isto. Luz e Escuridão deveriam andar lado a lado, oferecendo equilíbrio um ao outro, mas jamais se misturar ou entrarem em conflito.

Mamoru voltou a correr, porque ele sabia que o que estava acontecendo, o castelo tremendo ao redor deles, sendo destruído pouco a pouco, a energia que pulsava, os sufocando, era indicação de que estavam perto, bem perto, de Sailor Moon.

— Mas que diabos! – Marte ofegou ao frear em um deslize em frente ao que deveria ser a porta de acesso ao salão do trono, mas tudo o que havia era uma enorme tapeçaria queimada, e com a imagem irreconhecível, no chão, um buraco onde um dia esteve a porta, dando visão a um salão que não tinha mais as suas paredes e coberto de neve, rosas, e com um cilíndro de cristal milagrosamente intacto, na plataforma do trono, onde Metalia ainda dormia.

Sailor Moon não estava em nenhum lugar a vista, isto até que um cometa desceu a toda velocidade, atingindo o chão e criando um considerável buraco neste. Um outro cometa seguiu o primeiro, deixando um rastro de luz as suas costas, e chocou-se com aquele caído. Outra explosão ocorreu, neve e poeira ergueram-se do chão, formando uma cortina branca que cegou a todos por um minuto e então, quando tudo abaixou, senshis e Mamoru viram Sailor Moon, apoiado em um único joelho, no centro da cratera, com a lâmina de seu cajado fincada de forma tão profunda no chão que se quem ele intecionasse atingir ainda estivesse ali, o mesmo já estaria morto.

— Beryl. – Mamoru ofegou quando percorreu os olhos pelo salão a procura da mencionada. Obviamente que Usagi atacava alguém, pois ele era o segundo cometa que foi de encontro ao chão, após a queda do primeiro. Quando ele procurou o alvo do Sailor, encontrou a mulher cambaleando, ferida, com uma armadura de rosas e espinhos em frangalhos, mas com determinação e o apoio da Escuridão ainda a mantendo em pé.

— Usagi! – Vênus gritou e Mamoru achou que por um momento Sailor Moon iria ignorar o chamado da senshi. Usagi parecia desconectado do próprio corpo, agindo de uma forma que ele nunca pensou que o garoto agiria, não pelo que se lembrava do rapaz sorridente e atrapalhado.

E então Mamoru lembrou, uma memória que lhe tirou o ar como um soco na boca do estômago, lembrou de todas as vezes em que ele provocou Usagi, o atiçou, porque queria ver o garoto perder o controle, precisava ver os olhos dele brilhando de fúria e força contida, o verdeiro temperamento dele que não era em nada parecido com a fachada doce que ele mostrava para o mundo. Ele provocava Usagi porque, incoscientemente, ele sabia que havia alguma coisa muito errada com o jovem, porque, incoscientemente, ele queria ver Selene.

Selene não era contido, não era de medir palavras, não era de ficar quieto diante de uma injustiça, de deixar-se influenciar facilmente, de sorrir quando algo lhe desagradava, fingindo que isto não o magoara. Selene era de tiradas ácidas, personalidade forte e genioso. E poderoso, extremamente poderoso. Mamoru, como Endymion, sempre sentiu a energia de Selene pulsar ao seu redor, sabendo que o rapaz mais novo poderia ocultar aquele poder se assim quisesse, mas não o fazia não porque era inexperiente no assunto, mas porque era energia demais para ele conseguir controlar por completo.

No auge do reino da Terra e da Lua, magia não era algo inédito aos seus povos. O conhecimento de que havia vida inteligente em outros planetas dentro da galáxia, também não. O fim dos dois reinos levou o planeta a uma regressão tecnológica e cultural diante da perda de grandes conhecimentos que foram adquiridos naquela época, levando a humanidade a acreditar que magia e deuses eram apenas mitos e lendas e que só havia nove planetas no sistema solar e que a Terra era o único com população evoluída. E pela magia ser uma prática comum, a habilidade de sentir a energia de seus praticantes, também. Endymion sempre acreditou que o que o atraiu a Selene foi mais do que o rosto bonito, a personalidade forte, os lábios tentadores, mas sim o poder que ele emanava, que procurava o seu, que os entrelaçava, unindo as suas auras e as suas almas para sempre.

O mesmo poder que Sailor Moon agora desprendia sem nenhum pudor.

Usagi ergueu a cabeça diante do chamado de Vênus que somente apontou para algo a direita do rapaz. Assim que ele virou para ver o que ela mostrava, Mamoru viu os ombros dele tensionarem e descobriu o porquê ao seguir a linha de visão de Usagi.

O cilindro de cristal que prendia Metalia apresentava várias fissuras em sua superfície e de onde vazava uma névoa negra que espalhava-se por sobre chão, serpenteando os escombros como uma cobra prestes a dar o bote.

— Merda. – Usagi xingou, para a surpresa de todos, e saltou para fora da cratera, pousando elegantemente ao lado de Mamoru. Os olhos azuis dele estavam fixos na névoa que tomava um caminho bem distinto: ela seguia na direção de Beryl, subia pelo corpo dela, penetrava as suas narinas e boca e a possuía sem nenhuma piedade.

— Por favor, me digam que não está acontecendo o que eu penso que está acontecendo. – Júpiter resmungou.

— Que Metalia está possuindo Beryl? – Marte respondeu, com os olhos largos fixos na cena macabra que acontecia a poucos metros. – Yep! Acho que é isto mesmo. – Júpiter virou para Marte com um olhar de descontentamento.

— Alguém já lhe ensinou o conceito de “pergunta retórica”? – disse, com sarcasmo gotejando de sua voz e recebeu como resposta de Marte um largo sorriso de escárnio e um sonoro:

— Yep!

— Certo. – Vênus virou na direção de Moon, o mirando com intensidade. – Qual é o plano? – Usagi arqueou as sobrancelhas para a jovem, surpreso diante da pergunta dela. Vênus era a verdadeira líder dos senshis, então não seria ela a elaborar os planos? Minako rolou os olhos, lendo na expressão dele os pensamentos que passavam pela sua cabeça. – Você não teria vindo diretamente para o salão do trono, depois de saber que estávamos aqui, se já não tivesse um plano em mente. – Sailor Moon sorriu matreiro para ela e separaou o cajado em duas espadas.

— O plano é fazer aquilo que Serenity não fez. – declarou e passou o olhar por sobre cada senshi, que assentiu positivamente para ele, até chegar a Mamoru. – Mamoru? – ele chamou o homem cujos olhos estavam fixos no cilindro de cristal, ao invés de Beryl retorcendo-se a um canto do salão praticamente destruído, enquanto era possuída pela Escuridão e por Metalia. – Mamoru? – ele chamou novamente, em um tom mais brando, até que o homem virou para encará-lo. – Você sabe que é o único jeito, não sabe? – disse baixinho. Usagi entendia o conflito que Mamoru sentia. Embora Metalia não fosse a mãe dele nesta vida, ainda sim foi a mãe dele em um passado que, a medida que as memórias voltavam para todos, não parecia tão distante.

— Não. – Mamoru disse com uma inspirada profunda de ar, para recuperar a calma e o controle de suas convicções. – A mulher que eu chamei de mãe no passado deixou de existir no momento em que permitiu que a Escuridão a tomasse. – completou com armagura. Mamoru quis acreditar, até o último momento, que Metalia tinha salvação, e foi isto que o iludiu, foi isto que o deixou cego por tanto tempo e os seus olhos somente foram abertos quando um dia ele acordou com o poder do Cristal Dourado pulsando dentro de seu corpo.

O Cristal Dourado só passava para o próximo na linha do trono quando o guardião prévio assim desejasse, ou morresse. Se fosse o primeiro caso, existia um protocolo, uma cerimônia, uma comemoração que durava três dias, junto com o solstício de verão. O Cristal só procuraria um novo guardião de forma espontânea, com o prévio ainda vivo, se o prévio não fosse mais digno de empunhá-lo. Portanto, foi neste dia que ele percebeu que perdera Metalia como mãe e que não foi com nenhum arrependimento que ele correu para o Milênio de Prata não apenas para ajudar a proteger o reino, mas para salvar o amor de sua vida.

Beryl parou de convulsionar e isto pôs todos em alerta. Quando ela reabriu os olhos, esses não eram mais o verde oliva de antes, mas sim claro como a relva. O seu cabelo ruivo tinha escurecido e as suas feições pareciam mudar de acordo com o jogo de luz e sombras sobre o seu rosto. O seu vestido continuava o mesmo, assim como a armadura de rosas, mas a pele estava mais pálida, o sorriso nos lábios carnudos e vermelhos era maldoso, assim como o brilho em seus olhos. Ela deu uma profunda inspirada, tragando o ar frio, e o seu rosto era puro deleite, como se fosse a primeira vez que ela sentia a brisa contra a face e o ar gelado queimando os seus pulmões. E, provavelmente era, depois de milênios presa em uma tumba de cristal.

Usagi deu um relance para o cilindro e um espasmo correu o seu corpo diante do choque ao ver o corpo esquelético dentro do cristal. A pele murchara de modo que lembrava couro velho, a roupa tinha apodrecido e estava puída. O que antes era a forma física de Metalia, agora era apenas uma múmia decrepita pelo tempo. Mamoru remexeu ao seu lado, erguendo a espada, e a atenção de Usagi voltou para Beryl. Não, Metalia. Metalia que vinha na direção deles, com os saltos de seus sapatos ecoando no chão, com miasma e Escuridão rodeando as suas pernas. Um trovão ressoou e o céu claro escureceu com nuvens negras. Vênus estalou a sua corrente, eletrecidade corria sobre os braços de Júpiter, estacas de gelo surgiram nas mãos enluvadas de Mercúrio e Marte conjurara ofudas do além.

— Sailor Moon. – Marte o chamou. – Qual é o plano? – repetiu a mesma pergunta de Vênus de mais cedo, com os seus olhos azuis, quase violetas, não desviando de Metalia que parecia bem despreocupada, indo lentamente na direção dos senshis que estavam todos em postura de ataque.

Usagi engoliu em seco. Qual era o plano? Planejar nunca foi um grande forte seu. Geralmente ele seguia os instintos e deixava estes o guiarem e, até agora, este plano estava dando certo.

Uma mão pousou em seu ombro e ele viu o seu olhar ser capturado pelo de Mamoru, que lhe deu um sorriso confiante.

— O que você precisa fazer? – ele perguntou e Usagi engoliu em seco mais uma vez antes de responder.

— Eu preciso chegar perto o suficiente de Metalia para dar o golpe final. – o problema era que ele sabia que chegar perto da rainha não seria nada fácil. A Escuridão pulsava dela e espalhava-se por todo o ambiente em ondas, embrulhando o estômago de Usagi, o deixando tonto, e de rabo de olho ele via que os senshis estavam sofrendo o mesmo efeito desagradável, porque eles tentavam lutar contra a influência da Escuridão da mesma forma que Usagi lutava.

— Considere feito. – Mamoru rebateu em um tom confiante, erguendo a espada e a segurando com as duas mãos.

— Mamoru! – Usagi segurou no braço do homem antes que ele investisse contra Metalia. – Eu... – engoliu o que iria dizer. Ele o quê? Declararia o seu amor eterno ao homem? Não era bem assim que as coisas funcionavam. Usagi gostava de Mamoru, era verdade, mas não acreditava que o seu gostar ainda estava no nível dos sentimentos de Selene para Endymion, embora soubesse que com o tempo eles chegariam lá. A ligação entre eles era forte demais para a consequência do relacionamento entre eles não ser amoroso.

Mamoru sorriu para Usagi.

— Eu sei. – respondeu. Sabia o quê? Usagi quis perguntar, mas o homem já investia contra Metalia e os senshis o seguiram com a mesma ferocidade de Mamoru em seus movimentos.

Usagi voltou a unir as suas espadas e o Cristal retornou para o seu casulo no ponto de conexão entre as duas armas. Com uma inspirada profunda, ele desviou o olhar do encontro entre Metalia, Mamoru e os senshis, para o céu enegrecido e antes dele mesmo partir para a batalha, enviou uma última prece aos céus.

— Serenity. – pediu sob a respiração. – Nos ajude. – e atacou.


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