Um Horizonte Maior escrita por André Tornado


Capítulo 14
Um novo companheiro


Notas iniciais do capítulo

“Observou em silêncio aquele grupo ameaçador que ali estava a recebê-los e que avançava no fundo da plataforma em direção a eles.”
In O Império Contra-Ataca, GLUT, Donald F., Publicações Europa-América



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/744867/chapter/14

Abasteceram-se de água e barras energéticas, carregaram as respetivas pistolas laser DL-44 com munições suficientes para uma pequena guerra e puseram-se a caminho logo que a estrela distante que servia de sol àquele mundo anunciou a chegada de um novo dia naquela aridez fria. Dirigiam-se ao local onde Artoo tinha detetado as formas de vida. Passaram uma noite inquieta, tentando dormir e descansar pois no dia seguinte aguardava-os uma caminhada longa e extenuante, mas não conseguiram pregar olho. Ao mais mínimo ruído colocavam-se em alerta. Não era difícil surgir barulhos estranhos com as rajadas de vento que nunca amainaram. Han, Chewie e Luke entreolhavam-se, os androides agitavam-se. Depois sorriam fatigados pois percebiam que continuavam vigilantes, preocupados, a cuidar da segurança de cada um. Tinham dormido melhor na base imperial em Dantooine.

Antes de se porem a caminho tentaram contactar Wedge Antilles em Qryatus para um curto reporte de situação. Mas o ferro abundante do planeta e radiações imprevistas que permeavam a atmosfera impediram a comunicação. Não deixaram nenhum sinal contínuo, um farol eletrónico que poderia ser identificado mais tarde por Antilles, pois temiam que fosse captado por alguém indesejável, nomeadamente as criaturas que iriam investigar.

A viagem foi demorada. O terreno irregular e, nalguns pontos, escorregadio por causa de cascalho acumulado em plataformas lisas e brilhantes, o vento e as baixas temperaturas que se faziam sentir, penhascos intransponíveis que obrigaram a uma inflexão na marcha não proporcionaram um avanço rápido. Por outro lado, Han e Luke não esforçaram a passada, mantendo um ritmo propositadamente baixo para não se cansaram demasiado cedo. Fizeram ao longo das vinte milhas-padrão três pausas, onde aproveitaram para descansar as pernas sentando-se em lugares sombrios e abrigados pelo vento, para não serem detetados por algum observador camuflado nas redondezas, para ingerir água para se hidratarem e para se alimentarem com algumas calorias que lhes permitia manter o estado de alerta e o corpo preparado para qualquer eventualidade, quer esta fosse uma fuga ou um combate.

Quando se aproximavam do suposto local onde estariam as formas de vida depararam-se com uma paisagem incomum. Uma larga planície amarela, espigada com as mesmas lanças de ferro, emulando uma extensa cobertura de um animal gigantesco coberto de espinhos, estendia-se nos contrafortes da cadeia de montanhas que eles tinham acabado de rodear e não se via nenhuma construção artificial por perto. Pelo menos, à vista desarmada. Nenhum casebre, tenda, casa, complexo de edifícios, espaçoporto, naves ou qualquer tipo de veículo.

Luke abriu a mochila que carregava e retirou uns binóculos. Han, com os seus instintos espicaçados pela anormalidade da descoberta, que não era descoberta nenhuma pois não lobrigava qualquer tipo de ameaça nas imediações, sacou da sua pistola laser DL-44. Destravou-a, levantou-a dobrando o cotovelo, rodou a cabeça de um lado para o outro para se certificar de que não estava mesmo a vislumbrar o que quer que fosse e perguntou:

— O que vês, miúdo?

Luke ajustou a mira da caixa retangular que colava ao rosto.

— Nada… – respondeu devagar, à medida que escrutinava aquela vastidão desértica, varrendo minuciosamente o espaço que se lhe apresentava à sua visão aumentada. – Aparentemente, não está aqui nada que indique a existência de formas de vida humanoides. Nenhum lugar esquisito que mereça a pena ir investigar e que pudesse servir de abrigo a alguém. Se forem nativos devia haver uma espécie de povoação… Se não pertencem ao planeta, onde estarão as naves que os trouxeram até aqui?

— O teu androide enganou-se?

— Pouco provável.

— Também acho, miúdo…

Luke afastou os binóculos. Estreitou os olhos para fazer segunda verificação, não fosse algo ter escapado na primeira análise que fizera à vista desarmada, pronto para apontar os binóculos para esse local. O vento despenteava-lhe os cabelos. Fora uma boa ideia terem protegido o pescoço com lenços, de outro modo estariam roucos, com a garganta a inchar e a ficar doentes, o que seria totalmente inconveniente naquela situação. Han estava preocupado e tenso. Voltou-se para ele a baixar a sua pistola, quando abriu muito os olhos, numa expressão cómica que ia fazê-lo rir-se, não fosse a mão grande do contrabandista se ter agarrado ao seu ombro e o ter empurrado para baixo, obrigando-o a agachar-se.

— O que foi? – perguntou Luke desconcertado.

Ia voltar-se para trás, para ver o que descobrira o amigo, quando recebeu outro empurrão que o levou para detrás de um rochedo baixo e gelado. Recebeu uma advertência muda para se manter em silêncio. Han colara o dedo indicador aos lábios, e depois fez um sinal com a cabeça para que ele espreitasse, que seria seguro fazê-lo. Luke sacou da sua pistola laser antes de levantar a cabeça o suficiente para que os seus olhos conseguissem ver para lá do rochedo. Deixou de respirar.

Próximo do local onde eles tinham estado a olhar distraídos e incautos para a planície amarela, mesmo nas suas costas, estava uma construção alta, composta por vários blocos quadrados empilhados, feitos de metal antigo completamente corroído pela ferrugem. A sua arquitetura era arcaica e não havia qualquer estética nas suas linhas, já que os blocos pareciam ter sido atirados do alto e terem caído de qualquer maneira, compondo um conjunto decrépito, em que o bloco de cima não se alinhava com o de baixo nem com o que estava imediatamente ao lado. Havia arestas a sobressair e plataformas minúsculas entre os compartimentos, terraços inesperados surgidos do telhado do bloco inferior que eram utilizadas como lixeiras. Ao lado da construção estava uma pista redonda assente em pilares carcomidos que suportavam milagrosamente o peso de três naves espaciais. Uma delas era um transportador pessoal, que comportaria apenas o piloto, as outras duas eram cargueiros modificados. Do lado oposto da pista situava-se uma torre e um pequeno edifício, os serviços que proporcionariam apoio às naves. Ou seja, alguém habitava aqueles blocos naquele preciso momento, os viajantes que teriam ocupado as três naves espaciais, mais alguns indígenas que não teriam forma de saírem do planeta. Outra indicação de que ali estava alguém, para além das naves e da descoberta feita por Artoo, eram as luzes acesas em janelas dispersas, umas brilhantes e amarelas, outras azuis e intermitentes, que davam à construção um aspeto mais lúgubre e intimidante.

Luke sentou-se atrás do rochedo.

— O que achas, Han?

— Um sítio horrível. Sinto perigo por todos os lados.

— Também não gosto do aspeto disto. Tenho um mau pressentimento…

— Já somos dois, miúdo.

— O que fazemos agora? Vamos até lá?

— Não me parece seguro.

— Podem já nos terem visto, Han! – argumentou Luke impaciente.

O contrabandista respirou fundo e começou a explicar:

— Ouve, não sabemos quantos estarão ali dentro. Os verdadeiros moradores mais os visitantes… Os cargueiros podem transportar passageiros, para além de simples mercadoria. Como te disse antes, não acredito que sejam boas pessoas que venham procurar este planeta para fazer férias. Podemos ter tropeçado numa reunião clandestina de bandidos… E quando digo bandidos, imagina-os da pior espécie, um verdadeiro pesadelo. Caçadores de recompensas, senhores da guerra, assassinos contratados, salteadores, piratas espaciais, traficantes de especiarias e de escravos, gente sem escrúpulos, todos muito bem armados. A melhor coisa que fazemos é dar meia volta, devagarinho, voltar pelo mesmo caminho de onde viemos, sem chamar muito a atenção, vigiar a nossa retaguarda, regressar à Falcon e escolher outro pouso para fazer as reparações no hiperpropulsor.

— E se existir outro complexo como este, noutro lugar do planeta?

— Vamos perguntar ao teu androide se é seguro, se não está a detetar outras formas de vida humanoides antes de aterrarmos… Fazemos uma passagem a baixa altitude, verificamos as condições naturais, mantemo-nos discretos.

Luke cerrou os dentes. Estava com medo, confessava se lho perguntassem. Não desejava um encontro desagradável com gente desprezível, nem falhar a sua missão por causa de um percalço imprevisto e estúpido. Acreditava que assim que aquele bando que ali se acoitava descobrisse a identidade deles, seriam entregues num piscar de olhos ao Império Galáctico a troco de uma daquelas recompensas milionárias ambicionada por um bom punhado de gente de reputação duvidosa que trabalhava na clandestinidade, como seriam os habitantes daquele complexo desconchavado.

Arrastou a bota para trás, sobre o chão coberto de areia e de pequenas pedras, num som áspero. Ajeitou a pistola laser na mão, pronto para guardá-la no coldre que tinha no cinto. Quando levantou a cabeça para dizer a Han que concordava com o plano dele, encontrou mais do que o rosto contraído do amigo. Abriu os olhos azuis e a boca, dilatou as narinas, ainda de pistola laser na mão começou a levantar lentamente os braços num sinal de rendição. Han indagou, espantado:

— O que foi…?

A seguir percebeu que estaria alguém atrás de si e voltou-se rapidamente, de pistola laser empunhada, mas aligeirou o dedo no gatilho quando um cano de uma outra pistola laser se lhe colou à testa.

— O que estão a fazer escondidos? Não sabem que não é seguro andar a espiar por aqui?

Os braços de Luke estavam ligeiramente levantados, dobrados pelos cotovelos. Han imitava-o no gesto, erguendo os seus braços lentamente, para não motivar um disparo à queima-roupa de quem os interpelava. Tanto um, como outro, ainda não tinham largado as respetivas pistolas laser, que pendiam moles nos dedos. A sua atenção fixava-se completamente no rapaz que os tinha surpreendido ali. Seria alguém jovem, humano, assumiam essa evidência pois só lhe viam os olhos escuros sob umas sobrancelhas espessas, o rosto estava escondido por um lenço que se enrolava no pescoço até ao nariz, passando pela cabeça, o que lhe abafava a voz e a tornava mais cavada e ameaçadora. Usava luvas, calçava botas militares e vestia um pesado casaco comprido que cobria um uniforme coçado e antigo, uma indumentária com o claro objetivo de ocultar uma identidade. Nas dobras daquele casaco teria muito provavelmente uma carabina laser. Seria alguém perigoso e irredutível, esperavam que fosse também razoável.

— Ah… Olá…

Han ia tratar o estranho por miúdo, mas interrompeu-se a tempo. Não era ajuizado provocar alguém que lhes apontava uma arma, embora Luke concordasse que muito provavelmente se tratava de um miúdo, um rapaz mais novo do que ele. Um jovem imberbe que os tinha apanhado desprevenidos, dois heróis condecorados da Aliança rebelde.

— Não estávamos a espiar nada – explicou Han tentando soar simpático. Aliás, ele não tentava nada, parecia genuinamente descontraído, com a simpatia a jorrar de forma natural. Como conseguia fazê-lo? Prática ou o único método que conhecia para se safar de situações complicadas? – Estamos… perdidos. Precisamos de uma peça para a nossa nave que tem o hiperpropulsor avariado.

O coração de Luke saltou um batimento. Ele estava a revelar o maior segredo deles! Estava conscientemente a comprometer a posição deles ao torná-los vulneráveis. Tentou ocultar do rosto a sua aflição, mas o outro deve ter percebido que ele não tinha gostado do que Han contara, ao olhá-lo de relance. Fez um curto movimento com a pistola com que os ameaçava, a indicar que se mantivessem submissos. Disse:

— Este planeta é desabitado e não está assinalado nas cartas. A vossa história parece-me uma mentira mal inventada…

— O nosso androide detetou formas de vida e resolvemos arriscar a nossa sorte. Bem, a peça não é assim tão importante, mas ajudava… se a conseguíssemos… adquirir aos teus… amigos… – Han emendou rapidamente: – parceiros de negócio?

Pelas ligeiras rugas que se formaram no canto dos olhos, Luke percebeu que o rapaz sorria.

— Querem ir falar com… os meus amigos?

Ao acentuar a última palavra, Luke percebeu que definitivamente estavam em desvantagem e numa situação de potencial perigo mortal. Aqueles que estavam no complexo não seriam amigos do rapaz, e podiam não ter qualquer peça para reparar um hiperpropulsor avariado a troco de uma soma de dinheiro.

— Sim, se não te importares de nos levares até eles.

— Ouve lá! – chamou Luke entre dentes.

O contrabandista manteve a pose. Espreitou por cima do ombro, de braços levantados, evitando movimentos bruscos.

— Calma. Ele vai ajudar-nos.

Não usaram os seus nomes, foi uma coisa inteligente a se fazer. Tinham alguma vantagem, pensou. Uma minúscula e insignificante vantagem, que não deviam menosprezar.

O rapaz retirou a pistola laser da cara de Han, passou o peso de uma perna para a outra. Observou-os num longo intervalo silencioso. Estaria a tentar avaliar a situação, mas nada haveria para refletir, pois naquela questão era ele que ditava as ordens e Luke e Han apenas teriam de obedecer. Estando de pé e eles estando agachados, até nas respetivas posturas havia uma noção indelével de supremacia e de inferioridade. O rapaz estendeu o braço esquerdo, pedindo-lhes as pistolas. Eles entregaram-nas sem hesitar e levantaram-se, de mãos abertas, mostrando que não possuíam outras armas. Como tinham percebido, o casaco comprido estava cheio de bolsos interiores, escondia realmente uma carabina laser de longo alcance e foi junto desta que o rapaz enfiou as duas pistolas laser DL-44.

— Venham comigo.

Seguiram o rapaz.

— Espero que saibas o que estás a fazer – sussurrou Luke.

— Só podíamos passar ao ataque – respondeu Han noutro sussurro –, depois de termos sido descobertos.

As rajadas de vento dobravam de intensidade. Mais perto do complexo os uivos provocados pela ventania eram fantasmagóricos, com o ar a passar pelas frinchas metálicas, assobiando uma espécie de melodia, transformando a pilha de contentores numa estranha besta viva. Luke olhou para cima, apercebendo-se de que o edifício caótico era maior do que tinham verificado previamente. O mau pressentimento que nutrira antes, desde que aterraram naquele planeta até ao instante em que tinham sido apanhados, aumentava com uma voracidade acentuada pelo cantar lúgubre do vento frio.

— A quem nos vai apresentar? – perguntou Han.

— A um amigo – respondeu, misterioso, o rapaz. Acrescentou: – Isto é, claro, se me disserem os vossos nomes, senão não vai haver apresentação nenhuma.

Não lhe perguntes o nome dele, não lhe perguntes o nome do amigo!, implorou Luke de si para si. Achava que Han estava a ir muito bem, mas bastava um passo em falso e deitaria tudo a perder. Ele era perito nessas situações periclitantes, tinha num instante o poder nas mãos para de seguida o desbaratar por causa do seu carácter inconformado. Mas Han não fez a pergunta fatal. Não exigiu saber como se chamava o rapaz, nem como se chamava esse suposto amigo. Em vez disso, apresentou-se com a maior das naturalidades:

— Eu sou o Sol Hano. – Apontou um polegar a Luke e completou: – E ele é o Suky Lewkalker.

Luke ficou impressionado. Han fora rápido a baralhar as letras dos respetivos nomes e a inventar outros que, tinha de concordar, ficaram muito bem imaginados. Ninguém desconfiaria de que se tratava de uma invenção. E mais uma vez criara uma ligeira supremacia ao não vacilar diante de mais aquele pequena armadilha. A inocência seria facilmente defendida em qualquer assembleia. Ninguém lhes poderia apontar segundas intenções, pois estavam a ser obedientes e solícitos.

— E esse teu amigo… vende peças? – perguntou Luke, pigarreando, para ocultar a sua surpresa e admiração pelos inúmeros expedientes que Han tinha para sobreviver em ambientes adversos.

— Vão primeiro falar com ele, explicar de que nave se trata, do que precisam. Contar-lhe tudo o que me contaram a mim sobre esse famoso hiperpropulsor avariado. Depois, logo se vê…

— Quem é o chefe desta espelunca? – perguntou Han, por sua vez.

O rapaz estacou, como se tivesse sido atingido por algum raio paralisante. Quedou-se hirto e imóvel. Luke engoliu em seco, a pensar que ali estava o tal passo em falso. Sem se voltar, o rapaz respondeu com uma voz pesada:

— Isto… não é uma espelunca.

Han assentou as mãos na cintura, passou os olhos pelo complexo como se estivesse a fazer uma segunda avaliação, mais cuidada e que revelasse aqueles pormenores que lhe tinham escapado a uma primeira e rápida observação que porventura pudessem mudar a classificação feita.

— A sério? Já vi sítios melhores.

— Não o faças… – implorou Luke num murmúrio. – Estás… a ofendê-lo.

Estiveram parados durante muito tempo, pareceu uma eternidade, uma tortura sombria sob as inclemências daquele vento furioso que apostava em arrefecer o que era quente e secar o que era vivo. O conjunto edificado estava à frente deles, debruçava-se sobre a paisagem naquela pilha desordenada que parecia que iria despenhar-se e sepultá-los debaixo de um monte de metal retorcido. O rapaz virou-se de repente, espetou-lhes um dedo. O gesto fora ameaçador, Luke e Han recuaram temendo que lhes estivesse a apontar a pistola laser, a antecipar um tiro punidor pelo insulto proferido.

— Por agora, esta é a minha casa. Não é nenhuma espelunca! – afirmou o rapaz zangado.

Han mostrou as mãos e abanou ligeiramente a cabeça.

— Está bem, está bem. Não fiques nervoso!

Luke olhava para o rapaz fixamente.

— No entanto… – insistiu o contrabandista. – Haverá aqui alguém que dá as ordens por estas bandas, não? Não quero que penses que estamos a escarnecer do lugar onde moras, mas isto aqui parece-me… um reino de algum… senhor muito importante… e clandestino.

O rapaz riu-se alto, num estranho assomo de boa-disposição que se destinava a quebrar a energia negativa que tinha surgido entre eles. Podia ter sido um alívio, podia ter arrancado algum sorriso, não tivesse soado a falso. Estavam entre inimigos e aquele anfitrião, apesar de querer fingir simpatia, não seria diferente. O rapaz retomou a caminhada, Luke e Han seguiram-no com passos agora mais cautelosos, medindo o que se ia desenrolando em seu redor. Do lado esquerdo situava-se a pista de aterragem, as naves imponentes. Do lado direito havia uma lixeira que ressumava de uma vala profunda, avistava-se a planície e as montanhas. Alguns androides passeavam-se entre os pedaços descartados de metal, de plástico, de tecido e outros materiais inúteis.

— Jeiz Becka!

— Quem? – indagou Luke

— Jeiz Becka? Está aqui? – admirou-se Han.

— Conheces?

— É uma lenda. – Notou-se que escolheu as palavras para não voltar a provocar o rapaz, sabia lá que relação teria com esse nome e repetiu: – Um… senhor muito importante e clandestino.

— Um bandido muito respeitável – acrescentou o rapaz. Quando alcançaram um portão que conduzia ao piso inferior da primeira fila de contentores, completou: – E temido.

— Ouvi dizer que controla um grande sindicato de caçadores de recompensas e um grupo impressionante de espiões – começou Han a contar, para desta maneira ir informando Luke, ao mesmo tempo que confirmava o que ele próprio sabia. Se o rapaz não se manifestasse contra alguma das suas afirmações, prosseguiria naquele tom de bazófia que indicava que era um dos conhecimentos daquele bandido respeitável e temido. – Controla o comércio clandestino dos territórios médios e tem um entreposto comercial conhecido em Ord Mantell que ninguém incomoda, nem mesmo o Império. Tudo o que se vende e compra nesses territórios passa pelo aval de Becka e nem sempre são negócios dentro da lei. Ele costuma também contratar grupos organizados de assaltantes que fazem ataques esporádicos a comboios desprotegidos que transportam bens valiosos, normalmente comandados por algum infeliz que perdeu a sua estrela da sorte, o que significa que ofendeu Becka ou a organização política da galáxia. Sim, o Império conhece muito bem Jeiz Becka e serve-se dele para um ou outro trabalho sujo, para se livrar de empecilhos que deixaram de ser indispensáveis. Até é considerado para punir oficiais caídos em desgraça… Os meios usados por Becka são lendários, desde a persuasão, a diplomacia, a chantagem, a extorsão, o terror, até à tortura e assassinato. Pode ser perfeitamente encantador, como pode ser o teu pior pesadelo.

— Se ele vende e compra tudo, então terá a peça de que precisamos – observou Luke. Arrependeu-se de imediato de ter feito aquela observação. Mostrava algum desespero, necessidade, dependência. Eles não precisavam da ajuda daquela gente que se acoitava naquele lugar deplorável. Eles só precisavam que os deixassem ir embora e sozinhos conseguiriam reparar a sua nave.

Entraram no complexo, o portão fechou-se com um estrondo que arrepiou Luke. No interior daquela sala bafienta e escura não havia nada, constituía uma antecâmara despojada e impessoal que dava acesso a plataformas, corredores e portas. O rapaz não tinha corrigido a verborreia de Han, pelo que tudo corresponderia à verdade. Seria em simultâneo uma boa e uma má notícia. Boa, porque não estavam a ser enganados naquele caminho, má, porque estavam a entrar no covil de alguém que lidava diariamente com poder e morte.

O rapaz disse-lhes, arrancando por fim o lenço que lhe cobria o rosto:

— Não irão ver o Becka, claro. Não tenho permissão para vos apresentar a ele, nem o conseguirão fazer sem a marcação de uma audiência.

— Um verdadeiro imperador. Palpatine sabe que tem um rival no mundo do crime?

Luke fechou os punhos. As piadas de Han começavam a inquietá-lo. Se a paciência do rapaz fosse finita, em breve passavam de convidados a prisioneiros. Já estavam dentro do complexo, desarmados, não seria preciso muito para caírem em desgraça e serem trancados numa qualquer cela escura.

— Onde nos levas? – perguntou Luke tenso.

— Vão conhecer um amigo meu que percebe de naves, como vos disse. Terão de confiar em mim, não é assim… amigos?

Destrancou uma porta que se recolheu verticalmente, entrando numa ranhura superior, rangendo e tremendo. Luke notou a chuva de partículas prateadas provenientes da tinta que lascava. Surgiu um tubo estreito, ocupado por uma escada em caracol constituída por degraus carcomidos pela ferrugem. O rapaz começou a subir chamando-os com uma mão. Han agarrou na bainha do casaco dele e o rapaz parou.

— Ouve... Se estamos entre amigos, porque não nos devolves as nossas armas? Sinto-me… apreensivo se não estiver armado num lugar desconhecido.

Com um puxão, o rapaz libertou o casaco da mão de Han.

— Estão comigo. Venham.

Não tiveram outro remédio senão voltar a seguir o rapaz.

Depois de escalarem aquela escadaria que parecia não ter fim – ao olhar para cima Luke descobriu um poço escuro do qual não se via o teto iluminado por algumas luzes vermelhas intermitentes – saíram numa plataforma que surgira disfarçada num nicho que possuía uma porta avariada, pois esta abanava nos gonzos e tinha o motor desligado, empurrava-se o batente para se poder passar e foi o que o rapaz fez. Han e Luke imitaram-no.

Chegaram a um compartimento penumbroso, saturado de pó que pairava no ar em novelos densos. As paredes juncavam-se de sucata variada, entre androides desativados, consolas descascadas, placas eletrónicas pejadas de fios, cabos emaranhados e um grande sortido de peças descartadas. Ao fundo, numa bancada tão confusa quanto a sala, debruçava-se uma criatura redonda, cujos membros superiores se constituíam em quatro tentáculos pegajosos que manejavam um par de ferramentas, uma lente de aumentar e uma placa holográfica com dados alfanuméricos que corriam em sucessão rápida. Apesar do corpo informe encontrava-se vestido com roupas normais, calçava botas no que seria as suas patas, cobria-se com um casaco muito semelhante ao que o rapaz usava.

Postaram-se a alguma distância, entre as sombras. Han cruzara os braços, numa atitude desconfiada e cansada. Luke tentava controlar a respiração para não inalar todo aquele pó. Após alguns segundos-padrão de silêncio invulgar, o rapaz cumprimentou a criatura num dialeto indecifrável. A resposta veio num grunhido na língua comum da galáxia, que Luke esperava que fosse o nome do rapaz, por fim iriam deslindar esse segredo, mas o que a criatura disse simplesmente foi:

— Rapaz!

Luke descaiu os ombros.

Ao ver que não estavam sozinhos, a criatura retraiu os tentáculos. Pousou as ferramentas, a lupa de aumentar, a placa holográfica e fez uma pergunta no tal dialeto indecifrável. O rapaz respondeu no mesmo dialeto e acrescentou na língua comum:

— Não.

— Não? De certeza? – inquiriu a criatura também na língua comum.

A cabeça era comprida e achatada, como uma tabuleta enfiada no corpanzil avantajado e esférico. Possuía um único olho, rasgado e sem pestanas, que estava constantemente a piscar, uma boca pequena de lábios grossos semelhante a um esfíncter. Caminhava com alguma dificuldade sobre as duas pernas curtas e, quando dava um passo, os tentáculos agitavam-se em espasmos. Como não os estava a usar para manejar objetos, tinha-os recolhido e não eram tão ameaçadores como se estivessem no seu comprimento máximo, mas ainda assim motivavam uma especial atenção às eventuais chicotadas que poderiam surgir daquela agitação muscular.

Luke imaginou se Jeiz Becka não teria aquela aparência repugnante, mas desconfiava que seria um humanoide igual a ele, possuindo contudo alguma deficiência física, um apêndice estranho ou uma parte cibernética que camuflaria um infeliz acidente antigo, provavelmente ocorrido durante uma infância miserável. Normalmente os ditadores tinham algum complexo que compensavam com o desprezo pelos outros e a criação de um poder imenso usado para esmagar os seres inferiores. Aquela criatura, que como o rapaz não teria um nome, seria um desses seres.

A criatura parou defronte dele e de Han. Farejou-os com inspirações curtas, embora não apresentasse um nariz visível naquele rosto plano e quase retangular, desprovido de cabelo ou de outro tipo de pelagem.

— De certeza? – tornou.

— O que é que o teu amigo quer saber? – perguntou Han, que estava a detestar aquela inspeção olfativa.

— Quer saber se vocês são rebeldes.

O coração de Luke disparou e sentiu-se a corar. Han soltou uma gargalhada divertida.

— Rebeldes, como da Aliança para restaurar a República? Achas que somos ingénuos, ou quê? Não sei o que pensaste sobre nós quando nos encontraste lá fora, mas não costumo lutar em nome de causas perdidas e essa guerra civil que combate o Império Galáctico é uma causa perdida. Não, não somos rebeldes e podes traduzir isso para o teu amigo se falei depressa demais. Já vi que ele usa outro linguajar. E ele que pare de nos cheirar… Os rebeldes têm um cheiro especial, ou quê?

O rapaz semicerrou os olhos. Não estava a acreditar, pela primeira vez, na conversa fiada de Han Solo. Ou porque a indignação lhe parecera demasiado sincera, ou porque a sua paciência já tinha terminado.

— Vamos falar de peças? – pediu o contrabandista. – Quero despachar depressa esse assunto. Já perdi demasiado tempo aqui…

A criatura compreendeu o que tinha sido respondido e afastou-se.

— Peças? – inquiriu encostando-se à bancada. – Nave!

Han hesitou. Essa referência não podia falsificar, como fizera com os seus nomes. Apertou os lábios e Luke resolveu assumir-se como o dono do veículo que estava com problemas.

— Hiperpropulsor de um cargueiro corelliano YT-3000. Problemas na transmissão de energia.

— Hum…

A criatura avançou até uma pilha de sucata e ficou a escavar pacientemente nessa lixeira, de costas para eles. Mais pó surgiu, em grandes baforadas, conforme a criatura ia remexendo na pilha que resvalava e se desfazia junto às botas sujas.

— Isso é interessante – disse Han, franzindo uma sobrancelha. – Julgava que o problema seria no calibrador de fluxo.

— Já tínhamos descartado essa possibilidade, Han… Hano – retorquiu Luke.

— A sério?

— Sim!

O rapaz bufou.

— Achas graça a isto, rapaz? – volveu Han agastado.

— Han! Hano! – exclamou Luke, tentando evitar que o contrabandista perdesse as estribeiras.

— Julgava que já tinham o diagnóstico da avaria feito – explicou o rapaz. – A vossa história continua a não ser credível.

— Queres vir connosco e ver com os teus olhos a nossa nave? – provocou Han presunçoso. – Mais um par de mãos habilidosas seria bastante útil para o conserto que é preciso fazer. Ou és daqueles que não gosta de sujar as mãos?

— Podem pagar a peça?

— Só a compramos se o preço for razoável – atirou Han.

— Para um cargueiro corelliano YT-3000 os preços nunca são razoáveis.

— Então, saímos daqui sem a peça. Assunto encerrado.

— E a trabalheira que me deram?

— Ninguém te deu nenhuma trabalheira. Não pedimos para vir até aqui.

— Acho que não podiam escolher, nessa questão.

— Pois acho que não, rapaz.

A criatura achou finalmente o que procurava e o que lhe tinha sido encomendado. Arrastou-se penosamente até eles com uma placa retangular suspensa num dos tentáculos que tinha crescido e que ondulava como um réptil. Grunhiu algumas palavras.

— Isso é o preço? – perguntou Han agressivo.

O rapaz ficou sério.

— Não pode ser… – murmurou.

A criatura grunhiu as mesmas palavras, a placa retangular dançava na extremidade do seu tentáculo, empurrando-a na direção de Han e de Luke.

— O que diz o teu amigo? – tornou a perguntar Han. – Algum preço com o qual não concordas? Vais perder a tua margem de lucro neste negócio, é isso? Nem imaginava que fosses ambicioso.

O rapaz humedeceu os lábios. Ia falar, mas a criatura cortou-lhe a palavra.

— Isto também… é para ti – disse-lhe arrastando as palavras. Tinha dificuldades em comunicar na língua comum, percebeu Luke, por isso evitava usá-la. Devia conhecer apenas alguns vocábulos básicos, algumas frases simples. O rapaz mirou-o compadecido.

— O que se passa? – insistiu o contrabandista.

Uma sirene irrompeu pelo compartimento. Ao alarme agudo seguiu-se uma intensa luz vermelha que jorrou de um holofote posicionado por cima da porta avariada. Han ficou em sentido, num reflexo levou a mão ao coldre para encontrá-lo vazio. Cerrou os dentes por não ter consigo a sua pistola laser DL-44 modificada. Luke olhou para todos os lados, o rapaz tinha perdido o seu aspeto fragilizado, mostrava-se rígido e atento. A criatura fez crescer um segundo tentáculo, enrolou-o no pulso de Luke e puxou-lhe pelo braço. Ele abriu a mão com o apertão e a criatura depositou aí a placa.

— O que é isto? – perguntou desorientado.

— Um presente. – respondeu o rapaz. – Agora, devemos ir.

Correu para a porta, desceu a escadaria em caracol a deslizar pelos degraus, Han e Luke foram atrás dele na mesma pressa, o último ainda a não acreditar que a criatura lhe tinha oferecido a peça para reparar o hiperpropulsor da nave. Seria muito útil se o problema fosse relacionado com a transmissão de energia, serviria para outra coisa se o problema fosse outro. De qualquer modo, era uma ajuda e não custara um crédito. Tudo se relacionava com aquela última frase da criatura. O que teria dito ao rapaz?

No átrio do complexo, que tinham acedido quando vieram do exterior, viraram à direita e entraram numa galeria comprida que terminava numa abertura iluminada, que indiciava a existência de uma sala larga que seria frequentada pelos restantes habitantes do lugar. Luke percebeu que não teriam outra oportunidade para se escaparem daquela situação. Han percebeu o mesmo. Trocaram um olhar furtivo.

— Onde nos levas agora? – questionou o contrabandista.

— Para a arena, vão acontecer jogos – revelou o rapaz. – Fomos convocados por Jeiz Becka. Não percebeste? O alarme e a luz chamam-nos para essa reunião a que ninguém pode faltar. Ignorar o convite é equivalente a uma sentença de morte e serás o próximo participante dos jogos.

— É assim que o Becka castiga os que lhe desobedecem? – questionou Luke, por sua vez.

— Entre outras ideias requintadas, sim. Ele costuma variar nos castigos aplicados, consoante a sua disposição.

— Alguma vez foste castigado?

O rapaz entremostrou um sorriso amargo.

— Se tivesse sido, não estava aqui com vocês.

— Não gostas dele.

— Não há nada para gostar, ou para não gostar. Trata-se de trabalho. – Após uma pausa prolongada, completou: – Trata-se de proteção.

Aproximavam-se da saída da galeria, a luz aumentava de intensidade, conseguiam escutar passos, vozes, silvos e outros ruídos característicos de um ajuntamento de pessoas, de criaturas e de androides. O rapaz adiantou-se um pouco quando Han atrasou os seus passos e, colocando uma mão à frente de Luke, também atrasou os dele. O rapaz percebeu o espaço subtil que se abrira, volveu a cabeça para trás mas não completou o movimento. Han desferiu-lhe um soco. O rapaz desequilibrou-se e Han aproveitou para encostá-lo à parede metálica da galeria, pressionando-lhe o pescoço com o braço. Levou uma mão ávida às dobras do casaco comprido, ordenando num grito:

— Devolve-nos as nossas armas! Já!

Mas teve de desistir da busca pois o rapaz já lhe apontava a sua pistola laser à cabeça, que sacara com uma desenvoltura impressionante. Arfando por ter a traqueia esmagada pelo braço do contrabandista afirmou:

— Escuta, não abuses da tua sorte. Percebi que és alguém duro, habituado a conviver com gente de reputação duvidosa… Eu também.

— Queres assustar-me? Deve ser uma piada. Uma piada de mau gosto!

— Não tens hipóteses de escapar. Estás na minha casa. Eu dou as ordens!

— Vamos experimentar?

Movendo os braços num gesto apaziguador, Luke pediu:

— Por favor, desculpa o meu amigo.

Não desejava que o rapaz se descontrolasse e disparasse, seria a morte de Han. Porém, não podiam perder mais tempo. Endureceu os olhos azuis e exigiu num tom glacial:

— Mas vais fazer o que ele te pediu. Vais devolver-nos as armas.

O rapaz calcou o cano da arma na testa de Han que ainda não lhe tinha libertado o pescoço, rosnando como um wookie zangado e encurralado.

— Falas a sério?! – disse num sopro – E como é que pensas obrigar-me a cumprir… esse teu pedido?

Luke afastou-se e sacou do seu sabre de luz, ligando-o. A lâmina azul pintou-lhe o rosto. Tinha-o guardado num bolso interior do seu casaco, que abrira quando entraram no complexo e porque não necessitava de o ter tão aconchegado ao corpo por causa do frio. O rapaz nunca imaginara que pudessem ter outras armas escondidas, não os revistara, erro de principiante. Esbugalhou os olhos.

— Onde arranjaste… isso? Mataste algum Jedi?

— Não te interessa – respondeu Luke, acintoso. – Escapou-te este pormenor, não foi? Julgavas que só tínhamos as pistolas laser quando nos pediste que nos desarmássemos. Agora… vais fazer o que ele te pediu. Devolve-nos as armas. Antes, entrega-me a tua, ou separo-te o braço do corpo. Sei usar este sabre de luz e também sei usar a Força.

— A… Força… – murmurou impressionado. – És um Jedi?

Ligar um sabre de luz naquela escuridão era arriscado, quando estavam relativamente perto do fim da galeria. O plasma da lâmina crepitava, lançava uma luz incomum, o fenómeno podia alertar aqueles que vagueavam pelo compartimento seguinte. Se aparecessem testemunhas, estavam novamente em apuros. O tempo continuava a ser o principal fator naquele recontro.

— Faz o que te digo. Depressa! – exigiu Luke avançando um passo.

O rapaz afastou a arma da cabeça de Han, que aproveitou para empurrar o braço com mais ímpeto. O rapaz tossiu sufocado.

— Deixa-a cair ou morres estrangulado. O meu amigo não vai parar – avisou Luke.

A arma tombou no chão da galeria. Luke tocou nas costas de Han.

— Calma, ele está desarmado.

— Maldito! Vais pagar-me pelo que andaste a fazer – rugiu o contrabandista enquanto abria à bruta o casaco comprido do rapaz. Alcançou as duas pistolas laser DL-44, devolveu uma a Luke. Empunhou a que era sua, apontou o cano à testa do rapaz que fechou os olhos, resignado. – Últimas palavras?

— Não vale a pena – disse Luke desligando o sabre de luz. – Vamos embora.

— E ele?

Luke agarrou no rapaz pela gola do casaco, puxou-o quando começou a andar na direção oposta da saída iluminada.

— Vai levar-nos até à saída e depois vai deixar-nos ir. Ainda precisamos da ajuda dele, para não sermos apanhados pelos homens do Becka que devem andar por aí, a reunir-se para irem assistir aos jogos.

Han apontou a sua arma às costas do rapaz resmungando que era uma boa ideia, ele que os levasse dali já que os tinha enfiado ali dentro, que desejava que ele chegasse atrasado aos jogos e que o Becka reparasse nessa falta, que o castigasse imediatamente sem julgamento atirando-o para a arena para ser devorado por algum monstro daquelas paragens, juntando imprecações e maldições. Estava somente a descarregar a tensão que acumulara.

— Não vamos precisar dele depois de chegarmos ao exterior – explicou, já mais calmo. – Está toda a gente nos jogos, ninguém vai dar por nós se corrermos suficientemente depressa para sairmos do perímetro do complexo. Não acredito que os vigilantes tenham sido dispensados desse espetáculo tão importante e todos julgam-se a salvo neste pequeno reino.

Luke concordou.

— Vou com vocês.

A declaração do rapaz apanhou-os desprevenidos.

— O quê? – estranhou Han – Nem pensar! Vais connosco? Há pouco querias rebentar-me com a cabeça e agora queres ser nosso companheiro? Não somos idiotas!

O peso da placa retangular na sua mão esquerda foi demasiado real. Luke começou a compreender. As vibrações que sentia eram como pequenos dedos tocando-o devagar. O rapaz disse:

— Vocês são rebeldes. O meu amigo descobriu o vosso segredo.

— E se formos rebeldes? – escarneceu Han. – O que interessa isso? Vais deixar-nos sair desta espelunca a que chamas casa, adeusinho e não quero voltar a ver-te, nunca mais.

O rapaz negou enfaticamente.

— Não será assim tão fácil sair daqui. O Becka vai perseguir-vos. Ele já sabe que estão nestas instalações. Ele tem espiões… especiais. Não apenas criaturas ao seu serviço, mas um complicado esquema eletrónico de identificação dos membros da sua organização. O sistema de vigilância já me denunciou e já vos identificou com um código. Depois é só oficializar a inscrição… Nem são precisos grandes formalismos. Dão-nos uma pulseira e fica feito. Como esta. – Puxou a manga e mostrou um aro cinzento que lhe cobria o pulso esquerdo, pontilhado com símbolos verdes e amarelos.

Han carregou uma mão sobre o peito do rapaz, espalmou-o contra a parede, apontou-lhe a pistola laser ao rosto e vociferou:

— Sabias que nos trazias para uma armadilha se entrássemos neste complexo. Estamos marcados, já pertencemos ao Becka. Bastou passarmos por aquele portão!

O eco daquele grito reverberou pela galeria vazia. Luke estremeceu, verificando se continuavam sozinhos, olhando para as duas extremidades, alternadamente. Uma sombria, a outra luminosa. Aguçou os sentidos, colocou-se em alerta. Sentia uma multidão a cirandar pelos vários contentores empilhados, a convergir para um único lugar, onde já se agitava outra multidão.

— Ganhamos pontos se fizermos novos recrutamentos para a organização – revelou o rapaz envergonhado e receoso. – Nunca pensei que conseguiria encontrar incautos que caíssem nesse esquema nas proximidades do complexo. Este planeta não está habitado, ninguém passa por aqui. Tinha acabado de chegar de uma viagem longa pelo sistema de Ragnar, onde não consegui convencer um único idiota para me acompanhar. Estava frustrado, cansado, desiludido… Pertencer ao Becka não é a maravilha que eu imaginava. Depois, vi-vos e soube, desde o primeiro momento, que vocês iriam ajudar-me. De qualquer forma.

Han recuou, nunca perdendo o ponto de mira. Estava a considerar deixá-lo ali, a falar para as sombras, prosseguindo sozinhos e confiando que não seriam entretanto intercetados.

— Se não comparecerem na arena ele vai saber que fugiram. E se eu aparecer sem vocês, vai saber que vos ajudei. – Voltou-se para Luke. – Estou condenado, têm razão. Acabei de perder o direito de aqui estar. Vou morrer. Talvez hoje, amanhã… O Becka vai inventar qualquer coisa para fazer de mim um exemplo.

Fez uma pausa para engolir a saliva.  

— O meu amigo… Aquele que vos deu a peça para reparar o hiperpropulsor. É o meu único amigo entre estes criminosos. Sempre me protegeu, disse-me que um dia a minha vida iria mudar. Ele descobriu quem são, por causa da vossa nave. Disse-me que se chama Millenium Falcon, a lendária Millenium Falcon. Disse-me que fosse convosco, sem olhar para trás e sem ter medo do Becka. Disse-me que pertencem à Aliança, que entre os rebeldes eu estaria… protegido.

— História muito comovente – troçou Han.

Luke apertou a placa. Percebeu que um grupo considerável se acercava da galeria. Iriam usar aquele caminho para chegar à arena. O tempo deles tinha expirado e havia que tomar decisões importantes para salvar vidas, não apenas a deles, mas também daquele rapaz que se apresentava agora mais frágil, menos arrogante.

— Ele vem connosco – declarou Luke.

— O quê?! – admirou-se Han.

— Ele vem connosco.

O contrabandista guardou a pistola laser no coldre num gesto brusco. Também tinha percebido que o rapaz perdera as suas características ameaçadoras. Confrontou Luke irritado:

— O que é que se passa? Acreditaste nas patranhas que ele acabou de contar?

— A criatura que nos deu esta placa disse alguma coisa que nós não entendemos, mas ele sim. Não são patranhas, ele está a contar a verdade.

— E mesmo que fosse verdade… Não me apetece ajudar quem nos esteve a enganar, que nos queria capturar e atirar para uma situação que levaria, sem qualquer sombra de dúvida, ao nosso fim. O que é que se passa contigo? Queres salvar toda a gente que se atravesse no teu caminho e que está em apuros? Princesas que vão ser executadas, rapazes tresmalhados? Olha, tenho notícias pouco agradáveis para ti. Não o podes fazer! Não vais conseguir salvar tudo e todos!

— Fá-lo-ei sempre que puder! – devolveu Luke. – Temos de sair daqui imediatamente. – Voltou-se para o rapaz. – Alguém aproxima-se desta galeria. Existe alguma saída secundária?

— Por aqui.

O rapaz andou em sentido contrário, para a parte iluminada. Tateou a parede, encontrou um botão dissimulado, carregou neste. Uma passagem estreita revelou-se, pediu-lhes que entrassem. Han continuava desconfiado, mas concordou em seguir os instintos de Luke. Com a princesa que era para ser executada aconteceu um final feliz, com o rapaz tresmalhado podia suceder idêntico desfecho. Correram pela passagem, sem respirar, sem pensar. Luke ainda olhou para trás. Pela fina abertura viu uma comitiva passar, alegre mas sem alvoroço, numa dignidade incomum para um conjunto tão maltrapilho, uma escolta de bajuladores e de aproveitadores de um homem que tratavam com deferência e que se destacava por parecer estar sinceramente enfastiado. Passaram sem se aperceberem daquele buraco aberto por onde eles fugiam, iam distraídos com a antecipação do que iriam ver na arena, amansados pela presença do tal homem relevante, que só podia ser Jeiz Becka.

No exterior, o vento frio foi refrescante, libertador, vivo. Voltaram a correr até a garganta arder, os músculos protestar, o ânimo quase se desfazer. Ao avistarem a Millenium Falcon puseram-se a andar, ofegantes, cansados, sorridentes, tinham enganado o chefe dos bandidos, tinham conseguido escapar da prisão. Han e Luke sorriam, o rapaz, talvez mais consciente da natureza desse cruel senhor do crime, continuava sério. No cimo da rampa da nave estava Threepio que celebrou entusiasticamente quando os avistou.

— Oh, graças aos céus que voltaram, sãos e salvos! Já estava a ficar preocupado. Não responderam aos apelos de Chewbacca que tentou contactar-vos pelos intercomunicadores. Imaginava o pior…

— Tivemos algumas dificuldades – esclareceu Luke, alcançando o cimo da rampa em primeiro lugar. – Mas estamos bem, como podes comprovar. Onde está o Artoo? Temos trabalho.

O androide protocolar reparou no rapaz que entrava na nave, a olhar hipnotizado para o seu interior. Quando Han chegou, fez recolher a rampa e chamou pelo wookie com um berro.

— Oh, que indelicado da minha parte. Trazem um convidado.

— Não é um convidado, Threepio. É um novo companheiro.

— Oh…

Luke entregou a placa ao androide. Artoo surgiu a apitar, comunicando que a avaria do hiperpropulsor estava encontrada. Foi com algum espanto e um imenso alívio que ficou a saber que se tratava mesmo da transmissão de energia. Han gracejou, dizendo que alguém tinha tido um excelente palpite. Luke sentiu-se esquisito. Fora talvez mais do que um palpite… Fora uma certeza alcançada através de um processo inconsciente.

O tempo corria ainda contra eles. A reparação foi rápida. Han sentava-se na sua cadeira de piloto, Chewbacca ligava os propulsores. Os androides sentavam-se na área dos passageiros e o rapaz ajuizou que o seu lugar seria com Threepio e Artoo. Luke, antes de entrar na carlinga, lembrou-se de um pormenor e interpelou o rapaz.

— Como te chamas?

— Ralter. Dak Ralter.

Trocaram um aperto de mão.

— Muito Prazer. Eu sou o Luke Skywalker.

O rapaz sorriu timidamente. Não lhe exigiu uma explicação para o nome ser diferente do que lhe tinha sido inicialmente revelado. Talvez sempre soubera que estavam num jogo de mentiras e meias verdades desde o início. Sabia reconhecer os instintos de sobrevivência alheios.

— Não sou… o que pensam que eu sou.

Luke sorriu-lhe de volta.

— Não importa. Agora, temos é de sair daqui antes que o Jeiz Becka perceba que não estamos a assistir aos seus jogos sangrentos.

Os motores da Millenium Falcon rugiram e, passado pouco tempo, abandonaram aquele planeta maldito e ferrugento, onde os ventos gelados carregavam prenúncios de perigos escondidos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Um capítulo gigante com muita coisa a acontecer!
Desculpem pela extensão mas foi impossível contar tudo o que era suposto em menos palavras...
Então vamos ao que aconteceu: Luke e Han ganharam um novo companheiro, a rebelião ganhou um novo lutador. Dak Ralter! E para aqueles que se estão a perguntar de quem se trata, não é um personagem original mas um personagem Star Wars que participou no episódio V, O Império Contra-Ataca. Dak é o artilheiro que acompanha Luke no caça durante o assalto terrestre do Império Galáctico a Hoth.
Para quem quiser rever a cena - e vemos o que vai acontecer ao Dak nessa batalha - podem ver o vídeo em:
https://www.youtube.com/watch?v=7FQNIoVLSdw
Nesta história teremos o Dak em relativo destaque e verão como ele se tornou um camarada de armas de Luke Skywalker. Mas isso será nos capítulos seguintes.
Temos também a introdução de um personagem original, o senhor do crime Jeiz Becka. O que acharam dele? Será que vai aparecer novamente nesta história?
A Millenium Falcon sempre a dar problemas mas é uma excelente nave de fuga.

Próximo capítulo:
Regresso à base.