Sakura passou a mão pelo rosto e coçou o nariz, sonolenta. Continuou com os olhos fechados puxando o travesseiro para mais perto do peito e suspirou, apalpando o colchão até o criado mudo ao lado da cama. Franziu o senho não o encontrando. 

Resmungou abrindo os olhos, se sentando. Sentiu a cabeça doer e massageou a testa irritada. 

— Por que diabos eu bebi tanto? - perguntou-se bagunçando os cabelos soltos do coque, que provavelmente tinha feito antes de dormir - Onde diabos está meu celular... 

Procurou-o em meio a escuridão do quarto, desistiu se levantando da cama, foi até a primeira porta no canto do quarto, abriu-a e ligou o receptor na parede, do lado de dentro. Bufou sentindo a claridade cega-la e a dor de cabeçar aumentar gradativamente. 

Murmurou se apoiando na pia e se encarou no espelho. As olheiras, embaixo dos olhos quase fechados, pareciam estar maiores, o nariz vermelho e a boca seca só a fizera ter mais vontade de voltar para a cama. Jogou a água no rosto e prendeu os cabelos direito. 

Encarou o próprio corpo, tendo certeza que não transou com ninguém estranho de novo, quando reconheceu a camiseta branca, que usava na noite passada, e a calcinha vermelha. Não estranhou estar somente com as duas peças, tinha o costume de tirar todo o resto quando ia dormir. 

Escovou os dentes com a escova que encontrou no armário, ainda na embalagem, fez as necessidades matinais e saiu do banheiro. Que depois de alguns minutos, reconheceu como limpo demais para ser o seu. 

Acendeu a luz do quarto, encontrando sua calça no canto da cama box, juntamente do sutiã, vestiu a calça e enfiou o outro no bolso, seguiu saindo do comodo. Continuou pelo corredor até encontrar a sala de estar, onde uma grande vidraça mostrava o lado de fora, mesmo que cobrida por cortinas.

Ouviu o barulho de panelas mais a frente e encontrou a cozinha, separada somente pelo balcão, se sentou em uma das banquetes e apoiou o rosto na palma da mão, observando o homem de costas para ela, mexendo em algo no fugão. 

De longe ela tinha reconhecido o cabelo loiro e bagunçado. Sakura bufou, chamando a atenção dele. Que a olhou por cima do ombro e sorriu, se voltando para frente novamente. 

— Nem te notei se aproximando. 

— Mas não se assustou. 

— Digamos que já estou meio acostumado com pés leves. - deu de ombros desligando a boca do fogão - Fiz bacon e ovos, tem pão em cima da mesa, frutas na geladeira assim como leite...

— Café está bom. 

Naruto riu anasalado jogando a embalagem de comprimidos em cima do balcão. 

— Para a dor. 

— Deve ser bom não ficar de ressaca. - Sakura murmurou engolindo dois dos comprimidos. 

— Deve ser bom ficar de ressaca. - ele disse apoiando o quadril na pia, observando-a - As vezes é chato não ser como todo mundo. 

— Mas eu não sou como todo mundo. 

— Eu sei. 

— Hun. - ela se levantou indo até a cafeteira, começando a preparar a bebida quente - O que aconteceu ontem? 

Naruto ia responde-la, mas foi interrompido pelo dedo indicador erguido. 

— Espera, por que a parte inferior da minha coxa tá dolorida e ardendo? - Sakura franziu o senho alisando o lugar por cima da calça - Naruto o que aconteceu?

— Calma, é só que, acho que a gente bebeu demais ontem... 

— Essa era a intenção. 

— Mas não foi só naquele restaurante. 

— O que? - perguntou encarando-o. 

Ele mordeu o lábio inferior em uma careta. 

— Eu também me lembro vagamente. - ele coçou a sobrancelha rindo amargo - Sei que fizemos muita merda, na verdade, quando acordei o sol já tinha nascido. A gente tava em uma balada e eu te encontrei dormindo no balcão, enquanto o barman estava desacordado e com um olho roxo, no chão, ele deve ter tendado de acordar...

— Droga. 

— Minha costela também sofreu da mesma coisa que a sua coxa. - ele disse desamarrando o avental da cintura e levando o prato até a mesa, do outro lado. 

— E o que merda foi isso? - ela exclamou sentindo vontade de tirar a calça, que parecia incomodar cada vez mais. 

— Uma tatuagem. 

— Uma tatuagem?! - ela gritou soltando a caneca em cima do balcão - Naruto o que diabos aconteceu ontem?! 

— Eu realmente lembro de pouca coisa. - ele murmurou com a boca cheia do sanduíche - Mas aparentemente, você dançou em cima do palco e foi por lá mesmo que você perdeu aquele casaco. 

— Puta que pariu, a gente não é mais adolescente Naruto. 

— Eu sei, mas o que eu poderia fazer? A ideia de beber até de manhã foi sua.

— Quem se importa?! E desde quando você me ouve? Que merda! - resmungou ao se queimar com o café quente, que começava a sair da cafeteira, colocou rapidamente a caneca com a borda lascada - O dia já começou ótimo. 

— Tarde você quis dizer né? Já é uma da tarde. 

Sakura mordeu a linguá fechando os olhos, irritada consigo mesma. 

— Espero que tudo se exploda nessa merda. - reclamou desligando a maquina da tomada e pegando a caneca quente - Vamos resolver logo o que íamos resolver ontem, antes que eu desista... - resmungou se sentando na cadeira em frente a ele, na mesa redonda. 

— Tem certeza? Acho que, agora, saber o que aconteceu ontem é mais importante. - Naruto sugeriu - Por que assim como eu disse antes, tudo que eu talvez saiba, são suposições baseadas em pistas deixadas pelo Sasuke, e nós sabemos bem como ele é. 

— Eu sei até demais. - ela resmungou bebendo do café - Porra, isso já vem doce? 

— Sei lá, só comprei por que sabia que você ia querer. 

— Onde você comprou isso? - largou a caneca, bufando. 

— Na loja de conveniência do posto aqui perto. 

— Caralho. 

— Voltando ao assunto. - mordeu o pedaço de bacon - Eu acho que o governo está fazendo experiências em crianças. 

— Experiências? Naruto, a gente não foi... 

— Eu sei, é diferente, mas aparentemente, essas crianças estão desenvolvendo organismos diferentes e anomalias, tanto físicas como mentais. - Naruto encarou-a sério. 

Sakura engoliu em seco se levantando, foi até a geladeira, encontrando algumas cervejas, pegou uma delas e retirou a tamba de metal com a mão. Deu um longo gole e voltou a se sentar, arfando. 

— Isso é fora do meu limite Naruto. - disse erguendo o olhar esverdeado, encarou-o direto nos azuis. 

— Nós não temos limites. 

— Eu tenho. - ela exclamou batendo uma das mãos na mesa - Vocês sabem disso, eu sei disso, todos sabemos disso! Eu sou diferente de vocês!

— Sakura... 

— Isso não é novidade pra ninguém! Dessa porra toda de antepassados, eu, você e Sasuke, entendemos claramente o que aqueles anciões de merda falaram. E eu, não faço parte desse mundinho de vocês! 

— Nada é desse jeito! Esse é o seu problema droga! Você só vê as coisas como quer ver! - Naruto gritou batendo com ambas as mãos na mesa - Que caralhos mais você quer que eu faça, pra você ver que, nós não somos diferentes e nada é como você diz que é! Puta merda! 

— Como eu quero ver?! - ela berrou jogando a bebida na parede - Naruto, eu vivo na realidade, no mundo onde quando você cai, seu joelho sangra. E lá não é onde, um Uzumaki e um Uchiha poderia viver, por que vocês não sagram! 

— Que idiotice Sakura! Você também não sangra! - ela o olhou atormentada antes de agarra a faca em cima da mesa e cortar a própria mão, onde o grosso liquido vermelho começou a escorrer incessante. Naruto arregalou os olhos, encarando o machucado - V-você... Sakura você... - ele olhou-a atônito.

— Eu nunca contei, mas naquela mesma época, quando fomos visitar aqueles velhos cretinos, um deles me contou que, meus "poderes" enfraquecerão e eu vou morrer, muito antes que até mesmo um humano normal. - os olhos verdes transbordaram das lágrimas, desviou-os do machucado para o rosto dele - Antigamente isso se curaria em segundos, mas agora, eu preciso de dias... 

— Isso não faz sentido, você também é um descendente, uma de nós. - ele murmurou se aproximando, enrolou a mão machucada em um pano e encarou-a, pondo as mãos nos ombros dela - Sakura, vamos descobrir o que está acontecendo, juntos.

— Não Naruto, esse é o meu destino. - ela disse com a voz embargada - E nossa vida inteira, desde o começo, sempre dependeu desse cafajeste. 

Ele fechou os olhos, envolvendo-a em um abraço forte. 

<***>

— Hey Ino. 

— Quem é? Espera... Naruto? 

Ele riu anasalado. 

— É. 

— Nossa, a quanto tempo hun? Ah, e aproposito, você tá com a Sakura? Eu liguei pra ela, mas acho que ela deve ter esquecido de colocar o celular pra carregar. 

— Verdade, já faz um bom tempo. - Naruto se sentou na poltrona e encarou Sakura ressonar calmamente no sofá em frente, suspirou - Foi por isso que eu te liguei, sim, eu estou com ela. 

— Que bom, mas o que ouve? Ela tá de ressaca né? Eu já disse milhares de vezes pra ela parar com isso, bebendo quase todo dia... 

Ele franziu o senho, ainda observando-a dormir. 

— Ela está bebendo tanto assim? 

— Você deveria ver, se ela não está trabalhando, está bebendo. Pelo menos, agora, ela faz isso em casa. 

— Vocês ainda estão morando juntas? 

— Huuun? Não, nós duas resolvemos nós mudar, mas moramos no mesmo prédio, só alguns andares de diferença. 

— Entendo. - murmurou deitando a cabeça no estofado de couro e encarou o teto - Ino, você poderia avisar pro trabalho dela que, aconteceu algo urgente? Parece que hoje a ressaca está bem pior, e eu tenho medo que ela mate algum paciente desse jeito. - mentiu, forçando uma curta risada. 

— Claro, acho até melhor assim. Ela vem trabalhando demais ultimamente. 

— Sim, um tempinho para descansar não fara mal. 

— Concordo. Ah e, vamos sair qualquer dia desses tá? Reunir todo mundo, sabe, como antigamente...

Naruto sorriu, pondo o antebraço sobre os olhos, cobrindo-os. 

— Sim, com certeza. Certo, até. - despediu-se desligando a chamada. Largou o celular em cima da mesa de centro, e se levantou, indo até a vidraça. Afastou um pouco a costina e apreciou os últimos momentos do sol, que começou a dar espaço á noite - O tempo parece estar passando mais rápido, hun?

" Pra mim parece cada vez mais lento. " 

A voz grossa e forte soou em sua cabeça, fazendo-o rir. 

— Você reclama, mas gosta das coisas calmas não é? 

" E quem não? Vá por mim garoto, muitas confusões fazem você só querer poder tirar um cochilo sem sentir medo de alguém sufoca-lo quando estiver dormindo. " 

— Que horrível Kurama. - Naruto fez uma careta. 

" Se você tivesse a lembrança das vidas passadas, saberia como é. " 

— Hun, mas por que exatamente eu não lembro? 

" Por que se você recordasse, você sentiria os mesmos sentimentos que na outra vida sentiu, e continuaria a vivendo. " 

— Então o que adiantaria eu ter uma vida nova, certo?

" Você não é tão ingênuo, hun? "

— Raposa. 

" Não me chame, novamente, por esses nomes de animais sem racionalidade! Me respeite seu moleque! Eu já... "

— Vivi muito mais tempo que você, o que me deixa muito mais sábio e blá blá blá. - Naruto sorriu ouvindo resmungar com a interrupção. Ele encarou o próprio reflexo no vidro e viu os olhos antes azuis, brilharem no tom laranja das ferozes íris.

 " Eu deveria fazer você engolir a própria linguá moleque. "