Bishounen Senshi Sailor Moon escrita por Bella P


Capítulo 11
Capítulo 11




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Usagi nunca foi um adepto da filosofia zen. Meditação e alcançar a paz interior não eram bem o seu negócio, mas todos os sites sobre o assunto, que encontrou na internet, diziam que era a melhor maneira de relaxar, limpar a mente, alinhar os chakras e entrar em equilíbrio com o seu eu interno. Usagi não entendeu metade do que leu, mas achou que era uma opção válida para tentar buscar em suas lembranças algo de seu passado, porque ele sabia que as memórias ainda estavam lá, trancadas por alguma razão que iam além dos poderes do Cristal de Prata e do ciclo de reencarnação. Minako lembrava-se de sua vida passada e até mesmo Rei, Makoto e Ami estavam mostrando sinais de estarem recordando cada vez mais do Milênio de Prata, embora eles tenham comentado que as lembranças eram desconexas e muitas vezes vinham durante um estado de inconsciência, geralmente durante o sono, como sonhos que, ao acordarem, eles sabiam ser reais, mas que não conseguiam apegar-se por completo, mantê-los nos arquivos da memória.

Por isso da meditação.

A técnica levava a um estado de inconsciência consciente. Usagi não iria dormir, mas iria relaxar o suficiente para conseguir tranquilizar a mente a ponto de fazer essas recordações alcançarem a superfície.

A música ambiente foi especialmente escolhida para a ocasião, o USB piscava na pequena caixa de som que ecoava pelo quarto uma melodia suave e hipnotizante, as cortinas estavam arriadas, escurecendo o ambiente e apenas um abajur estava aceso. Usagi estava sentado sobre a cama, com as pernas cruzadas e os braços relaxados sobre as coxas. A respiração era compassada, o peito subia e descia de forma ritmada e ele sentia a consciência o deixando, mas não da forma que acontecia quando as pessoas adormeciam, porque ele ainda podia sentir o vento do ventilador em seu rosto, ainda ouvia a melodia ao longe, ainda tinha plena ciência do tecido de sua camisa e bermuda roçando em sua pele, mas a inconsciência chegava pouco a pouco. A escuridão que encontrava-se a sua mente vazia estava sendo vagarosamente quebrada por um ponto de luz, abrindo-se como uma onda formada por uma pedra arremessada sobre um lago antes plácido. Era uma lembrança, Usagi tinha a certeza disto. Além do ponto de luz que aumentava, ele via silhuetas, vultos passando, desfocados e pouco a pouco entrando em foco, diante dos seus olhos.

Um corredor apareceu, com enorme vitrais entreabertos e mostrando ao longe a visão esplendorosa da Terra.

— Selene? – alguém o chamou e Usagi virou-se na direção do som da voz. Estranhamente, em sua visão, ele não estava como Sailor Moon do Milênio de Prata, a sua versão prévia e feminina, mas sim apenas como Usagi. Nem mesmo os trajes de senshi usava, mas, ainda sim, vestia roupas formais e de épocas antigas.

Na sua frente havia uma mulher cujo vestido amarelo claro lembrava o tom do girassol. O cabelo era negro e descia em ondas pelas suas costas magras. Os olhos âmbares eram familiares e somente quando Usagi mirou o sinal de meia lua no meio da testa pálida, que identificou quem lhe falava.

Luna. Aquela era Luna. Aquela era a forma humana de Luna.

— Rainha Serenity solicita a sua presença no salão real. – a gata... humana, selenita? Bem, a conselheira disse e o rosto de Usagi torceu-se em uma careta de desagrado. O salão real estava servindo de anfitrião para um jantar diplomático que tinha como um dos convidados o príncipe da Terra. O coração de Usagi acelerou diante dessa lembrança.

O príncipe da Terra. O homem que lhe era familiar tanto nesta vida quanto na passada.

Usagi deu um passo na direção de Luna, na intenção de ir para o salão, porque ele precisava conhecer este príncipe, mas então parou quando viu o seu reflexo na superfície de vidro de um armário espelhado, cheio de jogos de porcelanas decorados, atrás de Luna.

Quem o encarava de volta era um homem feito. Ainda era Usagi, mas um Usagi ao menos uns cinco anos mais velho da idade atual. Mais alto, de ombros mais largos, ainda magro, o cabelo mais curto do que estava no momento, vestindo roupas formais semelhantes ao seu uniforme de Sailor, mas sem as ombreiras e a bota de cano longo. A roupa era toda em um tom azul gelo e com fios prateados a decorando em pontos estratégicos. Seu cabelo curto estava levemente arrepiado nas pontas, os olhos continuavam no mesmo tom de azul, mas pareciam destacar-se com intensidade em sua pele ainda mais pálida.

— Selene? – Luna repetiu, o chamando pelo que Usagi supôs ser o seu nome selenita. Usagi piscou e voltou a encarar a conselheira.

— Estou indo. – declarou, tomando o caminho do salão e nem ao menos se questionando como sabia o caminho do salão. Atrás de si, ouviu o eco dos saltos do sapato de Luna que, divertidamente, não era tão silenciosa na forma humana quanto era na de gata.

Em poucos minutos ele chegou as portas do salão. Enormes portas feitas de metal em um tom esbranquiçado. Aliás, tudo no Milênio de Prata era feito de metal, vidro ou rocha e em tons de prata para branco. A lua não tinha florestas para prover madeira como matéria-prima e a cor das construções serviam como camuflagem dentro do território desértico e de areias brancas que era a superfície lunar.

Usagi levou a mão a maçaneta, notando que esta tremia levemente. Ao abrir a porta ele encontraria a rainha Serenity mas, principalmente, o príncipe da Terra. E ele sentia, pulsando no fundo de seu ser, que ele precisava conhecer, ver o rosto, do príncipe da Terra.

— Selene? – Luna chamou às suas costas e a voz dela foi ecoada por outra.

— Usagi?

— Selene? – Luna repetiu, novamente sendo ecoada por alguém.

— USAGI? – e Usagi abriu os olhos em um estalo e deu um pulo na cama ao ver o rosto do irmão Shingo tão próximo do seu. Shingo recuou quando viu o irmão sair de sobre o colchão em um gesto ágil, desligar o aparelho de som e abrir as cortinas em dois puxões violentos. As mãos de Usagi tremiam e ele ofegava, apoiando no beiral da janela e de costas para o irmão caçula.

Shingo não reconhecia este Usagi. Havia algo no irmão que estava diferente, anormal.

Shingo confessava que sempre invejou Usagi, pois sabia muito bem a história por detrás da concepção do irmão. Não todos os detalhes, obviamente, pois ainda era novo demais para entender deste assunto, mas sabia que, para a mãe deles, Usagi era o pequeno milagre dela. O bebê tão esperado depois de várias tentativas frustadas. Shingo? Shingo era a rebarba, um golpe de sorte, mas não uma surpresa boa como Usagi foi. Fora que Usagi destacava-se de Shingo somente por existir. Ambos os irmãos eram fisicamente parecidos, mas o cabelo de Usagi tinha um tom dourado diferente do de Shingo, um tom que lembrava ouro polido, e os olhos azuis brilhavam mais, eram mais intensos. Os de Shingo eram pálidos e sem graças Usagi tinha uma pele de alabastro carente de uma espinha que fosse, Shingo já apresentava no seu rosto as primeiras mudanças hormonais da adolescência, com pequenas inflamações aqui e acolá.

Usagi era alto, de corpo esguio e atlético e as meninas suspiravam quando ele passava. As colegas de escola de Shingo faziam questão de fazer parte de seus grupos de trabalho porque queriam conhecer a casa dos Tsukino, queriam ver Usagi de perto e suspirar apaixonadamente pelo garoto.

Usagi era perfeito aos olhos de muitos, mas Shingo sabia muito bem que aquela perfeição toda escondia um desastre em forma de gente. Por isso que Shingo deliciava-se, de forma maldosa, com o fato do irmão ser desastrado, ser relaxado, ser burrinho... Não, burrinho não. Usagi era inteligente, mas era preguiçoso. Mas a inteligência dele era um dom natural que ele não usava. Enquanto Shingo esforçava-e para trazer boas notas para casa, Usagi só precisava de uma semana de estudo intenso, ao final do ano letivo, para passar com 100 em todas as matérias, para o desespero de Ikuko que não entendia por que o filho não empenhava-se desta maneira com os estudos no restante do ano.

Mas nos últimos meses tudo andava diferente, para o desespero de Shingo. Todos adulavam e idolatravam Usagi porque ele era doce, carinhoso, bonito, gentil, inocente. Shingo sabia que todas essas qualidades eram uma fachada. Ele via o verdeiro Usagi dentro de casa, quando provocava o irmão, o alfinitava de modo que via o rosto adquirir um tom rubro e ele começava a gritar, e espernear, e dar caretas para Shingo como uma criança. Dentro de casa Usagi tropeçava nas coisas, acordava atrasado para a escola, engolia a comida como uma draga, não tinha nem um pingo de educação à mesa, fazia birra à toa e era temperamental.

E então, os defeitos foram morrendo pouco a pouco.

Usagi não mais tropeçava. Quando Shingo o provocava, o irmão apenas o olhava longamente, como se tentando ver alguma coisa a mais entre as palavras de Shingo. Às vezes, para o pavor do menino, Usagi o olhava como se não o reconhecesse, para então piscar, voltando a realidade e dar as costas para o irmão, sem retrucar uma única vez. O episódio do hashi, a primeira indicação para Shingo de que as coisas estavam diferentes, ainda fazia o seu coração sobressaltar dentro do peito quando ele lembrava do acontecido. Shingo sabia que Usagi não iria feri-lo, mas ele viu, no modo como o irmão segurou com força os palitos quebrados, que Usagi poderia feri-o se assim desejasse e faria isto com gosto se fosse para dar uma lição de boas maneiras, nem que fosse a força, no menino mais novo.

— O que você quer, Shingo? – Usagi perguntou ao virar-se, mais calmo e em completo controle de seu corpo e emoções. Vê-lo assim fazia Shingo lembrar-se que ainda havia esta questão. Usagi parecia ter crescido da noite para o dia, amadurecido em um piscar de olhos, e quando a mãe deles comentou isto com o pai deles, Kenji deu de ombros, falando que era normal.

“Dizem que meninos demoram para amadurecer, mas que quando isto acontece, acontece em um piscar de olhos. Uma hora a idade alcançaria Usagi.” O homem explicara para a esposa, mas Shingo, que bisbilhotava a conversa dos pais escondido nas sombras, no topo da escada, achava que era mais do que isto.

Usagi ainda tinha quinze anos, dezesseis em poucos meses, mas parecia que ele tinha pulado dos quinze para os trinta da noite para o dia. Algo nos olhos do irmão mostrava a Shingo que aquela alma brilhante e brincalhona não estava mais lá. Agora, em seu lugar, havia algo mais antigo e sofrido.

Shingo confessava que sentia saudades do antigo Usagi. Ao menos aquela versão do irmão ele conseguia compreender melhor.

— Mamãe está chamando para o jantar. – respondeu e Usagi assentiu com a cabeça, desligando o ventilador e passando por Shingo sem dar um relance ao menino, saindo do quarto.

Ainda era início de Março, mas uma onda súbita de calor assolara Tóquio e Usagi suspeitava que a estranha mudança climática devia-se a Metalia que pouco a pouco conseguia libertar-se de sua prisão. Luna comentara em como os poderes da mulher poderiam afetar o ecossistema da Terra e Minako dissera que Metalia foi rainha da Terra no passado, uma posição semelhante a Serenity da Lua. Logo, alguma influência sobre este planeta ela teria.

— Por que ele faz isto comigo? – a voz de Ikuko, irada de um modo que só Usagi conhecia, chegou aos ouvidos dele enquanto ele descia as escadas. Shingo também parou a descida quando ouviu os gritos da mãe. – Por que ele deixa tudo para últitma hora? Que tipo de irresponsabilidade é esta?

— Ikuko... – Kenji tentou aplacar a mulher, em vão. Ikuko era um doce de pessoa, mas de gênio forte como os filhos. Não era de perder a paciência fácil, mas quando perdia... E Usagi adorava testar o limite da paciência da mãe. O problema era que Ikuko deixava-se afetar de forma muito fácil. Ela sabia exatamente como o filho mais velho era e Usagi deixar tudo para a última hora não era uma novidade, era o modus operandi dele, então por que Ikuko ainda se abalava com isto?

— Ele vai fazer dezesseis anos! Sabe o que eu fazia aos dezesseis anos?! Eu tinha um emprego, eu ajudava a minha mãe a cuidar da casa, dos meus irmãos mais novos, eu pagava contas, eu tinha notas altas na escola, eu era a primeira da classe! Eu agia conforme a minha idade! O que Usagi faz? Gasta a mesada que ele não suou nem uma gota para ganhar em mangás e sorvetes! Gasta a tarde inteira naquela estúpida loja de games ao invés de estudar! Briga com o irmão mais novo como se tivesse dez anos ao invés de dezesseis! Age como uma criança mimada que me faz perguntar dia após dia “onde foi que eu errei?”!

Usagi tricou os dentes e cerrou os punhos, terminando de descer as escadas a passos pesados. Este discurso da mãe era antigo, era o mesmo discurso que ela dava todo ano quando Usagi voltava para casa com o boletim final da escola cheio de notas acima de 90 e declarando que tinha passado de ano, mais uma vez, mesmo que raspando. Era o mesmo discurso que ela dava quando via o filho chegar em casa ao anoitecer com mais um mangá sob o braço e sem apetite porque passara a tarde no Arcade jogando e se entupindo de guloseimas.

Os gritos de Ikuko cessaram quando ela ouviu os passos pesados aproximarem-se da sala. Em uma mão, ela brandia o boletim de Usagi na direção de Kenji, a outra estava fechada em um punho cerrado como o do filho.

Usagi tinha os olhos estreitos e brilhando de raiva direcionados para a mãe. Não era a primeira vez que ouvia este discurso, mas era a primeira vez que as palavras dela o afetavam de uma forma que ele não conseguia explicar. Usagi sempre teve aversão a palavra “responsabilidade”, pois as implicações que esta trazia sempre o sufocava. Ser responsável para ele era sentir-se preso, confinado, como se usasse sapatos apertados que machucavam os seus pés mas não podia tirá–los porque o chão no qual pisava estava em brasas. Usagi detestava responsabilidade porque algo no fundo dele dizia que ser responsável não era uma boa opção. Não agora que ele estava finalmente livre.

Livre do quê, ele não saberia dizer.

— Usagi... – Kenji disse o nome do filho em seu usual tom apaziguador. Uma briga entre Usagi e Ikuko sempre era motivo para manter distância. A mesma costumava ser homérica e terminava com muitos orgulhos feridos e corações partidos.

Usagi respirou profudamente ao ouvir o tom apreensivo do pai e forçou-se a relaxar o maxilar e abrir os dedos cerrados lentamente. Não valia a pena. Essa briga era sempre uma batalha perdida e que no final só servia para ferir a si próprio e a Ikuko. Além do mais, ele tinha outras preocupações no momento do que os ataques que a mãe gostava de dar.

— Eu vou dar uma volta. – Usagi declarou, tomando o caminho da porta e recolhendo carteira e chaves de sobre o aparador perto da entrada, enfiando os pés de forma desajeitada nos tênis sobre o tapete e abrindo a porta com um tranco.

— Negativo, jovenzinho! – Ikuko gritou, indo atrás do filho. – Você não vai escapar assim tão fácil! – e o segurou pelo braço, o virando com força antes que ele alcançasse a bicicleta do pai, escorada no muro.

— Me larga! – Usagi esbravejou.

— Não até você me ouvir! E você vai me ouvir! Está na hora de eu colocar algum bom senso nessa sua cabeça oca! – o sangue de Usagi borbulhou nas veias diante do tom autoritário de Ikuko. Quem ela pensava que era para lhe dar sermões?

— Me larga! – Usagi ordenou, puxando o braço com força, tentando se soltar do aperto dos dedos surpreendentemente fortes de Ikuko.

— Não! – a mulher disse, petulante. – E não use este tom de voz comigo, rapazinho! Quem você pensar que é para falar comigo assim?

— Quem você pensa que é para falar comigo assim? – Usagi retrucou, venenoso. – Você não é a minha mãe! – completou e o choque que passou pelo corpo de Ikuko ao ouvir essas palavras, o choque que amoleceu todos os seus músculos e a fez soltar Usagi, não foi registrado pelo garoto que, assim que se viu livre pegou a bicicleta, montou na mesma e saiu em disparada pelo portão da casa, sumindo das vistas da família ao dobrar uma esquina.

— Kenji... – Ikuko balbuciou, com lágrimas escorrendo pelas bochechas.

— Ikuko. – o homem foi até a esposa, querendo consolá-la, mas hesitando em tocá-la. Ikuko tremia e soluçava. – Ikuko... Ele não quis dizer aquilo. Ele é adolescente. Mais cedo ou mais tarde o lado rebelde iria aparecer. É normal da idade. – mas Ikuko não tinha tanta certeza assim das palavras do marido. Porque o que havia ficado impresso na mente dela, no momento em que Usagi gritou aquelas palavras horrorosas, aquelas palavras dolorosas, foi o olhar dele.

Usagi a olhara como se não a conhecesse.

Usagi a olhara como se ela fosse uma estranha.

Para Usagi, em seu olhar, estava a verdade corroborando as suas duras palavras. Para ele, Ikuko não era a sua mãe.

 

oOo

 

Usagi não fazia ideia de para onde estava indo, apenas que suas pernas moviam, a corrente da bicicleta girava e o vento batia no seu rosto, tentando clarear a sua mente.

Por que diabos ele dissera aquilo para Ikuko?

Agora que a raiva tinha passado e a racionalidade voltado para a cabeça dele, não fazia sentido algum o que ele gritara para a mãe. Obviamente que nada era verdade. Ikuko era a sua mãe, fato. Mas na hora da raiva, quando olhou para ela lhe exigindo respostas, lhe dando ordens, o segurando com mais força do que o necessário, tudo o que veio na sua mente foi: “o que essa mulher pensa que está fazendo? Quem ela pensa que é para falar assim comigo? Que tipo de autoridade ela acha que tem sobre mim? Por acaso ela acha que é minha mãe?”. E por um minuto assustador, quando olhou para rosto dela, dentro dos olhos azuis escuros, não viu ali a sua mãe. Não reconheceu nela a mulher que o pariu, que o criou, que lhe cantou canções de ninar para afastar os pesadelos, que o segurou pela mão e o guiou pelas ruas em seu primeiro dia de aula, que se zangava e sorria e gritava e repreendia e se preocupava, como toda boa mãe. O que viu foi uma estranha que lhe dava ordens e que não tinha moral para tanto.

O coração de Usagi começou a bater de forma descompasada dentro de seu peito.

Ultimamente, esses lapsos de memórias estavam se tornando cada vez mais comuns. Ele olhava para a sua família e via estranhos. Olhava para Shingo e se perguntava quando foi que ganhara um irmão. Olhava para Kenji e Ikuko e não reconhecia neles os seus pais. Por um momento considerou a possibilidade de que a sua vida pregressa estava alcançando a atual, que as lembranças estavam se misturando. Selene, quem ele pareceu ser na vida passada, deveria ser filho (filha?) único. Obviamente que seus pais eram outros e em nada parecidos com os atuais, mas os outros sailors não pareciam estar tendo o mesmo problema. Não que eles tenham comentando com Usagi, e isto o assustava.

Quem quer que ele tenha sido na vida passada, foi alguém que ele não gostava de ser, porque Usagi tinha a certeza de que boa parte das aversões que tinha nesta vida eram heranças da anterior. Quem quer que Selene tenha sido, foi alguém com tantos pesos colocados em suas costas que transmitiu a Usagi um desprezo desmedido por responsabilidades e deveres da vida adulta. Usagi sabia que uma hora teria que crescer, mas por que tinha que ser agora? A rainha Serenity esforçou-se para dar à eles uma segunda chance, uma vida de paz, uma vida normal, por que ele tinha que contrariar a vontade dela? Usagi precisava lembrar da sua vida passada, precisava saber o que havia a mais nessa guerra entre a Terra e a Lua que não era contada, precisava saber quem era o príncipe da Terra, mas ao mesmo tempo morria de medo das verdades que iria descobrir.

— USAGI! – o grito veio junto com a busina, acordando Usagi de seus devaneios a tempo de ver um carro vir em sua direção. Com velocidade, ele girou o guidão, tirando a bicicleta do caminho do carro que também desviou para não atingi-lo. Infelizmente, a manobra brusca o jogou no chão, o fazendo deslizar pelo asfalto e sentir o mesmo rasgar a pele de sua perna, a queimando de forma dolorosa e torturante. A bicicleta também deslizou e acabou sob a roda do carro que freiara bruscamente.

— Usagi! – alguém chamou entre a cacofonia de buzinas que começou a ecoar ao seu redor. O motorista do carro desceu do veículo, mirando Usagi com fúria.

— Está louco menino?! – o homem berrou no momento em que alguém ajoelhou-se ao lado de Usagi e colocou uma mão em seu ombro, o obrigando a permanecer deitado no asfalto.

— Não se mexa. – Usagi piscou. Agora que a dor estava aliviando e a névoa deixando a sua mente e clareando as suas ideias, ele reconheceu quem falava com ele. Debruçado sobre si, estava Mamoru, que discutia avidamente com o motorista do carro que quase o atropelou. – Usagi! – Mamoru chamou, divergindo a atenção do motorista que, com um bufo, retornou para o carro e deixou o local cantando pneus e destruindo ainda mais a bicicleta ao passar por cima dela. Usagi fez uma careta ao ver o estrago que a pobre sofreu. Seu pai não ficaria feliz quando retornasse com ela para casa. – Usagi, fique deitado. – Mamoru ordenou quando Usagi remexeu-se e apoiou-se nos cotovelos, na intenção de se levantar.

Não, ele não ficaria deitado. Em sua nova posição ele via que a lateral da sua perna direita sangrava em um ferimento nada bonito e que, em velhos tempos, levaria semanas para curar e ainda deixaria marcas. Em velhos tempos. No momento atual, aquele ralado de asfalto cicatrizará em poucos dias e não ficaria nada para contar história. O próprio sangue já tinha parado de escorrer e já estava coagulando, portanto seria apenas uma questão de tempo para a pele começar a remendar-se no processo natural de cura.

Usagi sentia outras dores ao longo do corpo por causa da queda, mas essas também não incomodariam nada além do que algumas horas.

— Usagi, não se levante, você pode ter batido a cabeça. Eu estou chamando uma ambulância. – ambulância? Ideia ruim, muito ruim.

— Não! – Usagi segurou o braço de Mamoru antes que ele levasse o celular a orelha. – Eu estou bem.

— Você está sangrando. – Mamoru acusou e Usagi soltou um grunhido irritado.

— E daí? – resmungou, levantando-se com esforço do chão e, mancando, foi até a bicicleta para atestar que esta era caso perdido.

— Precisa de um hospital. – Mamoru disse em um tom contrariado. Em outros dias, a petulância de Usagi seria meiga, adorável, algo que o deixava ainda mais belo. Hoje não era o caso.

Mamoru teve a certeza de que o seu coração parou quando viu o garoto ganhar a rua, pronto a atravessar o sinal, a toda velocidade na bicicleta, sem ver que o mesmo estava fechado para os pedestres. A vontade de socar o motorista daquele carro até o rosto deste ser uma massa retorcida de hematomas e sangue foi enorme. O desespero que sentiu ao ver Usagi cair, ao vê-lo deslizar pelo asfalto e por pouco não parar sob a roda do carro, junto com a bicicleta, foi algo que Mamoru não queria experimentar nunca mais em sua vida. E agora Usagi estava ferido, sangrando, e a falta de equipamento de segurança era garantia de que o garoto poderia ter ferimentos maiores e mais graves. Ele pode ter batido a cabeça, até onde Mamoru sabia. Tudo aconteceu tão rápido que era um milagre ele estar conseguindo manter o sangue frio o suficiente e ficar calmo o suficiente para não colocar Usagi nas costas e arrastar o traseiro teimoso dele para o hospital.

— Não sei se já te ensinaram isto na faculdade de medicida, Chiba, mas quando um paciente, em completo controle de suas faculdades mentais, recusa um tratamento, a sua vontade deve ser respeitada. – Mamoru queria bater em Usagi, dar um safanão na cabeça dele, pois esta era a pior hora para o garoto bancar o espertinho. Mas ele estava certo. Mesmo que Mamoru o arrastasse para o hospital, Usagi ainda sim poderia dizer não aos médicos e esses nada poderiam fazer. Usagi já tinha idade legal para aceitar ou recusar tratamentos mais simples.

— Meu apartamento é aqui perto. – Mamoru ofereceu, segurando no cotovelo de Usagi e o guiando para a calçada. Usagi tentava carregar a bicicleta amassada enquanto mancava atrás de Mamoru, lançando ao homem mais velho um olhar suspeito. – O ferimento precisa ao menos ser limpo, Usagi. Se você não quer ir a um hospital, não vou obrigá-lo, mas deixe-me ao menos avaliá-lo. – ele tinha alguns equipamentos médicos básicos em casa: uma lanterna, um medidor de pressão, um martelo para testar reflexos e uma caixa de primeiro socorros bem recheada, e esperava que isto fosse o suficiente para aquele caso.

Usagi ainda hesitou e, por fim, assentiu em concordância, para o alívio de Mamoru e completo nervosismo deste porque Usagi estaria em seu apartamento. Usagi e ele estariam em seu apartamento, sozinhos, e boa coisa não poderia sair disto. Ou talvez não.

Mamoru torcia para que fosse a segunda opção.


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